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TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS
O crime organizado transnacional engloba o tráfico de entorpecentes, de armas e o recentemente
reconhecido “tráfico de pessoas”, que vem chamando a atenção da opinião pública mundial e se encontra
presente em todos os cantos do mundo, movimentando quantias exorbitantes de dinheiro. Todos esses
crimes possuem características em comum e são denominados “crimes high tech”, por envolverem outros
crimes como: lavagem de dinheiro, falsificação de produtos, fraude de cartões eletrônicos e crimes
relacionados com a informática. Devido a sua extensão, o tráfico internacional de pessoas atrai problemas,
tanto para as organizações internacionais como para os estados democráticos, apresentando um grande
desafio para as agências nacionais e internacionais de aplicação de lei e para as políticas de direitos
humanos, na medida em que as vítimas desse crime sofrem inúmeras violações, tanto por parte dos
traficantes quanto por parte das organizações governamentais, que obrigatoriamente deveriam protegê-las. O
tráfico de seres humanos tem crescido muito nos últimos anos devido aos altos lucros e baixo risco inerente
ao negócio.
“(...) Pessoas, diferentemente de mercadorias, podem ser usadas repetidamente, trazendo em
consequência da durabilidade, maior rendimento aos traficantes”.
Esse tipo de crime não exige grandes investimentos, encontrando guarita na cegueira com que muitos
governos lidam com a migração internacional e com a exploração sexual comercial. Segundo a Organização
Internacional da Migração, quatro milhões de pessoas são traficadas por ano contra a própria vontade para
trabalhar em alguma forma de escravidão. O Relatório do Departamento de Estado dos EUA de 2.000 afirmou
que entre 45.000 e 50.000 mulheres e crianças traficadas ingressam no país por ano. Relatório divulgado a
propósito do Dia Internacional da Mulher de 2001 pelo órgão executivo da União Europeia destacou que 120
mil mulheres e crianças são introduzidas ilegalmente, por ano, na EU, a maior parte do Leste Europeu. Os
bandos transportam até 500 mil mulheres para a UE a cada ano. A meta do tráfico de pessoas é não somente
a prostituição, mas também a exploração de mão de obra sob condições semelhantes às da escravidão, diz o
relatório. Segundo a mesma pesquisa, o crime está inserido no contexto da globalização e, com a crescente
pluralização de trocas comerciais em todo o mundo, vulnerabilizou-se o sistema de fronteiras.
“De acordo com as Nações Unidas, o Brasil é hoje o maior ‘exportador’ de mulheres escravas da
América do Sul.”
Assim, juntamente com o movimento de mercadorias, há uma crescente migração de pessoas que procuram
melhores oportunidades de trabalho e de vida. 1,5 milhão de mulheres asiáticas trabalhem em outros países
do globo, em geral sob condições sofríveis. A imigração legal não dá conta da enorme oferta de pessoas
proveniente dos países do chamado terceiro mundo, o que torna a imigração ilegal, através da prática do
contrabando, a única alternativa para a maioria. Assim, uma das formas de combate à imigração ilegal seria
uma mudança na legislação dos países de destino, pois esses países constantemente oferecem ofertas de
trabalho as imigrantes com intuito de obter mão de obra barata.
Portugal, em 2001, precisou de 20.000 trabalhadores estrangeiros. A regularização da situação dessas
pessoas seria um passo importante. Ao lado da imigração, há o problema dos refugiados que fogem da fome,
das guerras e das perseguições. O alto Comissário da ONU para os refugiados estima que 21,5 milhões de
pessoas em todo o mundo estão em situação de refugiados, podendo ser vítimas potenciais do tráfico de
pessoas e de múltiplas formas de exploração. As políticas de imigração de países de destino, em geral,
pecam pelo preconceito, pois, não obstante a boa intenção, o imigrante é visto e tratado como criminoso,
mantido em áreas sanitárias de exclusão e repatriado sem assistência. Enquanto toda forma de trafico é ou
deve ser considerado ilegal, nem toda forma de imigração ilegal é ou deve ser considerado tráfico. É preciso
que as políticas de migração não igualem a imigração ilegal para fins de prostituição, ao tráfico de mulheres.
Imigração ilegal não é tráfico, embora haja casos de tráfico de pessoas realizados por meio das mesmas
estratégias utilizadas pela imigração ilegal. O problema das vítimas de tráfico é a multiplicidade de fatores que
as tornam extremamente vulneráveis à sua prática, pois além de serem submetidos a trabalhos
desqualificados e a todo tipo de exploração, quando caem na fiscalização de fronteiras são tratados de
maneira discriminatória, como criminosos, ou por estarem ali de forma ilegal, ou por ter praticado atos
considerados “imorais” naquele país. Os fatores que contribuem para o tráfico diferem de país para país. Além
de serem variados e complexos, a análise intensiva desses fatores e sua compreensão facilitam a execução
de medidas preventivas para a eliminação do problema. O tráfico não ocorre somente de países em
desenvolvimento para os países desenvolvidos, mas também entre e dentro de países em desenvolvimento.
Apesar disso, a maior parte dos casos de tráfico é originada em países onde há problemas econômicos,
sociais, políticos e ambientais com destino a países ou regiões onde a qualidade de vida é mais elevada. As
rotas de tráfico, assunto que será estudado mais adiante, são projetadas e manipuladas por traficantes.
Assim, é uma generalização distorcida dizer que pessoas são traficadas sempre de países subdesenvolvidos
a países mais desenvolvidos, pois esse não é sempre o caso. A Relatora Especial sobre violência contra a
mulher indicou que as causas e raízes da migração e do tráfico estão altamente interligadas. Preliminarmente,
ressalta-se a falta de respeito aos direitos que sofrem as mulheres. Apesar de tais direitos estarem expressos
em constituições, leis e políticas, continuam a ser negado às mulheres o direito a elas inerente, pois os
governos não protegem e não promovem os direitos das mulheres. Dessa forma, os governos criam situações
em que o tráfico floresce.
Fatores frequentemente mencionados e que contribuem para o tráfico:
- Pobreza e desemprego
- Globalização da Economia
- Feminização da pobreza
- Aumento do turismo
- Situação de conflito aramado
- Discriminação baseada no gênero21
- Leis e política de migração e trabalho migrante
- Leis e políticas sobre prostituição
- Corrupção das autoridades
- Envolvimento com o crime organizado
- Lucros elevados
- Práticas culturais e religiosas
Questões de Gênero:
A discriminação de gênero contra mulher, incluindo a violência, a pobreza e a desigualdade de oportunidades
e de renda, é uma das principais, se não a principal causa do tráfico de pessoas. Dentro da discriminação de
gênero encontra-se uma série de aspectos socioculturais que devem ser considerados. Em vários países,
principalmente nos subdesenvolvidos e nos que estão em processo de desenvolvimento, as mulheres são
desvalorizadas, devido ao status inferior que lhe fora imposto, sofrendo até os dias de hoje constantes
discriminações em diversos campos, como na política, religião, sexualidade, costumes e práticas sociais.
O sexismo encontra-se presente em todas as instituições da sociedade e particularmente no mercado de
trabalho, visto que a quantidade de oportunidades de trabalho disponíveis para as mulheres é bem inferior
àquela oferecida aos homens. Na sociedade capitalista persistiu o argumento da diferença biológica como
base para a desigualdade entre homens e mulheres. As mulheres eram vistas como menos capazes que os
homens. O direito de propriedade passou a ser o ponto central e assim a origem da prole passou a ser
controlada de forma mais rigorosa, levando a desenvolver uma série de restrições à sexualidade da mulher.
Cada vez mais o corpo da mulher pertencia ao homem, seu marido e senhor.
O adultério era crime gravíssimo, pois colocava em perigo a legitimidade da prole como herdeira da
propriedade do homem. A luta pela democratização das relações de gênero persiste até os dias de hoje,
apesar de já se ter crescente desenvolvimento nesse aspecto, no âmbito nacional e mundialmente. No Brasil,
a Constituição Federal de 1988 apresentou um imenso avanço, declarando a igualdade para todo o ser
humano sem diferença de gênero, raça, cor, etnia, etc. Entretanto, ainda é pouco discutida a questão de
gênero no mundo jurídico, o que faz das leis vigentes pouco eficientes quando se diz respeito a casos
concretos de discriminação.
Violência contra a Mulher:
A violência sexista é aquela praticada em virtude de discriminação sexual. As mulheres e as crianças de
países subdesenvolvidos estão mais vulneráveis à exploração, porque não conseguem fazer valer os seus
direitos e permanecem desprotegidas pelo sistema legal. 100% das pessoas traficadas são do sexo feminino
e tal índice é decorrente de aspectos culturais presentes na sociedade, em razão da discriminação de gênero.
Muitas mulheres preferem enfrentar a incerta jornada do tráfico ou da imigração para fugir de maus tratos e
exploração sexual a que estão submetidas em suas próprias comunidades. Há muitos casos em que crianças
são vendidas e colocadas à disposição do tráfico porque seus pais necessitam de dinheiro e porque
acreditam, ignorantemente, que elas estarão libertas da pobreza. A conhecida Convenção de Belém do Pará
(Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, aprovada em Belém,
através da OEA – Organização dos Estados Americanos) definiu a violência contra a mulher como: qualquer
ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto no âmbito público como no privado. Muito se tem falado a respeito de liberdade sexual, mas
pouco se tem feito para que esta seja uma realidade.
Como exemplo cita-se o Brasil, onde o poder de dispor do próprio corpo é principio supremo no país, por tal
fato não se pode punir uma prostituta segundo a legislação brasileira. Porém, ainda subsiste uma punição
excessiva de cunho moral, que acaba por ocasionar grande preconceito por parte da sociedade, prejudicando
o tratamento imparcial que deve ser fornecido por instituições públicas, incluindo as judiciárias. Um bom
exemplo disso é atuação da polícia, que muitas vezes reprime excessivamente ou de forma errônea mulheres
prostituídas e travestis, além de todos aqueles que são agentes ativos da prostituição. De nada adianta uma
preocupação em nível nacional e internacional ou até mesmo a elaboração de tratados internacionais ou uma
mudança no sistema legislativo nacional se não há mudança no comportamento e nas crenças da população.
O Direito existe para formalizar normas que nunca vão ser consensuais em todo o território nacional, quanto
mais transnacional, mas que devem ser respeitadas, mesmo contrariando a moral individual de muitas
pessoas. Enquanto mulheres não gozarem de oportunidades igualitárias relativas à moradia, educação,
alimentação, emprego, acesso ao poder e não tiverem auxílio e reconhecimento no trabalho doméstico não
remunerado vão continuar na lista das vítimas preferenciais da violência e do tráfico.
Foto: gramaticadomundo.com
O fator da Globalização:
A globalização consiste num processo de integração econômica mundial sob a égide do neoliberalismo,
caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas
privatizações das empresas estatais e pelo abandono do estado de bem-estar social. Essa é uma das razões
de os críticos acusarem-na, a globalização, de ser responsável pela intensificação da exclusão social (com o
aumento do número de pobres e de desempregados) e de provocar crises econômicas sucessivas, arruinando
milhares de poupadores e de pequenos empreendimentos.
Muitas empresas sofreram diminuição em seus lucros para empresas de maior porte de mercado
internacional, ocasionando um grande crescimento no mercado informal, a exemplo dos vendedores
ambulantes e do trabalho não regulado nas fábricas, particularmente em áreas que envolvem exportação. Isso
ocasionou uma grande vulnerabilidade dos trabalhadores, que se encontram cada vez mais sujeitos a
condições de trabalho abusivas, pois essas novas áreas de trabalho marginalizadas e não reguladas são
invisíveis aos olhos da justiça, não sendo por ela amparada.
Além do mais, a globalização afetou a estrutura familiar tradicional em muitas zonas rurais, transformando
cada membro em uma unidade separada e independente a ser inserida no mercado moderno de trabalho.
Observa-se que os efeitos deste processo são múltiplos e complexos, ocasionando mudanças de amplitude
mundial em diversos aspectos, inclusive grande impacto no crescimento do tráfico de pessoas nos últimos
anos.
Feminização da pobreza e migração:
A pesquisa realizada pela GAATW, anteriormente mencionada, aborda que as recentes reformas econômicas
permaneceram duras com as mulheres. Devido à sua luta em busca de um lugar digno na sociedade, muitas
mulheres, além de carregar o fardo financeiro de criar os filhos, têm de exercer a função de chefe de família.
Ao mesmo tempo, o salário para os homens também diminuiu. Logo, onde previamente era suficiente um
salário para sustentar uma família, agora dois salários se fazem necessários. Como consequência desse
problema, algumas mulheres buscam outras formas para sustentar sua família: seus filhos, irmãos, pais
idosos, etc.
Assim, se veem motivadas a procurar novas oportunidades em outros países ou regiões e também em seu
próprio estado. Algumas migram para o casamento, outras buscando escapar da violência doméstica ou
simplesmente para trabalhar. A maior parte dessas mulheres é imigrante de países em desenvolvimento, e
geralmente desprovida de capacidade profissional. Possuem nível cultural muito inferior à população dos
locais de destino, geralmente acabam tendo que se contentar com sub-trabalhos, como operárias, ajudantes
domésticas e trabalhadoras do sexo.
Outra opção é casar, até porque o casamento, como maneira de se obter o status legal para viver e trabalhar
num país estrangeiro é muito mais frequente do que se imagina. Devido à dificuldade de migrar para um país
estrangeiro sob vias legais, muitas pessoas recorrem a agentes intermediários para auxiliá-las na entrada em
um país e na procura de um trabalho. Tal procedimento é caro e geralmente perigoso. Os intermediários
podem ser pessoas inescrupulosas, envolvidas com crime organizado, que vivem à espreita de presas fáceis
para gerar o mercado que tem sido um dos mais lucrativos do mundo quando se trata de crime organizado.
Turismo, e crescimento da indústria do sexo como entretenimento:
Jaqueline Leite, coordenadora Geral do CHAME – Centro Humanitário de Apoio à Mulher - ONG que trabalha
na prevenção ao tráfico de mulheres e turismo sexual em Salvador – BA, em seu artigo sobre “o outro lado do
turismo”, divulgado na Internet, explica que o fenômeno do turismo sexual não é uma característica do Brasil
ou de países do terceiro mundo, mas do sistema de dominação patriarcal que ainda rege grande parte do
mundo. Esclarece que, a maior parte de exploração reside nessa relação entre países do “primeiro” e
“terceiro” mundo que, além de não respeitar os direitos humanos, alimenta a crença de que nesses países
subdesenvolvidos tudo é permitido, e que não há limites nem leis que se encarreguem de puni-los. A autora
afirma que turismo sexual é uma indústria extremamente rentável e, ao mesmo tempo, sem escrúpulos quanto
ao respeito à mulher e à dignidade humana. É destacada a posição do governo brasileiro, que a partir da
década de 70 passou a investir muito na estrutura política do país e veiculou uma série de propagandas e
vinhetas feitas com o objetivo de insinuar a sensualidade e beleza da mulher brasileira. A estratégia foi
considerada um forte componente para o turismo, mas visava indireta e disfarçadamente o lucrativo turismo
sexual.
