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                                Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte.




                        O EPISÓDIO DO VELHO DE RESTELO:
                             VATICÍNIO E ECO LITERÁRIO


    THE EPISODE OF VELHO DE RESTELO: “VATICÍNIO” AND LITERARY
                             ECHO




                                                                          Sheyla Regina dos Santos Farias1




RESUMO: Este artigo compreende uma análise da fala do “velho do Restelo”, contida em
Os Lusíadas, que retoma o coro grego em sua sabedoria, voz da razão e da consciência.
Essa fala é retomada posteriormente por Fernando Pessoa em Mensagem e por José
Saramago com a Fala do velho do Restelo em Poemas Possíveis e em Memorial do Convento.
Em Os Lusíadas, há crítica à expansão marítima, à cobiça e à conseqüente expansão da fé
católica. Em Mensagem, Fernando Pessoa mostra dois pontos de vista opostos: crítica à
expansão, devido às perdas e sofrimentos lusitanos e, em seguida, valorização do
sofrimento, engrandecendo a conquista e o sacrifício. Em Os Poemas Possíveis, Saramago
faz menção à corrida espacial e à Guerra do Vietnã por meio da “fome” e do “napalme”,
fazendo assim uma crítica à desvalorização da essência da vida. Em Memorial do
Convento, o autor critica a construção do Convento de Mafra, no qual os homens
abandonaram suas esposas e filhos para trabalhar em prol do progresso. O coro da tragédia
grega possui essa voz da sabedoria, retomada justamente na literatura, pela fala do “velho
do Restelo”.

PALAVRAS-CHAVE:               poesia      portuguesa;        romance         português;   contra-ideologia;
progresso.



ABSTRACT: This article embraces an analisys of the “velho do Restelo” speech, in Os
Lusíadas, which retakes the Greek chorus within its wisdom, voice of reason and
consciousness. This speech is lately retaken by Fernando Pessoa in Mensagem and by José
Saramago with Fala do velho do Restelo in Poemas Possíveis and in Memorial do Convento. In
Os Lusíadas there is criticism on the sea expansion, greedness and, consequently, the
expansion of Catholic faith. In Mensagem, Fernando Pessoa shows two different and

1
 Sheyla Regina dos Santos Farias, graduanda em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é
participante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, na área de Literatura
Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. Wagner Martins Madeira. E-mail: sche_letras@yahoo.com.br.

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opposing points of view: criticism of expansion because of Lusitanian loss and suffering,
which valued the conquest and the sacrifice. In Os Poemas Possíveis, Saramago mentions
the spatial race and the Vietnamese War, through the “hunger” and “napalm”, this way
criticising the depreciation of vital essence. In Memorial do Convento, the author criticises
the construction of the monastery of Mafra, in which the men abandoned their wives and
children in order to work in favour of progress. The chorus of Greek tragedy contains this
voice of wisdom, precisely recaptured in literature, by the “velho do Restelo” speech.

KEYWORDS: portuguese poesy; portuguese novel; counter-ideology; progress.




       A conquista ultramarina foi um fator significativo para o ressurgimento da epopéia
em Portugal, cabendo a Camões a missão de fazer o poema épico que narrou os feitos
lusitanos. Desta forma nasceu Os Lusíadas, que teve como objetivo principal narrar a
expansão político-religiosa, pois Portugal estava no auge do seu império, conquistado com
a coragem de sua gente, que pioneiramente desbravou o mar desconhecido.

       Segundo Massaud Moisés (1997), nesse período a prosa não tinha muita
importância estética, a poesia era tida como mais nobre e como não havia nada mais nobre
que a expansão ultramarina, o poema teria que ser escrito à altura dos feitos portugueses
(p53-60)

       A obra Os Lusíadas foi inspirada pela epopéia clássica, tendo como modelo A
Eneida de Virgilio, A Ilíada e A Odisséia, de Homero, porém Camões não queria apenas
“imitar” os gregos e os romanos, queria rivalizar sua obra com os modelos da Antigüidade.
O maior exemplo dessa emulação se encontra no Canto Primeiro de Os Lusíadas, em que
os portugueses já em alto mar exaltam seu valor e seus grandiosos feitos, mostrando-se
superiores aos gregos e aos romanos.

