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Obra de Deus ou do diabo?



                                       Carlos César dos Santos*




*
 Copyright© 2007 Carlos César dos Santos: presbítero e assessor das CEBs da Arquidiocese de Juiz de Fora. Cx.
Postal 491 / 36001-970 Juiz de Fora MG / Home Page: www.carlosonline.net.
2




                            Agradecimento




       Para não correr o risco de sermos injustos, não citaremos aqui os
muitos nomes que colaboraram para que pudéssemos levar a termo esta
nossa paixão.

       Eles e elas, porém, conhecem, tanto quanto eu, o peso de sua
presença, da amizade fraterna que nos une, de suas opiniões, sugestões e,
sobretudo, seu estímulo que encorajou e fortaleceu nossa persuasão.

         Por isso mesmo, sabem que, na verdade, o sentimento de
reconhecimento e gratidão é comum a todos nós, nesta obra que, embora sob
total responsabilidade de quem a assina, foi produzida em mutirão.

                                       Juiz de Fora, 25 de setembro de 2007
                                                            Carlos C. Santos
3




“Conheço sua tribulação e sua pobreza. Mas você é rico... Não
tenha medo do sofrimento que vai chegar... Será para vocês
uma provação... Seja fiel até à morte. Eu lhe darei em prêmio
a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas”. (Ap 2,9.10.11)




                          “Esforço-me para descobrir como dar um sinal aos meus
                          companheiros (...), como dizer a tempo uma simples palavra,
                          uma senha, como fazem os conspiradores: unamo-nos e
                          mantenhamo-nos estreitamente ligados, concentremos nossos
                          corações, criemos um único cérebro e coração para a Terra,
                          demos um significado humano ao combate sobre-humano”.
                          (Nikos Kazantzákis)
4




                Dedico este trabalho aos Pobres,
                   aos Solidários da sua Causa,
              às Comunidades Eclesiais de Base
                  e aos Mártires da Caminhada.
Eles e elas nos ensinam que a mensagem cristã,
      longe de se reduzir a movimento de Igreja,
                       é a Igreja em movimento.
5

                                                Sumário

                            Apresentação - Dom Aloísio Cardeal Lorscheider

1. Nos horizontes de Aparecida: caminhos e descaminhos

2. TdL - Teologia da Libertação: capricho humano ou proposta divina?

      2.1. Primeiro Testamento: Javé é o Deus da Libertação
      2.2. Segundo Testamento: Jesus é o Grande Teólogo... da Libertação!
      2.3. Jesus e os pobres
      2.4. Jesus e os ricos
      2.5. A exigência de conversão é para todos
      2.6. Atos: “repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um” (2,45)
      2.7. O apóstolo Paulo: “carreguem o peso uns dos outros” (Gl 6,2)
      2.8. O desafio do seguimento: “a fé sem obras é cadáver” (Tg 2,26)
      2.9. Gestão de um novo tempo: a profecia velada e desvelada

3. O Concílio Ecumênico Vaticano II: Nova luz brilhou!

      3.1. O Espírito abre caminhos
      3.2. A revolução conciliar

4. O estatuto dos Pobres em Medellín e Puebla

      4.1. A Herança de Medellín
      4.2. A opção pela justiça e libertação
      4.3. O jardim floresceu
      4.4. O resgate da credibilidade
      4.5. Pastores e Profetas
      4.6. Um “casamento feliz”
      4.7. Puebla: continuidade descontinuada?
      4.8. Santo Domingo: “novo espetáculo em novo palco”

5. Mãe Negra, da alegria e da esperança, ensina-nos a caminhar!

      5.1. Aparecida, “Mãe dos pobres sem mãe”
      5.2. Aparecida no contexto de um mundo em metamorfose
      5.3. O salto de qualidade: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Ts 5,21)
      5.4. Aparecida e o atual panorama latino-americano
        5.4.1. A crise, mãe de novos tempos
        5.4.2. “Uma andorinha só não faz verão”

6. E a Teologia da Libertação: obra de Deus ou do diabo?

      6.1. Visibilidade: critério de fidelidade?
      6.2. Da “teologia” da libertação à práxis libertadora
      6.3. Fundamentalismos têm algum fundamento?
      6.4. “Deus caritas et liberationis est”

7. Uma questão provocadora: Quem tem medo da Teologia da Libertação?

8. Na ante-sala de Aparecida

      8.1. “O Reino continua” - Entrevista com D. Pedro Casaldáliga
6

         8.2. Memória e compromisso: O Pacto das Catacumbas

9. A Conferência de Aparecida no conflito das interpretações

         9.1. O tráfico de influências
           9.1.1. “A Assembléia começa antes da Assembléia”
           9.1.2. Fatores críticos e destoantes
           9.1.3. O clima da V Conferência
                   9.1.3.1. A conexão com a “aldeia global”
                   9.1.3.2. O ambiente de santuário
                   9.1.3.3. A representatividade
                   9.1.3.4. As surpresas do Espírito
                            9.1.3.4.1. O Seminário de Teologia
                            9.1.3.4.2. O Fórum de Participação
                            9.1.3.4.3. A Romaria das CEBs
                            9.1.3.4.4. A Tenda dos Mártires
                            9.1.3.4.5. A presença e assessoria de Ameríndia
                            9.1.3.4.6. O Discurso Inaugural do Papa

         9.2. A usurpação de poder
           9.2.1. As alterações do texto original
           9.2.2. A reação da CNBB
           9.2.3. Manifestações e protestos
           9.2.4. “O jeito do cachimbo deixa a boca torta”
           9.2.5. “Não entristeçam o Espírito Santo”

         9.3. O DA - Documento de Aparecida: O Espírito Divino sopra mais forte que os espíritos de porco
           9.3.1. O fio condutor
           9.3.2. Visão de conjunto
           9.3.3. Esquema geral do DA
           9.3.4. As linhas-mestras
                   9.3.4.1 “Encontrei Jesus!”
                   9.3.4.2. A perspectiva “reinocêntrica”
                   9.3.4.3. Vida nova e plena
                   9.3.4.4. Povo de Deus em missão
                   9.3.4.5. Missão permanente
                   9.3.4.6. Confirmação do caminho percorrido
                            9.3.4.6.1. Opção preferencial pelos Pobres
                            9.3.4.6.2. CEBs
                   9.3.4.7. Paróquia: “rede de comunidades”
                   9.3.4.8. Os Mártires da Caminhada
                   9.3.4.9. O protagonismo feminino
                   9.3.4.10. Os que escolhem outros caminhos

10. Conclusão: Lições de um velho papa e um jovem teólogo

Índice
7




                               Apresentação




       O Carlos César dos Santos, presbítero da Arquidiocese de Juiz de Fora,
apresenta um resumo e uma defesa da Teologia da Libertação, da opção pelos
pobres e das Comunidades Eclesiais de Base. São temas intimamente
relacionados entre si.

       A Teologia da Libertação parte da situação dos oprimidos que,
reunindo-se em comunidades, procuram juntos adquirir a verdadeira
fraternidade e igualdade que lhes compete. A Teologia da Libertação não tem
nada de marxista ou marxistinizante. Ela é um esforço teológico para uma
teologia realista, com os pés no chão, para estimular os cristãos a superarem,
na luz da fé, amparados pela Palavra de Deus, uma situação pecaminosa.
Trata-se de sair da opressão dependente que escraviza a pessoa humana a um
sistema liberal do lucro a qualquer custo. Por isso é uma teologia libertadora.
É uma teologia que só faz medo ao neocapitalismo, que não respeita a pessoa
humana. A característica da Teologia da Libertação é precisamente o respeito
pela pessoa humana. É uma teologia profundamente humanística. Em vez de
persegui-la e suspeitar do seu valor, é, antes, necessário promovê-la ao
máximo. É a teologia da América Latina e de todos os povos injustamente
oprimidos e dependentes. É preciso defendê-la e exaltá-la de todos os modos.
Por isso, a Teologia da Libertação não morreu nem morrerá porque o ser
humano não está morto, mas vive em Cristo Ressuscitado.

       Parabéns ao Autor deste escrito! É uma defesa válida da Teologia da
Libertação e, com ela, da opção pelos pobres e Comunidades Eclesiais de
Base.


                         Aloísio Card. Lorscheider
                      Arcebispo Emérito de Aparecida


                                             Porto Alegre, 08 de maio de 2007
8




               1. Nos horizontes de Aparecida: caminhos e descaminhos




      Escrevo enquanto aquecemos os motores para a V Conferência do Episcopado Latino-
Americano e Caribenho,1 que acontece em Aparecida/SP (Brasil), de 13 a 31 de maio de 2007.

        A etapa de preparação – apesar das muitas dificuldades relacionadas à realidade,
distâncias, poder de mobilização e envolvimento, conteúdo e forma do documento de
participação etc. –, no seu conjunto, pode ser avaliada como positiva, se levarmos em conta a
considerável participação dos Leigos/as, Teólogos/as, Assessores/as, movimentos, pastorais,
associações, comunidades etc., consagrando a legitimidade de uma Conferência que “começa
antes de Aparecida. Na verdade ela já começou a acontecer quando o Povo de Deus começou a se
reunir para prepará-la, para refletir, partilhar e encontrar novos caminhos que nos ajudem a ser
mais fiéis ao seguimento de Jesus e, assim, servir à construção do seu Reino aqui, no Brasil, e em
toda a América Latina”.2

        Não obstante, nem tudo no caminho a ser percorrido são flores, e muitas são as vozes que,
às vésperas de Aparecida, se levantam imperiosas contra a TdL (Teologia da Libertação)3 e, por
tabela, contra a sua concretização no campo da prática libertadora, como sejam as CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base) e a Opção pelos Pobres.

       Os que pretendem exorcizar estas instâncias libertadoras da Igreja, com fogo centrado
agora na TdL, apresentam argumentos mais ou menos conhecidos do público cristão mais
informado: tende para a ideologia marxista; propõe uma cristologia em que o Jesus histórico
“abafa” o Cristo da fé; opta por uma eclesiologia que enfatiza a organização e a luta dos pobres,
em detrimento dos ricos, que passariam a ser os “excluídos”; contribui, mesmo que
involuntariamente, para fomentar a luta e o ódio de classes; defende a primazia da ortopraxia
sobre a ortodoxia; confunde as dimensões temporal e transcendente da experiência de fé etc. etc.

        Neste processo, em meio às críticas que poderiam até ser positivas e colaborar
efetivamente na busca comum da verdade, que se expressa na capacidade de dialogar, no respeito
recíproco, na abertura sem preconceitos ao diferente, o que temos assistido é o confronto ou
conflito de idéias (doutrinas), em reações que surpreendem e até assustam ou porque ultrapassam
os limites da razão, ou porque, em alguns casos, chegam às raias do fanatismo.

        Diante deste contexto, aproveitando o ambiente oportuno da V Conferência que é o
resultado de um processo histórico desencadeado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, nosso
trabalho se propõe não a falar, ou fazer um discurso sobre a TdL, mas deixar que a própria TdL
fale de si ao longo da história. Por que preferimos optar por este caminho? A V Conferência traz
no seu tema a proposta do seguimento de Jesus na América Latina de hoje: “Discípulos/as e

1
  Uma boa resenha sobre as expectativas em torno da V Conferência pode ser encontrada em: AMERINDIA (Org.).
Sinais de esperança. São Paulo: Paulinas. 2007.
2
  D. EURICO DOS SANTOS VELOSO. Palavras de abertura do Encontro Arquidiocesano de CEBs, em preparação
para a V Conferência do CELAM, 13-15 de abril de 2007, em Juiz de Fora-MG.
3
  Será comum encontrar em alguns textos a sigla TL, que tem o mesmo significado.
9

missionários/as de Jesus Cristo, para que Nele nossos Povos tenham Vida”, acompanhado do
oportuno lema posposto por Bento XVI: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Um
enunciado cristológico que fundamenta o ser e o agir missionário de cristãos e cristãs no mundo,
onde a construção do Reino de Deus é permanente desafio. Para realizá-lo não basta boa vontade,
ou “um zelo pouco esclarecido” (Rm 10,2), ou critérios meramente subjetivos. O enunciado
explicitado no tema de Aparecida e a própria Conferência não podem ser vistos senão como
conseqüência de uma Caminhada que tem história em nosso Continente e no conjunto da história
da Igreja. Um processo que tem seu alicerce na Tradição, no que “nossos pais nos contaram”,
que, partindo da Palavra, “fonte de todas as fontes”, chega a nossos dias, passando pelo
Magistério, pelos documentos das Conferências Episcopais, pela palavra abalizada de
Teólogos/as, e por todo o Povo de Deus que, conforme ensinou o Vaticano II, também é co-
responsável pelo depositum fidei.

        Se, portanto, queremos que a V Conferência seja a atualização e a inculturação da
mensagem cristã para a América Latina e o Caribe hoje, nada mais importante que retornar às
fontes e buscar nelas a inspiração para responder à nossa pergunta de fundo: “a TdL é obra de
Deus ou do diabo?”

        Neste percurso, mesmo optando pela originalidade que queremos conferir ao presente
trabalho, recorreremos, vez por outra, a algumas de nossas posições firmadas em textos que já
publicamos tanto na Internet, quanto em livros, revistas e jornais, no Brasil e/ou no exterior.

         Por fim, nossa contribuição, longe de chegar a seus pés, mas humildemente aberta ao
espírito do diálogo e da co-responsabilidade eclesial e pastoral neste Kairós Latino-Americano e
Caribenho, reporta-se à obra de Lucas, que abre assim sua narrativa:

        “Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se passaram entre
nós. Elas começaram do que nos foi transmitido por aqueles que, desde o princípio, foram
testemunhas oculares e ministros da palavra. Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de
tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever para você uma narração bem
ordenada, excelentíssimo Teófilo. Deste modo você poderá verificar a solidez dos ensinamentos
que recebeu” (Lc 1,1-4).

        Esta quer ser igualmente a perspectiva do que escrevemos: uma narração, na medida do
possível, bem ordenada, considerando todos e todas que nos precederam, bem como todos e todas
que ainda caminham conosco, oferecendo-nos suas incontáveis, ricas e sólidas contribuições para
retornarmos às fontes e aderir, cada vez mais plenamente, ao seguimento de Jesus, no tempo
histórico que nos toca viver.

        Nesta perspectiva redigimos o presente texto, pensando em Você, “excelentíssimo
Teófilo” que, etimologicamente, é “amigo/a de Deus”. Nossa esperança é que Você, vestindo a
camisa desta etimologia, assuma com garra e coerência esta “amizade” com o Deus da Vida e,
revestido/a do seu Espírito, o testemunhe, abraçando apaixonadamente a missão de construir o
seu Reino, no Brasil, na América Latina, no Caribe, e “até os extremos da terra” (At 1,8).
10




       2. TdL - Teologia da Libertação: capricho humano ou proposta divina?




        Realidades como a TdL,4 as CEBs, a Opção pelos Pobres, serão mesmo, assim tão
recentes? Sua origem se situará, de fato – como há quem acredite –, na década de 60, com a
abertura provocada pelo Vaticano II? Serão mesmo seus primeiros e originais teólogos aqueles
que começaram a escrever sobre elas e sistematizá-las? Para responder a estas e outras perguntas,
com certeza, provocadoras, vamos recuar no tempo e recorrer à Tradição bíblica e teológica, que
nos permitirá uma visão de conjunto sobre donde vem, por onde passa e aonde querem chegar
estas instâncias libertárias da Igreja.

        2.1. Primeiro Testamento: um Deus Libertador5

        Por definir-se como a “articulação do grito do oprimido”, a TdL, p. ex., está estreitamente
ligada ao tema do pobre e da pobreza,6 que é da mais alta relevância não apenas nos discursos ou
escritos dos teólogos, mas na tradição bíblica, onde, desde as origens, Deus se manifesta como
amante e defensor da vida em todas as suas etapas, circunstâncias e dimensões e, por isso,
parceiro na luta pela libertação dos pobres e oprimidos do seu povo:

             “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu
             clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso,
             desci para libertá-lo...”7

       Esta ação de Deus, Pai e Mãe,8 em favor do seu povo escravo de estruturas sociais
iníquas, expressas na injusta distribuição das riquezas, terá por objetivo a realização de um
projeto que está no coração de Deus como utopia que deve encontrar lugar no coração da
humanidade e de toda a sociedade: “Que entre vocês não haja nenhum pobre” (Dt 15,4).

       Destarte, a luta contra a pobreza, com a finalidade de libertar os empobrecidos e
oprimidos, vítimas do sistema socioeconômico desigual e perverso, é drama que permeia todo o
Primeiro Testamento. Aí está o movimento das mulheres que, já no Êxodo, se organiza para

4
  Entre as obras que possibilitam conhecer e aprofundar o tema, estão as de: G. GUTIÉRREZ. Teologia da
Libertação. Petrópolis: Vozes, 1979³; L. BOFF. Teologia do Cativeiro e da Libertação, Petrópolis: Vozes. 1980²; A.
G. RUBIO. Teologia da Libertação: Política ou Profetismo? São Paulo: Loyola. 1977; C. BOFF. Teologia e Prática.
A Teologia do Político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1978; ID. Teologia Pé-no-chão. Petrópolis: Vozes,
1978². Como a teologia é também a reflexão inculturada que procura pensar e sistematizar a fé das comunidades afro,
indígenas etc., conforme nos ensina a IV Conferência do CELAM, em Santo Domingo, uma boa referência é o
trabalho de J. H. CONE. A black theology of liberation. NY: Orbis Book, Maryknoll, 19934.
5
  Observe-se que até obras clássicas como as de VON RAD e FEUILLET que tratam do assunto já trazem esta
perspectiva.
6
  Um bom trabalho, com riqueza de conteúdo e dados históricos, é o de J. PIXLEY & C. BOFF. Opção pelos pobres.
Petrópolis: Vozes, 1986.
7
  Ex 3,7.8; cf. os poemas do Servo: Is 42, 1-7; 49,1-7; 52,13-53,12, que retratam a opção de Deus pelo Servo
sofredor, identificado com os sofredores do povo eleito.
8
  Expressão intuída por João Paulo I, com uma bela sistematização na obra de L. BOFF. O rosto materno de Deus.
Petrópolis: Vozes, 20039.
11

combater o sistema de morte (cf. 1,15ss); Rute, Judite, Éster, símbolos da luta pelo direito e
justiça dos pobres e fracos – todas grandes “teólogas da libertação”! Os irmãos Macabeus,
testemunho de coragem e resistência na defesa da lei que protege os pequenos; a literatura
profética, que tem seu ponto alto, de um lado, na denúncia dos ricos opressores e dos reis cruéis,
que exploram impiedosamente os pobres e a classe trabalhadora e, de outro, no anúncio do Dia do
Senhor que, então, chegará e fará justiça a seu povo, porque o nome com que mais gosta de ser
chamado é “nossa justiça” (Jr 23,6)...

       Quem é que ao ouvir – com abertura de coração, largueza de mente e espírito de
conversão – Isaías, Jeremias, Amós, Oséias..., poderá negar que foram os grandes profetas e
teólogos da libertação que Deus realiza em favor de seu povo?

        Lugar especial na realização deste sonho de justiça e fraternidade ocupa a terra que não é
fruto nem de enriquecimento ilícito, nem de herança deixada pelos antepassados e, menos ainda,
de um poder latifundiário que acumule e concentre, mas tão somente da bênção de Deus que,
desde sempre, a oferece como dádiva a todos gratuita e indistintamente.9 Portanto, patrimônio
comum da humanidade a terra é lugar onde todos deveriam poder viver com alegria, e dela tirar
seu sustento: “uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel” (Ex 3,8). Projetos humanos
– ou desumanos! – egoístas e ambiciosos, no entanto, contrariaram o Projeto original de Deus.
Conseqüentemente, a luta pela superação do empobrecimento, da miséria e da fome, se travará,
no mundo bíblico – como também em nossos dias –, no campo da luta pela terra, visto que “como
habitat da humanidade (Gn 1,28; Sl 115,16 etc.), a terra é o palco da história da salvação”.10 Nele,
um apelo permanente de conversão se dirige a todos e cada um/a de nós: transformar a “terra de
Deus” em “terra de irmãos”, como já propôs uma das Campanhas da Fraternidade, reconstruindo
o paraíso, na comunhão total com Deus, as criaturas, a natureza, povos e culturas:

            Em nome do Pai de todos os Povos,
            Maíra de tudo, excelso Tupã.
            Em nome do Filho,
            Que a todos os homens nos faz ser irmãos.
            No sangue mesclado com todos os sangues.
            Em nome da Aliança da Libertação.

                  Em nome da Luz de toda Cultura.
                  Em nome do Amor que está em todo amor.
                  Em nome da Terra Sem Males,
                  Perdida no lucro, ganhada na dor,
                  Em nome da Morte vencida,
                  Em nome da Vida,
                  Cantamos, Senhor!11

        No esforço para incluir os pobres e restituir-lhes a dignidade, salvaguardado o contexto
cultural em que se inscreve a história do povo de Israel, encontramos, na própria lei mosaica a
preocupação em melhorar as condições de vida daqueles que são vítimas da fome e da miséria
(cf. Ex 21,1-6; Lv 19,10; 23,22; 27,8; Dt 23,25; 24,19-22). Assim, no conjunto, Deus aparece
como partidário e solidário de quem padece miséria e sofre, em conseqüência do empobrecimento
(cf. Jo 5,15; Sl 72,12-15; Eclo 35,13-24). Assume a dor e a causa, motivando para a

9
   Gn 1,28. Veja a densa obra de M. B. SOUZA. & J. L. CARAVIAS. Teologia da Terra. Petrópolis: Vozes, 1988.
Cf. também: EQUIPO EXPRA. En busca de la Tierra sin Mal. Bogota: Indo-American Press Service, 1982.
10
   A. van den BORN (Org.). Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Petrópolis: Vozes, 1977², 1498.
11
     http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/yvemaraei.htm.
12

transformação, na construção do seu projeto que é fundamentalmente igualitário, participativo e
inclusivo (cf. Is 5,8-25; Jr 23,5.7; Am 2,6.7; 3,10.15; 4,1.2).

       Em síntese, poderíamos dizer que desde as origens, miséria, fome, pobreza, exclusão etc.
são o resultado do desequilíbrio que transformou a partilha em acúmulo e concentração das
riquezas que são, em princípio e por vontade de Deus, destinadas a todos sem exceção e sem
exclusão de ninguém. O sonho animado pelo Criador é que todos e todas vivam dignamente e
ninguém passe penúria (cf. At 4,34.), cultivando sempre aquela sobriedade recordada por
Provérbios:

              “...não me dês riqueza, nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço
              de pão, para que, saciado, eu não te renegue...ou então, reduzido à
              miséria, chegue a roubar e profanar o nome do meu Deus” (30,8.9).