“As praias do Brasil ensolaradas, mulatas soltam gingas de amor, a mão de Deus abençoou, em
terras brasileiras vou plantar amor...”. (Ex. de vinheta veiculada nos meios de comunicação nos anos 70).
O grande apelo sexista que se criou para propagar o turismo no Brasil teve seu ponto de partida no Rio de
Janeiro, Cidade Maravilhosa. Contudo, o crescente aumento de casos de DST, especificamente da AIDS, e
da violência, o que passou a não dar mais segurança aos turistas, fez com que a partir dos anos 90 o
nordeste brasileiro começasse a ser bastante divulgado e, por consequência, procurado com vistas ao turismo
sexual. O turismo sexual gera péssimas consequências à sociedade: deprecia a imagem da mulher, reproduz
papéis sexistas e ideologias racistas, impacta de forma nefasta as comunidades onde se constroem
complexos turísticos, viola os direitos humanos, facilita a exploração sexual de crianças e adolescentes,
prolifera DST e AIDS, fomenta o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes, além de retrair a demanda
turística, cultural, artística, ecológica e familiar.
As leis e políticas sobre a migração:
Cada vez mais há uma necessidade comprovada de trabalho em diversos setores - como indústria,
entretenimento e trabalho doméstico - em países de primeiro mundo para trabalhadores de terceiro, pois tais
trabalhos são mal pagos e indesejáveis para os nacionais de países desenvolvidos. Apesar dessa
necessidade de trabalho migrante, as leis de imigração de países de destino não satisfazem a demanda. As
mulheres de países em desenvolvimento que viajam sozinhas geralmente são alvejadas por oficiais da
imigração, tendo seus vistos e entradas, muitas vezes, recusados em outros países. Isso acarreta a procura
de agentes facilitadores à migração, utilizando meios ilegais para sua entrada no país almejado.
Conflito armado:
Apesar de ser rara a participação de mulheres em conflitos armados, esses acarretam consequências em
vários setores da sociedade, resultando em empobrecimento, deslocamento, etc. Há que se considerar
também a vulnerabilidade da mulher, especialmente em relação ao abuso sexual e ao serviço doméstico que
são obrigadas pelas forças armadas a prestar. Dessa forma, mais e mais pessoas necessitam sair de sua
terra natal em busca de melhores condições de vida. É incontestável que essas pessoas, extremamente
fragilizadas, ao se depararem com a falta de meios legais para imigração, tendem a apelar a agenciadores,
muitas vezes traficantes, para atingir seu objetivo.
Autoridades Corruptas:
Autoridades corruptas contribuem significativamente para o processo do tráfico. De acordo com o relator
especial da ONU sobre violência contra Mulher, à maioria das vítimas de tráfico relatam elevados níveis de
cumplicidade e participação de governos na pratica do crime. É constante a aceitação de subornos pelos
oficiais da migração em troca da permissão para cruzar as fronteiras e que, além disso, outras autoridades
podem estar diretamente envolvidas.
Interferências Culturais e Religiosas:
Diversas culturas e religiões permitem que o tráfico se propague, pois práticas como escravidão e submissão,
entre outras, são institucionalizadas e aceitas por algumas sociedades. Exemplo: Trokosi é uma pratica
cultural em Gana; uma forma tradicional de escravidão. A palavra significa “o escravo de uma divindade”.
Ocorre quando um membro de uma família comete um crime ou há alguma calamidade na família, como
morte repentina, a vitima passa a ter que fornecer um Trokosi a um membro prolongado da família como um
santuário.
Foto: Revista Impacto
Uma menina virgem que será ligada a um sacerdote e forçada a passar o resto de sua vida no santuário,
fornecendo serviços domésticos e sexuais sem nenhum pagamento. Frequentemente essas meninas são
punidas com chicotes ou negação de alimentos por ofensas como recusa de sexo, fuga e etc. Essa atividade
foi considerada uma violação dos direitos humanos das mulheres em 1997 e, em 1999, foi declarada uma
prática ilegal em Gana, mas ainda há casos de tradicionalistas que mantêm essa prática e milhares de
meninas e mulheres são vítimas desse abuso ainda hoje nessas regiões.
Rotas do tráfico internacional de pessoas:
As rotas do tráfico acompanham as da imigração, que trazem maior movimento do Sul para o Norte. Mas
atualmente o tráfico também acontece em regiões ou sub-regiões dentro de países. Há dificuldade em se
definir com clareza as rotas do tráfico, devido a constantes mudanças repentinas em sua trajetória, origem,
destino e pela indisponibilidade de informações. Países que investem mais em políticas de prevenção e
combate, geralmente os desenvolvidos, possuem uma conscientização populacional mais abrangente a
respeito do problema e, consequentemente, as informações são relatadas com maior credibilidade.
Mesmo com todo o problema de informações, as tendências apontam que as pessoas saem dos países do
chamado “terceiro mundo” ou das novas democracias e se encaminham para os países desenvolvidos.
Segundo dados da Organização Internacional de Migrações, acredita-se que as mulheres traficadas vêm
quase de todo o mundo, como destaque para algumas regiões como Gana, Nigéria e Marrocos, na África,
Brasil e Colômbia, na América Latina, Republica Dominicana, no Caribe, bem como Filipinas e Tailândia, no
Sudeste da Ásia. Após a recente independência de alguns Estados e a queda do muro de Berlim, vários
países da Europa Central e Oriental passaram a fazer parte da lista de países de origem, países/fonte ou de
passagem para o tráfico.
Apesar dos países subdesenvolvidos ainda serem os responsáveis pela maioria das pessoas traficadas no
mundo, houve um crescente aumento na Europa Central e Oriental e nos países da antiga União
Soviética. Como já relatado anteriormente, vários especialistas reconhecem um vínculo entre tráfico e os
deslocamentos interligados com transição econômica, o crescimento da pobreza e do desemprego das
mulheres. O fluxo se dirige para países industrializados, envolvendo praticamente todos os membros da União
Europeia. O Brasil não se configura com clareza como exportador direto nas rotas internacionais de tráfico por
conta da carência de dados a respeito. Mas através das noticias veiculadas pela imprensa e de dados da
Polícia Federal, conclui-se que o Brasil está, sem dúvida, integrado nas redes internacionais de tráfico.
Como exposto no item anterior, o assunto hora tratado é tema de preocupação nos âmbitos nacional e
internacional. Dessa forma, não basta apenas a elaboração de meios internos para sua solução, mas a união
entre os Estados afetados a fim de que sejam elaborados meios eficientes, que abranjam o tráfico em toda
sua extensão. Por isso, necessário se faz um breve relato sobre o Direito Internacional, a ONU e a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, com o intuito de fornecer maior compreensão ao leitor sobre os tratados e
convenções já elaborados a respeito do tema. Tem-se como Direito Internacional o ramo do direito que regula
o relacionamento entre os Estados, ou seja, é um conjunto de normas que regula as relações externas dos
Estados nacionais e das organizações internacionais, que são denominados como sujeitos de direito
internacional.
O Estado é dotado de soberania, que segundo ao âmbito de aplicação, se manifesta de duas formas. Na
vertente interna de aplicação da soberania, o Estado encontra-se acima dos demais sujeitos de direito, ou
seja, é autoridade máxima em seu território. Na vertente externa, o Estado está em pé de igualdade com os
demais Estados soberanos que constituem a sociedade internacional. Esta divisão entre as vertentes interna
e externa, quanto ao âmbito de aplicação da soberania do Estado, reflete-se também na natureza da norma
jurídica conforme seja, de direito interno ou de direito internacional.
No direito interno, a norma emana do Estado ou é por este aprovada. O Estado impõe a ordem jurídica interna
e garante a sanção em caso de sua violação (relação de subordinação).O mesmo não acontece no Direito
Internacional, onde os Estados são juridicamente iguais (princípio da igualdade jurídica dos Estados), o que
faz com que não exista uma entidade central e superior ao conjunto de Estados, com a prerrogativa de impor
o cumprimento da ordem jurídica internacional e de aplicar uma sanção por sua violação. Aqui, os sujeitos de
direito (os Estados), diferentemente do caso do direito interno, produzem, eles mesmos, diretamente, a norma
jurídica que lhes será aplicada (por exemplo, quando um Estado celebra um tratado), o que constitui uma
relação de coordenação.
Há discussão sobre a existência de uma hierarquia das normas de direito internacional, se um tipo de norma
seria superior à outra, o que resultaria na prevalência de uma norma sobre outra. Entretanto grande parte dos
estudiosos entende que inexiste hierarquia. Existe no Direito Internacional os conceitos de ato ilícito (violação
de uma norma jurídica) e de sanção (penalidade imposta em consequência do ato ilícito), mas sua aplicação
não é tão simples como no direito interno. Na ausência de uma entidade supra estatal, a responsabilidade
internacional e a consequente sanção contra um Estado dependem da ação coletiva de seus pares.
Organizações Internacionais:
Organizações Internacionais são entidades formadas por estados que se reúnem com intuito de se perseguir
certa finalidade em comum. As Organizações Internacionais são detentoras de personalidade jurídica de
Direito Internacional, pois os estados/partes estão diretamente ligados a ela. Esclarece ainda que as ONGs,
não são organizações internacionais, pois são formadas por cidadãos ou empresas e, por isso, são pessoas
jurídicas de Direito Público Interno e não de Direito Internacional, o que não as impede de atuarem em
diversos países. Existem mais de 500 organizações internacionais, com finalidades diversas. Algumas são
totalmente independentes das outras, mas há aquelas que possuem finalidades específicas e subordinadas.
Como a UNICEF que é uma agencia da ONU. O estatuto é um tratado Internacional que define quais países
será membro de uma determinada Organização Internacional, especificando a forma como os estados devem
aceitar ou não determinado tratado e a comunicação de aceitação entre eles, além de especificar os meios e
instrumentos que devem ser usados para que os Estados cheguem a um acordo.
Tratado é o acordo formal concluído entre os sujeitos de Direito Internacional Público; Estados, organismos
internacionais e outras coletividades destinadas a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. Tratado é o
nome que se consagra na literatura jurídica. Outros são conhecidos como sinônimos: Convenção, Acordo,
Pacto, Protocolo, Regulamento, Declaração, Carta, Concordata, Convênio, Compromisso, Estatuto, Ata,
Memorandum, etc. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente em 24 de Outubro de
1945 em São Francisco, Califórnia, nos EUA, por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Trata-se de uma organização mundial, constituída atualmente por 191 Estados Membros soberanos,
internacionalmente reconhecidos, exceto o Vaticano, que tem qualidade de observador. Sua sede localiza-se
em Nova York e Genebra. A ONU é o sistema internacional que monitora a implementação dos Direitos
Humanos e suas violações em todo o mundo. As Nações Unidas utilizam diferentes tipos de instrumentos
para manifestar a vontade e a necessidade que os estados têm de se relacionar. Dentre eles destacam-se os
tratados (incluindo convenções), declarações, resoluções e protocolos.
Os tratados são compulsórios: uma vez assinados e ratificados por um país, impõem o mais elevado grau de
obrigações pelo seu governo. Os Protocolos são adições aos tratados, que geralmente devem ser acordados
em separado do próprio tratado. Também impõem o mesmo grau de obrigações dos tratados em si. As
declarações apenas dão uma indicação do compromisso político internacional sobre um assunto e, por isso,
não são compulsórias. Um dos feitos mais destacáveis da ONU foi a proclamação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 10
de dezembro de 1948. O conceito de “direitos humanos” é de extrema importância, pois 191 países são
membros das Nações Unidas, o que os leva a um comprometimento de respeito aos princípios de direitos
humanos protegidos pela ONU e pela Declaração Universal de Direitos Humanos.
Foto: cmisericordia.com
A declaração estabelece que os princípios de Direitos Humanos Fundamentais (Universalidade,
Inalienabilidade e Interdependência) e a liberdade, devem ser garantidos a todas as pessoas.
Universalidade significa que os Direitos Humanos valem para todos, sem distinção de raça, cor, etnia,
religião, classe social, língua, idade ou nacionalidade. Todos os povos têm as mesmas necessidades e
direitos básicos a serem protegidos. Inalienabilidade significa que todos os direitos pertencem às pessoas a
partir do nascimento. Desta forma, os governos devem afirmar os princípios dos direitos humanos, que não
podem ser negados a ninguém e muito menos dispostos pelos seus titulares.
Interdependência quer dizer que todos os direitos humanos se associam em consequência das suas
relações e interdependências. Os direitos não podem ser vistos de formas distintas, já que um direito não é
mais importante do que o outro. Exemplo: o direito de se expressar ou de escolher o número de filhos que se
quer ter é interdependente com outros direitos, como direito de obter informação e direitos iguais dentro da
família. Porém, nenhum direito pode sacrificar o outro.
Tendo em vista que o tema em questão apresenta como principal causa o desrespeito aos direitos humanos
básicos inerentes a todas as mulheres, é imprescindível um breve relato a respeito. Com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos os governos reconheceram os direitos humanos sem qualquer tipo de
distinção. Porém, isso não foi suficiente para a adaptação das sociedades e todas as suas leis, culturas,
dogmas e códigos sociais machistas. Em 1993, na cidade de Viena, na Conferência Mundial dos Direitos
Humanos, os governos reconheceram a violência contra a mulher como violação dos direitos humanos.
Falar em direitos humanos das mulheres é falar em variados modos de violações e situações que evidenciam
a condição feminina no mundo atual. Implicam olhar o fenômeno como uma consequência lógica da ausência
de direitos nos planos econômicos, político e social, além das privações vividas no próprio lar. Isso significa
que as mulheres, além de serem objetos de violações pela sua condição de sexo feminino, também são
privadas dos direitos básicos, como acesso à educação, à saúde, a uma sexualidade e maternidade
satisfatórias, a uma garantia no mercado de trabalho, sem falar na participação na política.
A fundamentação dos direitos naturais, onde se encontra a origem dos direitos humanos, tem se formado, por
ideias masculinas e sob uma máscara de neutralidade, o que termina por dar continuidade à exclusão das
mulheres. No contexto do tráfico, muitos direitos das mulheres são violados, como o direito a estar livre de
todas as formas de discriminação.
Por causa das desigualdades relativas ao gênero, a maioria das pessoas traficadas são mulheres e meninas.
A falha ou a recusa dos governos, em concordar que mulheres tenham os mesmos direitos humanos que os
homens facilitam e propiciam a prática deliberada de toda forma de violência contra a mulher, incluindo o
tráfico de pessoas. Quanto ás crianças, essas também são vulneráveis ao tráfico e, como crianças, têm
direitos especiais para sua proteção.
Elas possuem direitos humanos semelhantes aos dos adultos, mas esses direitos têm uma aplicação especial
devido à necessidade de extremo cuidado e atenção, consequente de sua vulnerabilidade. A infância possui
valor nato e, por isso, os direitos humanos das crianças e seus interesses devem ser primordiais em todas as
ações a eles afetas sob égide do Estado e da família. Os direitos humanos das crianças e seus interesses são
acordados na “Convenção dos Direitos da Criança” adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que
trata inclusive de assuntos relacionados ao tráfico de pessoas.