       A base da obra é narrar a viagem de Vasco da Gama às Índias, mas o poema não se
prende ao comandante da frota portuguesa, é polifônico. Essa polifonia está marcada em
todos os episódios da epopéia, como Inês de Castro, o Velho do Restelo, o Gigante
Adamastor e a própria voz de Vasco da Gama narrando a viagem.

       Utilizando-se da polifonia, Camões levanta a voz de um “velho de aspeito
venerando” que estava na praia de Restelo quando as naus partiram, para prenunciar as


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ruínas que trariam o progresso e a técnica. Camões compara tal progresso ao sucesso de
Prometeu que foi buscar nos Infernos o fogo para os homens, criticando assim, a busca
pela Fama, a vã cobiça humana, a vaidade, desejo por riquezas e poder. A fala do velho é,
portanto, uma contradição aos fastos da viagem.

       Ressalte-se que Camões retorna à Antigüidade Grega, pois a voz de um velho,
equivalente ao coro grego, representa a consciência conservadora portuguesa.

       A partir do episódio do Velho do Restelo é possível fazer um diálogo intertextual
das seguintes obras: o poema épico Os Lusíadas, de Camões; Mar Português, de Fernando
Pessoa em Mensagem; Fala do Velho do Restelo ao Astronauta em Os poemas possíveis e
Memorial do Convento, ambas de José Saramago.

       O diálogo intertextual dO episódio do Velho do Restelo com as obras citadas, resgata os
valores da Antigüidade Grega, como a sabedoria e experiência explícitas na fala do velho.

       Como se sabe, o episódio do Velho do Restelo, narra o momento em que um
“velho de voz pesada” surge na praia do Restelo, como se fosse um espectro bradando
contra a navegação portuguesa:

               Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
               Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
               [...] Fazes no peito vão que muito te ama!
               Que mortes, que perigos, que tormentas,
               Que crueldades neles experimentas!

               - Dura inquietação d’alma e da vida,
               Fonte de desamparos e adultérios,
               Sagaz consumidora conhecida
               De fazendas, de reinos e de impérios:
               Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
               Sendo dina de infames vitupérios;
               Chama-te Fama e Glória soberana,
               Nomes que esse povo néscio engana!

                                (CAMÕES, 1979, p.178)

       Segundo Alfredo Bosi (1993), O episódio do Velho do Restelo é o anticlímax da
epopéia, a voz do Velho é um contraponto à glorificação das navegações portuguesas, pois




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a viagem trará muitas conseqüências ao povo lusitano, é uma crítica direta à cobiça humana
em busca das especiarias nas Índias e novos territórios (p. 37-46).

       Para Hernani Cidade (1979), a fala do Velho do Restelo é uma condenação à
ultrapassagem dos “vedados términos”. Resultou numa fala profética, já que o país
posteriormente foi anexado à Espanha por 60 anos. Uma vez que, em última análise
representa a sabedoria popular (p. 7-17).

       Nesse sentido, a voz da coralidade, na tragédia clássica, o coro representava uma
coletividade e tinha o poder de cantar as partes significativas do drama, saindo do plano
individual para o coletivo.

       Foram atribuídas ao coro várias funções no drama grego, como por exemplo, ser
uma personagem da peça, fornecer conselhos, exprimir opiniões e também exercer o papel
de espectador. Enfim, o coro era considerado a voz da consciência.

       O coro mantém ainda sua tradicionalidade conservadora no drama, diferentemente
da tragédia e da comédia que se tornaram secularizadas e perderam o elo com os rituais
religiosos que as originou.

       Por isso, o poder convencional e persuasivo do coro é a razão pela qual tem sido
revivido na literatura, exemplo disso é o episódio do Velho do Restelo em Os Lusíadas.

       Destarte, Camões expressa uma visão anti-heróica a favor dos interesses do povo,
do campo, e contra a ideologia da política ultramarina de Portugal e aos valores
supostamente pretendidos por ela, como a propagação da fé cristã.

       Mar Português é um poema épico de Fernando Antonio Nogueira Pessoa, poeta
modernista, que compõe seu único livro em versos escrito em língua portuguesa, publicado
ainda em vida: Mensagem.