        2.2. Segundo Testamento: Jesus é o grande Teólogo... da Libertação!12

        Jesus de Nazaré, o Mestre da Justiça (cf. Mt 3,15), faz uma nova leitura da história e
apresenta à humanidade um novo rosto de Deus (cf. Jo 14,8.9). Escreve sua teologia – que é da
libertação! – no livro de sua própria vida, com destaque especial para os capítulos que se referem
ao seu ministério público. Nasce pobre, vive pobre e morre pobre, sempre solidário, entre os
pobres. Até na cruz, como gostava de lembrar D. Luciano Mendes, permanece fielmente
solidário, morrendo no meio dos “dois ladrões” que partilhavam da mesma condenação. Diríamos
hoje que Jesus “vira o sistema de cabeça pra baixo”: a começar pela vocação dos primeiros
discípulos, seu chamado se dirige a pessoas pobres, excluídas, analfabetas, “primárias”,
“desqualificadas”; freqüenta os lugares mais extravagantes e vai a festa de pobres (cf. Jo 2,1ss);
não acata as convenções sociais e religiosas de sua sociedade hipócrita (cf. Lc 11,37ss); come,
bebe e chama para o centro pecadores públicos, difamados e descartados pelo sistema (cf. Mt
9,1ss; Mc 3,1ss; 5,21ss; Lc 7,36ss; 19,1ss; Jo 8,1ss etc.), acolhendo-os e restituindo-lhes a paz e a
alegria de viver. Na via inversa, porém, são contrastantes e conflitantes suas relações com as
autoridades: chama Herodes de raposa (Lc 13,32); manda tomar cuidado com o fermento dos
fariseus e de Herodes (cf. Mc 8,15); desautoriza a dominação intelectual dos doutores da lei e dos
fariseus, que são “serpentes, raça de cobras venenosas” (Mt 23,33); usa o chicote contra quem só
pensa em dinheiro e lucro (cf. Jo 2,14ss) e, para escândalo de muitos, declara, sem reservas, alto e
em bom tom: “os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do
Céu” (Mt 21,31). O capítulo 23 de Mateus, p. ex., é a crítica mais contundente ao sistema de
opressão, montado para escravizar o pobre, com a agravante de fazê-lo em nome da religião.

        2.3. Jesus e os pobres

       Em toda esta ação missionária libertadora de Jesus, evangelizador do Pai, os pobres
(anawim)13 têm lugar de destaque, a tal ponto de já ter havido quem defendesse que com o
irromper do evento Cristo na história, inaugurou-se a era da “promoção messiânica dos pobres”.14
12
   No campo da cristologia é vastíssima a produção. Um trabalho que aprofunda muito apropriadamente a natureza
humano-divina de Jesus, é o de R.E. BROWN. Jesús, Dios y Hombre. Santander: Sal Terrae, 1973. Em contexto
latino-americano, veja-se, entre outros: J. SOBRINO. Cristología desde América Latina. México: CRT, 1977; ID.
Jesús en América Latina. Su significado para la fe y la cristología. San Salvador: UCA, 1982; L. BOFF. Jesus Cristo
Libertador. Petrópolis: Vozes, 1972; B. FERRARO. A significação política e teológica da morte de Jesus.
Petrópolis: Vozes, 1977; E. MORIN. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1984; J. COMBLIN. O
Enviado do Pai. Petrópolis: Vozes, 1974.
13
   Na língua de Jesus, anawin são os “encurvados”, os “quebrados”, dos quais tudo foi roubado, inclusive o direito de
se reerguer ou se reconstituir.
14
   A. GELIN. Os pobres que Deus ama. São Paulo: Paulinas, 1973, 113-138.
13

De fato, textos como o cântico de Maria (Lc 1,46-55), a parábola do rico epulão e do pobre
Lázaro (Lc 16,19-31), a oferta da viúva pobre (Mc 12,41-44 par), ou ainda o caráter solene
atribuído à proclamação das bem-aventuranças (Mt 5,1ss; cf. Lc 6,20-26), revelam a opção clara,
consciente, coerente e conseqüente de Jesus, o Grande Pobre, pelos Pobres de seu Povo.

        E mais, a opção pelo seguimento de Jesus exige, necessariamente, a opção pelos pobres
porque eles “definem, com sua vida proibida e com sua morte ‘antes de tempo’, a verdade ou a
mentira de uma Sociedade, de uma Igreja” (D. Pedro Casaldáliga), e é por isso que a eles o
Senhor destinou o seu Reino (cf. Mt 11,4-6.25-26; Lc 4,18-21). Lucas o coloca de maneira
magistral, quando contrapõe ao “felizes de vocês que agora têm fome...” (6,21) ao “ai de vocês os
ricos!” (6,24) Uma sentença especialmente severa que servirá para iluminar e dar sentido a outros
dois textos importantes da comunidade lucana, que se opõem pelas diferentes respostas ao apelo
de conversão: o do homem rico (Lc 18,18-23), escravo dos bens materiais que possuía, e o de
Zaqueu (Lc 19,1-10), rico porque era ladrão.

           2.4. Jesus e os ricos

        O episódio do homem rico é símbolo característico daquele grupo social minoritário que
traz consigo uma mentalidade marcada pelo egoísmo e o apego às riquezas, ao lucro concentrado
e ao acúmulo dos bens. Há quem tenha observado que este “fulano” nem sequer ganhou um nome
no evangelho, pelo fato de estar em total desarmonia com a proposta de Jesus dirigida a todos,
sem privilegiados – “Vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Na verdade, o homem rico
queria e desejava a vida, só que apenas para si. Não era capaz de defender e partilhar da vida dos
pobres. Quanto a Zaqueu, ao contrário, conhecido publicamente como ladrão, tem sua identidade
preservada porque testemunha basicamente duas realidades interativas: por um lado, a mudança
de mentalidade e conseqüente conversão (metanoia) para o projeto e o caminho apontado por
Jesus e, por outro, a resposta que oferece a uma pergunta existencial que era dos discípulos e
discípulas de outrora e, hoje, de muitos de nós: “Então, quem pode ser salvo?” (Lc 18,26), ou:
Jesus teria vindo somente para os pobres? Ou ainda: Só os pobres se salvam? A reação de Zaqueu
ao acolhimento e misericórdia de Jesus é a demonstração clara e objetiva de que também os ricos
podem salvar-se, desde que disponibilizem seus bens em função da partilha e se convertam para
os ideais do reino de Deus:15

           2.5. A exigência de conversão é para todos

      A pregação de João Batista (cf. Mt 3,1-12), bem como o início da vida pública de Jesus
são marcadas por este forte apelo de conversão, em vista da proximidade do reino de Deus:

                “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e
                acreditem na Boa Notícia” (Mc 1,15).

       A conversão exigida para acolher a boa notícia do reino, mais do que um simples
“arrepender-se” e “fazer penitência”, é convite para “uma reviravolta interna” que tem as suas
conseqüências para todos os campos da ação humana. É uma nova forma da pregação profética
da conversão, mas agora na perspectiva da iminência dos tempos messiânicos, exigindo de todos
uma conversão interna radical.16 Neste sentido, na pregação de Jesus, primeiro destinatário da
conversão é a pessoa, cada pessoa, que é chamada a fazer uma “ruptura” corajosa, livre e
consciente (“entscheidung”, na expressão de Bultmann) com todos os esquemas de pecado e

15
     Cf. A. van den BORN. Op. Cit., 293-294.
16
     Cf. ID. Ibidem. 294.
14

dominação para que, transformados, os corações ajam de maneira eficaz na mudança das
estruturas sociais injustas que são hostis à manifestação do Reino. Só mulheres e homens novos,
imbuídos de sentimentos de sensibilidade, ternura, compaixão, solidariedade e capacidade de
partilhar o ser e o ter, poderão contribuir efetivamente para a construção de uma sociedade nova,
justa e fraterna, onde o respeito pela dignidade e pela vida do irmão, da irmã, da natureza, do
cosmo, seja a marca registrada do discípulo e discípula do Senhor.

     2.6. Atos: "...repartiam o dinheiro entre todos, conforme e necessidade de
cada um" (At 2,45)17

        Os primeiros retratos da Igreja primitiva (At 2,42-47; 4,32-37) – movida pelo Espírito que
ressuscitou Jesus e, por isso, gerador de vida nova, humana, digna e plena para todos sem
exceção e sem exclusão –, revelam que os primeiros cristãos e cristãs não pouparam esforços para
perseguir e refazer o caminho do Senhor no tempo que lhes tocou viver. Com criatividade e
liberdade, foram capazes de adotar o projeto da inclusão. Assumiram e atualizaram, nas mais
diversificadas circunstâncias sociais, culturais, políticas e religiosas, a ação libertadora de Jesus,
no trabalho empenhado e na luta perseverante para reintegrar os marginalizados e fazê-los
experimentar a força e a alegria que a Boa Notícia traz para todos: vida, e vida em abundância!

        A feliz descoberta de “que Deus não faz diferença entre as pessoas” (At 10,34), será o
fundamento da nova relação estabelecida na comunidade, não mais baseada no egoísmo, na
ganância ou no preconceito que excluem e dividem, mas no amor fraterno e na amizade, na
solidariedade e na justiça, no diálogo e na comunhão, que mobilizam, motivam e sustentam um
outro modus vivendi:

             “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas
             as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro
             entre todos, conforme a necessidade de cada um” (At 2,44.45).

       Este testemunho de comunhão afetiva e efetiva é tão forte em Atos, que o seu redator
chega a concluir que, em conseqüência dele, “a Palavra de Deus crescia e se multiplicava”
(12,24), enquanto “a Igreja vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se edificava e
progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (9,31).

        2.7. O apóstolo Paulo: "carreguem o peso uns dos outros” (Gl 6,2)

        Paulo, “apóstolo das nações”, também poderia ser cognominado o “apóstolo da
solidariedade” e, se alguém preferir, “teólogo da libertação!” Boa parte de sua atividade
apostólica é dedicada à famosa coleta em benefício dos pobres da comunidade de Jerusalém (cf.
Rm 15,15-27.31; 1Cor 16,1-3; 2Cor 8,1ss). Dois aspectos muito importantes iluminam nossa
ação missionária, solidária, libertadora, com os que sofrem e, por isso mesmo, devem ser
ressaltados nesta coleta:

       a) Não se trata de uma coleta meramente assistencialista de ajuda aos pobres, mas, ao
contrário, para Paulo, o objetivo principal é o envolvimento, a motivação e a participação de
todas as comunidades no projeto de solidariedade (cf. At 11,29.30) com os que padecem,
revelando assim que, nesta ação solidária da Igreja, convertida ao modelo do bom samaritano (cf.

17
   Um trabalho especial sobre as comunidades da “primeira hora”, que não temos notícia se foi traduzido para o
português, é o de A. HAMMAN. La vie quotidienne des premiers chrétiens. Paris: Hachette, 1983³. Na mesma linha
está o de: J. DRANE. A vida da Igreja Primitiva. São Paulo: Paulinas, 1985.
15

Lc 10,30-37), é a própria mão poderosa do Senhor que deve chegar, em todos os tempos e
lugares, para levantar os caídos e restituir dignidade e vida a todos quantos as perderam;

        b) a iniciativa da coleta é mais “carregada” e ganha um caráter especial na comunidade de
Corinto que, por um lado, é a mais importante e rica e, por outro, a mais difícil e conflitiva do
ponto de vista missionário e pastoral.18 Esta disparidade entre comunidade rica e comunidade
pobre vai aparecer também no Apocalipse que contrapõe Esmirna (2,9) e Laodicéia (3,17), o que
nos leva a concluir que era intenção clara do apóstolo, já aí, estimular e favorecer a comunhão e a
solidariedade das igrejas de maior poder aquisitivo com as igrejas pobres.

           2.8. O desafio do seguimento: "a fé sem obras é cadáver” (Tg 2,26)

       Sempre foi tranqüilo para a Tradição cristã reconhecer que no coração do anúncio de
Jesus de Nazaré está o mandamento novo: “amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês”
(Jo 13,34; 15,12.17) que, na verdade, é a síntese do projeto de quem entregou toda a sua vida por
amor (Jo 15,9). O Mestre e Senhor (Jo 13,13), que perseverou e foi fiel até o fim (Jo 19,28-30),
entrega a todos os seus seguidores e seguidoras uma “carteira de identidade”: “Nisto vão
reconhecer que vocês são os meus discípulos: se tiverem amor uns para com os outros” (Jo
13,35). A fé, portanto, está intimamente ligada à vida, e o amor deve ser traduzido em prática
concreta que manifeste a misericórdia e a justiça de Deus, chegando a todos sem exceção. Foi
assim com Cristo que escolheu e amou até mesmo Pedro que o negou, e Judas, o traidor.

       Do que foi dito até aqui, parece que duas intuições podem ajudar a clarear todo este
processo que nos engaja para, no seguimento de Jesus, continuarmos sua ação libertadora no
mundo:

        a) A palavra de Deus, no seu conjunto, não nos autoriza marginalizar e excluir os ricos,
que, ao contrário, também devem ser alvo da nossa ação evangelizadora. O próprio Jesus e os
discípulos contaram com o apoio de pessoas ricas convertidas e solidárias à Causa (cf. Lc 8,3; At
4,37). O grande desafio, porém, é trabalhar as consciências para a conversão ao projeto da
partilha, com o objetivo de somar no projeto de construção do Reino que é vida em abundância
para todos, e não apenas para alguns privilegiados.

        b) Os pobres, do ponto de vista bíblico e da ação missionária de Jesus e dos primeiros
cristãos, serão sempre os nossos preferidos, porque são, também, os preferidos do amor e da ação
misericordiosa do Pai. A nossa maneira de amá-los será sempre especial para evitar toda
discriminação e preconceito, a exemplo do que nos ensina Tiago (cf. 2,1-9). Deste modo, em
tudo, nosso projeto missionário, refazendo o caminho de Jesus e da Igreja primitiva, deve ter por
finalidade última fazer com “que o irmão pobre se orgulhe de sua alta dignidade” (Tg 1,9).

           2.9. Gestão de um novo tempo: profecia velada e desvelada

        O tempo que transcorre entre a ação missionária de Jesus e, posteriormente, da
comunidade primitiva, estendendo-se pelos três primeiros séculos do cristianismo, e o advento do
Concílio Ecumênico Vaticano II, no século XX, também é marcado por uma preocupação, em
muitos casos especial, com os pobres e a “reconstrução da Igreja dos Pobres” (S. Francisco de
Assis).



18
     Cf. A. van den BORN. Op. Cit., 280.
16

       Há nomes mais distantes como o de Irineu de Lião (130-202) que, ao perceber a distância
que a Igreja vai tomando em relação ao seu líder carismático, Jesus, convoca as comunidades a
retornarem ao “comunismo” dos primeiros cristãos; defende ainda a integridade do gênero
humano com a máxima: “A glória de Deus é o homem de pé”; ou, Basílio de Cesaréia (329-379),
também conhecido como o “bispo social” que, mergulhado nas grandes questões sociais do
século IV, torna-se, aí, porta-voz e fiel defensor da causa dos pobres;19 ou, Ambrósio de Milão
(340-397), o “pai dos pobres”, a quem santo Agostinho (354-430) descreverá como alguém
“assediado pela multidão de pobres, a ponto de se ter grande dificuldade para chegar até ele”.

       Esses homens tradicionalmente conhecidos como Padres da Igreja apresentam, em geral,
um perfil crítico e profético que retoma e atualiza a linguagem e a linhagem profética do Primeiro
Testamento, na denúncia de tudo o que fere a dignidade humana, inibe a partilha e solidariedade,
e é hostil ao projeto de Deus, como o atesta, p.ex., estas palavras incendiadas proferidas por S.
Gregório de Nissa (330-395):

             “Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis,
             do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde
             vem o teu óbulo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a
             carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria
             estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de
             meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus
             companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que
             reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se
             tu fazes outros cem?”20

        Conforme o avanço da história, pessoas como Domingos e Francisco, Clara, Antônio,
Teresa de Ávila, Vicente de Paulo e tantos outros,21 ofereceram sua cota de disponibilidade e
sacrifício, de generosidade e muito amor na promoção humana e social dos irmãos e irmãs pobres
e excluídos fazendo, da solidariedade com eles e elas, caminho para a santidade.




19
   Cf. A. HAMMAN. Os Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1980, 129-139.
20
   Citado por P. FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002³³.
21
   Para um aprofundamento deste longo período da história da Igreja, numa perspectiva da luta dos pobres e com os
pobres, ver: J. PIXLEY & C. BOFF. Op. Cit., 185-212: “A opção pelos pobres durante mil anos de história da
Igreja”; o livro sempre atual de M. ROCHA. Projeto de vida radical. Petrópolis: Vozes, 1977², traz um capítulo
sobre as “Ordens Mendicantes”, 49-54; e, M. MOLLAT. Les Pauvres au Moyen Age. Paris: Hachette, 1978, também
é de uma riqueza de conteúdo extraordinária! A própria Doutrina Social da Igreja é igualmente rica na opção e
compromisso com os pobres. Em contexto latino-americano, ver: P. BIGO & F.B. de ÁVILA, Fé cristã e
compromisso social. São Paulo: Paulinas, 1982, especialmente o cap. IV da 2ª parte: “Natureza da missão social da
Igreja”, 111-134.
17




         3. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965): Nova luz brilhou!




       Estamos na segunda metade do século XX. Depois de praticamente 16 séculos de história,
já havia quem pensasse que o Espírito Santo estava dormindo...Ou, se não dormia, pelo menos
cochilava, quando, não mais que de repente, Roncalli é eleito para o trono de Pedro. As repetidas
e exaustivas seções do conclave, com a multiplicação dos escrutínios sem resultados que
expressassem o consenso dos cardeais em torno de um nome que representasse a “moderação” ou
o “equilíbrio”, acabou deixando espaço para que o Espírito interviesse, sugerindo a alternativa do
que seria, conforme a crença de muitos, um “papa de transição”.

       3.1. O Espírito abre caminhos

        De idade avançada, com a saúde debilitada, filho de camponeses pobres, muito piedoso, e
com experiências significativas no campo das relações diplomáticas, era tudo o que a Igreja
precisava para fazer uma transição tranqüila, pacífica e sem traumas, para a modernidade que
batia à sua porta, ameaçando suas estruturas seculares inabaláveis! Sem aparentes condições
objetivas de questionar a cristandade e, muito menos, de oferecer opções concretas para uma
mudança ou “revolução” eclesial e pastoral, a missão do novo papa seria, então, a de manter o
status quo e colaborar, recolhendo-se à sua “insignificância”, para protelar, se possível
definitivamente, o acerto de contas da Igreja com a história.

       O desenrolar da novela, no entanto, mostrou ao mundo e a quem estava atento aos sinais
dos tempos que, mais uma vez, o Espírito interveio, “divertiu-se”, “riu” de muita gente, e fez de
João XXIII o João Batista do século XX, preparando, já não os caminhos do Senhor, mas os
caminhos da Igreja renovada, revestida da força do Ressuscitado, aberta ao mundo, solidária da
humanidade peregrina nas suas dores e alegrias, amante e construtora da justiça e da paz do
Reino.

       O “Papa Bom” ou “Papa da Paz” que convocou, animou e sustentou o Concílio contra
tantos que a ele se opuseram, morre antes de concluir sua obra-prima. Suspeitas são levantadas
em relação ao futuro do Concílio e da Igreja. O fermento, que já havia começado a levedar a
massa, opõe pelo menos três tendências com suas respectivas inquietações:

        a) A tendência “progressista”: O novo escolhido dará continuidade a este grande
empreendimento do Espírito, que encontrou em João XXIII o instrumento dócil para realizar sua
ação libertadora no mundo?

       b) a “moderada”: Mesmo dando continuidade ao caminho proposto e impresso por João
XXIII ao Concílio, o novo papa será capaz de conter os “excessos”? e,

        c) a “conservadora”: Terá o próximo sucessor de Pedro discernimento suficiente para
perceber que a idéia do Concílio não passou de uma aventura passageira e, portanto, dará marcha
à ré na história da Igreja?
18

        Com a eleição do cardeal Montini, que escolhe o nome de Paulo VI, paira uma
tranqüilidade que, de certa forma, “apazigua” o antagonismo destas tendências. Montini, à
diferença de seu predecessor, é originário da aristocracia, de formação mais intelectualizada, mais
“ilustrado”, e também mais introvertido. É bem verdade que na avaliação de alguns historiadores,
o Concílio, sob sua presidência, não continuou no mesmo pique com que vinha sendo conduzido
por João XXIII. Não obstante, levando em consideração a época e o peso da “reviravolta” que se
ousava perseguir, o resultado, no conjunto, não pode ser visto senão como obra e dom do Espírito
à sua Igreja, e, por conseguinte, acentuadamente revolucionário. A consagração de documentos
como Lumen Gentium, Gaudium et Spes e Ad Gentes, entre outros, marcou, de fato, um novo
Pentecostes que teve repercussão positiva, transformando qualitativamente a vida e ação
missionária da Igreja.