BRASIL E O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS:
Não será abordado no presente trabalho qualquer perfil político, econômico e social do país, embora sejam
aspectos de extrema importância, por propiciarem a prática do tráfico de pessoas. Cumpre aqui limitar o tema
hora proposto tão somente dentro dos aspectos a ele relacionados, fazendo uma abordagem superficial e
ilustrativa para melhor contextualização das causas e efeitos do tráfico. A pobreza estrutural de uma nação, a
desigualdade social, a expectativa de vida, a renda, o desenvolvimento humano, a taxa de alfabetização, o
acesso à educação, as desigualdades raciais, as questões de gênero, os índices de trabalho escravo,
desigualdade e violência contra a mulher são fatores ainda marcantes em países subdesenvolvidos e levam
milhares de pessoas a buscar o acesso a uma vida mais digna. Isso acaba vulnerabilizando as nações menos
privilegiadas e ocasionando a prática de crimes que violam os direito humanos básicos. As vítimas,
fragilizadas pelas suas condições sociais, são captadas através de falsas promessas e transformadas em
mercadorias de grande valor econômico.
Foto: traficodecriancablog.wordpress.com
Não é novidade que o Brasil, durante toda sua história, sempre enfrentou grandes crises econômicas e
socioculturais. Como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, o tráfico de seres humanos faz parte da
nossa história, inicialmente em decorrência do tráfico negreiro e posteriormente em razão da chegada de
imigrantes vindos da Europa, à época da primeira guerra mundial, que buscavam refúgio e melhores
condições de vida em países “novos” e desconhecidos. Nesse fluxo e refluxo de pessoas, emergiu o tráfico
mundial de mulheres brancas, vindas de vários países, especialmente da Europa, para serem exploradas
sexualmente. Há tempos o Brasil passou de país de destino para país fornecedor do tráfico de mulheres e
crianças, pois a prática do tráfico acompanha os motivos que deram ensejo à sua origem.
Apesar de ser um problema flagrante, todos os trabalhos e pesquisas utilizados na elaboração deste trabalho
relatam que não há estatística confiável para fornecer uma precisa ideia da sua extensão, pois o tráfico é uma
atividade clandestina, definida de forma vaga e conflitante pelos vários Estados e entidades que lidam com o
problema. Embora ainda não existam cifras, dados de um estudo realizado pelo departamento dos Estados
Unidos da América, sobre vítimas do tráfico e a prática de violência afirmam que são numerosos os casos de
vítimas de tráfico de pessoas. De acordo com esses estudos, segundo a fundação Helsinque para os Direitos
Humanos, em 2003, 75.000 mulheres brasileiras estariam envolvidas no mercado sexual na União Europeia.
O mesmo departamento americano constatou em seu estudo que, na mesma época, havia um número
considerável de brasileiras traficadas em países como Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Suíça e Inglaterra,
além de relatos que informaram o paradeiro de mulheres em Israel, no Japão, nos Estados Unidos e no
Paraguai.
Um levantamento parcial da Policia Federal revelou que o Estado de Goiás é o principal exportador de
mulheres, seguido do Rio de Janeiro e de São Paulo. As regiões Norte e Nordeste, comparadas às regiões
Sul e Sudeste do Brasil, mostram alto índice de desigualdade social e pobreza e, por isso, são as regiões
onde há a maior concentração de rotas de tráfico de pessoas. Segundo Sandra Vale, ex-Coordenadora do
Programa das Nações Unidas Para o Combate de Tráfico de Seres Humanos, as principais portas de entrada
para as brasileiras na Europa são Espanha e Portugal, pela semelhança e facilidade do idioma.
Tráfico de Crianças e Adolescentes no Brasil:
O Relatório, realizado em 2003, pelo Sr. Juan Miguel Petit, Adendo Relator especial da ONU sobre a venda
de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil no Brasil, explica que quantificar a exploração sexual
comercial de crianças é uma tarefa difícil, devido a muitos fatores relacionados às características invisíveis do
fenômeno. Assim como o tráfico de mulheres, também não há sobre o tráfico de crianças, informações
disponíveis que possam dar uma dimensão apropriada da ocorrência do fenômeno no Brasil. O Relator
constatou que, no Brasil, a maior parte dos dados disponíveis são colhidos por programas de Disque-
Denuncia que dão assistência às vítimas.
Como se não bastasse a escassez de meios para identificar a real dimensão do tráfico, os programas de
Disque-Denuncia dão maior assistência a vítimas de abuso sexual do que às vítimas de exploração sexual,
limitando o número de denúncias. Isto ocasiona um sentimento de impunidade nos criminosos e,
consequentemente, propaga a prática do tráfico de crianças e adolescentes no Brasil. Segundo o relatório da
ONU adolescentes e crianças são forçadas a se inserir na prostituição de muitas formas. Na maioria das
vezes acorre por intermédio familiares ou pessoas próximas, como a mãe, por exemplo, que organiza
encontros sexuais para a criança na própria casa.
Situações de exploração sexual dentro da própria família estão claramente relacionadas à situação de
pobreza. Ocorrem em áreas marginalizadas onde instituições e programas sociais são ausentes. Há casos
ainda em que garotas são encorajadas a se prostituir para ganhar status, geralmente sendo iniciadas por
colegas da escola. Essa modalidade explica uma introdução da classe média no mercado sexual e o aumento
de vítimas dessa classe no tráfico de pessoas. A exploração sexual de crianças, e adolescentes, está
geralmente vinculada ao crime organizado, que ocorre em bares, hotéis, clube noturnos e bordéis. Alguns
adolescentes são obrigados a se manter entre o tráfico e a prostituição. O Brasil é considerado um país
fornecedor de crianças e adolescentes para diversos fins, tanto para o tráfico interno como para o
internacional. Estimativas internacionais apontam que mais de um milhão de mulheres são traficadas e
exploradas sexualmente no mundo inteiro. Pelo menos 35% desse total são meninas com idade abaixo de 18
anos. Segundo especialistas, pesquisas e relatórios elaborados a respeito, as causas do tráfico de crianças
são, em maior ou menor grau, derivadas da miséria e da desigualdade entre países. O esquema de tráfico de
crianças copia o modelo econômico que impera atualmente no mundo.
As crianças das sociedades desfavorecidas são exportadas em proveito de representantes das sociedades
ricas. Desta forma, diversos fatores, derivados da falta de recursos e, portanto, endêmicos nos Estados
marginais, corroboram para agravar a situação. Nesse rol, relacionam-se o abuso doméstico e negligência,
conflitos armados, consumismo, órfãos da AIDS, vida e trabalho nas ruas, discriminação, etnicismo e
comportamento sexual irresponsável.
O tráfico de crianças se procede no Brasil, através de alguns tipos de violações dos direitos das crianças
como: Adoção Internacional de crianças; exploração sexual infanto-juvenil, turismo sexual, pornografia infantil
e pedofilia na Internet, entre outros. Essas violações, embora não tenham ligações diretas com o tráfico
estimulam indiretamente a sua prática.
CONCLUSÃO:
O tráfico de seres humanos tem relações profundas com a miséria e exploração dos países do terceiro
mundo. A rota do tráfico de seres humanos é a rota da grana, e as pessoas são presas fáceis do tráfico, pois
estão atrás de condições mais dignas de vida. Muitas pessoas saem do seu país, espontaneamente ou
influenciada por aliciadores, em busca de promessas falsas, de sonhos irreais, de um mundo que não existe e
o que encontram é a desilusão de serem submetidas a trabalhos forçados, serviços árduos, sujos, difíceis e
perigosos, além de terem sua liberdade tolhida ficando a mercê da exploração econômica dos “grandes
empresários de maquinas humanas”.
O tráfico de seres humanos não se restringe à exploração sexual comercial, mas o problema recai
principalmente sobre as mulheres, por causa de uma questão cultural. Esta oposição está encarnada,
particularmente na nossa região, em boa parte da igreja católica e representantes de sua hierarquia, e de
setores conservadores. O autoritarismo imposto por esse conservadorismo são condições que atentam
claramente contra os direitos das mulheres, e contra o livre exercício de sua sexualidade. A mulher ainda é
considerada um ser de segunda categoria; suas decisões, vontades, sexualidade estão indiretamente ligadas
à aprovação e o falso moralismo masculino implantados pela sociedade patriarcal ao longo do tempo.
Conclui-se, então, que as duas causas fundamentais que ocasionam e facilitam o tráfico de pessoas, é a
classe econômico-social e a cultural. No entanto, apesar do receio e dificuldade das comunidades mundiais
em reconhecer a verdadeira causa do tráfico e admitir pontos importantes que ferem alguns princípios morais,
diversos avanços foram conquistados do ponto de vista da proteção internacional dos direitos humanos das
mulheres com a adoção de variados meios eficientes de combate ao tráfico. O Protocolo da Convenção de
Palermo para a repressão do tráfico de pessoas, em especial o de mulheres, é um exemplo deste avanço.
Esses avanços obtidos permitiram afirmar que as vítimas do tráfico já não podem mais ser consideradas como
criminosas e cúmplices do tráfico, mas sim como pessoas que sofreram sérias violações em seus direitos
humanos fundamentais. Para tanto se torna irrelevante que a mulher tenha consentido em exercer a
prostituição fora de seu país. Esse fato, por si só, não a torna ré do crime de tráfico de pessoas, pois com o
Protocolo reconhece expressamente sua vulnerabilidade e a necessidade de apoiá-la e protegê-la nessa
situação. É notório o esforço e a consequente evolução de comunidades nacionais e internacionais no tocante
ao problema do tráfico de pessoas. Muito se tem feito a respeito. ONGs e entidades não governamentais se
esforçam no sentido de auxiliar as vitimas prestando-lhes assistência e colhendo dados concretos de extrema
importância para elaboração de meios legais de prevenção e combate.
Os governos de diversos Estados, muito tem se empenhado no desenvolvimento de estudos e medidas
eficazes para eliminação do problema. Porém, a resolução da criminalidade, não se trata apenas de esforços
no plano legislativo, judiciário e executivo, mas de definições penais cada vez mais abrangentes, de penas
mais severas, de aprimoramento de funções administrativas do Estado, que continua a alimentar e acobertar
a real causa do problema. O que se vê é um paliativo institucional com a função de esconder o cerne das
contradições de classe que a criminalidade expressa, seu produto mais rejeitado, sua sombra obscura que a
sociedade tenta esconder. É obvio que a ilegalidade não é algo fora da lógica do sistema capitalista, maçante
em que vivemos. Um caldo social explosivo originado pelo acúmulo de opressão social de todo tipo: do
racismo, do machismo, do capitalismo, da globalização, etc.
A pobreza por si só não leva ao crime, mas a desigualdade social produz o contexto propício para sua
reprodução. O narcotráfico, o jogo do bicho, a lavagem de dinheiro, os contrabandos em geral, os tráficos, os
chamados crimes de colarinho branco, etc., são uma faceta do capitalismo necessária à sua reprodução. A
própria criminalidade é produto social, portanto, a única perspectiva de acabar com ela é pela transformação
profunda das bases que a sustentam. O tráfico de pessoas, especificadamente, está enraizado a essas
questões socioculturais do qual a nossa realidade política é complacente. Somos parte dessa sociedade
injusta e preconceituosa. Construímos a nossa historia dia a dia, pois a inércia de alguns fortalece predomínio
e o poderio, nem sempre bem intencionado, de outros.
Foto: abagagemdonavegante.blogspot.com
Tráfico Internacional com Ênfase no Mercado Sexual:
O Projeto de Pesquisa em voga traz consigo o estudo de uma realidade quem vem trazendo imensa
preocupação às comunidades nacionais e internacionais: o tráfico de pessoas, em especial mulheres e
crianças, para fim de exploração sexual. As ocorrências do fenômeno vêm apresentando um aumento
considerável e devastador, resultante de contradições sociais e acentuado pela globalização, bem como pela
fragilização dos Estados-Nações. Com isso, vê-se um agravamento das desigualdades sociais de gênero,
raça, cor e etnia. Segundo estimativas da comunidade internacional, o tráfico de pessoas é a terceira
atividade mais rentável do crime organizado, movimentando anualmente entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões.
Mais de um milhão de mulheres e crianças são traficadas a cada ano no mundo. Embora os dados
disponíveis sobre o tráfico de seres humanos no Brasil sejam escassos, as notícias veiculadas pela mídia
nacional e internacional sobre o assunto indicam que esse é um problema de grande magnitude.
O presente estudo monográfico, pois, possui o objetivo de tratar especificamente da conjuntura e problemática
do tráfico de mulheres e crianças para fins de exploração sexual. O escopo do presente trabalho monográfico
consiste em, primordialmente, enfatizar a necessidade premente de um debate sério sobre a temática do
tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, no Brasil e no mundo. No entanto, as discussões sobre
o tema não correspondem à sua dimensão, nem às implicações sociais que decorrem da impunidade de
agentes responsáveis pela prática desse crime, que encontram vantagens na fragilidade e inocência de suas
vítimas. Deste modo, foi eleita como objeto de estudo essa palpitante questão, uma vez que a violência e o
abuso contra a dignidade da pessoa humana são frequentes na atual sociedade global e capitalista. O tráfico
de seres humanos é uma forma de crime organizado e constitui uma grave violação dos direitos humanos,
liberdade sexual e desenvolvimento da sexualidade humana. A maior parte do tráfico de seres humanos é
voltada para a exploração sexual, atingindo mulheres e adolescentes do sexo feminino e masculino.
No entanto, há registros da ocorrência do tráfico de pessoas voltado para o trabalho forçado ou escravo,
envolvendo indistintamente homens, mulheres e famílias constituídas. Seja para fins de exploração sexual ou
de trabalho forçado, dentro ou fora do Brasil, o artifício empregado pelos grupos de traficantes no aliciamento
de suas vítimas tem um atrativo em comum: a oferta de um emprego bem remunerado, dentro ou fora do
Brasil, e muitas vezes a oportunidade de uma nova vida em um país mais rico. Na maioria dos casos, as
vítimas acabam trabalhando em bordéis, sendo sexualmente exploradas ou obrigadas a trabalhos forçados
sob condições de semiescravidão. O retorno ao país, no caso do tráfico internacional, torna-se quase inviável,
pois os traficantes criam situações de endividamento permanente da vítima, retém seu passaporte e outros
documentos e as ameaçam com denúncias de prática de atividades ilegais, para evitar que as mesmas
recorram à justiça.
Apesar de o Brasil ser um dos maiores exportadores de mulheres e crianças para fins de comércio sexual, o
Governo Federal desconhece boa parte da extensão do problema, resultando na falta de controle sobre essa
modalidade de tráfico. Contudo, são evidentes os esforços da comunidade global a fim de erradicar o
problema do tráfico, que vem assolando vários países de forma violenta e devastadora.Nações e
organizações internacionais, governamentais e não governamentais, estão se unindo para criar programas e
adotar leis severas contra este crime, que vem sendo motivo de grande preocupação para ativistas nacionais
e internacionais e agentes governamentais. Deste modo, procurará o presente trabalho monográfico, numa
breve resenha, abordar todos os aspectos relativos ao tema, traçando um perfil sobre o fenômeno do tráfico
de pessoas, em especial de mulheres e crianças, para fins de comércio sexual, além de abordar sobre os
principais agentes envolvidos, sua dimensão no mundo globalizado e os diversos remédios já elaborados
como forma de combate e prevenção desse mal.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRÁFICO DE PESSOAS:
A mais antiga referência histórica do tráfico de pessoas está sem qualquer duvida no tráfico negreiro. O Brasil
“colônia” sempre manteve a escravidão, sendo o ultimo pais da América a aboli-la. No inicio do século XIX a
existência de mão de obra escrava já não interessava mais aos ingleses, que tinham grandes interesses no
mercado consumidor na América do Sul. Nessa época Portugal mantinha a liderança na pratica de tráfico e
comércio de escravos, o que fez com que a coroa Inglesa começasse a pressionar o país a fim de extinguir a
prática do tráfico negreiro. O Tráfico negreiro foi considerado ilegal para os Ingleses a partir de 1º de março de
1807, e crime contra humanidade, em 1º de março de 1808.