       Para os portugueses a conquista de novos territórios era uma necessidade, uma luta
incessante pela hegemonia, pelo poder. Preocupados com a expansão geográfica, os
lusitanos lançaram-se ao mar rumo às novas conquistas. Nesse poema, Fernando Pessoa



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reitera a importância do mar na tradição portuguesa, que para os lusitanos representava a
liberdade e esperança da nação.

       Primeiramente, Fernando Pessoa descreve em seu poema todas as perdas que
sofreram os lusitanos com as conseqüências da expansão ultramarina e utiliza-se
indiretamente da pesada fala do Velho do Restelo para descrever as salgadas lágrimas de
Portugal.

       Posteriormente, Fernando Pessoa expõe uma visão ideológica que se opõe à fala do
Velho, declarando que mesmo com todo o sofrimento gerado pela expansão ultramarina, o
povo português merece exibir seus grandes feitos.

               Valeu a pena? Tudo vale a pena
               Se a alma não é pequena
               [...]
               Quem quer passar além do Bojador
               Tem que passar além da dor.
                               (PESSOA, 1992, p.71)

       Afinal, para “passar além do Bojador”, “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”,
ou seja, mesmo com todas as perdas conseqüentes das navegações, “valeu a pena” todo o
sacrifício da nação portuguesa para galgar novas conquistas.

       O poema Fala do Velho de Restelo ao Astronauta integra a obra de José Saramago, Os
Poemas Possíveis. Retrata a problemática mundial da segunda metade da década de 1960,
momento em que Portugal convivia com a ditadura salazarista.

       O poema faz referência à corrida espacial e à Guerra do Vietnã, alude à luta pelo
poder imperialista das duas maiores potências mundiais, URSS e EUA, e expõe a
destruição como uma banalidade.

       Segundo Wagner Martins Madeira (2006), o próprio título da obra, Os Poemas
Possíveis, remete-nos aos sentimentos da nação portuguesa, utilizando-se da “fome” e do
“napalme” para demonstrar a única forma possível de fazer poesia, em meio a tanta
destruição, expondo os sofrimentos e desenganos humanos. No poema, “a ‘fome’ e o
‘napalme’ são invocados como um contraponto às maravilhas da tecnologia” (p. 481-497).



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               Aqui, na Terra, a fome continua,
               A miséria, o luto, e outra vez a fome.
               [...]
               Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
               Onde come, brincando, só a fome,
               Só a fome, astronauta, só a fome,
               E são brinquedos as bombas de napalme.
                                (SARAMAGO, 1982, p.76)

       A contradição fica ainda mais evidente, se for observada a expressão que “o mundo
[...] é boa mesa”, índice de fartura, que se opõe à repetição da palavra “fome” que explicita
o retrato da Terra, “Onde come, brincando, só a fome”.

       No poema em questão, a voz do Velho do Restelo ressurge como um ectoplasma
em prol da nação, pois trata das questões universais e não somente do sofrimento lusitano,
como em Camões.

       O poema faz críticas ao esquecimento dos valores essenciais da vida e à ganância
humana em busca do poder e da “Fama” e é exatamente a ultrapassagem dos “vedados
términos”, ou seja, as conseqüências causadas pela corrida espacial que condena a voz do
Velho do Restelo.

       Memorial do Convento, foi escrito em 1982. O romance torna a obra de José
Saramago célebre por sua plurissignificação, é um texto que revela perspectivas históricas e
sociais da época.

       A obra se inicia com o descontentamento do rei D. João V, casado com D. Maria
Ana Josefa, que sonhava em ter um herdeiro, no entanto sua esposa não conseguia
engravidar.

       Certo dia surge um bispo inquisidor, acompanhado por um velho frade franciscano,
que diz ao rei que caso construísse um majestoso Convento em Mafra (Portugal),
certamente sua esposa lhe daria um herdeiro. Sendo assim, a promessa foi feita.

       Como o esperado, o rei D. João teve filhos e assim cumpriu-se a promessa e o
Convento de Mafra foi construído. Próximo a sua inauguração houve uma grande
tempestade que derrubou algumas estruturas do Convento e, desesperado, o rei decide


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reconstruir tudo às pressas, recompensando os trabalhadores que reerguerem a obra em
poucos dias com moedas de ouro. No entanto, muitos trabalhadores morreram nesta etapa
da construção.