        3.2. A revolução conciliar

        O Vaticano II tornou-se modelo e referência ao enfrentar todos os riscos da época e
responder aos desafios advindos, em especial, da Segunda Guerra. Profetizando e assumindo com
determinação esta atitude de fundamental abertura ao inusitado, abriu novos caminhos para
atualizar a palavra e o projeto de Deus na história. Para além da renovação das pastorais, dos
movimentos bíblico e litúrgico que promoveu, estão as muitas “viradas”, cuja proposta era a de
religar (objetivo da religião) a atividade missionária da Igreja ao mundo contemporâneo e seus
anelos de justiça e libertação. Entre as mais expressivas, lembramos:

       a) A superação do eclesiocentrismo,22 na correta articulação Reino-Mundo-Igreja que,
precisamente nesta ordem, sublinhará a preeminência do Reino de Deus que deve ser construído
no Mundo com o serviço (mediação) da Igreja (sacramento, sinal, instrumento). Decorre daí que
não coaduna com a missão da Igreja nem o narcisismo nem a prepotência, ou seja, ela não
anuncia a si mesma, nem está no mundo em função de seus próprios interesses, mas é a humilde
servidora e mediadora de uma realidade que é maior e mais importante do que ela:

             “A Igreja, enquanto ela mesma ajuda o mundo e dele recebe muitas
             coisas, tende a um só fim: que venha o Reino de Deus e seja instaurada a
             salvação de toda a humanidade”.23

        b) A configuração da Igreja como Povo de Deus.24 Povo da Nova Aliança estabelecida por
Cristo e selada com seu sangue, a caminho da libertação, que não se restringe nem foi confiada
somente a padres e bispos, mas a todos os batizados e batizadas – “raça eleita, sacerdócio régio,
nação santa” (1Pd 2,9) –, uma vez que Cristo continua exercendo sua ação profética no mundo
“não apenas pela hierarquia, que ensina em seu nome e com seu poder, mas também através dos
leigos”, aos quais “muniu com o senso da fé e com a graça da Palavra”.25 Esta dignidade e
igualdade fundamentais conferidas pelo batismo dissipam toda tentação de discriminação e
exclusão, fazendo de todo o Povo de Deus filhos e filhas do mesmo Pai e, portanto, irmãos e

22
   Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 3 e 5. Obra importante que aborda detidamente o assunto é a
de H. KÜNG. Die Kirche. Fribourg-en-Br.: Herder. 1967. Cf. L. BOFF. Eclesiogenese. Petrópolis: Vozes, 1977.
23
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 45; cf. PAULO VI. Evangelii Nuntiandi 8.
24
   Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 9ss. Na avaliação de muitos Padres Conciliares é este “o
germe de vida mais rico do Vaticano II”. Uma das primeiras reações positivas a este novo sopro do Espírito foi
precisamente a de J. RATZINGER. Das Neue Volk Gottes. Düsseldorf: Patmos-Verlag. 1969. Esta imagem da Igreja-
Povo-de-Deus colocou as bases para uma corajosa releitura do Concílio na América Latina (AL) – Continente
profundamente marcado pela injustiça e opressão –, conforme veremos a seguir, onde o povo de Deus é constituído,
na sua maioria esmagadora, pelo Povo dos Pobres. Cf. E. DUSSEL. Populus Dei in Populo Pauperum (Do Vaticano
II a Medellín e a Puebla). Concilium 196 (1984) 50-61.
25
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 31a; 35a; Dei Verbum 10a.
19

irmãs, “em cujos corações habita o Espírito Santo”,26 que não é propriedade de uns poucos
privilegiados, mas do “conjunto dos fiéis”27 que são plenamente responsáveis de toda a ação
missionária da Igreja:

              “Como participantes do múnus de Cristo sacerdote, profeta e rei, os
              leigos participam ativamente na vida e na ação da Igreja. No interior das
              comunidades da Igreja sua ação é tão necessária que sem ela o próprio
              apostolado dos pastores não poderia, muitas vezes, alcançar o seu pleno
              efeito”.28

        c) A abertura ao mundo e o movimento “para fora”,29 no diálogo com o diferente expresso
nas culturas, religiões, gênero, filosofias de vida, reconhecendo a necessidade e oportunidade de
ampliar e consolidar todos os contatos que estiverem ao seu alcance para realizar a missão ad
gentes:

              “Onde quer que Deus abra uma porta à palavra para proclamar o
              mistério de Cristo a todos os homens, com confiança e sem cessar
              anuncie-se o Deus vivo e Aquele que enviou para a salvação de todos,
              Jesus Cristo...‘o caminho, a verdade e a vida’ (Jo 14,6)”.30

      d) A solidariedade com a humanidade peregrina, na certeza de que Jesus continua
caminhando com os homens e as mulheres também do nosso tempo, em todos aqueles e aquelas
que o reconhecem na alegria e felicidade da partilha (cf. Lc 24,13ss), na promoção dos
empobrecidos e na libertação dos oprimidos (cf. Mt 11,2-6; Lc 4,18-21),31 para que Deus seja
conhecido, acolhido e amado como “Pai nosso”, e não apenas de alguns:

              “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
              hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as
              alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de
              Cristo”.32

       e) O combate à “guerra fria” para apoiar e incentivar o desarmamento, e garantir a
coexistência pacífica entre Estados de distinto caráter social,33 na promoção e respeito ao direito
internacional e à autodeterminação dos povos:


26
   ID. Lumen Gentium, 9b; cf. JOÃO PAULO II. Dominum et Vivificantem 64.
27
   ID. Ibidem 12a. Observe-se que na Novo Millennio Ineunte o Papa João Paulo II se refere a São Bento que convida
o abade do mosteiro a consultar também os mais novos: “É freqüente o Senhor inspirar a um mais jovem um
parecer melhor”, e a São Paulino de Nola que lembra: “Dependemos dos lábios de todos os fiéis, pois o Espírito
de Deus sopra em cada fiel” (nº. 45b; os grifos são nossos).
28
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Apostolicam Actuositatem 10a.
29
   Cf. a já citada Gaudium et Spes, que trata especialmente do tema.
30
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Ad Gentes, 13a.
31
   A grande conquista aqui se refere à ação social dos cristãos e cristãs no mundo, que deve dar um salto qualitativo,
passando do assistencialismo à promoção humana e social, cujo fundamento é a justiça: “satisfaçam-se em primeiro
lugar as exigências da justiça, para que não se dê como caridade o que já é devido a título de justiça; eliminem-se as
causas dos males, não só os efeitos; seja encaminhada a ajuda de tal maneira que, os que a recebem, pouco a pouco
se libertem da dependência externa e se tornem auto-suficientes”. (Apostolicam Actuositatem 8).
32
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 1. Também o Sínodo dos Bispos sobre A Justiça no Mundo
(1971) fazia-se porta-voz deste clamor: “A ação pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-
nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da
Igreja em prol da redenção e da libertação do gênero humano de todas as situações opressivas” (nº 6).
33
   Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 81-82.
20

            “Por isso, mais uma vez deve ser declarado: a corrida armamentista é a
            praga mais grave da humanidade, que lesa intoleravelmente os
            pobres”.34

       f) A renúncia à xenofobia contra quem pensa e até age diferente, para integrar, incluir e
fomentar a participação na diversidade de agrupações, correntes e opiniões no seio da Igreja
Católica:35

            ...“Que promovamos no seio da própria Igreja a mútua estima, respeito e
            concórdia, admitindo toda a diversidade legítima, para que se estabeleça
            um diálogo cada vez mais frutífero entre todos os que constituem o único
            Povo de Deus, sejam os pastores, sejam os demais cristãos”.36

       A seu tempo, o 2º Concílio do Vaticano respondeu aos sinais dos tempos, avançando
“para águas mais profundas” (Lc 5,4), e estabeleceu o estatuto de uma espiritualidade sadia,
aberta ao novo e inusitado, deixando-nos um legado que se constitui desafio e compromisso:
Quem ama verdadeiramente conhece, sabe e experimenta a eficácia do provérbio francês:
“Chaque jour l’amour change de visage”.37 Os cristãos e cristãs, seguidores e seguidoras de
Jesus, mulheres e homens de Deus, ungidos pelo Espírito que, desde as origens, manifesta todo o
seu vigor na liberdade criadora e criativa, com muito mais e maior convicção deveriam professar
o “credo do Novo” como notícia boa, alegre, inovadora, transformadora, entusiasta, que
rejuvenesce os espíritos para que, no mesmo Espírito, que adora variar, tudo e todos, a Criação e
a Humanidade, experimentem, a cada novo dia, a força e a vitalidade da palavra ousada que sai
da boca de Deus, comprometendo para a mesma ação todos os seus filhos e filhas: “Eis que faço
novas todas as coisas!” (Ap 21,5).




34
    ID. Ibidem 81c. Cf. JOÃO XXIII. Pacem in Terris, onde o Papa está convencido “de que as eventuais
controvérsias entre os povos devem ser dirimidas com negociações e não com armas” (nº. 126).
35
   Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 43d; 73c; 92.
36
   ID. Ibidem, 92b.
37
   A cada dia o amor aparece com um novo rosto.
21




        4. O estatuto dos pobres em Medellín (Colômbia) e Puebla (México)




        A Conferência de Medellín é a segunda da América Latina. Antes dela, a primeira,
aconteceu – como agora, a de Aparecida – no Brasil, em 1955, na cidade do Rio de Janeiro. É
pouco comentada e conhecida, não porque não tenha importância, mas por dois fatores que
parecem, se não justificáveis, pelo menos explicáveis: primeiro, porque já está distante no tempo,
numa realidade como a nossa que não cultiva a tradição de manter viva a memória e, depois, pelo
fato de ter-se realizado antes do Vaticano II e, portanto, sem os horizontes do Concílio que a
fizesse marcar época ou posição no Continente, como foi o caso de Medellín. Não obstante, a seu
modo e dentro do contexto em que se realiza, a Conferência do Rio de Janeiro, na opinião de
especialistas, foi um “divisor de águas” para a Igreja da América Latina e Caribe, na medida em
que, a partir dela, já começam a aparecer as preocupações com os grandes desafios que
interpelam o Continente; a perspicácia, sobretudo de D. Hélder Câmara, que já está aí presente,
estimulando a opção para que a “nossa Igreja” tenha o seu rosto próprio; o trabalho dele e de
outros para criar e consolidar o CELAM e as Conferências Episcopais etc. Graças a todos estes
esforços foi possível celebrar agora a V Conferência. Um caminho iniciado pela profecia de Pio
XII, na sua carta Ad Ecclesiam Christi, lida na abertura da I Conferência, onde, depois de elogiar
a América Latina, afirma acreditar que “dentro em pouco”, o continente Latino-Americano
“possa achar-se em condições de responder, com vigoroso impulso, à vocação apostólica que a
Providência divina” parece ter-lhe “designado”. Vocação essa de ocupar “lugar de destaque na
nobilíssima tarefa de comunicar também a outros povos, no futuro, os ansiados dons da salvação
e da paz”.38

        4.1. A herança de Medellín (1968)

        A Conferência de Medellín constitui a primeira releitura do Vaticano II para a realidade
latino-americana. É de consenso que foi a “recepção criativa” do Concílio para o nosso
Continente. Nossos desafios, entretanto, são ainda mais críticos que aqueles que deram origem ao
Concílio. Em 1968, no Brasil, por exemplo, está em plena vigência a ditadura militar, que teve
início com o golpe de 1964. Ao nosso, somam-se vários outros países da América Latina que,
com total apoio dos EUA, vão consolidando seus regimes de força, repressão, tortura e morte. A
fome e o empobrecimento das massas, conseqüência da extorsão de grupos estrangeiros ou
multinacionais39 que se espalham pelo Continente, configura um quadro de injustiça social que
converge para condenar nossos povos à miséria.

       No plano eclesial já há murmúrios de inconformismo com uma visão de Igreja estruturada
mais hierarquicamente, sem levar em consideração o envolvimento e a participação de todo o
Povo de Deus. Um bom exemplo aqui é o do Movimento Litúrgico, liderado pelos beneditinos do
Rio de Janeiro, anterior, inclusive, ao próprio Concílio, buscando ensaiar passos concretos,
revolucionários para a época (presidente da celebração de frente para o povo, missa em língua
38
    Cf. Documento sobre a Conferência de Aparecida, publicado por ZENIT, disponível no sítio:
http//www.zenit.org/portuguese/archivo_documentos. Ver também a reportagem detalhada publicada pelo Jornal de
Opinião. Semanário da Arquidiocese de Belo Horizonte, nº. 932, 9 a 15 de abril de 2007, 10-11.
39
   Ou ainda “transnacionais”, conforme posteriormente foram mais adequadamente chamadas.
22

vernácula etc.), com o objetivo de renovar a liturgia. Entre os nomes que estão na origem deste
movimento, sobressaem os de D. Martinho Michler e D. Clemente Isnard, que mais tarde se
tornou Bispo de Nova Friburgo-RJ e, durante muito tempo presidiu a Comissão de Liturgia da
CNBB, ocupando também sua vice-presidência. No campo litúrgico, eles foram, assim, os
profetas, protagonistas dos novos tempos que se anunciavam para a Igreja latino-americana.

        4.2. A opção pela justiça e libertação

        A liturgia era, no entanto, apenas um dos alvos a ser atingido pelo movimento de
transformação proposto pelo Concílio. Relido e atualizado a partir da América Latina oprimida e
reprimida, o Vaticano II motivará aquelas que são consideradas as “opções-eixo” de Medellín,
entre as quais se destacam: a Opção pelos Pobres; a Opção pela Libertação; a Opção pelas
Comunidades Cristãs de Base; a Opção pela Justiça Social; a Opção pelo Profetismo...

       Observe-se, logo de início, que a Opção pelos Pobres não traz ainda o adjetivo
“preferencial” (acoplado só tardiamente por Puebla). Em Medellín a Opção pelos Pobres é clara,
transparente e genuinamente evangélica, como foi a opção de Jesus, conforme vimos acima.
Nesta opção, talvez a mais importante no contexto de um Continente marcado pela injustiça e
opressão que se exerce precisamente contra os empobrecidos e miseráveis, a Igreja latino-
americana propõe um passo qualitativo, a saber, o de retornar às fontes bíblica e em especial do
Segundo Testamento, para dar lugar a uma ética de inclusão. Se a identidade do cristão e da cristã
é o seguimento do Mestre, repetindo, na história, sua palavra e ação libertadora, então a Opção
pelos Pobres se distinguirá, de fato, como marca registrada e critério de salvação (cf. Mt 25,31ss)
não só para a América Latina, mas para toda a Igreja, na advertência já consagrada Paulo VI: “Se
quiserdes, hoje, conhecer quem foi Jesus Cristo, olhai para o rosto dos pobres. Eles espelham a
verdadeira face do Cristo”.

        De igual modo, a Opção pelas Comunidades Cristãs de Base não traz a designação
“eclesial” que, posteriormente, será inserida, substituindo o “cristãs”. Estas “comunidades
cristãs” (cf. Doc. De Medellín) nascem e se desenvolvem com relativa autonomia e em espírito
de liberdade frente seja ao Estado, seja à Igreja oficial, conforme nos atesta a pesquisa publicada
pela CNBB, em 1974: “...a própria formação de uma CEB40 significa impreterivelmente uma
reação a uma forma antiquada de pastoral, de catequese, de vida espiritual, e também de atividade
política, na medida em que a CEB inclua fins sociais gerais. O próprio sentido esperado de que
cada CEB tenha uma vida mais ou menos autônoma indica a possibilidade de que realize valores
e normas diversas das convencionais. Ela não seria satélite, nem da Igreja oficial, nem do sistema
político vigente. Mas, pelo contrário, ambos, Igreja e Estado, são vistos em dimensão crítica, pelo
menos no sentido de que os parâmetros convencionais não esgotam as possibilidades de oferta de
uma vida mais plena”.41

       Em qualquer hipótese, convém ressaltar que a interposição de “cristã” por “eclesial” não
sugere, como poderia induzir, uma espécie de substituição do seguimento de Cristo (cristãs) pelo
da Igreja (eclesial). Ao contrário, parece evidenciar a reformulação teológica (eclesiológica) do
conceito “comunidade” que, se cristã (seguidora de Cristo), torna-se, naturalmente, eclesial, se
entendemos que a missão da Igreja é congregar o Povo de Deus para ser sinal do seu Reino e
“sacramento universal de salvação”, que é o mesmo dizer libertação.42

40
   Aqui já é CEB - Comunidade Eclesial de Base.
41
   CNBB. Coleção Estudos nº. 3. Comunidades: Igreja na base, 37.
42
   Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Ad Gentes 5, na linha do belíssimo trabalho que posteriormente seria
elaborado, para o nosso contexto latino-americano, por I. ELLACURIA. La Iglesia de los pobres, sacramento
histórico de liberación. Estudios Centroamericanos 32 (1977) 707-722.
23


        As demais opções – pela Libertação, pela Justiça Social, pela contestação Profética –
vinculadas, sobretudo, à Opção pelos Pobres, firmam, todas elas, a orientação da Igreja latino-
americana, com o propósito de perfilar sua identidade própria e característica, a saber, a de uma
Igreja que, perseguida e martirizada, mas em sintonia e comunhão fiel com a Tradição bíblica e
apostólica, trabalhará com renovado ardor e amor pela libertação efetiva da América Latina, a fim
de que o ser e o ter, e todos os bens sejam socializados para que todos e todas tenham vida.

           4.3. O jardim floresceu

       Talvez a imagem que melhor corresponda a este Kairós latino-americano seja a do jardim.
O jardim que é usado pelo autor do Gênesis (2,8) para designar toda a felicidade e todo o bem
que Deus destina à humanidade (cf. Jr 33,9). O jardim a que se refere igualmente o evangelista
João (19,41), onde o corpo do Crucificado é sepultado, e de onde sairá vencedor da morte,
glorioso, ressuscitado, restituindo esperança e vida nova aos que, seguindo seus passos, refazem
seu caminho, na opção e entrega absoluta pelo seu Reino de amor, de justiça e fraternidade.

       Nesta seqüência, Medellín pode ser símbolo do jardim latino-americano e caribenho, onde
o peso da cruz e a esperança de vida estarão em permanente conflito. Para que, no entanto, em
nosso jardim, a vida possa brotar da morte, a “Igreja de Medellín”, amadurecida à luz do
Concílio, propõe e realiza a abertura de novos caminhos para a América Latina e Caribe, em
diversos níveis:

       a) na luta para que os direitos humanos e dos povos sejam respeitados;
       b) na substituição do assistencialismo (ou paternalismo) pela verdadeira promoção
humana e social, que já era proposta do Concílio;
       c) na consciência e no trabalho para que os países em desenvolvimento tenham o cuidado
de não marginalizar os pobres e operários;
       d) na articulação fé/vida, fé/política;
       e) na superação do autoritarismo e centralismo eclesiástico;
       f) na valorização da vida comunitária e social;
       g) na construção de sociedades solidárias e democráticas que evidenciem os sinais do
Reino de Deus.

           4.4. O resgate da credibilidade

        Estavam postas, assim, as bases de um projeto sólido que, logo em seguida, resultaria no
amadurecimento, inserção e compromisso do laicato que agora, confiante na força jovial e
transformadora da Igreja, fiel discípula de Jesus e do Reino, organiza-se em comunidades cristãs
de base para ler a realidade (vida) à luz da Palavra de Deus (fé), e responder aos grandes desafios
(transformação) lançados pela Pátria Grande. A ação destas comunidades se torna tão expressiva
para o Continente e, em especial, para o Brasil, que mais tarde os Bispos brasileiros reconhecerão
publicamente sua repercussão e importância para a transformação da sociedade e da própria
Igreja:

                “O novo que as CEBs trouxeram foi o fato de oferecerem, dentro da
                Igreja, um espaço para o próprio povo simples participar da
                evangelização da sociedade através da luta pela justiça”.43


43
     CNBB. Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, doc. 25, 1985, nº. 63.
24

        Esta consciência de que o campo que desafia o cristão e a cristã é o mundo (trabalho,
escola, família, esporte, lazer, sindicato, partido etc.), a descentralização pastoral, a Bíblia nas
mãos do Povo, a participação nas liturgias que agora rezam e celebram a realidade do cotidiano, a
organização e animação das comunidades, o reconhecimento e a valorização dos Leigos e Leigas,
são apenas alguns dos traços que fazem o perfil do jardim que começa a florescer com Medellín.
Um tempo que, apesar dos grandes e graves tormentos provocados seja pelos regimes de força,
seja pela miséria crescente, a Igreja latino-americana assume sua identidade e recupera sua
credibilidade, de tal modo que, mesmo em meio às contradições e conflitos, dela se podia
paradoxalmente dizer o mesmo que se dizia da Igreja dos primórdios: “vivia em paz...edificava-se
e progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (At 9,31),
conforme era costume cantar nas comunidades:

            “Que sabedoria é essa que vem do meu povo? É o Espírito Santo, agindo
            de novo!”

       4.5. Pastores e profetas

       O impacto produzido por Medellín foi o que hoje é consciência nas CEBs: uma ação
orgânica, bem articulada, integrada, “de baixo pra cima e de dentro pra fora”, que muda o interior
e atinge a raiz para converter o todo, o conjunto, e conformá-lo ao projeto do Deus da Vida. Um
“novo Pentecostes” que questiona e desinstala (cf. At 2,1-11), e recobra o “entusiasmo do
primeiro amor” (cf. Ap 2,4), atualizando o que D. Carlos Alberto Navarro, o Bispo poeta,
compunha em uma de suas músicas:

            “Somente ao receber teu Santo Espírito, Jesus, os Doze vão levar a boa
            nova sem temer. É Ele o principal na pregação, é inspirador, dos que
            lutam pelo Reino até morrer”.

       Nesta perspectiva, vimos o florescer de uma geração inigualável de Pastores, que logo se
tornaram Profetas na defesa incondicional da vida para os povos oprimidos e reprimidos do
Continente, configurando seu ministério ao do Cristo, Bom Pastor, que conhece, ama e dá a vida
por suas ovelhas (cf. Jo 10,11.14-15).

       No Brasil, nomes como os de D. Hélder Câmara, D. Pedro Casaldáliga, D. Tomás
Balduíno, D. José Maria Pires, D. Luciano Mendes de Almeida, D. Ivo Lorscheiter, D. Aloísio
Lorscheider, D. Paulo Evaristo Arns, entre tantos outros, entram para o cenário nacional e
compartilham do mesmo destino dos que lutam por justiça e paz, sendo igualmente perseguidos,
difamados e ameaçados de morte pela ditadura. D. Hélder, por exemplo, cognominado “Bispo
Vermelho” pelos militares, responderá com sagacidade:

            “Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto
            pelas causas da pobreza, me chamam de comunista”.

       Fora daqui, na Argentina, Mons. Angelelli; em El Salvador, D. Oscar Romero; na
Colômbia, Pe. Camilo Torres; na Nicarágua, Pe. Gaspar García Laviana e, tantos outros, pagaram
com a própria vida sua fidelidade ao Reino da Vida e ao Evangelho dos Pobres.

        Na década de 70 tive o privilégio de conhecer e conviver com dois desses grandes Bispos
que, mergulhados na vida do povo, comungavam de seus sofrimentos na ação evangelicamente
solidária: D. Alberto Trevisan, auxiliar do Rio de Janeiro, era, então, coronel do exército!
Simplesmente impressionante! Este grande Pastor, que se destacava precisamente por sua
25

simplicidade e humildade, usava do seu posto militar para empreender uma verdadeira atividade
“subversiva”, e libertar os prisioneiros políticos. E, D. Clemente Isnard, o mesmo do Movimento
Litúrgico a que nos referimos e que, por feliz coincidência, foi quem me ordenou presbítero. D.
Isnard tem uma das mais belas páginas de sua história escrita no Livro da Vida, referente também
à solidariedade com as vítimas do regime militar. Mantinha, em sua residência, com todos os
riscos que a iniciativa comportava um porão reservado aos perseguidos pela ditadura. Aí, recebia,
acolhia e abrigava todos/as os/as fugitivos/as que a ele acorriam.

        A voz e a ação profética desses Pastores ecoavam afinadas porque fundamentadas na
certeza de que “não há maior amor que dar a vida pelo irmão”, e no rico patrimônio da fé legado
por Medellín, onde a violência “institucionalizada” que se exerce contra os fracos é condenada
por unanimidade. É igualmente denunciada toda forma de injustiça como pecado social – grave!
–, e os Bispos, emprestando sua voz às inúmeras vítimas do sistema, gritam profeticamente: “Que
sejam derrubadas as barreiras da injustiça e da opressão!”

        Dado de grande importância é que entre as conclusões de Medellín está o reconhecimento,
a todo o Povo de Deus, do legítimo direito de lutar para defender a vida ameaçada pelos regimes
de força (insurreição popular contra a repressão). Ninguém precisa se assustar porque tanto
Medellín quanto mais tarde D. Romero só fazem retomar uma velha doutrina já expressa por
Santo Tomás de Aquino, e não é mais do que o que é de conhecimento público na justiça comum:
o direito à legítima defesa. Este elemento, especialmente relevante em contexto da América
Latina oprimida e reprimida por militares e ditadores cruéis e sanguinários, contribuiu para,
posteriormente, derrubar a ditadura de Somoza na Nicarágua, uma das mais nefastas da nossa
história! O absolutamente novo e original na Revolução Popular Sandinista, cujo triunfo se deu
em 1979, foi a participação maciça dos cristãos e cristãs que, tendo assimilado as orientações de
Medellín, uniram sua fé à luta pela justiça de maneira tão harmoniosa, que já não podiam separar
cristianismo e revolução: “entre cristianismo y revolución no hay contradicción!” À diferença,
por exemplo, do que ocorrera em Cuba, cuja data da vitória remonta a 1959 e, portanto, antes,
tanto do Concílio quanto de Medellín. Aí, não só os cristãos (pelo menos os católicos) não se
comprometem com o processo revolucionário, como até se opõem a ele.