Portugal e sua colônia, por sua vez, passaram a ser o principal alvo de medidas que visassem o fim tráfico e
do trabalho escravo. Em 1810, os ingleses forçaram Portugal a aceitar um tratado de “Cooperação e Amizade”
em que a questão da escravidão era tratada, porém os Ingleses não obtiveram os resultados esperados no
acordo, ocasionando nova pressão inglesa, que culminou com a aprovação de uma lei brasileira contra o
tráfico em 7 de novembro de 1831, conhecida como lei de Diogo Feijó.
Tal lei ratificava a extinção de tráfico de escravos e afirmava, logo em seu art. 1º, que "todos os escravos, que
entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres". No entanto, a disposição normativa
não logrou êxito, apesar das normas proibitivas que previam sanções criminais aos infratores, pois até 1855
continuaram a vir da África grandes levas de escravos. Sabe-se que essa lei tinha como verdadeiro objetivo
dar uma satisfação internacional, em especial à Inglaterra, o que a fez conhecida como “Lei para inglês ver”.
Posteriormente, novamente decorrente da pressão inglesa em face do Bill Aberdeen (lei unilateral da Coroa
Inglesa que autorizava qualquer nação a reprimir o tráfico de escravo, por ser entendido como crime que fere
os direitos das gentes, equivalente à pirataria), é aprovada uma segunda norma brasileira contra o tráfico: Lei
Eusébio de Queiroz, dando poderes de apreender quaisquer embarcações brasileiras ou estrangeiras com
escravos, ou mesmo com os sinais de terem se destinado ao tráfico de escravos (art. 1º).
Como a repressão ao tráfico negreiro continuou leniente, foi aprovada uma terceira lei, em cinco de junho de
1854, dando ainda mais poderes contra os importadores de escravos da África. O último desembarque de
escravos que se tem notícia no Brasil ocorreu em 13 de outubro de outubro de 1855. Em seu livro sobre
Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças, o autor Damásio de Jesus, relata que o tráfico de seres
humanos faz parte da nossa história. Os navios negreiros transportaram durante 300 anos milhões de
pessoas - homens, mulheres e crianças - para o trabalho agrícola, que se estendia à servidão doméstica, à
exploração sexual e às violações físicas. Após a escravidão, no início de um novo século, um fluxo contínuo
de pessoas provenientes da Europa se iniciou em direção ao território brasileiro.
Foto: onu.com.br
Milhares de pessoas deslocaram-se da Europa para países do Novo Mundo, fugindo da fome e da
perseguição que os afligia naquela época. A realidade deste “Novo Mundo” que os Europeus sonhavam, era
diversa da esperada. Os imigrantes aqui encontraram a dura realidade do trabalho semiescravo. Com esse
enorme fluxo de pessoas, emergiu o tráfico de mulheres brancas. Meninas e jovens eram trazidas da Europa
para serem exploradas sexualmente nos países da fronteira da crescente economia capitalista. Ainda hoje,
milhares de pessoas cruzam o oceano em busca de um sonho ou de melhores condições de vida, fugindo das
guerras, da fome, da pobreza de suas nações, da perseguição religiosa e da violência.
O problema do tráfico não é novo. Tem-se atualmente uma forma moderna de escravidão que persistiu
durante toda história, problema antigo, que o mundo democrático pensava extinto e que, no entanto, vem se
consubstanciando com a inércia e a reserva que se tem em encarar o problema, devido aos vários aspectos
que a ele são inerentes. O mundo enfrenta, hoje, dois tipos de tráfico de mulheres e crianças. Um deles tem
atividade de precípuo interesse vinculado à mão de obra escrava, ainda que não se desvincule do interesse
de comércio sexual. Ocorre principalmente na África. Outro tem clara conotação sexual e sua prática vem
ocorrendo em todos os continentes.
O tráfico de seres humanos constitui um fenômeno abominável, tornando-se cada vez mais grave e
preocupante. A sua natureza é mais sistemática do que episódica, não afetando apenas um número limitado
de pessoas, pois suas consequências afetam a estrutura social e econômica das sociedades. Sua prática é
facilitada pela globalização e pelas tecnologias modernas. O tráfico de seres humanos não se restringe à
exploração sexual, envolvendo também a exploração do trabalho em condições próximas da escravidão. As
vítimas sofrem violências, violações, maus tratos e graves sevícias, bem como outros tipos de pressões e
coações.
As principais causas do tráfico de seres humanos e de fluxo imigratório são a ausência de direitos ou a baixa
interpretação das regras internacionais de direitos humanos, a discriminação de gênero, a violência contra a
mulher, a pobreza, a desigualdade de oportunidades e de renda, a instabilidade econômica, as guerras, os
desastres naturais e a instabilidade política. As perversas consequências sociais, oriundas da globalização
econômica, terminam por ocasionar pobreza em grande escala, guerras localizadas, eclosão de crises em
vários países periféricos e regiões do terceiro mundo.
A constante busca por lucros fáceis e o hedonismo desenfreado das sociedades de consumo contribuem em
muito para que surjam muitos interessados na manutenção das diferenças sociais, de cor e de gênero. Essas
diferenças, muitas vezes, propiciam ocorrências tais como famílias venderem seus filhos por alguns trocados
ou a permuta de crianças por comida. Não é por outra razão que, no Brasil, como em outros países
subdesenvolvidos, tais ocorrências são encontradas com razoável frequência. É certo que se, por um lado,
algumas pessoas estão dispostas a assumir o risco de cair nas mãos de traficantes para melhorarem as suas
condições de vida, por outro, existe nos países industrializados uma tendência preocupante à utilização de
mão de obra barata e clandestina, bem como à exploração de mulheres e crianças para fins de prostituição e
pornografia.
As mulheres são particularmente vulneráveis ao tráfico de seres humanos devido à pobreza, à sobreposição
do homem sobre mulheres, à falta de possibilidades de educação e de emprego nos seus países de origem.
Outro fator de grande relevância é que o tráfico de seres humanos se torna a cada dia uma atividade
extremamente lucrativa. Segundo dados do Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção do
Crime, são movimentados anualmente valores que giram em torno de sete a nove bilhões de dólares.
Em termos de crime organizado transnacional, o tráfico de seres humanos somente perde, em lucro, para o
tráfico de drogas e o contrabando de armas, e que a maior parte das pessoas traficadas são provenientes de
países do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África, América do Sul e Leste Europeu) e são encaminhadas
preferencialmente para os países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa Ocidental, Israel e Japão), onde
são submetidas a exploração sexual e ao trabalho forçado. Em 2000, a Organização das Nações Unidas
começou a elaboração do informe sobre a população mundial, dando ênfase expressiva ao problema da
prostituição de meninas e o tráfico de mulheres como sendo um item relevante e merecedor de destaque nas
agendas internacionais e nacionais.
De acordo com o Estudo, 2 milhões de meninas entre 5 e 15 anos são introduzidas a cada ano no comércio
sexual. Além disso, sabe-se que muitas meninas padecem de abusos, sendo forçadas a ter relações sexuais
inseguras e temporárias. Outras se veem obrigadas a se casar, mesmo sendo ainda crianças. Em vista de tais
estatísticas, a ONU ainda inclui dados da seguinte ordem: cerca de quatro milhões de mulheres e crianças
foram vendidas e compradas tendo como destino o matrimônio, a prostituição ou a escravidão. Muitas caem
em mãos de rede de traficantes que as exploram. Como tentativa de coibir o tráfico de pessoas nas fronteiras,
foram tomadas, em diversos países, medidas como: o levantamento de folders e a realização de campanhas
nos aeroportos, divulgação na mídia impressa e televisiva, etc.
Foram também elaborados programas de associações de comércio exterior apontando que países
desenvolvidos se organizam de uma maneira vasta para divulgação de informações sobre o tráfico. Todavia
conclui que: “Ainda que algumas mulheres saibam previamente que vão trabalhar em shows eróticos,
na lavoura, como empregadas domésticas, ou como prostitutas, somente quando chegam ao novo
destino é que descobrem que também vão permanecer em isolamento, sofrer maus tratos, além de
serem obrigadas a entregar, senão todo, quase todos os ganhos de seu trabalho aos seus
empregadores”. Carmem Silva, defensora de causas feministas, em um artigo para revista Claudia, afirmou
que o caminho percorrido pela miséria e pela exclusão acaba induzindo muitas mulheres à prostituição. Não
obstante, essa atividade é considerada um fabuloso negócio que envolve poderosíssimas redes internacionais
de tráfico de mulheres e de entorpecentes, bordéis, hotéis, cabarés, boates, enfim, todo o tipo de comércio de
cunho sexual.
As vítimas de tráfico, que frequentemente ficam alojadas em lugares sem segurança, vivem na
clandestinidade e trabalham ilegalmente, além de frequentemente estarem em situação ilegal no país de
destino. Esse conjunto de fatores faz com que as vítimas se sintam mais coagidas diante da ameaça dos
traficantes e mais inseguras para procurar qualquer tipo de ajuda. O tráfico internacional de pessoas para fim
de exploração sexual, apesar de ser um problema que vem afetando a sociedade há quase um século, era
pouco investigado devido à resistência em tratar-se com naturalidade a questão da prostituição como fator
predominante da causa do tráfico de pessoas.
Questões como a moralidade, influência religiosa, sobreposição do homem sobre a mulher decorrente de
fatores históricos, que ainda se encontram estigmatizadas em nossa sociedade, prejudicaram em muito o
desenvolvimento de estudos e medidas nacionais e internacionais realmente eficazes que contemplem todo o
panorama relacionado à problemática do tráfico em todos os seus reais aspectos, causas e efeitos. Por conta
da longa inércia dos Estados em reconhecer a preponderância de fatos tão importantes é que pessoas,
vítimas de crimes desta categoria e outros que ainda esperam por medidas governamentais, sofrem
consequências graves, como sevícias, maus tratos e todo tipo de abuso contra integridade humana. Tal
problema decorre do desamparo, da carência e da morosidade na elaboração de provimentos necessários
para prevenção e combate ao tráfico de seres humanos.
Isso ocorre, sobretudo, em razão do moralismo costumeiro, que ainda hoje se encontra impregnado na
mentalidade social, por conta de um condicionamento histórico arcaico e a sobreposição da burocracia formal
sobre a real necessidade, que se faz por muitas vezes imediata. O Tráfico de seres Humanos, principalmente
de mulheres, vem ganhando, gradativamente, lugar nos debates internacionais, devido ao crescimento
desvairado e contínuo dessa prática delituosa. Medidas mais concretas contra o tráfico sexual, principalmente
de mulheres, ganharam lugar na antiga União Internacional de Direito Penal. Primeiramente em Budapeste e
logo depois, em 1902 na Conferência de Paris, o assunto era motivo de debate. No Brasil, algumas medidas
também foram adotadas, como as previstas no Decreto nº 5.591/1905, e na Lei nº 2.992/1915. O próprio
Código Penal, anos mais tarde, tipificou, como crime de tráfico de mulheres, a conduta de promover ou
facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha a exercer a prostituição, ou a saída de
mulher que vá exercê-la no exterior (art. 231).
Mais do que uma questão de “delicta carnis”, ou de uma moral secularizada, há de se indagar quanto ao real
bem jurídico protegido neste contexto. Não se trata mais, como estão a mostrar diversas reformas legislativas
no Direito alienígena, de proteção da moral, ou dos bons costumes. O tema vai além da própria liberdade
sexual ou, como preferem alguns, versa sobre a liberdade de autodeterminação sexual e sobre a própria
liberdade pessoal. O primeiro documento internacional contra o tráfico foi elaborado em 1904 com o propósito
de suprimir a troca de escravos brancos, que ocorria devido ao tráfico e à migração de mulheres brancas da
Europa para países árabes e orientais para atuarem como concubinas ou prostitutas, despertando
preocupação por parte da sociedade e do governo europeu. Este documento não se mostrou eficaz, pois além
de não ser propriamente universal, revelando uma visão do fato centrada na Europa também definiu o tráfico
como movimento de mulheres com um propósito imoral, como prostituição. O segundo documento, elaborado
em 1910, além de reconhecer a existência do tráfico dentro do território nacional, também foi o primeiro a
incluir previsões para punir os aliciadores, mas obteve apenas 13 ratificações. Apesar de se reconhecer a
atividade escrava, ainda havia o tabu e o preconceito quanto à prostituição. Posteriormente, em 1921 e 1933,
surgiram instrumentos que foram elaborados no contexto da Liga das Nações e que, apesar de mais
abrangentes, ainda definiam o tráfico independentemente do consentimento da mulher.
A relação entre tráfico e prostituição foi se solidificando, gradativamente nas décadas seguintes, ocorrendo
em 1949 a Convenção para Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da prostituição, no qual foram
consolidados os quatro instrumentos citados anteriormente, permanecendo como o único instrumento voltado
para o problema do tráfico até a adoção da convenção de Palermo e seus Protocolos. Inicialmente, a
Convenção de 1949 não trazia uma definição clara de tráfico de pessoas e excluía um vasto padrão de
mulheres ao se restringir ao tema da prostituição. Sua meta era abolir a prostituição para indústria do sexo,
mesmo que voluntária, deixando de mencionar o tráfico para qualquer outro propósito, seja como trabalho
doméstico, casamento ou trabalho em condições precárias. De acordo com uma cartilha elaborada por
ocasião do Seminário Internacional sobre Tráfico de Mulheres, realizado em outubro de 2003, tal convenção
criminalizou todas as atividades associadas à prostituição, independente da idade da mulher e seu
consentimento, permitindo a expulsão das vítimas caso estivessem sendo submetidas ao tráfico com este fim.
O instrumento até hoje iguala o tráfico à exploração da prostituição. Em outra vertente, os direitos humanos e
seus sistemas de proteção internacionais foram se aperfeiçoando, até que em 1993, na Conferência Mundial
dos Direitos Humanos, realizada em Viena, foi designada a Declaração e Programa de Ação de Viena, que
em seu item 18 dizia: "Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem
parte integral e indivisível dos direitos humanos universais". O Brasil ratificou dois tratados internacionais
relativos aos direitos das mulheres: Convenção da ONU sobre Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984, e Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995. Ambos criaram obrigações para o país perante a
comunidade internacional e obrigações internas que geraram novos direitos para as mulheres. Diante da
resistência de todos os países em assegurar direitos às mulheres, a ONU realizou a Convenção sobre
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, mas acabou recebendo reservas por
parte dos países que a ratificaram.