       Alguns anos depois o rei ainda não estava contente com a construção do Convento
e decide ampliá-lo, mas temia morrer antes de vê-lo pronto e, por isso, convoca todos os
homens de Lisboa para trabalhar em Mafra, no projeto de ampliação do Convento.

       Esse é o momento que se ergue a voz de um velho, que se assemelha à voz do
Velho do Restelo, opondo-se à construção do Convento de Mafra, ou seja, a ultrapassagem
dos “vedados términos”, enumerando o sofrimento do povo em deixar o cerne familiar,
abandonar suas esposas, ter os filhos longe de casa, tudo por causa da glória de mandar, da
vã cobiça humana e infâmia do rei:

                 Por ordem de sua majestade, vais trabalhar na obra do Convento de Mafra [...].
                 Recusava-se o primeiro homem, fazia menção de escapar, apresentava pretextos
                 [...] e muitos eram metidos ao caminho a sangrar. [...], Maldito sejas até à quinta
                 geração, de lepra se te cubra o corpo todo, puta vejas a tua mãe, puta a tua mulher,
                 puta a tua filha, empalado sejas do cu até à boca, maldito, maldito, maldito. Já vai
                 andando a récua dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da vila as
                 infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, Ó doce e amado esposo, e outra
                 protestando. Ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta
                 cansada já velhice minha, não se acabam as lamentações [...] e então uma grande
                 voz se levanta, é um labrego de tanta idade já que o não quiseram, e grita subindo a
                 um valado que é o púlpito de rústicos, Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei
                 infame, ó pátria sem justiça, e tendo assim clamado, veio dar-lhe o quadrilheiro
                 uma cacetada na cabeça, que ali mesmo o deixou por morto.

                                                                                        (SARAMAGO,   1997,
                                                                            p.284)

       Dessa forma, José Saramago expressa uma visão contra-ideológica que critica a
construção do Convento de Mafra e os valores supostamente pretendidos como a
exaltação da fé cristã, que na verdade não passava de um jogo de interesses.

       Walter Benjamin, filósofo e crítico literário, considerado um ícone da cultura alemã,
escreveu o célebre ensaio O narrador. Benjamin discorre em seu ensaio O narrador sobre a
experiência acumulada que faz a diferença entre um bom ou mal narrador. Afirma que a
arte de narrar está em vias de extinção, pois cada vez é mais raro nos depararmos com



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narradores capazes de narrar corretamente, que demonstrem em sua voz confiança ao
interlocutor, que evidenciem sabedoria.

       Segundo ele, o bom narrador é aquele que expressa experiência acumulada,
sabedoria, que realmente tenha algo de útil para contar. Primeiramente, consideravam-se
bons narradores, os viajantes, aqueles que vinham de longe, carregando consigo memórias
longínquas. Em suma, tinham o dom da arte de narrar.

       Posteriormente, os artesãos aprimoraram essa arte, pois a narrativa não era somente
a palavra, mas os gestos de quem narrava a história. Como alguém que estivesse em casa,
como o Velho do Restelo, que conhecia as tradições, cultura e histórias de sua terra.

       Em suma, percebe-se que O episódio do Velho do Restelo, a Fala do Velho do Restelo ao
astronauta e Memorial do Convento apresentam aspectos negativos referentes à
ultrapassagem dos “vedados términos”, ou seja, são contrários à navegação, à glorificação
dos lusitanos, à corrida espacial e à construção do majestoso Convento de Mafra.

       Na contramão, o poema Mar Português exalta a idéia do progresso, mesmo a custo
de mortes e sofrimento. Dessa forma, a ultrapassagem dos “vedados términos” é um
aspecto positivo para a nação portuguesa, uma vez que resultou tanto em uma expansão
material queanto espiritual de Portugal.




       REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. “O narrador” In Os Pensadores, vol. Escola de Frankfurt - 2 ed., São
     Paulo: Nova Cultural, 1983.

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

CAMÕES, Luiz Vaz de. Prefácio: Hernani Cidade. Os Lusíadas. São Paulo: Abril Cultural,
    1979.