       No conjunto, vale lembrar que Medellín registra, em consonância com a mais fina
Tradição, o tripé que sustenta a Igreja como obra de Deus através da história: a Igreja latino-
americana se impõe, já não pelo autoritarismo, mas:

       a) no reconhecimento, valorização e promoção do Povo de Deus;
       b) na voz e ação profética dos Pastores; e,
       c) no testemunho fiel de seus Mártires.

       4.6. Um “casamento feliz”

       Por mais extenso que fosse um discurso sobre Medellín, jamais conseguiríamos
incorporar nele toda a beleza e riqueza de conteúdo, de forma, de criatividade, de participação, de
compromisso, que este evento significou para a Igreja Latino-americana e Caribenha. Mas
poderíamos ensaiar uma síntese de sua herança no que temos chamado de “casamento feliz”, e
que teve como que seu berço nesta 2ª Conferência do CELAM, articulando correta e
concretamente a relação teoria-práxis, na ordem que segue:

        a) A Opção pelos Pobres, que é garantia do seguimento de Jesus, que também optou por
eles, destinando-lhes seu Reino de Justiça e de Vida;
26

       b) a difusão das CEBs, que lutam para transfigurar o rosto da sociedade e da Igreja,
reconhecidas como “grande sinal de esperança para a Igreja universal” (Paulo VI); e,

       c) a Teologia da Libertação que, com sua origem no Êxodo (cf. 3,7ss), articula o “grito do
oprimido” a partir das práticas libertadoras das comunidades, consagrada “não apenas oportuna,
mas útil e necessária” (João Paulo II).

          4.7. Puebla (1979): continuidade descontinuada?

        Apesar de ser diferente o contexto sócio-econômico e político-religioso em 1979, 11 anos
depois de Medellín, o clima continua tenso e os bispos reconhecem que os grandes problemas
sociais, em lugar de diminuir, tornaram-se ainda mais graves. Constata-se, também, que a tensão
vivida nas sociedades se reproduz no interior da Igreja.

        A opção pelos pobres ganha o adjetivo “preferencial”.44 Além dela, a opção pelos Jovens,
pela Comunhão e Participação e pela Dignidade da Pessoa Humana são destaques em Puebla.
Para além dos desafios da conjuntura, no entanto, os Pastores continuam denunciando
profeticamente os regimes de força espalhados pelo Continente, e a Ideologia de Segurança
Nacional, que atentam contra a vida e as liberdades individuais e coletivas. Simultaneamente
proclamam a dignidade da pessoa humana como dom maior que deve ser respeitada e defendida,
como honra devida ao Criador.

      A “Igreja de Puebla”, mesmo nas “negociações” que se viu obrigada a fazer em razão da
onda de (neo)conservadorismo interno e externo, mantém e fortalece passos importantes nas
pegadas de Medellín:

       a) a opção “preferencial” pelos Pobres acabou sendo um tiro que saiu pela culatra, abrindo
variadas discussões mundo afora, e mobilizando comunidades, grupos, associações, o Movimento
Popular etc. para a organização dos Pobres como tarefa prioritária e opção “incondicional”;

       b) a opção pelos Jovens, nos lugares em que foi e é acolhida e assumida, contribuiu e
contribui para rejuvenescer o rosto da Igreja, dando-lhe novo vigor missionário;

       c) a opção pela Comunhão e Participação incrementou o processo já desencadeado de
descentralização, presente de forma mais visível nas CEBs, enriquecido agora pelos “novos
ministérios” confiados aos Leigos e Leigas;

        d) finalmente, a opção pela Dignidade da Pessoa Humana reforça o compromisso da
Igreja com a justiça, com os direitos humanos, com a defesa da vida.

        À luz destas opções, poderíamos dizer que Puebla colaborou para fazer evoluir o perfil da
Igreja da América Latina no que se refere à realidade de empobrecimento em 4 níveis distintos,
mas interativos:

       1º) a ampliação do conceito de pobre que, até então, era reduzido à mera e simples
privação dos bens básicos:

               “Na vida real vemos tantos rostos, e neles devemos reconhecer os traços
               do Cristo sofredor. Rosto de índios, de negros, que vivem colocados de

44
     Puebla 1134-1165.
27

               lado pela sociedade. Rosto de camponeses, de operários, quase sempre
               mal pagos. Rosto de pessoas amontoadas nas periferias das cidades.
               Rosto de desempregados e subempregados. Rosto de jovens
               desorientados, sem lugar na sociedade, sem oportunidades. Rosto de
               crianças, marcadas pela desnutrição, que carregarão as conseqüências
               disso por toda a vida. Rosto de velhos, cada vez mais, colocados de
               lado...”;45

       2º) a correção de uma distorção ideológica que perdurou séculos de história, onde o pobre
é pobre porque quer, ou porque é vagabundo, ou, ainda, porque Deus quer assim:

               “Descobrimos que esta pobreza não é uma etapa casual, mas sim o
               produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e
               políticas...A situação interna de nossos países encontra, em muitos casos,
               sua origem e apoio em mecanismos que...produzem, em nível
               internacional, ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez
               mais pobres”.46

      A pobreza, portanto, não é casual, mas causal, e o pobre não é tão somente pobre, mas
empobrecido;47

         3º) a responsabilidade (culpa) de quem compactua com o sistema que empobrece:

               “Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser
               cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos
               converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é
               contrário ao plano do Criador e à honra que lhe é devida”;48

         4º) a conversão de corações e estruturas começa em casa pela pobreza evangélica que

               “une a atitude de abertura confiante em Deus com uma vida simples,
               sóbria e austera, que aparta a tentação da cobiça e do orgulho”, bem
               como “pela comunicação e participação dos bens materiais e espirituais;
               não por imposição, mas por amor, para que a abundância de uns
               remedeie a necessidade dos outros”.49

      4.8. Santo Domingo (República Dominicana, 1992) : “novo espetáculo, em
novo palco”

Contexto: O tempo é de “abertura política”, com a presença de novo ator no cenário mundial: o
capitalismo neoliberal, que baseado nas leis do mercado, do consumo e das pequenas, porém,
eficazes concessões, busca garantir seu espetáculo. No terreno eclesial, está em curso a “volta à
grande disciplina” (Libânio).

Opções: pela Inculturação - pelo protagonismo dos Leigos e Leigas - pela Solidariedade - pela
Leitura da realidade a partir dos desafios contemporâneos.

45
   Id. 31-39.
46
   Id. 30; cf. 63-70.
47
   Id. cf. a nota 331 do nº. 1135.
48
   Id. 28.
49
   Id. 1149-1150.
28


Anúncio-denúncia: Sintomas negativos da ambígua globalização, tais como o egoísmo,
individualismo, consumismo etc., podem conduzir fatalmente a humanidade ao fracasso total e à
morte. Só o cultivo da solidariedade, no respeito às “minorias” étnicas excluídas, e na defesa da
vida humana e ecológica, poderão garantir a felicidade do planeta.

Conseqüências práticas: A “Igreja de Santo Domingo”, apesar de seu contexto extremamente
desafiador, oferece pistas importantes para a construção do “outro” mundo e da “outra” Igreja
possíveis. As opções aí assumidas vão todas na linha de considerar e responder aos “sinais dos
tempos e lugares”. O protagonismo dos Leigos e Leigas, p. ex., aparece como resposta seja ao
amadurecimento da teologia laical, seja às experiências positivas de democratização da
instituição, desde Medellín, seja ao desenvolvimento e difusão das CEBs, “novo/velho” jeito de
ser Igreja, seja ainda à crise por que passa a Igreja, carente de ministros ordenados. A
inculturação mantém a vitalidade e força do Evangelho como Boa Nova que é proposta e projeto
de libertação, uma vez respeitada a diversidade cultural. A solidariedade, ampla, geral e irrestrita,
deve unir a América Latina e o mundo através de alianças e parcerias em favor da vida para todos
e todas, e para tudo.
29




          5. Mãe Negra, da alegria e da esperança, ensina-nos a caminhar!




        O lugar escolhido para a V Conferência é muito significativo no contexto de um
Continente em cativeiro e, simultaneamente, em processo de libertação: o Santuário de Aparecida
do Norte, cuja história é popularmente conhecida pela tradição da “aparição” da Mãe Negra a
pescadores humildes e pobres, que “pescaram” sua imagem, cuidando com carinho daquela que
posteriormente se tornaria a Mãe próxima, benevolente e parceira de todo o Povo brasileiro, na
sua luta por dignidade e justiça.

       5.1. Aparecida, “Mãe dos pobres sem mãe”

        O local é, portanto, carregado de símbolo50 que se traduz em vida e compromisso. Nele
“apareceu” a Mãe de Jesus e nossa Mãe (cf. Jo 19,26.27), disponível, servidora e solidária da
humanidade que sofre carregando o peso de tantas cruzes: a cruz do desemprego, a cruz do
abandono à própria sorte, a cruz das doenças, do analfabetismo, da falta de terra pra plantar e pra
colher, da dívida e da dúvida, da violência, das guerras... Em sua ternura e carinho de quem gera
e defende a vida, N. S. Aparecida é o símbolo mais perfeito e acabado da Mãe, que vai ao
encontro de seus filhos e filhas deste “vale de lágrimas”, vivendo em situação de carência, para
levar-lhes a boa notícia da intervenção de Deus que fará justiça a seu povo: “derruba do trono os
poderosos e eleva os humildes; sacia de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias” (cf.
Lc 1,52.53). Sua negritude rompe com os velhos esquemas do preconceito racial; sua
manifestação a pescadores pobres propõe a eliminação de toda discriminação social; e, a
fidelidade, que faz dela a “primeira discípula do projeto de Deus” (Santo Agostinho), é convite
constante a permanecermos fiéis no seguimento de Jesus, fazendo “tudo o que Ele mandar” (Jo
2,5).

        Em uma palavra, é o absolutamente novo que, mais uma vez, irrompe na história humana,
marcada pelos mecanismos de opressão, injustiça, exclusão e morte, sugerindo opções e
caminhos alternativos que conduzam à transformação de todas as relações humano-afetivas,
sócio-culturais, econômicas, ecológicas etc. Tudo para que a defesa incondicional da vida em sua
totalidade realize, para todo o nosso Continente, a Pátria Grande, que anela por libertação, a
profecia de Jesus que aquece corações e alimenta a utopia, desde a sinagoga de Nazaré:

            “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a
            unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para
            proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista;
            para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do
            Senhor” (Lc 4,18.19).



50
  Para toda a simbologia de Aparecida, ver AMERINDIA. Op. Cit. Maria de Aparecida: Rosto dos Povos da
América Latina e do Caribe, 73-89.
30

        A partir deste conteúdo genuinamente libertador, Aparecida – apesar de eventualmente
registrar práticas que ainda possam corresponder a uma religião “imatura” ou “alienada”, como se
expressam alguns – constitui-se como o Santuário para onde acorrem os pobres, oprimidos,
doentes, idosos, desempregados e subempregados, muitos dos quais sem nome, sem vez e sem
voz, excluídos, por conseguinte, de todo e qualquer poder de ação e participação. As numerosas e
volumosas romarias, em geral, compostas por aqueles e aquelas que “vêm chegando da grande
tribulação” (Ap 7,14), expressam a profundidade e fecundidade da “religião do povo” que, sem
ver reconhecidos e respeitados seus direitos, buscam, na experiência do sagrado (a Mãe da
Esperança, forte, fiel, corajosa, generosa, amiga, protetora, solidária...), o reencontro com sua
própria identidade de ser humano, bem como sua filiação divina, Povo, gente enfim, a quem se
deve reconhecer, respeitar e defender o sagrado direito à vida.

       Mariama,
       Iya, Iya, ô,
       Mão do Bom Senhor!

              Maria Mulata,
              Maria daquela
              colônia favela
              que foi Nazaré.

       Morena formosa,
       Mater dolorosa,
       Sinhá vitoriosa,
       Rosário dos pretos mistérios da Fé.

              Mãe do Santo, Santa,
              Comadre de tantas,
              liberta mulhé.

       Pobre do Presépio, Forte do Calvário,
       Saravá da Páscoa de Ressurreição,
       Roseira e corrente do nosso Rosário,
       Fiel Companheira da Libertação.

              Por teu Ventre Livre, que é o verdadeiro,
              pois nos gera livres no Libertador,
              acalanta o Povo que está em cativeiro,
              Mucama Senhora e Mãe do Senhor.

       Canta sobre o Morro tua Profecia,
       que derruba os ricos e os grandes, Maria.

              Ergue os submetidos, marca os renegados,
              samba na alegria dos pés congregados.

       Encoraja os gritos, acende os olhares,
       ajunta os escravos em novos Palmares.

              Desce novamente às redes da vida
31

                do teu Povo Negro, Negra Aparecida!51

     5.2. A Conferência de Aparecida no contexto de um mundo em
metamorfose

        É inerente à natureza humana a condição de “ser insatisfeito”, à procura daquele “algo
mais” que realize plenamente e cubra de sentido sua existência que oscila entre o Mistério e o
absurdo. Esta dinâmica configura, consciente ou inconscientemente, o desejo de libertação total
no encontro com o Absoluto que enxugará todas as lágrimas (cf. Ap 7,17; 21,4) e, finalmente,
será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28).

       Muitos foram e são os fatores que historicamente contribuíram para a evolução e
aperfeiçoamento da condição humana, tirando o ser humano do lugar de mero coadjuvante, para
devolver-lhe o papel de protagonista, como ser naturalmente vocacionado para a perfeição, com a
missão de fecundar a terra (cf. Gn 1,28). É praticamente impossível pensar hoje as relações
humanas e sociais, o diálogo intercultural e inter-religioso, o ecumenismo e o “macro-
ecumenismo”,52 ou a evangelização inculturada, se não considerarmos tais elementos, todos eles
decisivos para o conjunto de nossas sociedades e igrejas. Por isso, elegemos propositadamente
alguns mais significativos que julgamos relacionados ao nosso tema por sua referência explícita
às noções de desenvolvimento humano e social em busca de aprimoramento, felicidade e,
conseqüentemente, libertação:

        - Da razão à liberdade. É especialmente a partir de Kant (1724-1804), com a aplicação do
“princípio da razão autônoma” (a razão humana dita suas próprias regras), que temos assistido ao
desenrolar de um processo que, de certo modo, descaracteriza ou desqualifica todo e qualquer
tipo de imposição ad extra, que se queira exercer arbitrariamente ou que não se deixe submeter
aos critérios da razão, uma vez que esta se foi tornando paulatinamente, com o posterior advento
da modernidade e pós-modernidade, o supremo juiz. Esta concepção, responsável pela elaboração
da auto-suficiência contribuiu ainda para substituir, em determinado momento da história, o
tradicional ideário do “teocentrismo” ou “cristocentrismo” (Deus, Cristo no centro) pelo
antropocentrismo, supervalorizando o homem como o grande –e único?– artífice do universo!

       - Caminho aberto. Em linha de continuidade e afinado com o projeto de emancipação
humana, aparece no novo cenário, agora mais propício, o existencialismo,53 contrapondo-se
energicamente à medieval filosofia tomista, e trocando o conceito de essência pelo de existência.
Ou seja, o homem não é. O homem existe. Não é, portanto, ser pronto, acabado, pré-moldado,
predestinado, que morrerá exatamente como nasceu, sem construir ou evoluir. Mas, ao contrario,
o homem é projeto (pro-iectare) que se lança para frente, para o futuro; é dasein que muda
constantemente, cresce, amadurece, evolui, renova suas opções, constrói-se a si mesmo e
modifica todos os dias no emaranhado das relações humanas e sociais em que vive mergulhado.
Sente-se, assim, responsável, livre e independente para desenhar o seu próprio destino.

       - Verdade e humildade. Neste trajeto, o conceito de verdade também sofrerá sua
reformulação, exigindo de todos quantos a buscam com sinceridade uma nova postura de maior
abertura e mais humildade: “da verdade ninguém é dono; todos somos intérpretes” (C. Mesters).
Decorre daí que a verdade não se imponha pela força,54 mas pela capacidade de dialogar,55 de

51
   Composição de Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra.
52
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 22b.
53
   Heidegger, 1889-1976; Kierkegaard, 1813-1855; Sartre, 1905-1980.
54
   Concílio Ecumênico Vaticano II. Dignitatis Humanae 1c.
55
   Ibidem, 3b.
32

ouvir e acolher a verdade do outro, de respeitar e valorizar quem pensa e faz diferente, de
discutir, trocar e escolher livremente o caminho que conduz à Verdade que liberta (cf. Jo 8,32),
sabendo que de verdade em verdade, podemos ir até Deus, verdade das verdades (Bossuet).

        - A primazia do prazer. Devemos originariamente a Freud (1856-1939), a noção de
sexualidade que, na experiência como na teoria psicanalíticas não designa apenas os atos sexuais
(coito), mas toda uma série de excitações e atividades presentes desde a infância, que
proporcionam prazer e satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome,
sede, função de excreção etc.), e que se encontram a título de componentes na chamada “forma
normal do amor sexual”. Sem deixar de incluir a dimensão carnal (sexual, propriamente dita), a
sexualidade, ao mesmo tempo em que a envolve, também a ultrapassa, na busca do prazer total e
absoluto que se manifesta em todos os ramos da atividade humana, no anseio por realização e
felicidade: encontro, conversa, amizade, pacto, amor, paixão, carinho, afeto, abraço, beijo,
trabalho, cultura, arte, comida, bebida etc.

       - O clamor das classes subalternas. São, sem sombra de dúvida singulares as contribuições
de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) para as teorias que se referem aos modos de
produção na relação força de trabalho-capital no sistema capitalista. Não obstante, em Jesus de
Nazaré, há 2 mil anos, já encontramos uma preocupação e atenção especial às classes oprimidas e
exploradas, denunciando, com veemência a ganância dos ricos contra a miséria dos
empobrecidos. Um texto revelador é o de Mt 20,1-15, onde a capacidade (força e tempo) de
trabalho já não aparece submetida ao lucro, ao capital: ao final de uma jornada de trabalho, todos
os operários, independentemente do tempo que trabalharam e, portanto, do que produziram,
ganham a mesma remuneração. Na verdade Jesus inverte a (des)ordem estabelecida e denuncia os
mecanismos opressores de uma sociedade que valoriza o ser humano pelo que tem e pode
oferecer, para humanizar as relações trabalhistas e mostrar que a pessoa vale pelo que é, ainda
que só possa oferecer o que lhe permite seus limites. É nesta ótica eminentemente evangélica que
se anuncia o “irromper dos pobres como sujeitos de libertação” (G. Gutiérrez): trabalhadores,
camponeses, índios, negros, mulheres etc. abrem os olhos, os ouvidos e a boca, e tomam
consciência da realidade que se caracteriza “por fenômenos maciços de marginalidade, alienação
e pobreza, e condicionada...por estruturas de dependência econômica, política e cultural em
relação às metrópoles industrializadas que detêm o monopólio da tecnologia e da ciência”.56 Esta
consciência crítica e coletiva do neocolonialismo, bem como do imperialismo enquanto forma
superior e mais acabada do capitalismo, comprometerá as classes populares subalternas na luta
contra as ditaduras localizadas e pela libertação integral de todo e qualquer totalitarismo, venha
de onde ou de quem vier.

        - A autoridade posta à prova. No mundo que se nos apresenta tal como está aí hoje:
globalizado, inter-relacionado e com um conjunto de “barracas que disputam a mesma feira”, um
dos questionamentos que aparecem é o da autoridade, conseqüência, por um lado, do anseio de
liberdade ampla, total e irrestrita e, por outro, da confusão que se estabeleceu entre autoridade e
autoritarismo. Um desafio que já se manifesta no seio da própria família, onde adolescentes,
jovens e até crianças, desde a mais tenra idade, colocam em xeque ou pelo menos tentam
“negociar” a autoridade dos pais. Ampliando para as relações interpessoais e sociais, e tendo em
conta os itens precedentes, não é difícil chegar à conclusão de que o atual quadro de

56
   Medellín 10,2; cf. PAULO VI. Populorum Progressio 19, 26, 57, 59... JOÃO XXIII. Mater et Magistra, onde se
lê: “...a retribuição do trabalho, assim como não pode ser inteiramente abandonada às leis do mercado, também não
pode fixar-se arbitrariamente; há de estabelecer-se segundo a justiça e a eqüidade. É necessário que aos trabalhadores
se dê um salário que lhes proporcione um nível de vida verdadeiramente humano e lhes permita enfrentar com
dignidade as responsabilidades familiares” (nº. 68). Neste sentido, é igualmente contundente o magistério social de
JOÃO PAULO II, expresso, sobretudo, na Laborem Exercens e Sollicitudo Rei Socialis.
33

desenvolvimento humano, racional, cultural, tecnológico etc., exige uma revisão profunda do
conceito de autoridade que busque integrar os diversificados processos de diálogo, co-
participação, envolvimento, criatividade, afetividade, troca de experiências e de saberes etc., para
que todos indistintamente se sintam e sejam, de fato, protagonistas da história que somos
chamados a escrever.

        - Uma “nova era” do Espírito? Não é difícil constatar por toda parte, em nossos dias, o
que alguns têm denominado “renascimento do homem espiritual” nos seus mais diversos aspectos
e dimensões: crescimento acelerado e progressivo da busca de aproximação do sagrado;
multiplicação e fermentação de grupos religiosos autônomos; manifestações privadas ou públicas
de “transes” cognominados “espirituais”; propagandas alusivas ao nome de Jesus, Maria, os
santos, o terço, difundidas em carros, caminhões, praças etc., etc. Toda esta carga emotiva que
preferimos chamar de espiritualismo para diferenciar de espiritualidade, parece ser o resultado da
conjugação de alguns fatores importantes, entre os quais salientamos:

        a) a miséria, a fome, a exclusão, o desemprego etc., que geram insegurança e medo,
obrigando, sobretudo, as populações carentes a apelar para o sagrado como instância derradeira, à
espera da intervenção mágica de Deus que, em algum momento aparecerá como “o salvador da
pátria” e realizará “o milagre”, mudando para melhor as condições de vida do Povo;

        b) a decepção com as muitas organizações políticas partidárias sem programa ou projeto
que encaminhe, na prática, as grandes causas populares, levando, em geral, o Povo simples a
acreditar que só Deus, a reza, os santos, podem dar um jeito na situação;

        c) uma vivência intimista, “privatizada” da fé que encontra sua correlação no sistema
capitalista globalizado, com a exaltação do individualismo na satisfação das necessidades
pessoais em detrimento dos imperativos da coletividade;

        d) por fim, este modo sui generis de viver a fé implicará, por conseguinte, no
desconhecimento, indiferença e/ou inexperiência em relação a Deus e seu Projeto; Jesus será
visto e experimentado apenas unilateralmente como “doce”, “amável”, “bondoso” etc.: um Cristo
sem conflitos (contra o que prescreve, p.ex., Mt 23 ou Lc 21,13-19), sem cruz (contra o que
prescreve Lc 9,23; 14,27), sem reino (contra o que prescreve Mt 12,28; 13) e sem evangelho
(contra o que prescreve Mc 1,15), que nunca enfrentou o poder do mal, que nunca se indispôs
com ninguém, que pura e simplesmente abençoou o status quo da sociedade e da sinagoga do seu
tempo. Caberá, então, a pergunta: A quem (pessoas) e a quê (instituições) interessa esse Jesus?