A Convenção estabeleceu em seu artigo 6º, que os Estados tomassem as medidas apropriadas, inclusive de
caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração de prostituição da
mulher. Essa Convenção foi fortalecida pela ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, de seu Protocolo
Facultativo, que permitiu a apresentação de denúncias de sua violação perante o Comitê da ONU que
monitora a Convenção. A Conferência Internacional da Mulher de Pequim, de 1995, também determinou que
os países tomassem medidas apropriadas para atacar as raízes do tráfico: a desigualdade, a discriminação, a
falta de acesso às fontes de sobrevivência, entre outros. De acordo com uma pesquisa realizada pela GAATW
(Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres) sobre Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas, a confusão
inicial de ativistas antitráfico, governamentais e não governamentais, ocasionou aos países afetados pelo
problema grandes dificuldade em definir e diferenciar o tráfico da imigração ilegal. Conclui-se que, na história
do tráfico, houve grande resistência e dificuldade em se reconhecer os direitos das pessoas traficadas, que
tiveram por todo esse tempo seus direitos humanos ignorados, por moralismo e conveniência dos
governantes, a fim de restringir o movimento das mulheres.
THERESE MOURAD
Gazeta de Beirute
Fontes: www.ambito-juridico.com.br
http://www.cnj.jus.br/
www.teses.usp.br/

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Pesquisa e estudos

  • 1. Foto: gramaticadomundo.com TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS O crime organizado transnacional engloba o tráfico de entorpecentes, de armas e o recentemente reconhecido “tráfico de pessoas”, que vem chamando a atenção da opinião pública mundial e se encontra presente em todos os cantos do mundo, movimentando quantias exorbitantes de dinheiro. Todos esses crimes possuem características em comum e são denominados “crimes high tech”, por envolverem outros crimes como: lavagem de dinheiro, falsificação de produtos, fraude de cartões eletrônicos e crimes relacionados com a informática. Devido a sua extensão, o tráfico internacional de pessoas atrai problemas, tanto para as organizações internacionais como para os estados democráticos, apresentando um grande desafio para as agências nacionais e internacionais de aplicação de lei e para as políticas de direitos humanos, na medida em que as vítimas desse crime sofrem inúmeras violações, tanto por parte dos traficantes quanto por parte das organizações governamentais, que obrigatoriamente deveriam protegê-las. O tráfico de seres humanos tem crescido muito nos últimos anos devido aos altos lucros e baixo risco inerente ao negócio. “(...) Pessoas, diferentemente de mercadorias, podem ser usadas repetidamente, trazendo em consequência da durabilidade, maior rendimento aos traficantes”. Esse tipo de crime não exige grandes investimentos, encontrando guarita na cegueira com que muitos governos lidam com a migração internacional e com a exploração sexual comercial. Segundo a Organização Internacional da Migração, quatro milhões de pessoas são traficadas por ano contra a própria vontade para trabalhar em alguma forma de escravidão. O Relatório do Departamento de Estado dos EUA de 2.000 afirmou que entre 45.000 e 50.000 mulheres e crianças traficadas ingressam no país por ano. Relatório divulgado a propósito do Dia Internacional da Mulher de 2001 pelo órgão executivo da União Europeia destacou que 120 mil mulheres e crianças são introduzidas ilegalmente, por ano, na EU, a maior parte do Leste Europeu. Os bandos transportam até 500 mil mulheres para a UE a cada ano. A meta do tráfico de pessoas é não somente a prostituição, mas também a exploração de mão de obra sob condições semelhantes às da escravidão, diz o relatório. Segundo a mesma pesquisa, o crime está inserido no contexto da globalização e, com a crescente pluralização de trocas comerciais em todo o mundo, vulnerabilizou-se o sistema de fronteiras. “De acordo com as Nações Unidas, o Brasil é hoje o maior ‘exportador’ de mulheres escravas da América do Sul.” Assim, juntamente com o movimento de mercadorias, há uma crescente migração de pessoas que procuram melhores oportunidades de trabalho e de vida. 1,5 milhão de mulheres asiáticas trabalhem em outros países do globo, em geral sob condições sofríveis. A imigração legal não dá conta da enorme oferta de pessoas proveniente dos países do chamado terceiro mundo, o que torna a imigração ilegal, através da prática do contrabando, a única alternativa para a maioria. Assim, uma das formas de combate à imigração ilegal seria uma mudança na legislação dos países de destino, pois esses países constantemente oferecem ofertas de trabalho as imigrantes com intuito de obter mão de obra barata.
  • 2. Portugal, em 2001, precisou de 20.000 trabalhadores estrangeiros. A regularização da situação dessas pessoas seria um passo importante. Ao lado da imigração, há o problema dos refugiados que fogem da fome, das guerras e das perseguições. O alto Comissário da ONU para os refugiados estima que 21,5 milhões de pessoas em todo o mundo estão em situação de refugiados, podendo ser vítimas potenciais do tráfico de pessoas e de múltiplas formas de exploração. As políticas de imigração de países de destino, em geral, pecam pelo preconceito, pois, não obstante a boa intenção, o imigrante é visto e tratado como criminoso, mantido em áreas sanitárias de exclusão e repatriado sem assistência. Enquanto toda forma de trafico é ou deve ser considerado ilegal, nem toda forma de imigração ilegal é ou deve ser considerado tráfico. É preciso que as políticas de migração não igualem a imigração ilegal para fins de prostituição, ao tráfico de mulheres. Imigração ilegal não é tráfico, embora haja casos de tráfico de pessoas realizados por meio das mesmas estratégias utilizadas pela imigração ilegal. O problema das vítimas de tráfico é a multiplicidade de fatores que as tornam extremamente vulneráveis à sua prática, pois além de serem submetidos a trabalhos desqualificados e a todo tipo de exploração, quando caem na fiscalização de fronteiras são tratados de maneira discriminatória, como criminosos, ou por estarem ali de forma ilegal, ou por ter praticado atos considerados “imorais” naquele país. Os fatores que contribuem para o tráfico diferem de país para país. Além de serem variados e complexos, a análise intensiva desses fatores e sua compreensão facilitam a execução de medidas preventivas para a eliminação do problema. O tráfico não ocorre somente de países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, mas também entre e dentro de países em desenvolvimento. Apesar disso, a maior parte dos casos de tráfico é originada em países onde há problemas econômicos, sociais, políticos e ambientais com destino a países ou regiões onde a qualidade de vida é mais elevada. As rotas de tráfico, assunto que será estudado mais adiante, são projetadas e manipuladas por traficantes. Assim, é uma generalização distorcida dizer que pessoas são traficadas sempre de países subdesenvolvidos a países mais desenvolvidos, pois esse não é sempre o caso. A Relatora Especial sobre violência contra a mulher indicou que as causas e raízes da migração e do tráfico estão altamente interligadas. Preliminarmente, ressalta-se a falta de respeito aos direitos que sofrem as mulheres. Apesar de tais direitos estarem expressos em constituições, leis e políticas, continuam a ser negado às mulheres o direito a elas inerente, pois os governos não protegem e não promovem os direitos das mulheres. Dessa forma, os governos criam situações em que o tráfico floresce. Fatores frequentemente mencionados e que contribuem para o tráfico: - Pobreza e desemprego - Globalização da Economia - Feminização da pobreza - Aumento do turismo - Situação de conflito aramado - Discriminação baseada no gênero21 - Leis e política de migração e trabalho migrante - Leis e políticas sobre prostituição - Corrupção das autoridades - Envolvimento com o crime organizado - Lucros elevados - Práticas culturais e religiosas Questões de Gênero: A discriminação de gênero contra mulher, incluindo a violência, a pobreza e a desigualdade de oportunidades e de renda, é uma das principais, se não a principal causa do tráfico de pessoas. Dentro da discriminação de gênero encontra-se uma série de aspectos socioculturais que devem ser considerados. Em vários países, principalmente nos subdesenvolvidos e nos que estão em processo de desenvolvimento, as mulheres são desvalorizadas, devido ao status inferior que lhe fora imposto, sofrendo até os dias de hoje constantes discriminações em diversos campos, como na política, religião, sexualidade, costumes e práticas sociais.
  • 3. O sexismo encontra-se presente em todas as instituições da sociedade e particularmente no mercado de trabalho, visto que a quantidade de oportunidades de trabalho disponíveis para as mulheres é bem inferior àquela oferecida aos homens. Na sociedade capitalista persistiu o argumento da diferença biológica como base para a desigualdade entre homens e mulheres. As mulheres eram vistas como menos capazes que os homens. O direito de propriedade passou a ser o ponto central e assim a origem da prole passou a ser controlada de forma mais rigorosa, levando a desenvolver uma série de restrições à sexualidade da mulher. Cada vez mais o corpo da mulher pertencia ao homem, seu marido e senhor. O adultério era crime gravíssimo, pois colocava em perigo a legitimidade da prole como herdeira da propriedade do homem. A luta pela democratização das relações de gênero persiste até os dias de hoje, apesar de já se ter crescente desenvolvimento nesse aspecto, no âmbito nacional e mundialmente. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 apresentou um imenso avanço, declarando a igualdade para todo o ser humano sem diferença de gênero, raça, cor, etnia, etc. Entretanto, ainda é pouco discutida a questão de gênero no mundo jurídico, o que faz das leis vigentes pouco eficientes quando se diz respeito a casos concretos de discriminação. Violência contra a Mulher: A violência sexista é aquela praticada em virtude de discriminação sexual. As mulheres e as crianças de países subdesenvolvidos estão mais vulneráveis à exploração, porque não conseguem fazer valer os seus direitos e permanecem desprotegidas pelo sistema legal. 100% das pessoas traficadas são do sexo feminino e tal índice é decorrente de aspectos culturais presentes na sociedade, em razão da discriminação de gênero. Muitas mulheres preferem enfrentar a incerta jornada do tráfico ou da imigração para fugir de maus tratos e exploração sexual a que estão submetidas em suas próprias comunidades. Há muitos casos em que crianças são vendidas e colocadas à disposição do tráfico porque seus pais necessitam de dinheiro e porque acreditam, ignorantemente, que elas estarão libertas da pobreza. A conhecida Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, aprovada em Belém, através da OEA – Organização dos Estados Americanos) definiu a violência contra a mulher como: qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Muito se tem falado a respeito de liberdade sexual, mas pouco se tem feito para que esta seja uma realidade. Como exemplo cita-se o Brasil, onde o poder de dispor do próprio corpo é principio supremo no país, por tal fato não se pode punir uma prostituta segundo a legislação brasileira. Porém, ainda subsiste uma punição excessiva de cunho moral, que acaba por ocasionar grande preconceito por parte da sociedade, prejudicando o tratamento imparcial que deve ser fornecido por instituições públicas, incluindo as judiciárias. Um bom exemplo disso é atuação da polícia, que muitas vezes reprime excessivamente ou de forma errônea mulheres prostituídas e travestis, além de todos aqueles que são agentes ativos da prostituição. De nada adianta uma preocupação em nível nacional e internacional ou até mesmo a elaboração de tratados internacionais ou uma mudança no sistema legislativo nacional se não há mudança no comportamento e nas crenças da população. O Direito existe para formalizar normas que nunca vão ser consensuais em todo o território nacional, quanto mais transnacional, mas que devem ser respeitadas, mesmo contrariando a moral individual de muitas pessoas. Enquanto mulheres não gozarem de oportunidades igualitárias relativas à moradia, educação, alimentação, emprego, acesso ao poder e não tiverem auxílio e reconhecimento no trabalho doméstico não remunerado vão continuar na lista das vítimas preferenciais da violência e do tráfico. Foto: gramaticadomundo.com
  • 4. O fator da Globalização: A globalização consiste num processo de integração econômica mundial sob a égide do neoliberalismo, caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas privatizações das empresas estatais e pelo abandono do estado de bem-estar social. Essa é uma das razões de os críticos acusarem-na, a globalização, de ser responsável pela intensificação da exclusão social (com o aumento do número de pobres e de desempregados) e de provocar crises econômicas sucessivas, arruinando milhares de poupadores e de pequenos empreendimentos. Muitas empresas sofreram diminuição em seus lucros para empresas de maior porte de mercado internacional, ocasionando um grande crescimento no mercado informal, a exemplo dos vendedores ambulantes e do trabalho não regulado nas fábricas, particularmente em áreas que envolvem exportação. Isso ocasionou uma grande vulnerabilidade dos trabalhadores, que se encontram cada vez mais sujeitos a condições de trabalho abusivas, pois essas novas áreas de trabalho marginalizadas e não reguladas são invisíveis aos olhos da justiça, não sendo por ela amparada. Além do mais, a globalização afetou a estrutura familiar tradicional em muitas zonas rurais, transformando cada membro em uma unidade separada e independente a ser inserida no mercado moderno de trabalho. Observa-se que os efeitos deste processo são múltiplos e complexos, ocasionando mudanças de amplitude mundial em diversos aspectos, inclusive grande impacto no crescimento do tráfico de pessoas nos últimos anos. Feminização da pobreza e migração: A pesquisa realizada pela GAATW, anteriormente mencionada, aborda que as recentes reformas econômicas permaneceram duras com as mulheres. Devido à sua luta em busca de um lugar digno na sociedade, muitas mulheres, além de carregar o fardo financeiro de criar os filhos, têm de exercer a função de chefe de família. Ao mesmo tempo, o salário para os homens também diminuiu. Logo, onde previamente era suficiente um salário para sustentar uma família, agora dois salários se fazem necessários. Como consequência desse problema, algumas mulheres buscam outras formas para sustentar sua família: seus filhos, irmãos, pais idosos, etc. Assim, se veem motivadas a procurar novas oportunidades em outros países ou regiões e também em seu próprio estado. Algumas migram para o casamento, outras buscando escapar da violência doméstica ou simplesmente para trabalhar. A maior parte dessas mulheres é imigrante de países em desenvolvimento, e geralmente desprovida de capacidade profissional. Possuem nível cultural muito inferior à população dos locais de destino, geralmente acabam tendo que se contentar com sub-trabalhos, como operárias, ajudantes domésticas e trabalhadoras do sexo. Outra opção é casar, até porque o casamento, como maneira de se obter o status legal para viver e trabalhar num país estrangeiro é muito mais frequente do que se imagina. Devido à dificuldade de migrar para um país estrangeiro sob vias legais, muitas pessoas recorrem a agentes intermediários para auxiliá-las na entrada em um país e na procura de um trabalho. Tal procedimento é caro e geralmente perigoso. Os intermediários podem ser pessoas inescrupulosas, envolvidas com crime organizado, que vivem à espreita de presas fáceis para gerar o mercado que tem sido um dos mais lucrativos do mundo quando se trata de crime organizado. Turismo, e crescimento da indústria do sexo como entretenimento: Jaqueline Leite, coordenadora Geral do CHAME – Centro Humanitário de Apoio à Mulher - ONG que trabalha na prevenção ao tráfico de mulheres e turismo sexual em Salvador – BA, em seu artigo sobre “o outro lado do turismo”, divulgado na Internet, explica que o fenômeno do turismo sexual não é uma característica do Brasil ou de países do terceiro mundo, mas do sistema de dominação patriarcal que ainda rege grande parte do mundo. Esclarece que, a maior parte de exploração reside nessa relação entre países do “primeiro” e “terceiro” mundo que, além de não respeitar os direitos humanos, alimenta a crença de que nesses países subdesenvolvidos tudo é permitido, e que não há limites nem leis que se encarreguem de puni-los. A autora afirma que turismo sexual é uma indústria extremamente rentável e, ao mesmo tempo, sem escrúpulos quanto ao respeito à mulher e à dignidade humana. É destacada a posição do governo brasileiro, que a partir da década de 70 passou a investir muito na estrutura política do país e veiculou uma série de propagandas e vinhetas feitas com o objetivo de insinuar a sensualidade e beleza da mulher brasileira. A estratégia foi considerada um forte componente para o turismo, mas visava indireta e disfarçadamente o lucrativo turismo sexual.