MADEIRA, Wagner Martins. “Camões e Saramago e o discurso na contramão: de argonautas a
    astronautas” In Dialogia na Literatura Portuguesa. Org: Lílian Lopondo. São Paulo:
    Grupo Editorial Scortecci, 2006.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1997.

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PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: FTD, 1992.

SARAMAGO, José. Memorial do Convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

___________, José. Os poemas possíveis. Lisboa: 1982.




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O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo

  • 1. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. O EPISÓDIO DO VELHO DE RESTELO: VATICÍNIO E ECO LITERÁRIO THE EPISODE OF VELHO DE RESTELO: “VATICÍNIO” AND LITERARY ECHO Sheyla Regina dos Santos Farias1 RESUMO: Este artigo compreende uma análise da fala do “velho do Restelo”, contida em Os Lusíadas, que retoma o coro grego em sua sabedoria, voz da razão e da consciência. Essa fala é retomada posteriormente por Fernando Pessoa em Mensagem e por José Saramago com a Fala do velho do Restelo em Poemas Possíveis e em Memorial do Convento. Em Os Lusíadas, há crítica à expansão marítima, à cobiça e à conseqüente expansão da fé católica. Em Mensagem, Fernando Pessoa mostra dois pontos de vista opostos: crítica à expansão, devido às perdas e sofrimentos lusitanos e, em seguida, valorização do sofrimento, engrandecendo a conquista e o sacrifício. Em Os Poemas Possíveis, Saramago faz menção à corrida espacial e à Guerra do Vietnã por meio da “fome” e do “napalme”, fazendo assim uma crítica à desvalorização da essência da vida. Em Memorial do Convento, o autor critica a construção do Convento de Mafra, no qual os homens abandonaram suas esposas e filhos para trabalhar em prol do progresso. O coro da tragédia grega possui essa voz da sabedoria, retomada justamente na literatura, pela fala do “velho do Restelo”. PALAVRAS-CHAVE: poesia portuguesa; romance português; contra-ideologia; progresso. ABSTRACT: This article embraces an analisys of the “velho do Restelo” speech, in Os Lusíadas, which retakes the Greek chorus within its wisdom, voice of reason and consciousness. This speech is lately retaken by Fernando Pessoa in Mensagem and by José Saramago with Fala do velho do Restelo in Poemas Possíveis and in Memorial do Convento. In Os Lusíadas there is criticism on the sea expansion, greedness and, consequently, the expansion of Catholic faith. In Mensagem, Fernando Pessoa shows two different and 1 Sheyla Regina dos Santos Farias, graduanda em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é participante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, na área de Literatura Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. Wagner Martins Madeira. E-mail: sche_letras@yahoo.com.br. Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 1
  • 2. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. opposing points of view: criticism of expansion because of Lusitanian loss and suffering, which valued the conquest and the sacrifice. In Os Poemas Possíveis, Saramago mentions the spatial race and the Vietnamese War, through the “hunger” and “napalm”, this way criticising the depreciation of vital essence. In Memorial do Convento, the author criticises the construction of the monastery of Mafra, in which the men abandoned their wives and children in order to work in favour of progress. The chorus of Greek tragedy contains this voice of wisdom, precisely recaptured in literature, by the “velho do Restelo” speech. KEYWORDS: portuguese poesy; portuguese novel; counter-ideology; progress. A conquista ultramarina foi um fator significativo para o ressurgimento da epopéia em Portugal, cabendo a Camões a missão de fazer o poema épico que narrou os feitos lusitanos. Desta forma nasceu Os Lusíadas, que teve como objetivo principal narrar a expansão político-religiosa, pois Portugal estava no auge do seu império, conquistado com a coragem de sua gente, que pioneiramente desbravou o mar desconhecido. Segundo Massaud Moisés (1997), nesse período a prosa não tinha muita importância estética, a poesia era tida como mais nobre e como não havia nada mais nobre que a expansão ultramarina, o poema teria que ser escrito à altura dos feitos portugueses (p53-60) A obra Os Lusíadas foi inspirada pela epopéia clássica, tendo como modelo A Eneida de Virgilio, A Ilíada e A