O documento discute como o consumismo e o capitalismo estão intimamente relacionados e como o consumo se tornou o elemento central das relações sociais na sociedade moderna. O consumo evoluiu de uma troca econômica para uma busca por bem-estar, prazer e autoafirmação através da aquisição de bens e imagens. Isso distorceu os ideais iluministas de liberdade e igualdade ao vincular posse de bens ao status social e identidade.
1. O CONSUMISMO E O CAPITALISMO
A partir de um prisma histórico, destinado a descortinar as mudanças sócio-
culturais apresentadas, num primeiro momento, pelos autores da escola de Frankfurt
e, posteriormente, reforçadas pelas proposições de Debord (1997), nota-se que, com
o advento do atual estágio do capitalismo, as mercadorias se tornaram fetichizadas.
“A sociedade moderna era uma sociedade de produtores. A maneira como a
sociedade atual molda seus membros é ditada primeira e acima de tudo pelo dever
de desempenhar o papel de consumidor” (BAUMAN, 1998, p. 88). O que se nota,
portanto, é que o consumo, contemporaneamente, não se limita a uma mera troca
econômica, a um processo inerente a um sistema produtivo capitalista,
transformando-se sim, no elemento motriz de todas as relações sociais (estabelecidas
estas de forma mais ou menos simbólica).
Sabe-se que o consumo1 é um processo cultural, sendo que cultura do
consumismo relaciona-se, em parte, com certos elementos presentes na cultura
capitalista, desenvolve-se como parte desse sistema, e não surge em sociedades que
não sejam capitalistas, pois quando o regime se desintegra é que surgem recursos
técnicos para que o capitalismo vinculado a mercados de consumo apareça de fato. O
Consumismo e o Capitalismo2, portanto, enquanto entidades culturais estão
intimamente relacionadas, muito embora seja equivocado se afirmar que estas se
sobreponham. Segundo Lipovetsky (1989, p. 173-174), o consumo não é mais uma
atividade em busca do reconhecimento social, mas sim em busca do bem-estar, da
funcionalidade, do prazer para si mesmo.
Ainda segundo Harvey (2004, p. 260-261), as imagens se tornaram
mercadorias e a produção de imagens como simulacros é relativamente fácil num
contexto onde a realidade sofre reconstruções incessantes. Na medida em que a
identidade individual e coletiva depende cada vez mais de imagens previamente
construídas, as réplicas seriais e repetitivas de identidade passam a ser uma
constante, redundando paralelamente num falso sentimento de libertação e
emancipação (frente a uma pretensa acessibilidade aos bens culturais). Nesse
1
Ao se utilizar a expressão consumo deseja-se que a mesma seja concebida como algo atrelado à
cultura capitalista. Pois seria incongruente se considerar o consumo como algo único e exclusivo desta
cultura, já que mesmo fora da cultura capitalista, sempre existiu.
2
Através, por exemplo, de uma visão mais descritiva pode-se conceituar o Capitalismo como
sendo: “um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção de troca, na
liberdade do mercado e no trabalho assalariado” (COMTE-SPONVILLE, 2005, p. 83). Já, numa abordagem
mais funcional o mesmo autor ressalta o termo como “um sistema econômico que serve para produzir,
com riqueza, mais riqueza” (COMTE-SPONVILLE, 2005, p. 85).
2. sentido, a mídia e a cultura da performance tentam levar os indivíduos da sociedade
a um consumo exacerbado e sem culpa. Comprar, antes de qualquer coisa, significa
se auto-afirmar.
Para se entender de forma mais clara a cultura do consumo, precisa-se
analisar a sua evolução histórica desde o seu princípio, cujas fases mais marcantes
serão apresentadas a seguir.
AS EVOLUÇÕES DO CONSUMO
Entende-se que a cultura do consumo surgiu no Ocidente, a partir do século
XVIII, sendo fruto das aspirações iluministas e diferenciando-se do resto do mundo
como uma cultura moderna, livre, racional, possuindo valores universais, e com
pretensões e alcances globais (SLATER, 2002. p. 14). As práticas essenciais da cultura
do consumo originaram-se no início do período moderno, enquanto desdobramento
das revoluções burguesas. O fortalecimento de uma cultura do consumo foi, na
verdade, parte da própria construção do mundo moderno, e está ligada a idéia de
Modernidade, cuja essência encontra-se refletiva na constituição de uma realidade
que não é mais governada pela tradição (ou ainda por premissas metafísicas), e sim
pelo racional e pelo saber científico. Neste contexto, a figura do consumidor e a
experiência do consumismo são, ao mesmo tempo, típicas deste novo mundo e parte
integrante de sua construção.
Os anos 20 do século XX surgem como a primeira década realmente
consumista, com o florescimento de um sistema de produção serial de bens de
consumo para as grandes massas. Neste momento histórico, verifica-se que o
consumismo insere-se, de fato, na vida cotidiana. Como maior exemplo tem-se o
Modelo Fordista de produção, simbolizado pela linha de montagem ininterrupta, o
qual propunha o fomento de um modelo serial no qual os bens são vendidos em
mercados cada vez maiores para uma população consumidora, subdividida em
classes, a partir de critérios, pretensamente, econômicos. E a partir dos anos 20 que
se vislumbra uma suposta democratização do consumo.
Para Slater (2002), essa cultura do consumo tornou-se mais evidente a partir
da década de 20, porquanto, nesta, a produção passou a destinar seus produtos não
apenas ao seu uso funcional, mas sim à possibilidade dos consumidores reforçarem o
seu estilo de vida pelo consumo. O consumo, a partir dos anos 20, deixa de ser
concebido como uma mera operação financeira, ou ainda como algo restrito a poucos
3. privilegiados, fazendo com que o ato de comprar tenha se tornado um ato simples e
fácil, contudo repleto de significados simbólicos por trás dessa fácil ação.
Com essa aparente simplificação dos processos de troca, pessoas cada vez
mais jovens, cada vez mais ingênuas, são levadas a crer que a posse de um um
pedaço de papel, dotado um determinado valor serviria, como uma espécie de
entrada/chave para o mundo, visto até então como inacessível. Não obstante,
“quanto mais o consumo se desenvolve, mais os objetos se tornam meios
desencantados, instrumentos, nada mais que instrumentos: assim caminha a
democratização do mundo material” (LIPOVETSKY, 1989, p. 175). Ou seja, o consumo
ao mesmo tempo em que se expande, se banaliza, fazendo com que bens, outrora
restritos a poucos, sejam distribuídos a todos aqueles que possam pagar.
Desta forma, a cultura do consumo, de forma velada, acaba por distorcer
duas das principais aspirações iluministas, a saber: a liberdade e a igualdade. Pois, a
partir da mesma, institui-se a crença de que um indivíduo poderia não só comprar o
que desejasse, como também poderia ter uma vida igual ao de seus semelhantes
(bastava, para tanto, que adquirisse os mesmos bens de consumo de seus pares).
BIBLIOGRAFIA
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1999.
COMTE-SPONVILLE, André. O capitalismo é moral?: Sobre algumas coisas ridículas e
as tiranias de nosso tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: Comentários sobre a sociedade do
espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. 13.ed. São Paulo: Loyola, 2004.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SLATER, Don. A cultura do consumo e modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.