  • 5. “As praias do Brasil ensolaradas, mulatas soltam gingas de amor, a mão de Deus abençoou, em terras brasileiras vou plantar amor...”. (Ex. de vinheta veiculada nos meios de comunicação nos anos 70). O grande apelo sexista que se criou para propagar o turismo no Brasil teve seu ponto de partida no Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Contudo, o crescente aumento de casos de DST, especificamente da AIDS, e da violência, o que passou a não dar mais segurança aos turistas, fez com que a partir dos anos 90 o nordeste brasileiro começasse a ser bastante divulgado e, por consequência, procurado com vistas ao turismo sexual. O turismo sexual gera péssimas consequências à sociedade: deprecia a imagem da mulher, reproduz papéis sexistas e ideologias racistas, impacta de forma nefasta as comunidades onde se constroem complexos turísticos, viola os direitos humanos, facilita a exploração sexual de crianças e adolescentes, prolifera DST e AIDS, fomenta o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes, além de retrair a demanda turística, cultural, artística, ecológica e familiar. As leis e políticas sobre a migração: Cada vez mais há uma necessidade comprovada de trabalho em diversos setores - como indústria, entretenimento e trabalho doméstico - em países de primeiro mundo para trabalhadores de terceiro, pois tais trabalhos são mal pagos e indesejáveis para os nacionais de países desenvolvidos. Apesar dessa necessidade de trabalho migrante, as leis de imigração de países de destino não satisfazem a demanda. As mulheres de países em desenvolvimento que viajam sozinhas geralmente são alvejadas por oficiais da imigração, tendo seus vistos e entradas, muitas vezes, recusados em outros países. Isso acarreta a procura de agentes facilitadores à migração, utilizando meios ilegais para sua entrada no país almejado. Conflito armado: Apesar de ser rara a participação de mulheres em conflitos armados, esses acarretam consequências em vários setores da sociedade, resultando em empobrecimento, deslocamento, etc. Há que se considerar também a vulnerabilidade da mulher, especialmente em relação ao abuso sexual e ao serviço doméstico que são obrigadas pelas forças armadas a prestar. Dessa forma, mais e mais pessoas necessitam sair de sua terra natal em busca de melhores condições de vida. É incontestável que essas pessoas, extremamente fragilizadas, ao se depararem com a falta de meios legais para imigração, tendem a apelar a agenciadores, muitas vezes traficantes, para atingir seu objetivo. Autoridades Corruptas: Autoridades corruptas contribuem significativamente para o processo do tráfico. De acordo com o relator especial da ONU sobre violência contra Mulher, à maioria das vítimas de tráfico relatam elevados níveis de cumplicidade e participação de governos na pratica do crime. É constante a aceitação de subornos pelos oficiais da migração em troca da permissão para cruzar as fronteiras e que, além disso, outras autoridades podem estar diretamente envolvidas. Interferências Culturais e Religiosas: Diversas culturas e religiões permitem que o tráfico se propague, pois práticas como escravidão e submissão, entre outras, são institucionalizadas e aceitas por algumas sociedades. Exemplo: Trokosi é uma pratica cultural em Gana; uma forma tradicional de escravidão. A palavra significa “o escravo de uma divindade”. Ocorre quando um membro de uma família comete um crime ou há alguma calamidade na família, como morte repentina, a vitima passa a ter que fornecer um Trokosi a um membro prolongado da família como um santuário. Foto: Revista Impacto
  • 6. Uma menina virgem que será ligada a um sacerdote e forçada a passar o resto de sua vida no santuário, fornecendo serviços domésticos e sexuais sem nenhum pagamento. Frequentemente essas meninas são punidas com chicotes ou negação de alimentos por ofensas como recusa de sexo, fuga e etc. Essa atividade foi considerada uma violação dos direitos humanos das mulheres em 1997 e, em 1999, foi declarada uma prática ilegal em Gana, mas ainda há casos de tradicionalistas que mantêm essa prática e milhares de meninas e mulheres são vítimas desse abuso ainda hoje nessas regiões. Rotas do tráfico internacional de pessoas: As rotas do tráfico acompanham as da imigração, que trazem maior movimento do Sul para o Norte. Mas atualmente o tráfico também acontece em regiões ou sub-regiões dentro de países. Há dificuldade em se definir com clareza as rotas do tráfico, devido a constantes mudanças repentinas em sua trajetória, origem, destino e pela indisponibilidade de informações. Países que investem mais em políticas de prevenção e combate, geralmente os desenvolvidos, possuem uma conscientização populacional mais abrangente a respeito do problema e, consequentemente, as informações são relatadas com maior credibilidade. Mesmo com todo o problema de informações, as tendências apontam que as pessoas saem dos países do chamado “terceiro mundo” ou das novas democracias e se encaminham para os países desenvolvidos. Segundo dados da Organização Internacional de Migrações, acredita-se que as mulheres traficadas vêm quase de todo o mundo, como destaque para algumas regiões como Gana, Nigéria e Marrocos, na África, Brasil e Colômbia, na América Latina, Republica Dominicana, no Caribe, bem como Filipinas e Tailândia, no Sudeste da Ásia. Após a recente independência de alguns Estados e a queda do muro de Berlim, vários países da Europa Central e Oriental passaram a fazer parte da lista de países de origem, países/fonte ou de passagem para o tráfico. Apesar dos países subdesenvolvidos ainda serem os responsáveis pela maioria das pessoas traficadas no mundo, houve um crescente aumento na Europa Central e Oriental e nos países da antiga União Soviética. Como já relatado anteriormente, vários especialistas reconhecem um vínculo entre tráfico e os deslocamentos interligados com transição econômica, o crescimento da pobreza e do desemprego das mulheres. O fluxo se dirige para países industrializados, envolvendo praticamente todos os membros da União Europeia. O Brasil não se configura com clareza como exportador direto nas rotas internacionais de tráfico por conta da carência de dados a respeito. Mas através das noticias veiculadas pela imprensa e de dados da Polícia Federal, conclui-se que o Brasil está, sem dúvida, integrado nas redes internacionais de tráfico. Como exposto no item anterior, o assunto hora tratado é tema de preocupação nos âmbitos nacional e internacional. Dessa forma, não basta apenas a elaboração de meios internos para sua solução, mas a união entre os Estados afetados a fim de que sejam elaborados meios eficientes, que abranjam o tráfico em toda sua extensão. Por isso, necessário se faz um breve relato sobre o Direito Internacional, a ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com o intuito de fornecer maior compreensão ao leitor sobre os tratados e convenções já elaborados a respeito do tema. Tem-se como Direito Internacional o ramo do direito que regula o relacionamento entre os Estados, ou seja, é um conjunto de normas que regula as relações externas dos Estados nacionais e das organizações internacionais, que são denominados como sujeitos de direito internacional. O Estado é dotado de soberania, que segundo ao âmbito de aplicação, se manifesta de duas formas. Na vertente interna de aplicação da soberania, o Estado encontra-se acima dos demais sujeitos de direito, ou seja, é autoridade máxima em seu território. Na vertente externa, o Estado está em pé de igualdade com os demais Estados soberanos que constituem a sociedade internacional. Esta divisão entre as vertentes interna e externa, quanto ao âmbito de aplicação da soberania do Estado, reflete-se também na natureza da norma jurídica conforme seja, de direito interno ou de direito internacional. No direito interno, a norma emana do Estado ou é por este aprovada. O Estado impõe a ordem jurídica interna e garante a sanção em caso de sua violação (relação de subordinação).O mesmo não acontece no Direito Internacional, onde os Estados são juridicamente iguais (princípio da igualdade jurídica dos Estados), o que faz com que não exista uma entidade central e superior ao conjunto de Estados, com a prerrogativa de impor o cumprimento da ordem jurídica internacional e de aplicar uma sanção por sua violação. Aqui, os sujeitos de direito (os Estados), diferentemente do caso do direito interno, produzem, eles mesmos, diretamente, a norma jurídica que lhes será aplicada (por exemplo, quando um Estado celebra um tratado), o que constitui uma relação de coordenação.
  • 7. Há discussão sobre a existência de uma hierarquia das normas de direito internacional, se um tipo de norma seria superior à outra, o que resultaria na prevalência de uma norma sobre outra. Entretanto grande parte dos estudiosos entende que inexiste hierarquia. Existe no Direito Internacional os conceitos de ato ilícito (violação de uma norma jurídica) e de sanção (penalidade imposta em consequência do ato ilícito), mas sua aplicação não é tão simples como no direito interno. Na ausência de uma entidade supra estatal, a responsabilidade internacional e a consequente sanção contra um Estado dependem da ação coletiva de seus pares. Organizações Internacionais: Organizações Internacionais são entidades formadas por estados que se reúnem com intuito de se perseguir certa finalidade em comum. As Organizações Internacionais são detentoras de personalidade jurídica de Direito Internacional, pois os estados/partes estão diretamente ligados a ela. Esclarece ainda que as ONGs, não são organizações internacionais, pois são formadas por cidadãos ou empresas e, por isso, são pessoas jurídicas de Direito Público Interno e não de Direito Internacional, o que não as impede de atuarem em diversos países. Existem mais de 500 organizações internacionais, com finalidades diversas. Algumas são totalmente independentes das outras, mas há aquelas que possuem finalidades específicas e subordinadas. Como a UNICEF que é uma agencia da ONU. O estatuto é um tratado Internacional que define quais países será membro de uma determinada Organização Internacional, especificando a forma como os estados devem aceitar ou não determinado tratado e a comunicação de aceitação entre eles, além de especificar os meios e instrumentos que devem ser usados para que os Estados cheguem a um acordo. Tratado é o acordo formal concluído entre os sujeitos de Direito Internacional Público; Estados, organismos internacionais e outras coletividades destinadas a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. Tratado é o nome que se consagra na literatura jurídica. Outros são conhecidos como sinônimos: Convenção, Acordo, Pacto, Protocolo, Regulamento, Declaração, Carta, Concordata, Convênio, Compromisso, Estatuto, Ata, Memorandum, etc. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente em 24 de Outubro de 1945 em São Francisco, Califórnia, nos EUA, por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma organização mundial, constituída atualmente por 191 Estados Membros soberanos, internacionalmente reconhecidos, exceto o Vaticano, que tem qualidade de observador. Sua sede localiza-se em Nova York e Genebra. A ONU é o sistema internacional que monitora a implementação dos Direitos Humanos e suas violações em todo o mundo. As Nações Unidas utilizam diferentes tipos de instrumentos para manifestar a vontade e a necessidade que os estados têm de se relacionar. Dentre eles destacam-se os tratados (incluindo convenções), declarações, resoluções e protocolos. Os tratados são compulsórios: uma vez assinados e ratificados por um país, impõem o mais elevado grau de obrigações pelo seu governo. Os Protocolos são adições aos tratados, que geralmente devem ser acordados em separado do próprio tratado. Também impõem o mesmo grau de obrigações dos tratados em si. As declarações apenas dão uma indicação do compromisso político internacional sobre um assunto e, por isso, não são compulsórias. Um dos feitos mais destacáveis da ONU foi a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948. O conceito de “direitos humanos” é de extrema importância, pois 191 países são membros das Nações Unidas, o que os leva a um comprometimento de respeito aos princípios de direitos humanos protegidos pela ONU e pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Foto: cmisericordia.com
  • 8. A declaração estabelece que os princípios de Direitos Humanos Fundamentais (Universalidade, Inalienabilidade e Interdependência) e a liberdade, devem ser garantidos a todas as pessoas. Universalidade significa que os Direitos Humanos valem para todos, sem distinção de raça, cor, etnia, religião, classe social, língua, idade ou nacionalidade. Todos os povos têm as mesmas necessidades e direitos básicos a serem protegidos. Inalienabilidade significa que todos os direitos pertencem às pessoas a partir do nascimento. Desta forma, os governos devem afirmar os princípios dos direitos humanos, que não podem ser negados a ninguém e muito menos dispostos pelos seus titulares. Interdependência quer dizer que todos os direitos humanos se associam em consequência das suas relações e interdependências. Os direitos não podem ser vistos de formas distintas, já que um direito não é mais importante do que o outro. Exemplo: o direito de se expressar ou de escolher o número de filhos que se quer ter é interdependente com outros direitos, como direito de obter informação e direitos iguais dentro da família. Porém, nenhum direito pode sacrificar o outro. Tendo em vista que o tema em questão apresenta como principal causa o desrespeito aos direitos humanos básicos inerentes a todas as mulheres, é imprescindível um breve relato a respeito. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos os governos reconheceram os direitos humanos sem qualquer tipo de distinção. Porém, isso não foi suficiente para a adaptação das sociedades e todas as suas leis, culturas, dogmas e códigos sociais machistas. Em 1993, na cidade de Viena, na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, os governos reconheceram a violência contra a mulher como violação dos direitos humanos. Falar em direitos humanos das mulheres é falar em variados modos de violações e situações que evidenciam a condição feminina no mundo atual. Implicam olhar o fenômeno como uma consequência lógica da ausência de direitos nos planos econômicos, político e social, além das privações vividas no próprio lar. Isso significa que as mulheres, além de serem objetos de violações pela sua condição de sexo feminino, também são privadas dos direitos básicos, como acesso à educação, à saúde, a uma sexualidade e maternidade satisfatórias, a uma garantia no mercado de trabalho, sem falar na participação na política. A fundamentação dos direitos naturais, onde se encontra a origem dos direitos humanos, tem se formado, por ideias masculinas e sob uma máscara de neutralidade, o que termina por dar continuidade à exclusão das mulheres. No contexto do tráfico, muitos direitos das mulheres são violados, como o direito a estar livre de todas as formas de discriminação. Por causa das desigualdades relativas ao gênero, a maioria das pessoas traficadas são mulheres e meninas. A falha ou a recusa dos governos, em concordar que mulheres tenham os mesmos direitos humanos que os homens facilitam e propiciam a prática deliberada de toda forma de violência contra a mulher, incluindo o tráfico de pessoas. Quanto ás crianças, essas também são vulneráveis ao tráfico e, como crianças, têm direitos especiais para sua proteção. Elas possuem direitos humanos semelhantes aos dos adultos, mas esses direitos têm uma aplicação especial devido à necessidade de extremo cuidado e atenção, consequente de sua vulnerabilidade. A infância possui valor nato e, por isso, os direitos humanos das crianças e seus interesses devem ser primordiais em todas as ações a eles afetas sob égide do Estado e da família. Os direitos humanos das crianças e seus interesses são acordados na “Convenção dos Direitos da Criança” adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que trata inclusive de assuntos relacionados ao tráfico de pessoas. BRASIL E O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS: Não será abordado no presente trabalho qualquer perfil político, econômico e social do país, embora sejam aspectos de extrema importância, por propiciarem a prática do tráfico de pessoas. Cumpre aqui limitar o tema hora proposto tão somente dentro dos aspectos a ele relacionados, fazendo uma abordagem superficial e ilustrativa para melhor contextualização das causas e efeitos do tráfico. A pobreza estrutural de uma nação, a desigualdade social, a expectativa de vida, a renda, o desenvolvimento humano, a taxa de alfabetização, o acesso à educação, as desigualdades raciais, as questões de gênero, os índices de trabalho escravo, desigualdade e violência contra a mulher são fatores ainda marcantes em países subdesenvolvidos e levam milhares de pessoas a buscar o acesso a uma vida mais digna. Isso acaba vulnerabilizando as nações menos privilegiadas e ocasionando a prática de crimes que violam os direito humanos básicos. As vítimas, fragilizadas pelas suas condições sociais, são captadas através de falsas promessas e transformadas em mercadorias de grande valor econômico.