Odisséia, de Homero, porém Camões não queria apenas “imitar” os gregos e os romanos, queria rivalizar sua obra com os modelos da Antigüidade. O maior exemplo dessa emulação se encontra no Canto Primeiro de Os Lusíadas, em que os portugueses já em alto mar exaltam seu valor e seus grandiosos feitos, mostrando-se superiores aos gregos e aos romanos. A base da obra é narrar a viagem de Vasco da Gama às Índias, mas o poema não se prende ao comandante da frota portuguesa, é polifônico. Essa polifonia está marcada em todos os episódios da epopéia, como Inês de Castro, o Velho do Restelo, o Gigante Adamastor e a própria voz de Vasco da Gama narrando a viagem. Utilizando-se da polifonia, Camões levanta a voz de um “velho de aspeito venerando” que estava na praia de Restelo quando as naus partiram, para prenunciar as Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 2
  • 3. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. ruínas que trariam o progresso e a técnica. Camões compara tal progresso ao sucesso de Prometeu que foi buscar nos Infernos o fogo para os homens, criticando assim, a busca pela Fama, a vã cobiça humana, a vaidade, desejo por riquezas e poder. A fala do velho é, portanto, uma contradição aos fastos da viagem. Ressalte-se que Camões retorna à Antigüidade Grega, pois a voz de um velho, equivalente ao coro grego, representa a consciência conservadora portuguesa. A partir do episódio do Velho do Restelo é possível fazer um diálogo intertextual das seguintes obras: o poema épico Os Lusíadas, de Camões; Mar Português, de Fernando Pessoa em Mensagem; Fala do Velho do Restelo ao Astronauta em Os poemas possíveis e Memorial do Convento, ambas de José Saramago. O diálogo intertextual dO episódio do Velho do Restelo com as obras citadas, resgata os valores da Antigüidade Grega, como a sabedoria e experiência explícitas na fala do velho. Como se sabe, o episódio do Velho do Restelo, narra o momento em que um “velho de voz pesada” surge na praia do Restelo, como se fosse um espectro bradando contra a navegação portuguesa: Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! [...] Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! - Dura inquietação d’alma e da vida, Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios: Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios; Chama-te Fama e Glória soberana, Nomes que esse povo néscio engana! (CAMÕES, 1979, p.178) Segundo Alfredo Bosi (1993), O episódio do Velho do Restelo é o anticlímax da epopéia, a voz do Velho é um contraponto à glorificação das navegações portuguesas, pois Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 3
  • 4. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. a viagem trará muitas conseqüências ao povo lusitano, é uma crítica direta à cobiça humana em busca das especiarias nas Índias e novos territórios (p. 37-46). Para Hernani Cidade (1979), a fala do Velho do Restelo é uma condenação à ultrapassagem dos “vedados términos”. Resultou numa fala profética, já que o país posteriormente foi anexado à Espanha por 60 anos. Uma vez que, em última análise representa a sabedoria popular (p. 7-17). Nesse sentido, a voz da coralidade, na tragédia clássica, o coro representava uma coletividade e tinha o poder de cantar as partes significativas do drama, saindo do plano individual para o coletivo. Foram atribuídas ao coro várias funções no drama grego, como por exemplo, ser uma personagem da peça, fornecer conselhos, exprimir opiniões e também exercer o papel de espectador. Enfim, o coro era considerado a voz da consciência. O coro mantém ainda sua tradicionalidade conservadora no drama, diferentemente da tragédia e da comédia que se tornaram secularizadas e perderam o elo com os rituais religiosos que as originou. Por isso, o poder convencional e persuasivo do coro é a razão pela qual tem sido revivido na literatura, exemplo disso é o episódio do Velho do Restelo em Os Lusíadas. Destarte, Camões expressa uma visão anti-heróica a favor dos interesses do povo, do campo, e contra a ideologia da política ultramarina de Portugal e aos valores supostamente pretendidos por ela, como a propagação da fé cristã. Mar Português é um poema épico de Fernando Antonio Nogueira Pessoa, poeta modernista, que compõe seu único livro em versos escrito em língua portuguesa, publicado ainda em vida: Mensagem. Para os portugueses a conquista de novos territórios era uma necessidade, uma luta incessante pela hegemonia, pelo poder. Preocupados com a expansão geográfica, os lusitanos lançaram-se ao mar rumo às novas conquistas. Nesse poema, Fernando Pessoa Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 4