      5.3. O salto de qualidade: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom”
(1Ts 5,21)

        Nunca é demais recordar que a confusão de conceitos pode gerar práticas distorcidas e
incoerentes do ponto de vista da fidelidade à mensagem transmitida. Diferenciam-se, por
exemplo, essencialmente, Tradição e tradicionalismo. A Tradição é coisa boa, tratando-se das
raízes da nossa fé, expressas na comunhão com Jesus e seu projeto, depois confirmada pelos
apóstolos e apóstolas na ação evangelizadora das comunidades da “primeira hora”, que não
hesitaram em abrir-se ao Espírito e, diante de cada novo desafio, “reinventar” criativamente a
Igreja, oferecendo respostas adequadas à realidade e aos sinais dos tempos e lugares (cf., p. ex.,
toda a trajetória de Atos dos Apóstolos).57 Já o tradicionalismo é apego intransigente e inflexível
57
    Traduzido em nossos dias, poderíamos dizer assim: estamos diante de novos e múltiplos desafios e
questionamentos que não existiram no tempo de Jesus, nem quando da realização do Vaticano II: bebê de proveta,
transplantes, clonagem, divórcio, gravidez precoce, dependência química, tecnologia de vanguarda, globalização,
Teologia da Libertação: obra de Deus ou do diabo?
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  • 1. Obra de Deus ou do diabo? Carlos César dos Santos* * Copyright© 2007 Carlos César dos Santos: presbítero e assessor das CEBs da Arquidiocese de Juiz de Fora. Cx. Postal 491 / 36001-970 Juiz de Fora MG / Home Page: www.carlosonline.net.
  • 2. 2 Agradecimento Para não correr o risco de sermos injustos, não citaremos aqui os muitos nomes que colaboraram para que pudéssemos levar a termo esta nossa paixão. Eles e elas, porém, conhecem, tanto quanto eu, o peso de sua presença, da amizade fraterna que nos une, de suas opiniões, sugestões e, sobretudo, seu estímulo que encorajou e fortaleceu nossa persuasão. Por isso mesmo, sabem que, na verdade, o sentimento de reconhecimento e gratidão é comum a todos nós, nesta obra que, embora sob total responsabilidade de quem a assina, foi produzida em mutirão. Juiz de Fora, 25 de setembro de 2007 Carlos C. Santos
  • 3. 3 “Conheço sua tribulação e sua pobreza. Mas você é rico... Não tenha medo do sofrimento que vai chegar... Será para vocês uma provação... Seja fiel até à morte. Eu lhe darei em prêmio a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”. (Ap 2,9.10.11) “Esforço-me para descobrir como dar um sinal aos meus companheiros (...), como dizer a tempo uma simples palavra, uma senha, como fazem os conspiradores: unamo-nos e mantenhamo-nos estreitamente ligados, concentremos nossos corações, criemos um único cérebro e coração para a Terra, demos um significado humano ao combate sobre-humano”. (Nikos Kazantzákis)
  • 4. 4 Dedico este trabalho aos Pobres, aos Solidários da sua Causa, às Comunidades Eclesiais de Base e aos Mártires da Caminhada. Eles e elas nos ensinam que a mensagem cristã, longe de se reduzir a movimento de Igreja, é a Igreja em movimento.
  • 5. 5 Sumário Apresentação - Dom Aloísio Cardeal Lorscheider 1. Nos horizontes de Aparecida: caminhos e descaminhos 2. TdL - Teologia da Libertação: capricho humano ou proposta divina? 2.1. Primeiro Testamento: Javé é o Deus da Libertação 2.2. Segundo Testamento: Jesus é o Grande Teólogo... da Libertação! 2.3. Jesus e os pobres 2.4. Jesus e os ricos 2.5. A exigência de conversão é para todos 2.6. Atos: “repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um” (2,45) 2.7. O apóstolo Paulo: “carreguem o peso uns dos outros” (Gl 6,2) 2.8. O desafio do seguimento: “a fé sem obras é cadáver” (Tg 2,26) 2.9. Gestão de um novo tempo: a profecia velada e desvelada 3. O Concílio Ecumênico Vaticano II: Nova luz brilhou! 3.1. O Espírito abre caminhos 3.2. A revolução conciliar 4. O estatuto dos Pobres em Medellín e Puebla 4.1. A Herança de Medellín 4.2. A opção pela justiça e libertação 4.3. O jardim floresceu 4.4. O resgate da credibilidade 4.5. Pastores e Profetas 4.6. Um “casamento feliz” 4.7. Puebla: continuidade descontinuada? 4.8. Santo Domingo: “novo espetáculo em novo palco” 5. Mãe Negra, da alegria e da esperança, ensina-nos a caminhar! 5.1. Aparecida, “Mãe dos pobres sem mãe” 5.2. Aparecida no contexto de um mundo em metamorfose 5.3. O salto de qualidade: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Ts 5,21) 5.4. Aparecida e o atual panorama latino-americano 5.4.1. A crise, mãe de novos tempos 5.4.2. “Uma andorinha só não faz verão” 6. E a Teologia da Libertação: obra de Deus ou do diabo? 6.1. Visibilidade: critério de fidelidade? 6.2. Da “teologia” da libertação à práxis libertadora 6.3. Fundamentalismos têm algum fundamento? 6.4. “Deus caritas et liberationis est” 7. Uma questão provocadora: Quem tem medo da Teologia da Libertação? 8. Na ante-sala de Aparecida 8.1. “O Reino continua” - Entrevista com D. Pedro Casaldáliga
  • 6. 6 8.2. Memória e compromisso: O Pacto das Catacumbas 9. A Conferência de Aparecida no conflito das interpretações 9.1. O tráfico de influências 9.1.1. “A Assembléia começa antes da Assembléia” 9.1.2. Fatores críticos e destoantes 9.1.3. O clima da V Conferência 9.1.3.1. A conexão com a “aldeia global” 9.1.3.2. O ambiente de santuário 9.1.3.3. A representatividade 9.1.3.4. As surpresas do Espírito 9.1.3.4.1. O Seminário de Teologia 9.1.3.4.2. O Fórum de Participação 9.1.3.4.3. A Romaria das CEBs 9.1.3.4.4. A Tenda dos Mártires 9.1.3.4.5. A presença e assessoria de Ameríndia 9.1.3.4.6. O Discurso Inaugural do Papa 9.2. A usurpação de poder 9.2.1. As alterações do texto original 9.2.2. A reação da CNBB 9.2.3. Manifestações e protestos 9.2.4. “O jeito do cachimbo deixa a boca torta” 9.2.5. “Não entristeçam o Espírito Santo” 9.3. O DA - Documento de Aparecida: O Espírito Divino sopra mais forte que os espíritos de porco 9.3.1. O fio condutor 9.3.2. Visão de conjunto 9.3.3. Esquema geral do DA 9.3.4. As linhas-mestras 9.3.4.1 “Encontrei Jesus!” 9.3.4.2. A perspectiva “reinocêntrica” 9.3.4.3. Vida nova e plena 9.3.4.4. Povo de Deus em missão 9.3.4.5. Missão permanente 9.3.4.6. Confirmação do caminho percorrido 9.3.4.6.1. Opção preferencial pelos Pobres 9.3.4.6.2. CEBs 9.3.4.7. Paróquia: “rede de comunidades” 9.3.4.8. Os Mártires da Caminhada 9.3.4.9. O protagonismo feminino 9.3.4.10. Os que escolhem outros caminhos 10. Conclusão: Lições de um velho papa e um jovem teólogo Índice
  • 7. 7 Apresentação O Carlos César dos Santos, presbítero da Arquidiocese de Juiz de Fora, apresenta um resumo e uma defesa da Teologia da Libertação, da opção pelos pobres e das Comunidades Eclesiais de Base. São temas intimamente relacionados entre si. A Teologia da Libertação parte da situação dos oprimidos que, reunindo-se em comunidades, procuram juntos adquirir a verdadeira fraternidade e igualdade que lhes compete. A Teologia da Libertação não tem nada de marxista ou marxistinizante. Ela é um esforço teológico para uma teologia realista, com os pés no chão, para estimular os cristãos a superarem, na luz da fé, amparados pela Palavra de Deus, uma situação pecaminosa. Trata-se de sair da opressão dependente que escraviza a pessoa humana a um sistema liberal do lucro a qualquer custo. Por isso é uma teologia libertadora. É uma teologia que só faz medo ao neocapitalismo, que não respeita a pessoa humana. A característica da Teologia da Libertação é precisamente o respeito pela pessoa humana. É uma teologia profundamente humanística. Em vez de persegui-la e suspeitar do seu valor, é, antes, necessário promovê-la ao máximo. É a teologia da América Latina e de todos os povos injustamente oprimidos e dependentes. É preciso defendê-la e exaltá-la de todos os modos. Por isso, a Teologia da Libertação não morreu nem morrerá porque o ser humano não está morto, mas vive em Cristo Ressuscitado. Parabéns ao Autor deste escrito! É uma defesa válida da Teologia da Libertação e, com ela, da opção pelos pobres e Comunidades Eclesiais de Base. Aloísio Card. Lorscheider Arcebispo Emérito de Aparecida Porto Alegre, 08 de maio de 2007
  • 8. 8 1. Nos horizontes de Aparecida: caminhos e descaminhos Escrevo enquanto aquecemos os motores para a V Conferência do Episcopado Latino- Americano e Caribenho,1 que acontece em Aparecida/SP (Brasil), de 13 a 31 de maio de 2007. A etapa de preparação – apesar das muitas dificuldades relacionadas à realidade, distâncias, poder de mobilização e envolvimento, conteúdo e forma do documento de participação etc. –, no seu conjunto, pode ser avaliada como positiva, se levarmos em conta a considerável participação dos Leigos/as, Teólogos/as, Assessores/as, movimentos, pastorais, associações, comunidades etc., consagrando a legitimidade de uma Conferência que “começa antes de Aparecida. Na verdade ela já começou a acontecer quando o Povo de Deus começou a se reunir para prepará-la, para refletir, partilhar e encontrar novos caminhos que nos ajudem a ser mais fiéis ao seguimento de Jesus e, assim, servir à construção do seu Reino aqui, no Brasil, e em toda a América Latina”.2 Não obstante, nem tudo no caminho a ser percorrido são flores, e muitas são as vozes que, às vésperas de Aparecida, se levantam imperiosas contra a TdL (Teologia da Libertação)3 e, por tabela, contra a sua concretização no campo da prática libertadora, como sejam as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e a Opção pelos Pobres. Os que pretendem exorcizar estas instâncias libertadoras da Igreja, com fogo centrado agora na TdL, apresentam argumentos mais ou menos conhecidos do público cristão mais informado: tende para a ideologia marxista; propõe uma cristologia em que o Jesus histórico “abafa” o Cristo da fé; opta por uma eclesiologia que enfatiza a organização e a luta dos pobres, em detrimento dos ricos, que passariam a ser os “excluídos”; contribui, mesmo que involuntariamente, para fomentar a luta e o ódio de classes; defende a primazia da ortopraxia sobre a ortodoxia; confunde as dimensões temporal e transcendente da experiência de fé etc. etc. Neste processo, em meio às críticas que poderiam até ser positivas e colaborar efetivamente na busca comum da verdade, que se expressa na capacidade de dialogar, no respeito recíproco, na abertura sem preconceitos ao diferente, o que temos assistido é o confronto ou conflito de idéias (doutrinas), em reações que surpreendem e até assustam ou porque ultrapassam os limites da razão, ou porque, em alguns casos, chegam às raias do fanatismo. Diante deste contexto, aproveitando o ambiente oportuno da V Conferência que é o resultado de um processo histórico desencadeado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, nosso trabalho se propõe não a falar, ou fazer um discurso sobre a TdL, mas deixar que a própria TdL fale de si ao longo da história. Por que preferimos optar por este caminho? A V Conferência traz no seu tema a proposta do seguimento de Jesus na América Latina de hoje: “Discípulos/as e 1 Uma boa resenha sobre as expectativas em torno da V Conferência pode ser encontrada em: AMERINDIA (Org.). Sinais de esperança. São Paulo: Paulinas. 2007. 2 D. EURICO DOS SANTOS VELOSO. Palavras de abertura do Encontro Arquidiocesano de CEBs, em preparação para a V Conferência do CELAM, 13-15 de abril de 2007, em Juiz de Fora-MG. 3 Será comum encontrar em alguns textos a sigla TL, que tem o mesmo significado.
  • 9. 9 missionários/as de Jesus Cristo, para que Nele nossos Povos tenham Vida”, acompanhado do oportuno lema posposto por Bento XVI: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Um enunciado cristológico que fundamenta o ser e o agir missionário de cristãos e cristãs no mundo, onde a construção do Reino de Deus é permanente desafio. Para realizá-lo não basta boa vontade, ou “um zelo pouco esclarecido” (Rm 10,2), ou critérios meramente subjetivos. O enunciado explicitado no tema de Aparecida e a própria Conferência não podem ser vistos senão como conseqüência de uma Caminhada que tem história em nosso Continente e no conjunto da história da Igreja. Um processo que tem seu alicerce na Tradição, no que “nossos pais nos contaram”, que, partindo da Palavra, “fonte de todas as fontes”, chega a nossos dias, passando pelo Magistério, pelos documentos das Conferências Episcopais, pela palavra abalizada de Teólogos/as, e por todo o Povo de Deus que, conforme ensinou o Vaticano II, também é co- responsável pelo depositum fidei. Se, portanto, queremos que a V Conferência seja a atualização e a inculturação da mensagem cristã para a América Latina e o Caribe hoje, nada mais importante que retornar às fontes e buscar nelas a inspiração para responder à nossa pergunta de fundo: “a TdL é obra de Deus ou do diabo?” Neste percurso, mesmo optando pela originalidade que queremos conferir ao presente trabalho, recorreremos, vez por outra, a algumas de nossas posições firmadas em textos que já publicamos tanto na Internet, quanto em livros, revistas e jornais, no Brasil e/ou no exterior. Por fim, nossa contribuição, longe de chegar a seus pés, mas humildemente aberta ao espírito do diálogo e da co-responsabilidade eclesial e pastoral neste Kairós Latino-Americano e Caribenho, reporta-se à obra de Lucas, que abre assim sua narrativa: “Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se passaram entre nós. Elas começaram do que nos foi transmitido por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra. Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever para você uma narração bem ordenada, excelentíssimo Teófilo. Deste modo você poderá verificar a solidez dos ensinamentos que recebeu” (Lc 1,1-4). Esta quer ser igualmente a perspectiva do que escrevemos: uma narração, na medida do possível, bem ordenada, considerando todos e todas que nos precederam, bem como todos e todas que ainda caminham conosco, oferecendo-nos suas incontáveis, ricas e sólidas contribuições para retornarmos às fontes e aderir, cada vez mais plenamente, ao seguimento de Jesus, no tempo histórico que nos toca viver. Nesta perspectiva redigimos o presente texto, pensando em Você, “excelentíssimo Teófilo” que, etimologicamente, é “amigo/a de Deus”. Nossa esperança é que Você, vestindo a camisa desta etimologia, assuma com garra e coerência esta “amizade” com o Deus da Vida e, revestido/a do seu Espírito, o testemunhe, abraçando apaixonadamente a missão de construir o seu Reino, no Brasil, na América Latina, no Caribe, e “até os extremos da terra” (At 1,8).
  • 10. 10 2. TdL - Teologia da Libertação: capricho humano ou proposta divina? Realidades como a TdL,4 as CEBs, a Opção pelos Pobres, serão mesmo, assim tão recentes? Sua origem se situará, de fato – como há quem acredite –, na década de 60, com a abertura provocada pelo Vaticano II? Serão mesmo seus primeiros e originais teólogos aqueles que começaram a escrever sobre elas e sistematizá-las? Para responder a estas e outras perguntas, com certeza, provocadoras, vamos recuar no tempo e recorrer à Tradição bíblica e teológica, que nos permitirá uma visão de conjunto sobre donde vem, por onde passa e aonde querem chegar estas instâncias libertárias da Igreja. 2.1. Primeiro Testamento: um Deus Libertador5 Por definir-se como a “articulação do grito do oprimido”, a TdL, p. ex., está estreitamente ligada ao tema do pobre e da pobreza,6 que é da mais alta relevância não apenas nos discursos ou escritos dos teólogos, mas na tradição bíblica, onde, desde as origens, Deus se manifesta como amante e defensor da vida em todas as suas etapas, circunstâncias e dimensões e, por isso, parceiro na luta pela libertação dos pobres e oprimidos do seu povo: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo...”7 Esta ação de Deus, Pai e Mãe,8 em favor do seu povo escravo de estruturas sociais iníquas, expressas na injusta distribuição das riquezas, terá por objetivo a realização de um projeto que está no coração de Deus como utopia que deve encontrar lugar no coração da humanidade e de toda a sociedade: “Que entre vocês não haja nenhum pobre” (Dt 15,4). Destarte, a luta contra a pobreza, com a finalidade de libertar os empobrecidos e oprimidos, vítimas do sistema socioeconômico desigual e perverso, é drama que permeia todo o Primeiro Testamento. Aí está o movimento das mulheres que, já no Êxodo, se organiza para 4 Entre as obras que possibilitam conhecer e aprofundar o tema, estão as de: G. GUTIÉRREZ. Teologia da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1979³; L. BOFF. Teologia do Cativeiro e da Libertação, Petrópolis: Vozes. 1980²; A. G. RUBIO. Teologia da Libertação: Política ou Profetismo? São Paulo: Loyola. 1977; C. BOFF. Teologia e Prática. A Teologia do Político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1978; ID. Teologia Pé-no-chão. Petrópolis: Vozes, 1978². Como a teologia é também a reflexão inculturada que procura pensar e sistematizar a fé das comunidades afro, indígenas etc., conforme nos ensina a IV Conferência do CELAM, em Santo Domingo, uma boa referência é o trabalho de J. H. CONE. A black theology of liberation. NY: Orbis Book, Maryknoll, 19934. 5 Observe-se que até obras clássicas como as de VON RAD e FEUILLET que tratam do assunto já trazem esta perspectiva. 6 Um bom trabalho, com riqueza de conteúdo e dados históricos, é o de J. PIXLEY & C. BOFF. Opção pelos pobres. Petrópolis: Vozes, 1986. 7 Ex 3,7.8; cf. os poemas do Servo: Is 42, 1-7; 49,1-7; 52,13-53,12, que retratam a opção de Deus pelo Servo sofredor, identificado com os sofredores do povo eleito. 8 Expressão intuída por João Paulo I, com uma bela sistematização na obra de L. BOFF. O rosto materno de Deus. Petrópolis: Vozes, 20039.
  • 11. 11 combater o sistema de morte (cf. 1,15ss); Rute, Judite, Éster, símbolos da luta pelo direito e justiça dos pobres e fracos – todas grandes “teólogas da libertação”! Os irmãos Macabeus, testemunho de coragem e resistência na defesa da lei que protege os pequenos; a literatura profética, que tem seu ponto alto, de um lado, na denúncia dos ricos opressores e dos reis cruéis, que exploram impiedosamente os pobres e a classe trabalhadora e, de outro, no anúncio do Dia do Senhor que, então, chegará e fará justiça a seu povo, porque o nome com que mais gosta de ser chamado é “nossa justiça” (Jr 23,6)... Quem é que ao ouvir – com abertura de coração, largueza de mente e espírito de conversão – Isaías, Jeremias, Amós, Oséias..., poderá negar que foram os grandes profetas e teólogos da libertação que Deus realiza em favor de seu povo? Lugar especial na realização deste sonho de justiça e fraternidade ocupa a terra que não é fruto nem de enriquecimento ilícito, nem de herança deixada pelos antepassados e, menos ainda, de um poder latifundiário que acumule e concentre, mas tão somente da bênção de Deus que, desde sempre, a oferece como dádiva a todos gratuita e indistintamente.9 Portanto, patrimônio comum da humanidade a terra é lugar onde todos deveriam poder viver com alegria, e dela tirar seu sustento: “uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel” (Ex 3,8). Projetos humanos – ou desumanos! – egoístas e ambiciosos, no entanto, contrariaram o Projeto original de Deus. Conseqüentemente, a luta pela superação do empobrecimento, da miséria e da fome, se travará, no mundo bíblico – como também em nossos dias –, no campo da luta pela terra, visto que “como habitat da humanidade (Gn 1,28; Sl 115,16 etc.), a terra é o palco da história da salvação”.10 Nele, um apelo permanente de conversão se dirige a todos e cada um/a de nós: transformar a “terra de Deus” em “terra de irmãos”, como já propôs uma das Campanhas da Fraternidade, reconstruindo o paraíso, na comunhão total com Deus, as criaturas, a natureza, povos e culturas: Em nome do Pai de todos os Povos, Maíra de tudo, excelso Tupã. Em nome do Filho, Que a todos os homens nos faz ser irmãos. No sangue mesclado com todos os sangues. Em nome da Aliança da Libertação. Em nome da Luz de toda Cultura. Em nome do Amor que está em todo amor. Em nome da Terra Sem Males, Perdida no lucro, ganhada na dor, Em nome da Morte vencida, Em nome da Vida, Cantamos, Senhor!11 No esforço para incluir os pobres e restituir-lhes a dignidade, salvaguardado o contexto cultural em que se inscreve a história do povo de Israel, encontramos, na própria lei mosaica a preocupação em melhorar as condições de vida daqueles que são vítimas da fome e da miséria (cf. Ex 21,1-6; Lv 19,10; 23,22; 27,8; Dt 23,25; 24,19-22). Assim, no conjunto, Deus aparece como partidário e solidário de quem padece miséria e sofre, em conseqüência do empobrecimento (cf. Jo 5,15; Sl 72,12-15; Eclo 35,13-24). Assume a dor e a causa, motivando para a 9 Gn 1,28. Veja a densa obra de M. B. SOUZA. & J. L. CARAVIAS. Teologia da Terra. Petrópolis: Vozes, 1988. Cf. também: EQUIPO EXPRA. En busca de la Tierra sin Mal. Bogota: Indo-American Press Service, 1982. 10 A. van den BORN (Org.). Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Petrópolis: Vozes, 1977², 1498. 11 http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/yvemaraei.htm.