  • 9. Foto: traficodecriancablog.wordpress.com Não é novidade que o Brasil, durante toda sua história, sempre enfrentou grandes crises econômicas e socioculturais. Como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, o tráfico de seres humanos faz parte da nossa história, inicialmente em decorrência do tráfico negreiro e posteriormente em razão da chegada de imigrantes vindos da Europa, à época da primeira guerra mundial, que buscavam refúgio e melhores condições de vida em países “novos” e desconhecidos. Nesse fluxo e refluxo de pessoas, emergiu o tráfico mundial de mulheres brancas, vindas de vários países, especialmente da Europa, para serem exploradas sexualmente. Há tempos o Brasil passou de país de destino para país fornecedor do tráfico de mulheres e crianças, pois a prática do tráfico acompanha os motivos que deram ensejo à sua origem. Apesar de ser um problema flagrante, todos os trabalhos e pesquisas utilizados na elaboração deste trabalho relatam que não há estatística confiável para fornecer uma precisa ideia da sua extensão, pois o tráfico é uma atividade clandestina, definida de forma vaga e conflitante pelos vários Estados e entidades que lidam com o problema. Embora ainda não existam cifras, dados de um estudo realizado pelo departamento dos Estados Unidos da América, sobre vítimas do tráfico e a prática de violência afirmam que são numerosos os casos de vítimas de tráfico de pessoas. De acordo com esses estudos, segundo a fundação Helsinque para os Direitos Humanos, em 2003, 75.000 mulheres brasileiras estariam envolvidas no mercado sexual na União Europeia. O mesmo departamento americano constatou em seu estudo que, na mesma época, havia um número considerável de brasileiras traficadas em países como Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Suíça e Inglaterra, além de relatos que informaram o paradeiro de mulheres em Israel, no Japão, nos Estados Unidos e no Paraguai. Um levantamento parcial da Policia Federal revelou que o Estado de Goiás é o principal exportador de mulheres, seguido do Rio de Janeiro e de São Paulo. As regiões Norte e Nordeste, comparadas às regiões Sul e Sudeste do Brasil, mostram alto índice de desigualdade social e pobreza e, por isso, são as regiões onde há a maior concentração de rotas de tráfico de pessoas. Segundo Sandra Vale, ex-Coordenadora do Programa das Nações Unidas Para o Combate de Tráfico de Seres Humanos, as principais portas de entrada para as brasileiras na Europa são Espanha e Portugal, pela semelhança e facilidade do idioma. Tráfico de Crianças e Adolescentes no Brasil: O Relatório, realizado em 2003, pelo Sr. Juan Miguel Petit, Adendo Relator especial da ONU sobre a venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil no Brasil, explica que quantificar a exploração sexual comercial de crianças é uma tarefa difícil, devido a muitos fatores relacionados às características invisíveis do fenômeno. Assim como o tráfico de mulheres, também não há sobre o tráfico de crianças, informações disponíveis que possam dar uma dimensão apropriada da ocorrência do fenômeno no Brasil. O Relator constatou que, no Brasil, a maior parte dos dados disponíveis são colhidos por programas de Disque- Denuncia que dão assistência às vítimas. Como se não bastasse a escassez de meios para identificar a real dimensão do tráfico, os programas de Disque-Denuncia dão maior assistência a vítimas de abuso sexual do que às vítimas de exploração sexual, limitando o número de denúncias. Isto ocasiona um sentimento de impunidade nos criminosos e, consequentemente, propaga a prática do tráfico de crianças e adolescentes no Brasil. Segundo o relatório da ONU adolescentes e crianças são forçadas a se inserir na prostituição de muitas formas. Na maioria das vezes acorre por intermédio familiares ou pessoas próximas, como a mãe, por exemplo, que organiza encontros sexuais para a criança na própria casa.
  • 10. Situações de exploração sexual dentro da própria família estão claramente relacionadas à situação de pobreza. Ocorrem em áreas marginalizadas onde instituições e programas sociais são ausentes. Há casos ainda em que garotas são encorajadas a se prostituir para ganhar status, geralmente sendo iniciadas por colegas da escola. Essa modalidade explica uma introdução da classe média no mercado sexual e o aumento de vítimas dessa classe no tráfico de pessoas. A exploração sexual de crianças, e adolescentes, está geralmente vinculada ao crime organizado, que ocorre em bares, hotéis, clube noturnos e bordéis. Alguns adolescentes são obrigados a se manter entre o tráfico e a prostituição. O Brasil é considerado um país fornecedor de crianças e adolescentes para diversos fins, tanto para o tráfico interno como para o internacional. Estimativas internacionais apontam que mais de um milhão de mulheres são traficadas e exploradas sexualmente no mundo inteiro. Pelo menos 35% desse total são meninas com idade abaixo de 18 anos. Segundo especialistas, pesquisas e relatórios elaborados a respeito, as causas do tráfico de crianças são, em maior ou menor grau, derivadas da miséria e da desigualdade entre países. O esquema de tráfico de crianças copia o modelo econômico que impera atualmente no mundo. As crianças das sociedades desfavorecidas são exportadas em proveito de representantes das sociedades ricas. Desta forma, diversos fatores, derivados da falta de recursos e, portanto, endêmicos nos Estados marginais, corroboram para agravar a situação. Nesse rol, relacionam-se o abuso doméstico e negligência, conflitos armados, consumismo, órfãos da AIDS, vida e trabalho nas ruas, discriminação, etnicismo e comportamento sexual irresponsável. O tráfico de crianças se procede no Brasil, através de alguns tipos de violações dos direitos das crianças como: Adoção Internacional de crianças; exploração sexual infanto-juvenil, turismo sexual, pornografia infantil e pedofilia na Internet, entre outros. Essas violações, embora não tenham ligações diretas com o tráfico estimulam indiretamente a sua prática. CONCLUSÃO: O tráfico de seres humanos tem relações profundas com a miséria e exploração dos países do terceiro mundo. A rota do tráfico de seres humanos é a rota da grana, e as pessoas são presas fáceis do tráfico, pois estão atrás de condições mais dignas de vida. Muitas pessoas saem do seu país, espontaneamente ou influenciada por aliciadores, em busca de promessas falsas, de sonhos irreais, de um mundo que não existe e o que encontram é a desilusão de serem submetidas a trabalhos forçados, serviços árduos, sujos, difíceis e perigosos, além de terem sua liberdade tolhida ficando a mercê da exploração econômica dos “grandes empresários de maquinas humanas”. O tráfico de seres humanos não se restringe à exploração sexual comercial, mas o problema recai principalmente sobre as mulheres, por causa de uma questão cultural. Esta oposição está encarnada, particularmente na nossa região, em boa parte da igreja católica e representantes de sua hierarquia, e de setores conservadores. O autoritarismo imposto por esse conservadorismo são condições que atentam claramente contra os direitos das mulheres, e contra o livre exercício de sua sexualidade. A mulher ainda é considerada um ser de segunda categoria; suas decisões, vontades, sexualidade estão indiretamente ligadas à aprovação e o falso moralismo masculino implantados pela sociedade patriarcal ao longo do tempo. Conclui-se, então, que as duas causas fundamentais que ocasionam e facilitam o tráfico de pessoas, é a classe econômico-social e a cultural. No entanto, apesar do receio e dificuldade das comunidades mundiais em reconhecer a verdadeira causa do tráfico e admitir pontos importantes que ferem alguns princípios morais, diversos avanços foram conquistados do ponto de vista da proteção internacional dos direitos humanos das mulheres com a adoção de variados meios eficientes de combate ao tráfico. O Protocolo da Convenção de Palermo para a repressão do tráfico de pessoas, em especial o de mulheres, é um exemplo deste avanço. Esses avanços obtidos permitiram afirmar que as vítimas do tráfico já não podem mais ser consideradas como criminosas e cúmplices do tráfico, mas sim como pessoas que sofreram sérias violações em seus direitos humanos fundamentais. Para tanto se torna irrelevante que a mulher tenha consentido em exercer a prostituição fora de seu país. Esse fato, por si só, não a torna ré do crime de tráfico de pessoas, pois com o Protocolo reconhece expressamente sua vulnerabilidade e a necessidade de apoiá-la e protegê-la nessa situação. É notório o esforço e a consequente evolução de comunidades nacionais e internacionais no tocante ao problema do tráfico de pessoas. Muito se tem feito a respeito. ONGs e entidades não governamentais se esforçam no sentido de auxiliar as vitimas prestando-lhes assistência e colhendo dados concretos de extrema importância para elaboração de meios legais de prevenção e combate.
  • 11. Os governos de diversos Estados, muito tem se empenhado no desenvolvimento de estudos e medidas eficazes para eliminação do problema. Porém, a resolução da criminalidade, não se trata apenas de esforços no plano legislativo, judiciário e executivo, mas de definições penais cada vez mais abrangentes, de penas mais severas, de aprimoramento de funções administrativas do Estado, que continua a alimentar e acobertar a real causa do problema. O que se vê é um paliativo institucional com a função de esconder o cerne das contradições de classe que a criminalidade expressa, seu produto mais rejeitado, sua sombra obscura que a sociedade tenta esconder. É obvio que a ilegalidade não é algo fora da lógica do sistema capitalista, maçante em que vivemos. Um caldo social explosivo originado pelo acúmulo de opressão social de todo tipo: do racismo, do machismo, do capitalismo, da globalização, etc. A pobreza por si só não leva ao crime, mas a desigualdade social produz o contexto propício para sua reprodução. O narcotráfico, o jogo do bicho, a lavagem de dinheiro, os contrabandos em geral, os tráficos, os chamados crimes de colarinho branco, etc., são uma faceta do capitalismo necessária à sua reprodução. A própria criminalidade é produto social, portanto, a única perspectiva de acabar com ela é pela transformação profunda das bases que a sustentam. O tráfico de pessoas, especificadamente, está enraizado a essas questões socioculturais do qual a nossa realidade política é complacente. Somos parte dessa sociedade injusta e preconceituosa. Construímos a nossa historia dia a dia, pois a inércia de alguns fortalece predomínio e o poderio, nem sempre bem intencionado, de outros. Foto: abagagemdonavegante.blogspot.com Tráfico Internacional com Ênfase no Mercado Sexual: O Projeto de Pesquisa em voga traz consigo o estudo de uma realidade quem vem trazendo imensa preocupação às comunidades nacionais e internacionais: o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, para fim de exploração sexual. As ocorrências do fenômeno vêm apresentando um aumento considerável e devastador, resultante de contradições sociais e acentuado pela globalização, bem como pela fragilização dos Estados-Nações. Com isso, vê-se um agravamento das desigualdades sociais de gênero, raça, cor e etnia. Segundo estimativas da comunidade internacional, o tráfico de pessoas é a terceira atividade mais rentável do crime organizado, movimentando anualmente entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões. Mais de um milhão de mulheres e crianças são traficadas a cada ano no mundo. Embora os dados disponíveis sobre o tráfico de seres humanos no Brasil sejam escassos, as notícias veiculadas pela mídia nacional e internacional sobre o assunto indicam que esse é um problema de grande magnitude. O presente estudo monográfico, pois, possui o objetivo de tratar especificamente da conjuntura e problemática do tráfico de mulheres e crianças para fins de exploração sexual. O escopo do presente trabalho monográfico consiste em, primordialmente, enfatizar a necessidade premente de um debate sério sobre a temática do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, no Brasil e no mundo. No entanto, as discussões sobre o tema não correspondem à sua dimensão, nem às implicações sociais que decorrem da impunidade de agentes responsáveis pela prática desse crime, que encontram vantagens na fragilidade e inocência de suas vítimas. Deste modo, foi eleita como objeto de estudo essa palpitante questão, uma vez que a violência e o abuso contra a dignidade da pessoa humana são frequentes na atual sociedade global e capitalista. O tráfico de seres humanos é uma forma de crime organizado e constitui uma grave violação dos direitos humanos, liberdade sexual e desenvolvimento da sexualidade humana. A maior parte do tráfico de seres humanos é voltada para a exploração sexual, atingindo mulheres e adolescentes do sexo feminino e masculino.
