Nelson Maleiro foi uma figura importante na cena cultural de Salvador nas décadas de 1960 e 1970. Ele criou a Sociedade Carnavalesca Cavalheiros de Bagdá e inovou nos carros alegóricos com dragões e baleias. Maleiro também foi o primeiro negro a aparecer em um comercial de TV na Bahia. Apesar de sua importância histórica, ele é esquecido hoje em dia.
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Nelson Maleiro
1. MEMÓRIA Gigante esquecido
Agitador cultural nas décadas de 60 e 70, Nelson Maleiro também foi
o primeiro negro a aparecer num comercial da tevê baiana
Dante Matisse Dessa época, muito se recorda. UFBA. Ele afirma que é preciso con- do Governo, a exemplo do que já
A vendedora ambulante Maria de servar a memória de Nelson Maleiro ocorre hoje com o Olodum e Ilê
U
m artista, um homem, uma Fátima, 52, diz que ainda lembra que, sem dúvida, é um marco na Ayiê”, explica Mendes. E completa:
vida. Nelson Maleiro (1909- dos carnavais que, segundo ela, historia cultural da Bahia. “A Asso- “Nelson não é lembrado hoje por não
1982) foi uma das figuras ”não existem mais”. “Eu era crian- ciação pretende desenvolver um tra- se vincular, na época, à política lo-
mais importantes no meio cultural ça e minha mãe me levava para ver balho de resgate da memória de cal, a não ser subserviente, como é
de Salvador nas décadas de 1960 e o carnaval e os carros belíssimos Nelson Maleiro e devolvê-lo ao lu- de costume na Bahia”.
1970 e completaria este ano 94 que passavam pelas ruas. Ela co- gar de importância que possui. Além Há 21 anos, esquecido, sem
anos. Figura versátil, reunia um nheceu Nelson Maleiro, o Gigante, disso, buscamos incentivar outras muitos recursos, Nelson Maleiro
pouco de tudo. Nelson Cruz, seu como diziam, falavam que ele era pessoas ou associações, principal- morria. Mas sua obra e seus feitos,
nome de batismo, foi fabricante de muito bom”, recorda. Gilberto Gil mente as entidades negras baianas, confundem-se com a sua vida. São,
malas (daí o Maleiro), de instru- eternizou o mito dos Cavalheiros na a estudarem e recuperarem também ao mesmo tempo, o fogo e a água,
mentos de percussão, esportista e, musica Filhos de Gandhy: “Merca- a sua relevância”, afirma. o dragão e a baleia, indissociáveis.
principalmente, agitador cultural, dor, Cavaleiro de Bagdá/ Oh, filhos O gigante ultrapassava a fron-
quando recriou e idealizou o car- de Obá/ Manda descer pra ver/ Fi- teira da festa. Eram comuns filas em
naval nos tempos dos carros alegó- lhos de Gandhy”. frente à sua casa na Barroquinha,
ricos. Escada para o sucesso - Nelson fi- composta por pobres que depen-
Filho de pescador, negro, cou famoso, ainda, pela persona- diam da ajuda de Nelson. Na la-
semianalfabeto, nascido em gem que viveu no imaginário de deira do Ferrão (Pelourinho),
Saubara, distrito próximo à capital muitos baianos, o Gigante de Bag- Nelson conseguiu, em 1960,
baiana, chegou em Salvador aos dez dá, que, caracterizado com orna- uma sede para Os Cavalheiros
anos, com a sacola cheia de sonhos mentos árabes, se exibia nos car- de Bagdá, local onde eram rea-
e uma habilidade, que descobriria navais da cidade e, mais tarde, no lizadas festas para a comunida-
depois, para a produção carnava- programa Escada para o sucesso de do Pelourinho, quando o lu-
lesca. O carnaval, ainda não toma- (1961-62), da TV Itapoã, desferin- gar não possuía a visibilidade
do pelo Estado como produto tu- do um porrete contra um gongo, de hoje. “No Pelourinho ele
rístico, era terreno mais do que em virtude das atrações “pouco promovia esses encon-
apropriado para as invenções de agradáveis”. Nessa emissora, Nelson tros para a comu-
Maleiro: era o espaço dos negros, foi o primeiro negro a protagonizar nidade, para
dos pobres e criativos que faziam um comercial na Bahia. A imagem que a auto-
daquele momento a afirmação da do Gigante, forte e robusto, era as- estima do
vida e da negritude. Sem o apoio sociada ao produto. povo fosse
efetivo do governo baiano, Maleiro, O professor Leonardo Mendes, recuperada,
depois de sair do grupo Mercadores um dos fundadores da Associação sendo um
de Bagdá, um dos que agitavam o Amigos de Nelson Maleiro, em fun- trabalho
carnaval com os carros alegóricos, cionamento desde 1996 em Salva- pioneiro,
fundou o seu próprio espaço, onde dor, recentemente estudou-o na sua sem aju-
poderia desenvolver suas idéias. monografia de Especialização em Es- da ne-
A Sociedade Carnavalesca Cava- tudos Lingüísticos e Literários pela nhuma
lheiros de Bagdá, criada em 1959,
por ele e dissidentes do Mercado-
res, explorou ao máximo as possi-
FACULDADES JOEGE AMADO
bilidades criativas do carnaval. A
festa milionária de hoje, na déca-
JORNAL ENTRELINHAS
da de 60 engatinhava nas ruas do
OUTUBRO DE 2003
centro da cidade, passando pela
Castro Alves e Barroquinha, encan-
tando o público. Os Cavalheiros fi-
zeram história e seus desfiles ti-
nham baleias que soltavam água
nos foliões, dragão expelindo fogo
e sucumbindo em chamas nos des-
files, com o slogan: “Os maus por
10 si só se destróem”, em alusão ao
poder público da época, além de
Arquivo
tantas criações memoráveis.