  • 12. 12 transformação, na construção do seu projeto que é fundamentalmente igualitário, participativo e inclusivo (cf. Is 5,8-25; Jr 23,5.7; Am 2,6.7; 3,10.15; 4,1.2). Em síntese, poderíamos dizer que desde as origens, miséria, fome, pobreza, exclusão etc. são o resultado do desequilíbrio que transformou a partilha em acúmulo e concentração das riquezas que são, em princípio e por vontade de Deus, destinadas a todos sem exceção e sem exclusão de ninguém. O sonho animado pelo Criador é que todos e todas vivam dignamente e ninguém passe penúria (cf. At 4,34.), cultivando sempre aquela sobriedade recordada por Provérbios: “...não me dês riqueza, nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de pão, para que, saciado, eu não te renegue...ou então, reduzido à miséria, chegue a roubar e profanar o nome do meu Deus” (30,8.9). 2.2. Segundo Testamento: Jesus é o grande Teólogo... da Libertação!12 Jesus de Nazaré, o Mestre da Justiça (cf. Mt 3,15), faz uma nova leitura da história e apresenta à humanidade um novo rosto de Deus (cf. Jo 14,8.9). Escreve sua teologia – que é da libertação! – no livro de sua própria vida, com destaque especial para os capítulos que se referem ao seu ministério público. Nasce pobre, vive pobre e morre pobre, sempre solidário, entre os pobres. Até na cruz, como gostava de lembrar D. Luciano Mendes, permanece fielmente solidário, morrendo no meio dos “dois ladrões” que partilhavam da mesma condenação. Diríamos hoje que Jesus “vira o sistema de cabeça pra baixo”: a começar pela vocação dos primeiros discípulos, seu chamado se dirige a pessoas pobres, excluídas, analfabetas, “primárias”, “desqualificadas”; freqüenta os lugares mais extravagantes e vai a festa de pobres (cf. Jo 2,1ss); não acata as convenções sociais e religiosas de sua sociedade hipócrita (cf. Lc 11,37ss); come, bebe e chama para o centro pecadores públicos, difamados e descartados pelo sistema (cf. Mt 9,1ss; Mc 3,1ss; 5,21ss; Lc 7,36ss; 19,1ss; Jo 8,1ss etc.), acolhendo-os e restituindo-lhes a paz e a alegria de viver. Na via inversa, porém, são contrastantes e conflitantes suas relações com as autoridades: chama Herodes de raposa (Lc 13,32); manda tomar cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes (cf. Mc 8,15); desautoriza a dominação intelectual dos doutores da lei e dos fariseus, que são “serpentes, raça de cobras venenosas” (Mt 23,33); usa o chicote contra quem só pensa em dinheiro e lucro (cf. Jo 2,14ss) e, para escândalo de muitos, declara, sem reservas, alto e em bom tom: “os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu” (Mt 21,31). O capítulo 23 de Mateus, p. ex., é a crítica mais contundente ao sistema de opressão, montado para escravizar o pobre, com a agravante de fazê-lo em nome da religião. 2.3. Jesus e os pobres Em toda esta ação missionária libertadora de Jesus, evangelizador do Pai, os pobres (anawim)13 têm lugar de destaque, a tal ponto de já ter havido quem defendesse que com o irromper do evento Cristo na história, inaugurou-se a era da “promoção messiânica dos pobres”.14 12 No campo da cristologia é vastíssima a produção. Um trabalho que aprofunda muito apropriadamente a natureza humano-divina de Jesus, é o de R.E. BROWN. Jesús, Dios y Hombre. Santander: Sal Terrae, 1973. Em contexto latino-americano, veja-se, entre outros: J. SOBRINO. Cristología desde América Latina. México: CRT, 1977; ID. Jesús en América Latina. Su significado para la fe y la cristología. San Salvador: UCA, 1982; L. BOFF. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis: Vozes, 1972; B. FERRARO. A significação política e teológica da morte de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977; E. MORIN. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1984; J. COMBLIN. O Enviado do Pai. Petrópolis: Vozes, 1974. 13 Na língua de Jesus, anawin são os “encurvados”, os “quebrados”, dos quais tudo foi roubado, inclusive o direito de se reerguer ou se reconstituir. 14 A. GELIN. Os pobres que Deus ama. São Paulo: Paulinas, 1973, 113-138.
  • 13. 13 De fato, textos como o cântico de Maria (Lc 1,46-55), a parábola do rico epulão e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31), a oferta da viúva pobre (Mc 12,41-44 par), ou ainda o caráter solene atribuído à proclamação das bem-aventuranças (Mt 5,1ss; cf. Lc 6,20-26), revelam a opção clara, consciente, coerente e conseqüente de Jesus, o Grande Pobre, pelos Pobres de seu Povo. E mais, a opção pelo seguimento de Jesus exige, necessariamente, a opção pelos pobres porque eles “definem, com sua vida proibida e com sua morte ‘antes de tempo’, a verdade ou a mentira de uma Sociedade, de uma Igreja” (D. Pedro Casaldáliga), e é por isso que a eles o Senhor destinou o seu Reino (cf. Mt 11,4-6.25-26; Lc 4,18-21). Lucas o coloca de maneira magistral, quando contrapõe ao “felizes de vocês que agora têm fome...” (6,21) ao “ai de vocês os ricos!” (6,24) Uma sentença especialmente severa que servirá para iluminar e dar sentido a outros dois textos importantes da comunidade lucana, que se opõem pelas diferentes respostas ao apelo de conversão: o do homem rico (Lc 18,18-23), escravo dos bens materiais que possuía, e o de Zaqueu (Lc 19,1-10), rico porque era ladrão. 2.4. Jesus e os ricos O episódio do homem rico é símbolo característico daquele grupo social minoritário que traz consigo uma mentalidade marcada pelo egoísmo e o apego às riquezas, ao lucro concentrado e ao acúmulo dos bens. Há quem tenha observado que este “fulano” nem sequer ganhou um nome no evangelho, pelo fato de estar em total desarmonia com a proposta de Jesus dirigida a todos, sem privilegiados – “Vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Na verdade, o homem rico queria e desejava a vida, só que apenas para si. Não era capaz de defender e partilhar da vida dos pobres. Quanto a Zaqueu, ao contrário, conhecido publicamente como ladrão, tem sua identidade preservada porque testemunha basicamente duas realidades interativas: por um lado, a mudança de mentalidade e conseqüente conversão (metanoia) para o projeto e o caminho apontado por Jesus e, por outro, a resposta que oferece a uma pergunta existencial que era dos discípulos e discípulas de outrora e, hoje, de muitos de nós: “Então, quem pode ser salvo?” (Lc 18,26), ou: Jesus teria vindo somente para os pobres? Ou ainda: Só os pobres se salvam? A reação de Zaqueu ao acolhimento e misericórdia de Jesus é a demonstração clara e objetiva de que também os ricos podem salvar-se, desde que disponibilizem seus bens em função da partilha e se convertam para os ideais do reino de Deus:15 2.5. A exigência de conversão é para todos A pregação de João Batista (cf. Mt 3,1-12), bem como o início da vida pública de Jesus são marcadas por este forte apelo de conversão, em vista da proximidade do reino de Deus: “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mc 1,15). A conversão exigida para acolher a boa notícia do reino, mais do que um simples “arrepender-se” e “fazer penitência”, é convite para “uma reviravolta interna” que tem as suas conseqüências para todos os campos da ação humana. É uma nova forma da pregação profética da conversão, mas agora na perspectiva da iminência dos tempos messiânicos, exigindo de todos uma conversão interna radical.16 Neste sentido, na pregação de Jesus, primeiro destinatário da conversão é a pessoa, cada pessoa, que é chamada a fazer uma “ruptura” corajosa, livre e consciente (“entscheidung”, na expressão de Bultmann) com todos os esquemas de pecado e 15 Cf. A. van den BORN. Op. Cit., 293-294. 16 Cf. ID. Ibidem. 294.
  • 14. 14 dominação para que, transformados, os corações ajam de maneira eficaz na mudança das estruturas sociais injustas que são hostis à manifestação do Reino. Só mulheres e homens novos, imbuídos de sentimentos de sensibilidade, ternura, compaixão, solidariedade e capacidade de partilhar o ser e o ter, poderão contribuir efetivamente para a construção de uma sociedade nova, justa e fraterna, onde o respeito pela dignidade e pela vida do irmão, da irmã, da natureza, do cosmo, seja a marca registrada do discípulo e discípula do Senhor. 2.6. Atos: "...repartiam o dinheiro entre todos, conforme e necessidade de cada um" (At 2,45)17 Os primeiros retratos da Igreja primitiva (At 2,42-47; 4,32-37) – movida pelo Espírito que ressuscitou Jesus e, por isso, gerador de vida nova, humana, digna e plena para todos sem exceção e sem exclusão –, revelam que os primeiros cristãos e cristãs não pouparam esforços para perseguir e refazer o caminho do Senhor no tempo que lhes tocou viver. Com criatividade e liberdade, foram capazes de adotar o projeto da inclusão. Assumiram e atualizaram, nas mais diversificadas circunstâncias sociais, culturais, políticas e religiosas, a ação libertadora de Jesus, no trabalho empenhado e na luta perseverante para reintegrar os marginalizados e fazê-los experimentar a força e a alegria que a Boa Notícia traz para todos: vida, e vida em abundância! A feliz descoberta de “que Deus não faz diferença entre as pessoas” (At 10,34), será o fundamento da nova relação estabelecida na comunidade, não mais baseada no egoísmo, na ganância ou no preconceito que excluem e dividem, mas no amor fraterno e na amizade, na solidariedade e na justiça, no diálogo e na comunhão, que mobilizam, motivam e sustentam um outro modus vivendi: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um” (At 2,44.45). Este testemunho de comunhão afetiva e efetiva é tão forte em Atos, que o seu redator chega a concluir que, em conseqüência dele, “a Palavra de Deus crescia e se multiplicava” (12,24), enquanto “a Igreja vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se edificava e progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (9,31). 2.7. O apóstolo Paulo: "carreguem o peso uns dos outros” (Gl 6,2) Paulo, “apóstolo das nações”, também poderia ser cognominado o “apóstolo da solidariedade” e, se alguém preferir, “teólogo da libertação!” Boa parte de sua atividade apostólica é dedicada à famosa coleta em benefício dos pobres da comunidade de Jerusalém (cf. Rm 15,15-27.31; 1Cor 16,1-3; 2Cor 8,1ss). Dois aspectos muito importantes iluminam nossa ação missionária, solidária, libertadora, com os que sofrem e, por isso mesmo, devem ser ressaltados nesta coleta: a) Não se trata de uma coleta meramente assistencialista de ajuda aos pobres, mas, ao contrário, para Paulo, o objetivo principal é o envolvimento, a motivação e a participação de todas as comunidades no projeto de solidariedade (cf. At 11,29.30) com os que padecem, revelando assim que, nesta ação solidária da Igreja, convertida ao modelo do bom samaritano (cf. 17 Um trabalho especial sobre as comunidades da “primeira hora”, que não temos notícia se foi traduzido para o português, é o de A. HAMMAN. La vie quotidienne des premiers chrétiens. Paris: Hachette, 1983³. Na mesma linha está o de: J. DRANE. A vida da Igreja Primitiva. São Paulo: Paulinas, 1985.
  • 15. 15 Lc 10,30-37), é a própria mão poderosa do Senhor que deve chegar, em todos os tempos e lugares, para levantar os caídos e restituir dignidade e vida a todos quantos as perderam; b) a iniciativa da coleta é mais “carregada” e ganha um caráter especial na comunidade de Corinto que, por um lado, é a mais importante e rica e, por outro, a mais difícil e conflitiva do ponto de vista missionário e pastoral.18 Esta disparidade entre comunidade rica e comunidade pobre vai aparecer também no Apocalipse que contrapõe Esmirna (2,9) e Laodicéia (3,17), o que nos leva a concluir que era intenção clara do apóstolo, já aí, estimular e favorecer a comunhão e a solidariedade das igrejas de maior poder aquisitivo com as igrejas pobres. 2.8. O desafio do seguimento: "a fé sem obras é cadáver” (Tg 2,26) Sempre foi tranqüilo para a Tradição cristã reconhecer que no coração do anúncio de Jesus de Nazaré está o mandamento novo: “amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 13,34; 15,12.17) que, na verdade, é a síntese do projeto de quem entregou toda a sua vida por amor (Jo 15,9). O Mestre e Senhor (Jo 13,13), que perseverou e foi fiel até o fim (Jo 19,28-30), entrega a todos os seus seguidores e seguidoras uma “carteira de identidade”: “Nisto vão reconhecer que vocês são os meus discípulos: se tiverem amor uns para com os outros” (Jo 13,35). A fé, portanto, está intimamente ligada à vida, e o amor deve ser traduzido em prática concreta que manifeste a misericórdia e a justiça de Deus, chegando a todos sem exceção. Foi assim com Cristo que escolheu e amou até mesmo Pedro que o negou, e Judas, o traidor. Do que foi dito até aqui, parece que duas intuições podem ajudar a clarear todo este processo que nos engaja para, no seguimento de Jesus, continuarmos sua ação libertadora no mundo: a) A palavra de Deus, no seu conjunto, não nos autoriza marginalizar e excluir os ricos, que, ao contrário, também devem ser alvo da nossa ação evangelizadora. O próprio Jesus e os discípulos contaram com o apoio de pessoas ricas convertidas e solidárias à Causa (cf. Lc 8,3; At 4,37). O grande desafio, porém, é trabalhar as consciências para a conversão ao projeto da partilha, com o objetivo de somar no projeto de construção do Reino que é vida em abundância para todos, e não apenas para alguns privilegiados. b) Os pobres, do ponto de vista bíblico e da ação missionária de Jesus e dos primeiros cristãos, serão sempre os nossos preferidos, porque são, também, os preferidos do amor e da ação misericordiosa do Pai. A nossa maneira de amá-los será sempre especial para evitar toda discriminação e preconceito, a exemplo do que nos ensina Tiago (cf. 2,1-9). Deste modo, em tudo, nosso projeto missionário, refazendo o caminho de Jesus e da Igreja primitiva, deve ter por finalidade última fazer com “que o irmão pobre se orgulhe de sua alta dignidade” (Tg 1,9). 2.9. Gestão de um novo tempo: profecia velada e desvelada O tempo que transcorre entre a ação missionária de Jesus e, posteriormente, da comunidade primitiva, estendendo-se pelos três primeiros séculos do cristianismo, e o advento do Concílio Ecumênico Vaticano II, no século XX, também é marcado por uma preocupação, em muitos casos especial, com os pobres e a “reconstrução da Igreja dos Pobres” (S. Francisco de Assis). 18 Cf. A. van den BORN. Op. Cit., 280.
  • 16. 16 Há nomes mais distantes como o de Irineu de Lião (130-202) que, ao perceber a distância que a Igreja vai tomando em relação ao seu líder carismático, Jesus, convoca as comunidades a retornarem ao “comunismo” dos primeiros cristãos; defende ainda a integridade do gênero humano com a máxima: “A glória de Deus é o homem de pé”; ou, Basílio de Cesaréia (329-379), também conhecido como o “bispo social” que, mergulhado nas grandes questões sociais do século IV, torna-se, aí, porta-voz e fiel defensor da causa dos pobres;19 ou, Ambrósio de Milão (340-397), o “pai dos pobres”, a quem santo Agostinho (354-430) descreverá como alguém “assediado pela multidão de pobres, a ponto de se ter grande dificuldade para chegar até ele”. Esses homens tradicionalmente conhecidos como Padres da Igreja apresentam, em geral, um perfil crítico e profético que retoma e atualiza a linguagem e a linhagem profética do Primeiro Testamento, na denúncia de tudo o que fere a dignidade humana, inibe a partilha e solidariedade, e é hostil ao projeto de Deus, como o atesta, p.ex., estas palavras incendiadas proferidas por S. Gregório de Nissa (330-395): “Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbulo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?”20 Conforme o avanço da história, pessoas como Domingos e Francisco, Clara, Antônio, Teresa de Ávila, Vicente de Paulo e tantos outros,21 ofereceram sua cota de disponibilidade e sacrifício, de generosidade e muito amor na promoção humana e social dos irmãos e irmãs pobres e excluídos fazendo, da solidariedade com eles e elas, caminho para a santidade. 19 Cf. A. HAMMAN. Os Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1980, 129-139. 20 Citado por P. FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002³³. 21 Para um aprofundamento deste longo período da história da Igreja, numa perspectiva da luta dos pobres e com os pobres, ver: J. PIXLEY & C. BOFF. Op. Cit., 185-212: “A opção pelos pobres durante mil anos de história da Igreja”; o livro sempre atual de M. ROCHA. Projeto de vida radical. Petrópolis: Vozes, 1977², traz um capítulo sobre as “Ordens Mendicantes”, 49-54; e, M. MOLLAT. Les Pauvres au Moyen Age. Paris: Hachette, 1978, também é de uma riqueza de conteúdo extraordinária! A própria Doutrina Social da Igreja é igualmente rica na opção e compromisso com os pobres. Em contexto latino-americano, ver: P. BIGO & F.B. de ÁVILA, Fé cristã e compromisso social. São Paulo: Paulinas, 1982, especialmente o cap. IV da 2ª parte: “Natureza da missão social da Igreja”, 111-134.
  • 17. 17 3. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965): Nova luz brilhou! Estamos na segunda metade do século XX. Depois de praticamente 16 séculos de história, já havia quem pensasse que o Espírito Santo estava dormindo...Ou, se não dormia, pelo menos cochilava, quando, não mais que de repente, Roncalli é eleito para o trono de Pedro. As repetidas e exaustivas seções do conclave, com a multiplicação dos escrutínios sem resultados que expressassem o consenso dos cardeais em torno de um nome que representasse a “moderação” ou o “equilíbrio”, acabou deixando espaço para que o Espírito interviesse, sugerindo a alternativa do que seria, conforme a crença de muitos, um “papa de transição”. 3.1. O Espírito abre caminhos De idade avançada, com a saúde debilitada, filho de camponeses pobres, muito piedoso, e com experiências significativas no campo das relações diplomáticas, era tudo o que a Igreja precisava para fazer uma transição tranqüila, pacífica e sem traumas, para a modernidade que batia à sua porta, ameaçando suas estruturas seculares inabaláveis! Sem aparentes condições objetivas de questionar a cristandade e, muito menos, de oferecer opções concretas para uma mudança ou “revolução” eclesial e pastoral, a missão do novo papa seria, então, a de manter o status quo e colaborar, recolhendo-se à sua “insignificância”, para protelar, se possível definitivamente, o acerto de contas da Igreja com a história. O desenrolar da novela, no entanto, mostrou ao mundo e a quem estava atento aos sinais dos tempos que, mais uma vez, o Espírito interveio, “divertiu-se”, “riu” de muita gente, e fez de João XXIII o João Batista do século XX, preparando, já não os caminhos do Senhor, mas os caminhos da Igreja renovada, revestida da força do Ressuscitado, aberta ao mundo, solidária da humanidade peregrina nas suas dores e alegrias, amante e construtora da justiça e da paz do Reino. O “Papa Bom” ou “Papa da Paz” que convocou, animou e sustentou o Concílio contra tantos que a ele se opuseram, morre antes de concluir sua obra-prima. Suspeitas são levantadas em relação ao futuro do Concílio e da Igreja. O fermento, que já havia começado a levedar a massa, opõe pelo menos três tendências com suas respectivas inquietações: a) A tendência “progressista”: O novo escolhido dará continuidade a este grande empreendimento do Espírito, que encontrou em João XXIII o instrumento dócil para realizar sua ação libertadora no mundo? b) a “moderada”: Mesmo dando continuidade ao caminho proposto e impresso por João XXIII ao Concílio, o novo papa será capaz de conter os “excessos”? e, c) a “conservadora”: Terá o próximo sucessor de Pedro discernimento suficiente para perceber que a idéia do Concílio não passou de uma aventura passageira e, portanto, dará marcha à ré na história da Igreja?
  • 18. 18 Com a eleição do cardeal Montini, que escolhe o nome de Paulo VI, paira uma tranqüilidade que, de certa forma, “apazigua” o antagonismo destas tendências. Montini, à diferença de seu predecessor, é originário da aristocracia, de formação mais intelectualizada, mais “ilustrado”, e também mais introvertido. É bem verdade que na avaliação de alguns historiadores, o Concílio, sob sua presidência, não continuou no mesmo pique com que vinha sendo conduzido por João XXIII. Não obstante, levando em consideração a época e o peso da “reviravolta” que se ousava perseguir, o resultado, no conjunto, não pode ser visto senão como obra e dom do Espírito à sua Igreja, e, por conseguinte, acentuadamente revolucionário. A consagração de documentos como Lumen Gentium, Gaudium et Spes e Ad Gentes, entre outros, marcou, de fato, um novo Pentecostes que teve repercussão positiva, transformando qualitativamente a vida e ação missionária da Igreja. 3.2. A revolução conciliar O Vaticano II tornou-se modelo e referência ao enfrentar todos os riscos da época e responder aos desafios advindos, em especial, da Segunda Guerra. Profetizando e assumindo com determinação esta atitude de fundamental abertura ao inusitado, abriu novos caminhos para atualizar a palavra e o projeto de Deus na história. Para além da renovação das pastorais, dos movimentos bíblico e litúrgico que promoveu, estão as muitas “viradas”, cuja proposta era a de religar (objetivo da religião) a atividade missionária da Igreja ao mundo contemporâneo e seus anelos de justiça e libertação. Entre as mais expressivas, lembramos: a) A superação do eclesiocentrismo,22 na correta articulação Reino-Mundo-Igreja que, precisamente nesta ordem, sublinhará a preeminência do Reino de Deus que deve ser construído no Mundo com o serviço (mediação) da Igreja (sacramento, sinal, instrumento). Decorre daí que não coaduna com a missão da Igreja nem o narcisismo nem a prepotência, ou seja, ela não anuncia a si mesma, nem está no mundo em função de seus próprios interesses, mas é a humilde servidora e mediadora de uma realidade que é maior e mais importante do que ela: “A Igreja, enquanto ela mesma ajuda o mundo e dele recebe muitas coisas, tende a um só fim: que venha o Reino de Deus e seja instaurada a salvação de toda a humanidade”.23 b) A configuração da Igreja como Povo de Deus.24 Povo da Nova Aliança estabelecida por Cristo e selada com seu sangue, a caminho da libertação, que não se restringe nem foi confiada somente a padres e bispos, mas a todos os batizados e batizadas – “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa” (1Pd 2,9) –, uma vez que Cristo continua exercendo sua ação profética no mundo “não apenas pela hierarquia, que ensina em seu nome e com seu poder, mas também através dos leigos”, aos quais “muniu com o senso da fé e com a graça da Palavra”.25 Esta dignidade e igualdade fundamentais conferidas pelo batismo dissipam toda tentação de discriminação e exclusão, fazendo de todo o Povo de Deus filhos e filhas do mesmo Pai e, portanto, irmãos e 22 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 3 e 5. Obra importante que aborda detidamente o assunto é a de H. KÜNG. Die Kirche. Fribourg-en-Br.: Herder. 1967. Cf. L. BOFF. Eclesiogenese. Petrópolis: Vozes, 1977. 23 Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 45; cf. PAULO VI. Evangelii Nuntiandi 8. 24 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 9ss. Na avaliação de muitos Padres Conciliares é este “o germe de vida mais rico do Vaticano II”. Uma das primeiras reações positivas a este novo sopro do Espírito foi precisamente a de J. RATZINGER. Das Neue Volk Gottes. Düsseldorf: Patmos-Verlag. 1969. Esta imagem da Igreja- Povo-de-Deus colocou as bases para uma corajosa releitura do Concílio na América Latina (AL) – Continente profundamente marcado pela injustiça e opressão –, conforme veremos a seguir, onde o povo de Deus é constituído, na sua maioria esmagadora, pelo Povo dos Pobres. Cf. E. DUSSEL. Populus Dei in Populo Pauperum (Do Vaticano II a Medellín e a Puebla). Concilium 196 (1984) 50-61. 25 Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 31a; 35a; Dei Verbum 10a.