  • 12. No entanto, há registros da ocorrência do tráfico de pessoas voltado para o trabalho forçado ou escravo, envolvendo indistintamente homens, mulheres e famílias constituídas. Seja para fins de exploração sexual ou de trabalho forçado, dentro ou fora do Brasil, o artifício empregado pelos grupos de traficantes no aliciamento de suas vítimas tem um atrativo em comum: a oferta de um emprego bem remunerado, dentro ou fora do Brasil, e muitas vezes a oportunidade de uma nova vida em um país mais rico. Na maioria dos casos, as vítimas acabam trabalhando em bordéis, sendo sexualmente exploradas ou obrigadas a trabalhos forçados sob condições de semiescravidão. O retorno ao país, no caso do tráfico internacional, torna-se quase inviável, pois os traficantes criam situações de endividamento permanente da vítima, retém seu passaporte e outros documentos e as ameaçam com denúncias de prática de atividades ilegais, para evitar que as mesmas recorram à justiça. Apesar de o Brasil ser um dos maiores exportadores de mulheres e crianças para fins de comércio sexual, o Governo Federal desconhece boa parte da extensão do problema, resultando na falta de controle sobre essa modalidade de tráfico. Contudo, são evidentes os esforços da comunidade global a fim de erradicar o problema do tráfico, que vem assolando vários países de forma violenta e devastadora.Nações e organizações internacionais, governamentais e não governamentais, estão se unindo para criar programas e adotar leis severas contra este crime, que vem sendo motivo de grande preocupação para ativistas nacionais e internacionais e agentes governamentais. Deste modo, procurará o presente trabalho monográfico, numa breve resenha, abordar todos os aspectos relativos ao tema, traçando um perfil sobre o fenômeno do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, para fins de comércio sexual, além de abordar sobre os principais agentes envolvidos, sua dimensão no mundo globalizado e os diversos remédios já elaborados como forma de combate e prevenção desse mal. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRÁFICO DE PESSOAS: A mais antiga referência histórica do tráfico de pessoas está sem qualquer duvida no tráfico negreiro. O Brasil “colônia” sempre manteve a escravidão, sendo o ultimo pais da América a aboli-la. No inicio do século XIX a existência de mão de obra escrava já não interessava mais aos ingleses, que tinham grandes interesses no mercado consumidor na América do Sul. Nessa época Portugal mantinha a liderança na pratica de tráfico e comércio de escravos, o que fez com que a coroa Inglesa começasse a pressionar o país a fim de extinguir a prática do tráfico negreiro. O Tráfico negreiro foi considerado ilegal para os Ingleses a partir de 1º de março de 1807, e crime contra humanidade, em 1º de março de 1808. Portugal e sua colônia, por sua vez, passaram a ser o principal alvo de medidas que visassem o fim tráfico e do trabalho escravo. Em 1810, os ingleses forçaram Portugal a aceitar um tratado de “Cooperação e Amizade” em que a questão da escravidão era tratada, porém os Ingleses não obtiveram os resultados esperados no acordo, ocasionando nova pressão inglesa, que culminou com a aprovação de uma lei brasileira contra o tráfico em 7 de novembro de 1831, conhecida como lei de Diogo Feijó. Tal lei ratificava a extinção de tráfico de escravos e afirmava, logo em seu art. 1º, que "todos os escravos, que entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres". No entanto, a disposição normativa não logrou êxito, apesar das normas proibitivas que previam sanções criminais aos infratores, pois até 1855 continuaram a vir da África grandes levas de escravos. Sabe-se que essa lei tinha como verdadeiro objetivo dar uma satisfação internacional, em especial à Inglaterra, o que a fez conhecida como “Lei para inglês ver”. Posteriormente, novamente decorrente da pressão inglesa em face do Bill Aberdeen (lei unilateral da Coroa Inglesa que autorizava qualquer nação a reprimir o tráfico de escravo, por ser entendido como crime que fere os direitos das gentes, equivalente à pirataria), é aprovada uma segunda norma brasileira contra o tráfico: Lei Eusébio de Queiroz, dando poderes de apreender quaisquer embarcações brasileiras ou estrangeiras com escravos, ou mesmo com os sinais de terem se destinado ao tráfico de escravos (art. 1º). Como a repressão ao tráfico negreiro continuou leniente, foi aprovada uma terceira lei, em cinco de junho de 1854, dando ainda mais poderes contra os importadores de escravos da África. O último desembarque de escravos que se tem notícia no Brasil ocorreu em 13 de outubro de outubro de 1855. Em seu livro sobre Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças, o autor Damásio de Jesus, relata que o tráfico de seres humanos faz parte da nossa história. Os navios negreiros transportaram durante 300 anos milhões de pessoas - homens, mulheres e crianças - para o trabalho agrícola, que se estendia à servidão doméstica, à exploração sexual e às violações físicas. Após a escravidão, no início de um novo século, um fluxo contínuo de pessoas provenientes da Europa se iniciou em direção ao território brasileiro.
  • 13. Foto: onu.com.br Milhares de pessoas deslocaram-se da Europa para países do Novo Mundo, fugindo da fome e da perseguição que os afligia naquela época. A realidade deste “Novo Mundo” que os Europeus sonhavam, era diversa da esperada. Os imigrantes aqui encontraram a dura realidade do trabalho semiescravo. Com esse enorme fluxo de pessoas, emergiu o tráfico de mulheres brancas. Meninas e jovens eram trazidas da Europa para serem exploradas sexualmente nos países da fronteira da crescente economia capitalista. Ainda hoje, milhares de pessoas cruzam o oceano em busca de um sonho ou de melhores condições de vida, fugindo das guerras, da fome, da pobreza de suas nações, da perseguição religiosa e da violência. O problema do tráfico não é novo. Tem-se atualmente uma forma moderna de escravidão que persistiu durante toda história, problema antigo, que o mundo democrático pensava extinto e que, no entanto, vem se consubstanciando com a inércia e a reserva que se tem em encarar o problema, devido aos vários aspectos que a ele são inerentes. O mundo enfrenta, hoje, dois tipos de tráfico de mulheres e crianças. Um deles tem atividade de precípuo interesse vinculado à mão de obra escrava, ainda que não se desvincule do interesse de comércio sexual. Ocorre principalmente na África. Outro tem clara conotação sexual e sua prática vem ocorrendo em todos os continentes. O tráfico de seres humanos constitui um fenômeno abominável, tornando-se cada vez mais grave e preocupante. A sua natureza é mais sistemática do que episódica, não afetando apenas um número limitado de pessoas, pois suas consequências afetam a estrutura social e econômica das sociedades. Sua prática é facilitada pela globalização e pelas tecnologias modernas. O tráfico de seres humanos não se restringe à exploração sexual, envolvendo também a exploração do trabalho em condições próximas da escravidão. As vítimas sofrem violências, violações, maus tratos e graves sevícias, bem como outros tipos de pressões e coações. As principais causas do tráfico de seres humanos e de fluxo imigratório são a ausência de direitos ou a baixa interpretação das regras internacionais de direitos humanos, a discriminação de gênero, a violência contra a mulher, a pobreza, a desigualdade de oportunidades e de renda, a instabilidade econômica, as guerras, os desastres naturais e a instabilidade política. As perversas consequências sociais, oriundas da globalização econômica, terminam por ocasionar pobreza em grande escala, guerras localizadas, eclosão de crises em vários países periféricos e regiões do terceiro mundo. A constante busca por lucros fáceis e o hedonismo desenfreado das sociedades de consumo contribuem em muito para que surjam muitos interessados na manutenção das diferenças sociais, de cor e de gênero. Essas diferenças, muitas vezes, propiciam ocorrências tais como famílias venderem seus filhos por alguns trocados ou a permuta de crianças por comida. Não é por outra razão que, no Brasil, como em outros países subdesenvolvidos, tais ocorrências são encontradas com razoável frequência. É certo que se, por um lado, algumas pessoas estão dispostas a assumir o risco de cair nas mãos de traficantes para melhorarem as suas condições de vida, por outro, existe nos países industrializados uma tendência preocupante à utilização de mão de obra barata e clandestina, bem como à exploração de mulheres e crianças para fins de prostituição e pornografia. As mulheres são particularmente vulneráveis ao tráfico de seres humanos devido à pobreza, à sobreposição do homem sobre mulheres, à falta de possibilidades de educação e de emprego nos seus países de origem. Outro fator de grande relevância é que o tráfico de seres humanos se torna a cada dia uma atividade extremamente lucrativa. Segundo dados do Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção do Crime, são movimentados anualmente valores que giram em torno de sete a nove bilhões de dólares.
  • 14. Em termos de crime organizado transnacional, o tráfico de seres humanos somente perde, em lucro, para o tráfico de drogas e o contrabando de armas, e que a maior parte das pessoas traficadas são provenientes de países do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África, América do Sul e Leste Europeu) e são encaminhadas preferencialmente para os países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa Ocidental, Israel e Japão), onde são submetidas a exploração sexual e ao trabalho forçado. Em 2000, a Organização das Nações Unidas começou a elaboração do informe sobre a população mundial, dando ênfase expressiva ao problema da prostituição de meninas e o tráfico de mulheres como sendo um item relevante e merecedor de destaque nas agendas internacionais e nacionais. De acordo com o Estudo, 2 milhões de meninas entre 5 e 15 anos são introduzidas a cada ano no comércio sexual. Além disso, sabe-se que muitas meninas padecem de abusos, sendo forçadas a ter relações sexuais inseguras e temporárias. Outras se veem obrigadas a se casar, mesmo sendo ainda crianças. Em vista de tais estatísticas, a ONU ainda inclui dados da seguinte ordem: cerca de quatro milhões de mulheres e crianças foram vendidas e compradas tendo como destino o matrimônio, a prostituição ou a escravidão. Muitas caem em mãos de rede de traficantes que as exploram. Como tentativa de coibir o tráfico de pessoas nas fronteiras, foram tomadas, em diversos países, medidas como: o levantamento de folders e a realização de campanhas nos aeroportos, divulgação na mídia impressa e televisiva, etc. Foram também elaborados programas de associações de comércio exterior apontando que países desenvolvidos se organizam de uma maneira vasta para divulgação de informações sobre o tráfico. Todavia conclui que: “Ainda que algumas mulheres saibam previamente que vão trabalhar em shows eróticos, na lavoura, como empregadas domésticas, ou como prostitutas, somente quando chegam ao novo destino é que descobrem que também vão permanecer em isolamento, sofrer maus tratos, além de serem obrigadas a entregar, senão todo, quase todos os ganhos de seu trabalho aos seus empregadores”. Carmem Silva, defensora de causas feministas, em um artigo para revista Claudia, afirmou que o caminho percorrido pela miséria e pela exclusão acaba induzindo muitas mulheres à prostituição. Não obstante, essa atividade é considerada um fabuloso negócio que envolve poderosíssimas redes internacionais de tráfico de mulheres e de entorpecentes, bordéis, hotéis, cabarés, boates, enfim, todo o tipo de comércio de cunho sexual. As vítimas de tráfico, que frequentemente ficam alojadas em lugares sem segurança, vivem na clandestinidade e trabalham ilegalmente, além de frequentemente estarem em situação ilegal no país de destino. Esse conjunto de fatores faz com que as vítimas se sintam mais coagidas diante da ameaça dos traficantes e mais inseguras para procurar qualquer tipo de ajuda. O tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual, apesar de ser um problema que vem afetando a sociedade há quase um século, era pouco investigado devido à resistência em tratar-se com naturalidade a questão da prostituição como fator predominante da causa do tráfico de pessoas. Questões como a moralidade, influência religiosa, sobreposição do homem sobre a mulher decorrente de fatores históricos, que ainda se encontram estigmatizadas em nossa sociedade, prejudicaram em muito o desenvolvimento de estudos e medidas nacionais e internacionais realmente eficazes que contemplem todo o panorama relacionado à problemática do tráfico em todos os seus reais aspectos, causas e efeitos. Por conta da longa inércia dos Estados em reconhecer a preponderância de fatos tão importantes é que pessoas, vítimas de crimes desta categoria e outros que ainda esperam por medidas governamentais, sofrem consequências graves, como sevícias, maus tratos e todo tipo de abuso contra integridade humana. Tal problema decorre do desamparo, da carência e da morosidade na elaboração de provimentos necessários para prevenção e combate ao tráfico de seres humanos. Isso ocorre, sobretudo, em razão do moralismo costumeiro, que ainda hoje se encontra impregnado na mentalidade social, por conta de um condicionamento histórico arcaico e a sobreposição da burocracia formal sobre a real necessidade, que se faz por muitas vezes imediata. O Tráfico de seres Humanos, principalmente de mulheres, vem ganhando, gradativamente, lugar nos debates internacionais, devido ao crescimento desvairado e contínuo dessa prática delituosa. Medidas mais concretas contra o tráfico sexual, principalmente de mulheres, ganharam lugar na antiga União Internacional de Direito Penal. Primeiramente em Budapeste e logo depois, em 1902 na Conferência de Paris, o assunto era motivo de debate. No Brasil, algumas medidas também foram adotadas, como as previstas no Decreto nº 5.591/1905, e na Lei nº 2.992/1915. O próprio Código Penal, anos mais tarde, tipificou, como crime de tráfico de mulheres, a conduta de promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha a exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no exterior (art. 231).
  • 15. Mais do que uma questão de “delicta carnis”, ou de uma moral secularizada, há de se indagar quanto ao real bem jurídico protegido neste contexto. Não se trata mais, como estão a mostrar diversas reformas legislativas no Direito alienígena, de proteção da moral, ou dos bons costumes. O tema vai além da própria liberdade sexual ou, como preferem alguns, versa sobre a liberdade de autodeterminação sexual e sobre a própria liberdade pessoal. O primeiro documento internacional contra o tráfico foi elaborado em 1904 com o propósito de suprimir a troca de escravos brancos, que ocorria devido ao tráfico e à migração de mulheres brancas da Europa para países árabes e orientais para atuarem como concubinas ou prostitutas, despertando preocupação por parte da sociedade e do governo europeu. Este documento não se mostrou eficaz, pois além de não ser propriamente universal, revelando uma visão do fato centrada na Europa também definiu o tráfico como movimento de mulheres com um propósito imoral, como prostituição. O segundo documento, elaborado em 1910, além de reconhecer a existência do tráfico dentro do território nacional, também foi o primeiro a incluir previsões para punir os aliciadores, mas obteve apenas 13 ratificações. Apesar de se reconhecer a atividade escrava, ainda havia o tabu e o preconceito quanto à prostituição. Posteriormente, em 1921 e 1933, surgiram instrumentos que foram elaborados no contexto da Liga das Nações e que, apesar de mais abrangentes, ainda definiam o tráfico independentemente do consentimento da mulher. A relação entre tráfico e prostituição foi se solidificando, gradativamente nas décadas seguintes, ocorrendo em 1949 a Convenção para Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da prostituição, no qual foram consolidados os quatro instrumentos citados anteriormente, permanecendo como o único instrumento voltado para o problema do tráfico até a adoção da convenção de Palermo e seus Protocolos. Inicialmente, a Convenção de 1949 não trazia uma definição clara de tráfico de pessoas e excluía um vasto padrão de mulheres ao se restringir ao tema da prostituição. Sua meta era abolir a prostituição para indústria do sexo, mesmo que voluntária, deixando de mencionar o tráfico para qualquer outro propósito, seja como trabalho doméstico, casamento ou trabalho em condições precárias. De acordo com uma cartilha elaborada por ocasião do Seminário Internacional sobre Tráfico de Mulheres, realizado em outubro de 2003, tal convenção criminalizou todas as atividades associadas à prostituição, independente da idade da mulher e seu consentimento, permitindo a expulsão das vítimas caso estivessem sendo submetidas ao tráfico com este fim. O instrumento até hoje iguala o tráfico à exploração da prostituição. Em outra vertente, os direitos humanos e seus sistemas de proteção internacionais foram se aperfeiçoando, até que em 1993, na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, foi designada a Declaração e Programa de Ação de Viena, que em seu item 18 dizia: "Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais". O Brasil ratificou dois tratados internacionais relativos aos direitos das mulheres: Convenção da ONU sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984, e Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995. Ambos criaram obrigações para o país perante a comunidade internacional e obrigações internas que geraram novos direitos para as mulheres. Diante da resistência de todos os países em assegurar direitos às mulheres, a ONU realizou a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, mas acabou recebendo reservas por parte dos países que a ratificaram. A Convenção estabeleceu em seu artigo 6º, que os Estados tomassem as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração de prostituição da mulher. Essa Convenção foi fortalecida pela ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, de seu Protocolo Facultativo, que permitiu a apresentação de denúncias de sua violação perante o Comitê da ONU que monitora a Convenção. A Conferência Internacional da Mulher de Pequim, de 1995, também determinou que os países tomassem medidas apropriadas para atacar as raízes do tráfico: a desigualdade, a discriminação, a falta de acesso às fontes de sobrevivência, entre outros. De acordo com uma pesquisa realizada pela GAATW (Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres) sobre Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas, a confusão inicial de ativistas antitráfico, governamentais e não governamentais, ocasionou aos países afetados pelo problema grandes dificuldade em definir e diferenciar o tráfico da imigração ilegal. Conclui-se que, na história do tráfico, houve grande resistência e dificuldade em se reconhecer os direitos das pessoas traficadas, que tiveram por todo esse tempo seus direitos humanos ignorados, por moralismo e conveniência dos governantes, a fim de restringir o movimento das mulheres. THERESE MOURAD Gazeta de Beirute