  • 5. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. reitera a importância do mar na tradição portuguesa, que para os lusitanos representava a liberdade e esperança da nação. Primeiramente, Fernando Pessoa descreve em seu poema todas as perdas que sofreram os lusitanos com as conseqüências da expansão ultramarina e utiliza-se indiretamente da pesada fala do Velho do Restelo para descrever as salgadas lágrimas de Portugal. Posteriormente, Fernando Pessoa expõe uma visão ideológica que se opõe à fala do Velho, declarando que mesmo com todo o sofrimento gerado pela expansão ultramarina, o povo português merece exibir seus grandes feitos. Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena [...] Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. (PESSOA, 1992, p.71) Afinal, para “passar além do Bojador”, “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, ou seja, mesmo com todas as perdas conseqüentes das navegações, “valeu a pena” todo o sacrifício da nação portuguesa para galgar novas conquistas. O poema Fala do Velho de Restelo ao Astronauta integra a obra de José Saramago, Os Poemas Possíveis. Retrata a problemática mundial da segunda metade da década de 1960, momento em que Portugal convivia com a ditadura salazarista. O poema faz referência à corrida espacial e à Guerra do Vietnã, alude à luta pelo poder imperialista das duas maiores potências mundiais, URSS e EUA, e expõe a destruição como uma banalidade. Segundo Wagner Martins Madeira (2006), o próprio título da obra, Os Poemas Possíveis, remete-nos aos sentimentos da nação portuguesa, utilizando-se da “fome” e do “napalme” para demonstrar a única forma possível de fazer poesia, em meio a tanta destruição, expondo os sofrimentos e desenganos humanos. No poema, “a ‘fome’ e o ‘napalme’ são invocados como um contraponto às maravilhas da tecnologia” (p. 481-497). Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 5
  • 6. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. Aqui, na Terra, a fome continua, A miséria, o luto, e outra vez a fome. [...] Mas o mundo, astronauta, é boa mesa Onde come, brincando, só a fome, Só a fome, astronauta, só a fome, E são brinquedos as bombas de napalme. (SARAMAGO, 1982, p.76) A contradição fica ainda mais evidente, se for observada a expressão que “o mundo [...] é boa mesa”, índice de fartura, que se opõe à repetição da palavra “fome” que explicita o retrato da Terra, “Onde come, brincando, só a fome”. No poema em questão, a voz do Velho do Restelo ressurge como um ectoplasma em prol da nação, pois trata das questões universais e não somente do sofrimento lusitano, como em Camões. O poema faz críticas ao esquecimento dos valores essenciais da vida e à ganância humana em busca do poder e da “Fama” e é exatamente a ultrapassagem dos “vedados términos”, ou seja, as conseqüências causadas pela corrida espacial que condena a voz do Velho do Restelo. Memorial do Convento, foi escrito em 1982. O romance torna a obra de José Saramago célebre por sua plurissignificação, é um texto que revela perspectivas históricas e sociais da época. A obra se inicia com o descontentamento do rei D. João V, casado com D. Maria Ana Josefa, que sonhava em ter um herdeiro, no entanto sua esposa não conseguia engravidar. Certo dia surge um bispo inquisidor, acompanhado por um velho frade franciscano, que diz ao rei que caso construísse um majestoso Convento em Mafra (Portugal), certamente sua esposa lhe daria um herdeiro. Sendo assim, a promessa foi feita. Como o esperado, o rei D. João teve filhos e assim cumpriu-se a promessa e o Convento de Mafra foi construído. Próximo a sua inauguração houve uma grande tempestade que derrubou algumas estruturas do Convento e, desesperado, o rei decide Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 6