  • 19. 19 irmãs, “em cujos corações habita o Espírito Santo”,26 que não é propriedade de uns poucos privilegiados, mas do “conjunto dos fiéis”27 que são plenamente responsáveis de toda a ação missionária da Igreja: “Como participantes do múnus de Cristo sacerdote, profeta e rei, os leigos participam ativamente na vida e na ação da Igreja. No interior das comunidades da Igreja sua ação é tão necessária que sem ela o próprio apostolado dos pastores não poderia, muitas vezes, alcançar o seu pleno efeito”.28 c) A abertura ao mundo e o movimento “para fora”,29 no diálogo com o diferente expresso nas culturas, religiões, gênero, filosofias de vida, reconhecendo a necessidade e oportunidade de ampliar e consolidar todos os contatos que estiverem ao seu alcance para realizar a missão ad gentes: “Onde quer que Deus abra uma porta à palavra para proclamar o mistério de Cristo a todos os homens, com confiança e sem cessar anuncie-se o Deus vivo e Aquele que enviou para a salvação de todos, Jesus Cristo...‘o caminho, a verdade e a vida’ (Jo 14,6)”.30 d) A solidariedade com a humanidade peregrina, na certeza de que Jesus continua caminhando com os homens e as mulheres também do nosso tempo, em todos aqueles e aquelas que o reconhecem na alegria e felicidade da partilha (cf. Lc 24,13ss), na promoção dos empobrecidos e na libertação dos oprimidos (cf. Mt 11,2-6; Lc 4,18-21),31 para que Deus seja conhecido, acolhido e amado como “Pai nosso”, e não apenas de alguns: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”.32 e) O combate à “guerra fria” para apoiar e incentivar o desarmamento, e garantir a coexistência pacífica entre Estados de distinto caráter social,33 na promoção e respeito ao direito internacional e à autodeterminação dos povos: 26 ID. Lumen Gentium, 9b; cf. JOÃO PAULO II. Dominum et Vivificantem 64. 27 ID. Ibidem 12a. Observe-se que na Novo Millennio Ineunte o Papa João Paulo II se refere a São Bento que convida o abade do mosteiro a consultar também os mais novos: “É freqüente o Senhor inspirar a um mais jovem um parecer melhor”, e a São Paulino de Nola que lembra: “Dependemos dos lábios de todos os fiéis, pois o Espírito de Deus sopra em cada fiel” (nº. 45b; os grifos são nossos). 28 Concílio Ecumênico Vaticano II. Apostolicam Actuositatem 10a. 29 Cf. a já citada Gaudium et Spes, que trata especialmente do tema. 30 Concílio Ecumênico Vaticano II. Ad Gentes, 13a. 31 A grande conquista aqui se refere à ação social dos cristãos e cristãs no mundo, que deve dar um salto qualitativo, passando do assistencialismo à promoção humana e social, cujo fundamento é a justiça: “satisfaçam-se em primeiro lugar as exigências da justiça, para que não se dê como caridade o que já é devido a título de justiça; eliminem-se as causas dos males, não só os efeitos; seja encaminhada a ajuda de tal maneira que, os que a recebem, pouco a pouco se libertem da dependência externa e se tornem auto-suficientes”. (Apostolicam Actuositatem 8). 32 Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 1. Também o Sínodo dos Bispos sobre A Justiça no Mundo (1971) fazia-se porta-voz deste clamor: “A ação pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem- nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da Igreja em prol da redenção e da libertação do gênero humano de todas as situações opressivas” (nº 6). 33 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 81-82.
  • 20. 20 “Por isso, mais uma vez deve ser declarado: a corrida armamentista é a praga mais grave da humanidade, que lesa intoleravelmente os pobres”.34 f) A renúncia à xenofobia contra quem pensa e até age diferente, para integrar, incluir e fomentar a participação na diversidade de agrupações, correntes e opiniões no seio da Igreja Católica:35 ...“Que promovamos no seio da própria Igreja a mútua estima, respeito e concórdia, admitindo toda a diversidade legítima, para que se estabeleça um diálogo cada vez mais frutífero entre todos os que constituem o único Povo de Deus, sejam os pastores, sejam os demais cristãos”.36 A seu tempo, o 2º Concílio do Vaticano respondeu aos sinais dos tempos, avançando “para águas mais profundas” (Lc 5,4), e estabeleceu o estatuto de uma espiritualidade sadia, aberta ao novo e inusitado, deixando-nos um legado que se constitui desafio e compromisso: Quem ama verdadeiramente conhece, sabe e experimenta a eficácia do provérbio francês: “Chaque jour l’amour change de visage”.37 Os cristãos e cristãs, seguidores e seguidoras de Jesus, mulheres e homens de Deus, ungidos pelo Espírito que, desde as origens, manifesta todo o seu vigor na liberdade criadora e criativa, com muito mais e maior convicção deveriam professar o “credo do Novo” como notícia boa, alegre, inovadora, transformadora, entusiasta, que rejuvenesce os espíritos para que, no mesmo Espírito, que adora variar, tudo e todos, a Criação e a Humanidade, experimentem, a cada novo dia, a força e a vitalidade da palavra ousada que sai da boca de Deus, comprometendo para a mesma ação todos os seus filhos e filhas: “Eis que faço novas todas as coisas!” (Ap 21,5). 34 ID. Ibidem 81c. Cf. JOÃO XXIII. Pacem in Terris, onde o Papa está convencido “de que as eventuais controvérsias entre os povos devem ser dirimidas com negociações e não com armas” (nº. 126). 35 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Gaudium et Spes 43d; 73c; 92. 36 ID. Ibidem, 92b. 37 A cada dia o amor aparece com um novo rosto.
  • 21. 21 4. O estatuto dos pobres em Medellín (Colômbia) e Puebla (México) A Conferência de Medellín é a segunda da América Latina. Antes dela, a primeira, aconteceu – como agora, a de Aparecida – no Brasil, em 1955, na cidade do Rio de Janeiro. É pouco comentada e conhecida, não porque não tenha importância, mas por dois fatores que parecem, se não justificáveis, pelo menos explicáveis: primeiro, porque já está distante no tempo, numa realidade como a nossa que não cultiva a tradição de manter viva a memória e, depois, pelo fato de ter-se realizado antes do Vaticano II e, portanto, sem os horizontes do Concílio que a fizesse marcar época ou posição no Continente, como foi o caso de Medellín. Não obstante, a seu modo e dentro do contexto em que se realiza, a Conferência do Rio de Janeiro, na opinião de especialistas, foi um “divisor de águas” para a Igreja da América Latina e Caribe, na medida em que, a partir dela, já começam a aparecer as preocupações com os grandes desafios que interpelam o Continente; a perspicácia, sobretudo de D. Hélder Câmara, que já está aí presente, estimulando a opção para que a “nossa Igreja” tenha o seu rosto próprio; o trabalho dele e de outros para criar e consolidar o CELAM e as Conferências Episcopais etc. Graças a todos estes esforços foi possível celebrar agora a V Conferência. Um caminho iniciado pela profecia de Pio XII, na sua carta Ad Ecclesiam Christi, lida na abertura da I Conferência, onde, depois de elogiar a América Latina, afirma acreditar que “dentro em pouco”, o continente Latino-Americano “possa achar-se em condições de responder, com vigoroso impulso, à vocação apostólica que a Providência divina” parece ter-lhe “designado”. Vocação essa de ocupar “lugar de destaque na nobilíssima tarefa de comunicar também a outros povos, no futuro, os ansiados dons da salvação e da paz”.38 4.1. A herança de Medellín (1968) A Conferência de Medellín constitui a primeira releitura do Vaticano II para a realidade latino-americana. É de consenso que foi a “recepção criativa” do Concílio para o nosso Continente. Nossos desafios, entretanto, são ainda mais críticos que aqueles que deram origem ao Concílio. Em 1968, no Brasil, por exemplo, está em plena vigência a ditadura militar, que teve início com o golpe de 1964. Ao nosso, somam-se vários outros países da América Latina que, com total apoio dos EUA, vão consolidando seus regimes de força, repressão, tortura e morte. A fome e o empobrecimento das massas, conseqüência da extorsão de grupos estrangeiros ou multinacionais39 que se espalham pelo Continente, configura um quadro de injustiça social que converge para condenar nossos povos à miséria. No plano eclesial já há murmúrios de inconformismo com uma visão de Igreja estruturada mais hierarquicamente, sem levar em consideração o envolvimento e a participação de todo o Povo de Deus. Um bom exemplo aqui é o do Movimento Litúrgico, liderado pelos beneditinos do Rio de Janeiro, anterior, inclusive, ao próprio Concílio, buscando ensaiar passos concretos, revolucionários para a época (presidente da celebração de frente para o povo, missa em língua 38 Cf. Documento sobre a Conferência de Aparecida, publicado por ZENIT, disponível no sítio: http//www.zenit.org/portuguese/archivo_documentos. Ver também a reportagem detalhada publicada pelo Jornal de Opinião. Semanário da Arquidiocese de Belo Horizonte, nº. 932, 9 a 15 de abril de 2007, 10-11. 39 Ou ainda “transnacionais”, conforme posteriormente foram mais adequadamente chamadas.
  • 22. 22 vernácula etc.), com o objetivo de renovar a liturgia. Entre os nomes que estão na origem deste movimento, sobressaem os de D. Martinho Michler e D. Clemente Isnard, que mais tarde se tornou Bispo de Nova Friburgo-RJ e, durante muito tempo presidiu a Comissão de Liturgia da CNBB, ocupando também sua vice-presidência. No campo litúrgico, eles foram, assim, os profetas, protagonistas dos novos tempos que se anunciavam para a Igreja latino-americana. 4.2. A opção pela justiça e libertação A liturgia era, no entanto, apenas um dos alvos a ser atingido pelo movimento de transformação proposto pelo Concílio. Relido e atualizado a partir da América Latina oprimida e reprimida, o Vaticano II motivará aquelas que são consideradas as “opções-eixo” de Medellín, entre as quais se destacam: a Opção pelos Pobres; a Opção pela Libertação; a Opção pelas Comunidades Cristãs de Base; a Opção pela Justiça Social; a Opção pelo Profetismo... Observe-se, logo de início, que a Opção pelos Pobres não traz ainda o adjetivo “preferencial” (acoplado só tardiamente por Puebla). Em Medellín a Opção pelos Pobres é clara, transparente e genuinamente evangélica, como foi a opção de Jesus, conforme vimos acima. Nesta opção, talvez a mais importante no contexto de um Continente marcado pela injustiça e opressão que se exerce precisamente contra os empobrecidos e miseráveis, a Igreja latino- americana propõe um passo qualitativo, a saber, o de retornar às fontes bíblica e em especial do Segundo Testamento, para dar lugar a uma ética de inclusão. Se a identidade do cristão e da cristã é o seguimento do Mestre, repetindo, na história, sua palavra e ação libertadora, então a Opção pelos Pobres se distinguirá, de fato, como marca registrada e critério de salvação (cf. Mt 25,31ss) não só para a América Latina, mas para toda a Igreja, na advertência já consagrada Paulo VI: “Se quiserdes, hoje, conhecer quem foi Jesus Cristo, olhai para o rosto dos pobres. Eles espelham a verdadeira face do Cristo”. De igual modo, a Opção pelas Comunidades Cristãs de Base não traz a designação “eclesial” que, posteriormente, será inserida, substituindo o “cristãs”. Estas “comunidades cristãs” (cf. Doc. De Medellín) nascem e se desenvolvem com relativa autonomia e em espírito de liberdade frente seja ao Estado, seja à Igreja oficial, conforme nos atesta a pesquisa publicada pela CNBB, em 1974: “...a própria formação de uma CEB40 significa impreterivelmente uma reação a uma forma antiquada de pastoral, de catequese, de vida espiritual, e também de atividade política, na medida em que a CEB inclua fins sociais gerais. O próprio sentido esperado de que cada CEB tenha uma vida mais ou menos autônoma indica a possibilidade de que realize valores e normas diversas das convencionais. Ela não seria satélite, nem da Igreja oficial, nem do sistema político vigente. Mas, pelo contrário, ambos, Igreja e Estado, são vistos em dimensão crítica, pelo menos no sentido de que os parâmetros convencionais não esgotam as possibilidades de oferta de uma vida mais plena”.41 Em qualquer hipótese, convém ressaltar que a interposição de “cristã” por “eclesial” não sugere, como poderia induzir, uma espécie de substituição do seguimento de Cristo (cristãs) pelo da Igreja (eclesial). Ao contrário, parece evidenciar a reformulação teológica (eclesiológica) do conceito “comunidade” que, se cristã (seguidora de Cristo), torna-se, naturalmente, eclesial, se entendemos que a missão da Igreja é congregar o Povo de Deus para ser sinal do seu Reino e “sacramento universal de salvação”, que é o mesmo dizer libertação.42 40 Aqui já é CEB - Comunidade Eclesial de Base. 41 CNBB. Coleção Estudos nº. 3. Comunidades: Igreja na base, 37. 42 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Ad Gentes 5, na linha do belíssimo trabalho que posteriormente seria elaborado, para o nosso contexto latino-americano, por I. ELLACURIA. La Iglesia de los pobres, sacramento histórico de liberación. Estudios Centroamericanos 32 (1977) 707-722.
  • 23. 23 As demais opções – pela Libertação, pela Justiça Social, pela contestação Profética – vinculadas, sobretudo, à Opção pelos Pobres, firmam, todas elas, a orientação da Igreja latino- americana, com o propósito de perfilar sua identidade própria e característica, a saber, a de uma Igreja que, perseguida e martirizada, mas em sintonia e comunhão fiel com a Tradição bíblica e apostólica, trabalhará com renovado ardor e amor pela libertação efetiva da América Latina, a fim de que o ser e o ter, e todos os bens sejam socializados para que todos e todas tenham vida. 4.3. O jardim floresceu Talvez a imagem que melhor corresponda a este Kairós latino-americano seja a do jardim. O jardim que é usado pelo autor do Gênesis (2,8) para designar toda a felicidade e todo o bem que Deus destina à humanidade (cf. Jr 33,9). O jardim a que se refere igualmente o evangelista João (19,41), onde o corpo do Crucificado é sepultado, e de onde sairá vencedor da morte, glorioso, ressuscitado, restituindo esperança e vida nova aos que, seguindo seus passos, refazem seu caminho, na opção e entrega absoluta pelo seu Reino de amor, de justiça e fraternidade. Nesta seqüência, Medellín pode ser símbolo do jardim latino-americano e caribenho, onde o peso da cruz e a esperança de vida estarão em permanente conflito. Para que, no entanto, em nosso jardim, a vida possa brotar da morte, a “Igreja de Medellín”, amadurecida à luz do Concílio, propõe e realiza a abertura de novos caminhos para a América Latina e Caribe, em diversos níveis: a) na luta para que os direitos humanos e dos povos sejam respeitados; b) na substituição do assistencialismo (ou paternalismo) pela verdadeira promoção humana e social, que já era proposta do Concílio; c) na consciência e no trabalho para que os países em desenvolvimento tenham o cuidado de não marginalizar os pobres e operários; d) na articulação fé/vida, fé/política; e) na superação do autoritarismo e centralismo eclesiástico; f) na valorização da vida comunitária e social; g) na construção de sociedades solidárias e democráticas que evidenciem os sinais do Reino de Deus. 4.4. O resgate da credibilidade Estavam postas, assim, as bases de um projeto sólido que, logo em seguida, resultaria no amadurecimento, inserção e compromisso do laicato que agora, confiante na força jovial e transformadora da Igreja, fiel discípula de Jesus e do Reino, organiza-se em comunidades cristãs de base para ler a realidade (vida) à luz da Palavra de Deus (fé), e responder aos grandes desafios (transformação) lançados pela Pátria Grande. A ação destas comunidades se torna tão expressiva para o Continente e, em especial, para o Brasil, que mais tarde os Bispos brasileiros reconhecerão publicamente sua repercussão e importância para a transformação da sociedade e da própria Igreja: “O novo que as CEBs trouxeram foi o fato de oferecerem, dentro da Igreja, um espaço para o próprio povo simples participar da evangelização da sociedade através da luta pela justiça”.43 43 CNBB. Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, doc. 25, 1985, nº. 63.
  • 24. 24 Esta consciência de que o campo que desafia o cristão e a cristã é o mundo (trabalho, escola, família, esporte, lazer, sindicato, partido etc.), a descentralização pastoral, a Bíblia nas mãos do Povo, a participação nas liturgias que agora rezam e celebram a realidade do cotidiano, a organização e animação das comunidades, o reconhecimento e a valorização dos Leigos e Leigas, são apenas alguns dos traços que fazem o perfil do jardim que começa a florescer com Medellín. Um tempo que, apesar dos grandes e graves tormentos provocados seja pelos regimes de força, seja pela miséria crescente, a Igreja latino-americana assume sua identidade e recupera sua credibilidade, de tal modo que, mesmo em meio às contradições e conflitos, dela se podia paradoxalmente dizer o mesmo que se dizia da Igreja dos primórdios: “vivia em paz...edificava-se e progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (At 9,31), conforme era costume cantar nas comunidades: “Que sabedoria é essa que vem do meu povo? É o Espírito Santo, agindo de novo!” 4.5. Pastores e profetas O impacto produzido por Medellín foi o que hoje é consciência nas CEBs: uma ação orgânica, bem articulada, integrada, “de baixo pra cima e de dentro pra fora”, que muda o interior e atinge a raiz para converter o todo, o conjunto, e conformá-lo ao projeto do Deus da Vida. Um “novo Pentecostes” que questiona e desinstala (cf. At 2,1-11), e recobra o “entusiasmo do primeiro amor” (cf. Ap 2,4), atualizando o que D. Carlos Alberto Navarro, o Bispo poeta, compunha em uma de suas músicas: “Somente ao receber teu Santo Espírito, Jesus, os Doze vão levar a boa nova sem temer. É Ele o principal na pregação, é inspirador, dos que lutam pelo Reino até morrer”. Nesta perspectiva, vimos o florescer de uma geração inigualável de Pastores, que logo se tornaram Profetas na defesa incondicional da vida para os povos oprimidos e reprimidos do Continente, configurando seu ministério ao do Cristo, Bom Pastor, que conhece, ama e dá a vida por suas ovelhas (cf. Jo 10,11.14-15). No Brasil, nomes como os de D. Hélder Câmara, D. Pedro Casaldáliga, D. Tomás Balduíno, D. José Maria Pires, D. Luciano Mendes de Almeida, D. Ivo Lorscheiter, D. Aloísio Lorscheider, D. Paulo Evaristo Arns, entre tantos outros, entram para o cenário nacional e compartilham do mesmo destino dos que lutam por justiça e paz, sendo igualmente perseguidos, difamados e ameaçados de morte pela ditadura. D. Hélder, por exemplo, cognominado “Bispo Vermelho” pelos militares, responderá com sagacidade: “Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista”. Fora daqui, na Argentina, Mons. Angelelli; em El Salvador, D. Oscar Romero; na Colômbia, Pe. Camilo Torres; na Nicarágua, Pe. Gaspar García Laviana e, tantos outros, pagaram com a própria vida sua fidelidade ao Reino da Vida e ao Evangelho dos Pobres. Na década de 70 tive o privilégio de conhecer e conviver com dois desses grandes Bispos que, mergulhados na vida do povo, comungavam de seus sofrimentos na ação evangelicamente solidária: D. Alberto Trevisan, auxiliar do Rio de Janeiro, era, então, coronel do exército! Simplesmente impressionante! Este grande Pastor, que se destacava precisamente por sua
  • 25. 25 simplicidade e humildade, usava do seu posto militar para empreender uma verdadeira atividade “subversiva”, e libertar os prisioneiros políticos. E, D. Clemente Isnard, o mesmo do Movimento Litúrgico a que nos referimos e que, por feliz coincidência, foi quem me ordenou presbítero. D. Isnard tem uma das mais belas páginas de sua história escrita no Livro da Vida, referente também à solidariedade com as vítimas do regime militar. Mantinha, em sua residência, com todos os riscos que a iniciativa comportava um porão reservado aos perseguidos pela ditadura. Aí, recebia, acolhia e abrigava todos/as os/as fugitivos/as que a ele acorriam. A voz e a ação profética desses Pastores ecoavam afinadas porque fundamentadas na certeza de que “não há maior amor que dar a vida pelo irmão”, e no rico patrimônio da fé legado por Medellín, onde a violência “institucionalizada” que se exerce contra os fracos é condenada por unanimidade. É igualmente denunciada toda forma de injustiça como pecado social – grave! –, e os Bispos, emprestando sua voz às inúmeras vítimas do sistema, gritam profeticamente: “Que sejam derrubadas as barreiras da injustiça e da opressão!” Dado de grande importância é que entre as conclusões de Medellín está o reconhecimento, a todo o Povo de Deus, do legítimo direito de lutar para defender a vida ameaçada pelos regimes de força (insurreição popular contra a repressão). Ninguém precisa se assustar porque tanto Medellín quanto mais tarde D. Romero só fazem retomar uma velha doutrina já expressa por Santo Tomás de Aquino, e não é mais do que o que é de conhecimento público na justiça comum: o direito à legítima defesa. Este elemento, especialmente relevante em contexto da América Latina oprimida e reprimida por militares e ditadores cruéis e sanguinários, contribuiu para, posteriormente, derrubar a ditadura de Somoza na Nicarágua, uma das mais nefastas da nossa história! O absolutamente novo e original na Revolução Popular Sandinista, cujo triunfo se deu em 1979, foi a participação maciça dos cristãos e cristãs que, tendo assimilado as orientações de Medellín, uniram sua fé à luta pela justiça de maneira tão harmoniosa, que já não podiam separar cristianismo e revolução: “entre cristianismo y revolución no hay contradicción!” À diferença, por exemplo, do que ocorrera em Cuba, cuja data da vitória remonta a 1959 e, portanto, antes, tanto do Concílio quanto de Medellín. Aí, não só os cristãos (pelo menos os católicos) não se comprometem com o processo revolucionário, como até se opõem a ele. No conjunto, vale lembrar que Medellín registra, em consonância com a mais fina Tradição, o tripé que sustenta a Igreja como obra de Deus através da história: a Igreja latino- americana se impõe, já não pelo autoritarismo, mas: a) no reconhecimento, valorização e promoção do Povo de Deus; b) na voz e ação profética dos Pastores; e, c) no testemunho fiel de seus Mártires. 4.6. Um “casamento feliz” Por mais extenso que fosse um discurso sobre Medellín, jamais conseguiríamos incorporar nele toda a beleza e riqueza de conteúdo, de forma, de criatividade, de participação, de compromisso, que este evento significou para a Igreja Latino-americana e Caribenha. Mas poderíamos ensaiar uma síntese de sua herança no que temos chamado de “casamento feliz”, e que teve como que seu berço nesta 2ª Conferência do CELAM, articulando correta e concretamente a relação teoria-práxis, na ordem que segue: a) A Opção pelos Pobres, que é garantia do seguimento de Jesus, que também optou por eles, destinando-lhes seu Reino de Justiça e de Vida;
  • 26. 26 b) a difusão das CEBs, que lutam para transfigurar o rosto da sociedade e da Igreja, reconhecidas como “grande sinal de esperança para a Igreja universal” (Paulo VI); e, c) a Teologia da Libertação que, com sua origem no Êxodo (cf. 3,7ss), articula o “grito do oprimido” a partir das práticas libertadoras das comunidades, consagrada “não apenas oportuna, mas útil e necessária” (João Paulo II). 4.7. Puebla (1979): continuidade descontinuada? Apesar de ser diferente o contexto sócio-econômico e político-religioso em 1979, 11 anos depois de Medellín, o clima continua tenso e os bispos reconhecem que os grandes problemas sociais, em lugar de diminuir, tornaram-se ainda mais graves. Constata-se, também, que a tensão vivida nas sociedades se reproduz no interior da Igreja. A opção pelos pobres ganha o adjetivo “preferencial”.44 Além dela, a opção pelos Jovens, pela Comunhão e Participação e pela Dignidade da Pessoa Humana são destaques em Puebla. Para além dos desafios da conjuntura, no entanto, os Pastores continuam denunciando profeticamente os regimes de força espalhados pelo Continente, e a Ideologia de Segurança Nacional, que atentam contra a vida e as liberdades individuais e coletivas. Simultaneamente proclamam a dignidade da pessoa humana como dom maior que deve ser respeitada e defendida, como honra devida ao Criador. A “Igreja de Puebla”, mesmo nas “negociações” que se viu obrigada a fazer em razão da onda de (neo)conservadorismo interno e externo, mantém e fortalece passos importantes nas pegadas de Medellín: a) a opção “preferencial” pelos Pobres acabou sendo um tiro que saiu pela culatra, abrindo variadas discussões mundo afora, e mobilizando comunidades, grupos, associações, o Movimento Popular etc. para a organização dos Pobres como tarefa prioritária e opção “incondicional”; b) a opção pelos Jovens, nos lugares em que foi e é acolhida e assumida, contribuiu e contribui para rejuvenescer o rosto da Igreja, dando-lhe novo vigor missionário; c) a opção pela Comunhão e Participação incrementou o processo já desencadeado de descentralização, presente de forma mais visível nas CEBs, enriquecido agora pelos “novos ministérios” confiados aos Leigos e Leigas; d) finalmente, a opção pela Dignidade da Pessoa Humana reforça o compromisso da Igreja com a justiça, com os direitos humanos, com a defesa da vida. À luz destas opções, poderíamos dizer que Puebla colaborou para fazer evoluir o perfil da Igreja da América Latina no que se refere à realidade de empobrecimento em 4 níveis distintos, mas interativos: 1º) a ampliação do conceito de pobre que, até então, era reduzido à mera e simples privação dos bens básicos: “Na vida real vemos tantos rostos, e neles devemos reconhecer os traços do Cristo sofredor. Rosto de índios, de negros, que vivem colocados de 44 Puebla 1134-1165.
  • 27. 27 lado pela sociedade. Rosto de camponeses, de operários, quase sempre mal pagos. Rosto de pessoas amontoadas nas periferias das cidades. Rosto de desempregados e subempregados. Rosto de jovens desorientados, sem lugar na sociedade, sem oportunidades. Rosto de crianças, marcadas pela desnutrição, que carregarão as conseqüências disso por toda a vida. Rosto de velhos, cada vez mais, colocados de lado...”;45 2º) a correção de uma distorção ideológica que perdurou séculos de história, onde o pobre é pobre porque quer, ou porque é vagabundo, ou, ainda, porque Deus quer assim: “Descobrimos que esta pobreza não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e políticas...A situação interna de nossos países encontra, em muitos casos, sua origem e apoio em mecanismos que...produzem, em nível internacional, ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”.46 A pobreza, portanto, não é casual, mas causal, e o pobre não é tão somente pobre, mas empobrecido;47 3º) a responsabilidade (culpa) de quem compactua com o sistema que empobrece: “Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador e à honra que lhe é devida”;48 4º) a conversão de corações e estruturas começa em casa pela pobreza evangélica que “une a atitude de abertura confiante em Deus com uma vida simples, sóbria e austera, que aparta a tentação da cobiça e do orgulho”, bem como “pela comunicação e participação dos bens materiais e espirituais; não por imposição, mas por amor, para que a abundância de uns remedeie a necessidade dos outros”.49 4.8. Santo Domingo (República Dominicana, 1992) : “novo espetáculo, em novo palco” Contexto: O tempo é de “abertura política”, com a presença de novo ator no cenário mundial: o capitalismo neoliberal, que baseado nas leis do mercado, do consumo e das pequenas, porém, eficazes concessões, busca garantir seu espetáculo. No terreno eclesial, está em curso a “volta à grande disciplina” (Libânio). Opções: pela Inculturação - pelo protagonismo dos Leigos e Leigas - pela Solidariedade - pela Leitura da realidade a partir dos desafios contemporâneos. 45 Id. 31-39. 46 Id. 30; cf. 63-70. 47 Id. cf. a nota 331 do nº. 1135. 48 Id. 28. 49 Id. 1149-1150.
  • 28. 28 Anúncio-denúncia: Sintomas negativos da ambígua globalização, tais como o egoísmo, individualismo, consumismo etc., podem conduzir fatalmente a humanidade ao fracasso total e à morte. Só o cultivo da solidariedade, no respeito às “minorias” étnicas excluídas, e na defesa da vida humana e ecológica, poderão garantir a felicidade do planeta. Conseqüências práticas: A “Igreja de Santo Domingo”, apesar de seu contexto extremamente desafiador, oferece pistas importantes para a construção do “outro” mundo e da “outra” Igreja possíveis. As opções aí assumidas vão todas na linha de considerar e responder aos “sinais dos tempos e lugares”. O protagonismo dos Leigos e Leigas, p. ex., aparece como resposta seja ao amadurecimento da teologia laical, seja às experiências positivas de democratização da instituição, desde Medellín, seja ao desenvolvimento e difusão das CEBs, “novo/velho” jeito de ser Igreja, seja ainda à crise por que passa a Igreja, carente de ministros ordenados. A inculturação mantém a vitalidade e força do Evangelho como Boa Nova que é proposta e projeto de libertação, uma vez respeitada a diversidade cultural. A solidariedade, ampla, geral e irrestrita, deve unir a América Latina e o mundo através de alianças e parcerias em favor da vida para todos e todas, e para tudo.
  • 29. 29 5. Mãe Negra, da alegria e da esperança, ensina-nos a caminhar! O lugar escolhido para a V Conferência é muito significativo no contexto de um Continente em cativeiro e, simultaneamente, em processo de libertação: o Santuário de Aparecida do Norte, cuja história é popularmente conhecida pela tradição da “aparição” da Mãe Negra a pescadores humildes e pobres, que “pescaram” sua imagem, cuidando com carinho daquela que posteriormente se tornaria a Mãe próxima, benevolente e parceira de todo o Povo brasileiro, na sua luta por dignidade e justiça. 5.1. Aparecida, “Mãe dos pobres sem mãe” O local é, portanto, carregado de símbolo50 que se traduz em vida e compromisso. Nele “apareceu” a Mãe de Jesus e nossa Mãe (cf. Jo 19,26.27), disponível, servidora e solidária da humanidade que sofre carregando o peso de tantas cruzes: a cruz do desemprego, a cruz do abandono à própria sorte, a cruz das doenças, do analfabetismo, da falta de terra pra plantar e pra colher, da dívida e da dúvida, da violência, das guerras... Em sua ternura e carinho de quem gera e defende a vida, N. S. Aparecida é o símbolo mais perfeito e acabado da Mãe, que vai ao encontro de seus filhos e filhas deste “vale de lágrimas”, vivendo em situação de carência, para levar-lhes a boa notícia da intervenção de Deus que fará justiça a seu povo: “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; sacia de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias” (cf. Lc 1,52.53). Sua negritude rompe com os velhos esquemas do preconceito racial; sua manifestação a pescadores pobres propõe a eliminação de toda discriminação social; e, a fidelidade, que faz dela a “primeira discípula do projeto de Deus” (Santo Agostinho), é convite constante a permanecermos fiéis no seguimento de Jesus, fazendo “tudo o que Ele mandar” (Jo 2,5). Em uma palavra, é o absolutamente novo que, mais uma vez, irrompe na história humana, marcada pelos mecanismos de opressão, injustiça, exclusão e morte, sugerindo opções e caminhos alternativos que conduzam à transformação de todas as relações humano-afetivas, sócio-culturais, econômicas, ecológicas etc. Tudo para que a defesa incondicional da vida em sua totalidade realize, para todo o nosso Continente, a Pátria Grande, que anela por libertação, a profecia de Jesus que aquece corações e alimenta a utopia, desde a sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18.19). 50 Para toda a simbologia de Aparecida, ver AMERINDIA. Op. Cit. Maria de Aparecida: Rosto dos Povos da América Latina e do Caribe, 73-89.
  • 30. 30 A partir deste conteúdo genuinamente libertador, Aparecida – apesar de eventualmente registrar práticas que ainda possam corresponder a uma religião “imatura” ou “alienada”, como se expressam alguns – constitui-se como o Santuário para onde acorrem os pobres, oprimidos, doentes, idosos, desempregados e subempregados, muitos dos quais sem nome, sem vez e sem voz, excluídos, por conseguinte, de todo e qualquer poder de ação e participação. As numerosas e volumosas romarias, em geral, compostas por aqueles e aquelas que “vêm chegando da grande tribulação” (Ap 7,14), expressam a profundidade e fecundidade da “religião do povo” que, sem ver reconhecidos e respeitados seus direitos, buscam, na experiência do sagrado (a Mãe da Esperança, forte, fiel, corajosa, generosa, amiga, protetora, solidária...), o reencontro com sua própria identidade de ser humano, bem como sua filiação divina, Povo, gente enfim, a quem se deve reconhecer, respeitar e defender o sagrado direito à vida. Mariama, Iya, Iya, ô, Mão do Bom Senhor! Maria Mulata, Maria daquela colônia favela que foi Nazaré. Morena formosa, Mater dolorosa, Sinhá vitoriosa, Rosário dos pretos mistérios da Fé. Mãe do Santo, Santa, Comadre de tantas, liberta mulhé. Pobre do Presépio, Forte do Calvário, Saravá da Páscoa de Ressurreição, Roseira e corrente do nosso Rosário, Fiel Companheira da Libertação. Por teu Ventre Livre, que é o verdadeiro, pois nos gera livres no Libertador, acalanta o Povo que está em cativeiro, Mucama Senhora e Mãe do Senhor. Canta sobre o Morro tua Profecia, que derruba os ricos e os grandes, Maria. Ergue os submetidos, marca os renegados, samba na alegria dos pés congregados. Encoraja os gritos, acende os olhares, ajunta os escravos em novos Palmares. Desce novamente às redes da vida
  • 31. 31 do teu Povo Negro, Negra Aparecida!51 5.2. A Conferência de Aparecida no contexto de um mundo em metamorfose É inerente à natureza humana a condição de “ser insatisfeito”, à procura daquele “algo mais” que realize plenamente e cubra de sentido sua existência que oscila entre o Mistério e o absurdo. Esta dinâmica configura, consciente ou inconscientemente, o desejo de libertação total no encontro com o Absoluto que enxugará todas as lágrimas (cf. Ap 7,17; 21,4) e, finalmente, será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Muitos foram e são os fatores que historicamente contribuíram para a evolução e aperfeiçoamento da condição humana, tirando o ser humano do lugar de mero coadjuvante, para devolver-lhe o papel de protagonista, como ser naturalmente vocacionado para a perfeição, com a missão de fecundar a terra (cf. Gn 1,28). É praticamente impossível pensar hoje as relações humanas e sociais, o diálogo intercultural e inter-religioso, o ecumenismo e o “macro- ecumenismo”,52 ou a evangelização inculturada, se não considerarmos tais elementos, todos eles decisivos para o conjunto de nossas sociedades e igrejas. Por isso, elegemos propositadamente alguns mais significativos que julgamos relacionados ao nosso tema por sua referência explícita às noções de desenvolvimento humano e social em busca de aprimoramento, felicidade e, conseqüentemente, libertação: - Da razão à liberdade. É especialmente a partir de Kant (1724-1804), com a aplicação do “princípio da razão autônoma” (a razão humana dita suas próprias regras), que temos assistido ao desenrolar de um processo que, de certo modo, descaracteriza ou desqualifica todo e qualquer tipo de imposição ad extra, que se queira exercer arbitrariamente ou que não se deixe submeter aos critérios da razão, uma vez que esta se foi tornando paulatinamente, com o posterior advento da modernidade e pós-modernidade, o supremo juiz. Esta concepção, responsável pela elaboração da auto-suficiência contribuiu ainda para substituir, em determinado momento da história, o tradicional ideário do “teocentrismo” ou “cristocentrismo” (Deus, Cristo no centro) pelo antropocentrismo, supervalorizando o homem como o grande –e único?– artífice do universo! - Caminho aberto. Em linha de continuidade e afinado com o projeto de emancipação humana, aparece no novo cenário, agora mais propício, o existencialismo,53 contrapondo-se energicamente à medieval filosofia tomista, e trocando o conceito de essência pelo de existência. Ou seja, o homem não é. O homem existe. Não é, portanto, ser pronto, acabado, pré-moldado, predestinado, que morrerá exatamente como nasceu, sem construir ou evoluir. Mas, ao contrario, o homem é projeto (pro-iectare) que se lança para frente, para o futuro; é dasein que muda constantemente, cresce, amadurece, evolui, renova suas opções, constrói-se a si mesmo e modifica todos os dias no emaranhado das relações humanas e sociais em que vive mergulhado. Sente-se, assim, responsável, livre e independente para desenhar o seu próprio destino. - Verdade e humildade. Neste trajeto, o conceito de verdade também sofrerá sua reformulação, exigindo de todos quantos a buscam com sinceridade uma nova postura de maior abertura e mais humildade: “da verdade ninguém é dono; todos somos intérpretes” (C. Mesters). Decorre daí que a verdade não se imponha pela força,54 mas pela capacidade de dialogar,55 de 51 Composição de Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra. 52 Concílio Ecumênico Vaticano II. Lumen Gentium 22b. 53 Heidegger, 1889-1976; Kierkegaard, 1813-1855; Sartre, 1905-1980. 54 Concílio Ecumênico Vaticano II. Dignitatis Humanae 1c. 55 Ibidem, 3b.
  • 32. 32 ouvir e acolher a verdade do outro, de respeitar e valorizar quem pensa e faz diferente, de discutir, trocar e escolher livremente o caminho que conduz à Verdade que liberta (cf. Jo 8,32), sabendo que de verdade em verdade, podemos ir até Deus, verdade das verdades (Bossuet). - A primazia do prazer. Devemos originariamente a Freud (1856-1939), a noção de sexualidade que, na experiência como na teoria psicanalíticas não designa apenas os atos sexuais (coito), mas toda uma série de excitações e atividades presentes desde a infância, que proporcionam prazer e satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, sede, função de excreção etc.), e que se encontram a título de componentes na chamada “forma normal do amor sexual”. Sem deixar de incluir a dimensão carnal (sexual, propriamente dita), a sexualidade, ao mesmo tempo em que a envolve, também a ultrapassa, na busca do prazer total e absoluto que se manifesta em todos os ramos da atividade humana, no anseio por realização e felicidade: encontro, conversa, amizade, pacto, amor, paixão, carinho, afeto, abraço, beijo, trabalho, cultura, arte, comida, bebida etc. - O clamor das classes subalternas. São, sem sombra de dúvida singulares as contribuições de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) para as teorias que se referem aos modos de produção na relação força de trabalho-capital no sistema capitalista. Não obstante, em Jesus de Nazaré, há 2 mil anos, já encontramos uma preocupação e atenção especial às classes oprimidas e exploradas, denunciando, com veemência a ganância dos ricos contra a miséria dos empobrecidos. Um texto revelador é o de Mt 20,1-15, onde a capacidade (força e tempo) de trabalho já não aparece submetida ao lucro, ao capital: ao final de uma jornada de trabalho, todos os operários, independentemente do tempo que trabalharam e, portanto, do que produziram, ganham a mesma remuneração. Na verdade Jesus inverte a (des)ordem estabelecida e denuncia os mecanismos opressores de uma sociedade que valoriza o ser humano pelo que tem e pode oferecer, para humanizar as relações trabalhistas e mostrar que a pessoa vale pelo que é, ainda que só possa oferecer o que lhe permite seus limites. É nesta ótica eminentemente evangélica que se anuncia o “irromper dos pobres como sujeitos de libertação” (G. Gutiérrez): trabalhadores, camponeses, índios, negros, mulheres etc. abrem os olhos, os ouvidos e a boca, e tomam consciência da realidade que se caracteriza “por fenômenos maciços de marginalidade, alienação e pobreza, e condicionada...por estruturas de dependência econômica, política e cultural em relação às metrópoles industrializadas que detêm o monopólio da tecnologia e da ciência”.56 Esta consciência crítica e coletiva do neocolonialismo, bem como do imperialismo enquanto forma superior e mais acabada do capitalismo, comprometerá as classes populares subalternas na luta contra as ditaduras localizadas e pela libertação integral de todo e qualquer totalitarismo, venha de onde ou de quem vier. - A autoridade posta à prova. No mundo que se nos apresenta tal como está aí hoje: globalizado, inter-relacionado e com um conjunto de “barracas que disputam a mesma feira”, um dos questionamentos que aparecem é o da autoridade, conseqüência, por um lado, do anseio de liberdade ampla, total e irrestrita e, por outro, da confusão que se estabeleceu entre autoridade e autoritarismo. Um desafio que já se manifesta no seio da própria família, onde adolescentes, jovens e até crianças, desde a mais tenra idade, colocam em xeque ou pelo menos tentam “negociar” a autoridade dos pais. Ampliando para as relações interpessoais e sociais, e tendo em conta os itens precedentes, não é difícil chegar à conclusão de que o atual quadro de 56 Medellín 10,2; cf. PAULO VI. Populorum Progressio 19, 26, 57, 59... JOÃO XXIII. Mater et Magistra, onde se lê: “...a retribuição do trabalho, assim como não pode ser inteiramente abandonada às leis do mercado, também não pode fixar-se arbitrariamente; há de estabelecer-se segundo a justiça e a eqüidade. É necessário que aos trabalhadores se dê um salário que lhes proporcione um nível de vida verdadeiramente humano e lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares” (nº. 68). Neste sentido, é igualmente contundente o magistério social de JOÃO PAULO II, expresso, sobretudo, na Laborem Exercens e Sollicitudo Rei Socialis.
  • 33. 33 desenvolvimento humano, racional, cultural, tecnológico etc., exige uma revisão profunda do conceito de autoridade que busque integrar os diversificados processos de diálogo, co- participação, envolvimento, criatividade, afetividade, troca de experiências e de saberes etc., para que todos indistintamente se sintam e sejam, de fato, protagonistas da história que somos chamados a escrever. - Uma “nova era” do Espírito? Não é difícil constatar por toda parte, em nossos dias, o que alguns têm denominado “renascimento do homem espiritual” nos seus mais diversos aspectos e dimensões: crescimento acelerado e progressivo da busca de aproximação do sagrado; multiplicação e fermentação de grupos religiosos autônomos; manifestações privadas ou públicas de “transes” cognominados “espirituais”; propagandas alusivas ao nome de Jesus, Maria, os santos, o terço, difundidas em carros, caminhões, praças etc., etc. Toda esta carga emotiva que preferimos chamar de espiritualismo para diferenciar de espiritualidade, parece ser o resultado da conjugação de alguns fatores importantes, entre os quais salientamos: a) a miséria, a fome, a exclusão, o desemprego etc., que geram insegurança e medo, obrigando, sobretudo, as populações carentes a apelar para o sagrado como instância derradeira, à espera da intervenção mágica de Deus que, em algum momento aparecerá como “o salvador da pátria” e realizará “o milagre”, mudando para melhor as condições de vida do Povo; b) a decepção com as muitas organizações políticas partidárias sem programa ou projeto que encaminhe, na prática, as grandes causas populares, levando, em geral, o Povo simples a acreditar que só Deus, a reza, os santos, podem dar um jeito na situação; c) uma vivência intimista, “privatizada” da fé que encontra sua correlação no sistema capitalista globalizado, com a exaltação do individualismo na satisfação das necessidades pessoais em detrimento dos imperativos da coletividade; d) por fim, este modo sui generis de viver a fé implicará, por conseguinte, no desconhecimento, indiferença e/ou inexperiência em relação a Deus e seu Projeto; Jesus será visto e experimentado apenas unilateralmente como “doce”, “amável”, “bondoso” etc.: um Cristo sem conflitos (contra o que prescreve, p.ex., Mt 23 ou Lc 21,13-19), sem cruz (contra o que prescreve Lc 9,23; 14,27), sem reino (contra o que prescreve Mt 12,28; 13) e sem evangelho (contra o que prescreve Mc 1,15), que nunca enfrentou o poder do mal, que nunca se indispôs com ninguém, que pura e simplesmente abençoou o status quo da sociedade e da sinagoga do seu tempo. Caberá, então, a pergunta: A quem (pessoas) e a quê (instituições) interessa esse Jesus? 5.3. O salto de qualidade: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Ts 5,21) Nunca é demais recordar que a confusão de conceitos pode gerar práticas distorcidas e incoerentes do ponto de vista da fidelidade à mensagem transmitida. Diferenciam-se, por exemplo, essencialmente, Tradição e tradicionalismo. A Tradição é coisa boa, tratando-se das raízes da nossa fé, expressas na comunhão com Jesus e seu projeto, depois confirmada pelos apóstolos e apóstolas na ação evangelizadora das comunidades da “primeira hora”, que não hesitaram em abrir-se ao Espírito e, diante de cada novo desafio, “reinventar” criativamente a Igreja, oferecendo respostas adequadas à realidade e aos sinais dos tempos e lugares (cf., p. ex., toda a trajetória de Atos dos Apóstolos).57 Já o tradicionalismo é apego intransigente e inflexível 57 Traduzido em nossos dias, poderíamos dizer assim: estamos diante de novos e múltiplos desafios e questionamentos que não existiram no tempo de Jesus, nem quando da realização do Vaticano II: bebê de proveta, transplantes, clonagem, divórcio, gravidez precoce, dependência química, tecnologia de vanguarda, globalização,