  • 7. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. reconstruir tudo às pressas, recompensando os trabalhadores que reerguerem a obra em poucos dias com moedas de ouro. No entanto, muitos trabalhadores morreram nesta etapa da construção. Alguns anos depois o rei ainda não estava contente com a construção do Convento e decide ampliá-lo, mas temia morrer antes de vê-lo pronto e, por isso, convoca todos os homens de Lisboa para trabalhar em Mafra, no projeto de ampliação do Convento. Esse é o momento que se ergue a voz de um velho, que se assemelha à voz do Velho do Restelo, opondo-se à construção do Convento de Mafra, ou seja, a ultrapassagem dos “vedados términos”, enumerando o sofrimento do povo em deixar o cerne familiar, abandonar suas esposas, ter os filhos longe de casa, tudo por causa da glória de mandar, da vã cobiça humana e infâmia do rei: Por ordem de sua majestade, vais trabalhar na obra do Convento de Mafra [...]. Recusava-se o primeiro homem, fazia menção de escapar, apresentava pretextos [...] e muitos eram metidos ao caminho a sangrar. [...], Maldito sejas até à quinta geração, de lepra se te cubra o corpo todo, puta vejas a tua mãe, puta a tua mulher, puta a tua filha, empalado sejas do cu até à boca, maldito, maldito, maldito. Já vai andando a récua dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da vila as infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, Ó doce e amado esposo, e outra protestando. Ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha, não se acabam as lamentações [...] e então uma grande voz se levanta, é um labrego de tanta idade já que o não quiseram, e grita subindo a um valado que é o púlpito de rústicos, Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame, ó pátria sem justiça, e tendo assim clamado, veio dar-lhe o quadrilheiro uma cacetada na cabeça, que ali mesmo o deixou por morto. (SARAMAGO, 1997, p.284) Dessa forma, José Saramago expressa uma visão contra-ideológica que critica a construção do Convento de Mafra e os valores supostamente pretendidos como a exaltação da fé cristã, que na verdade não passava de um jogo de interesses. Walter Benjamin, filósofo e crítico literário, considerado um ícone da cultura alemã, escreveu o célebre ensaio O narrador. Benjamin discorre em seu ensaio O narrador sobre a experiência acumulada que faz a diferença entre um bom ou mal narrador. Afirma que a arte de narrar está em vias de extinção, pois cada vez é mais raro nos depararmos com Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 7
  • 8. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. narradores capazes de narrar corretamente, que demonstrem em sua voz confiança ao interlocutor, que evidenciem sabedoria. Segundo ele, o bom narrador é aquele que expressa experiência acumulada, sabedoria, que realmente tenha algo de útil para contar. Primeiramente, consideravam-se bons narradores, os viajantes, aqueles que vinham de longe, carregando consigo memórias longínquas. Em suma, tinham o dom da arte de narrar. Posteriormente, os artesãos aprimoraram essa arte, pois a narrativa não era somente a palavra, mas os gestos de quem narrava a história. Como alguém que estivesse em casa, como o Velho do Restelo, que conhecia as tradições, cultura e histórias de sua terra. Em suma, percebe-se que O episódio do Velho do Restelo, a Fala do Velho do Restelo ao astronauta e Memorial do Convento apresentam aspectos negativos referentes à ultrapassagem dos “vedados términos”, ou seja, são contrários à navegação, à glorificação dos lusitanos, à corrida espacial e à construção do majestoso Convento de Mafra. Na contramão, o poema Mar Português exalta a idéia do progresso, mesmo a custo de mortes e sofrimento. Dessa forma, a ultrapassagem dos “vedados términos” é um aspecto positivo para a nação portuguesa, uma vez que resultou tanto em uma expansão material queanto espiritual de Portugal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter. “O narrador” In Os Pensadores, vol. Escola de Frankfurt - 2 ed., São Paulo: Nova Cultural, 1983. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CAMÕES, Luiz Vaz de. Prefácio: Hernani Cidade. Os Lusíadas. São Paulo: Abril Cultural, 1979. MADEIRA, Wagner Martins. “Camões e Saramago e o discurso na contramão: de argonautas a astronautas” In Dialogia na Literatura Portuguesa. Org: Lílian Lopondo. São Paulo: Grupo Editorial Scortecci, 2006. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1997. Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 8
  • 9. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: FTD, 1992. SARAMAGO, José. Memorial do Convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. ___________, José. Os poemas possíveis. Lisboa: 1982. Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 9
  • 10. Travessias número 01 revistatravessias@gmail.com Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. Sheyla Regina dos Santos Farias www.unioeste.br/travessias 10