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Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
              Universidade Técnica de Lisboa


              Licenciatura em Ciência Política


         Laboratório I – Análise de Política Interna


            Docente: Manuel Meirinho Martins
            (Professor Associado c/ Agregação)




                Assistencialismo Social –
Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade



          Não citar sem a permissão dos autores




           André Emanuel Valente Roseta Cunha
             (andre.roseta.cunha@gmail.com)


            João André Marmelo Santana Lopes
                (santanalopes1@gmail.com)
Agradecimentos


       Como a incursão nestas áreas revela-se sempre, de algum modo, uma nova
experiência para quem entra nelas pela primeira vez, e como nem sempre é fácil a dois
mancebos atirarem-se de cabeça no tumultuoso mundo académico, gostaríamos de
agradecer o tempo, a atenção e os importantes conselhos dispensados pelo Professor
Doutor João Ricardo Catarino, que nos estimulou, desde o primeiro ano desta nossa
aventura, o interesse pelo mundo financeiro enquanto mundo político.
       Ao Professor Doutor Manuel Meirinho Martins, pelas pancadas na cabeça e
pelas palmadinhas no ombro. Sem a sua disponibilidade e atitude sempre crítica não
teria sido possível uma investigação minimamente séria, que se traduziu neste trabalho.
       À Professora Doutora Maria da Conceição Pequito Teixeira, pela introdução aos
meandros da Assembleia da República, referências sem as quais os resultados obtidos
agora não seriam os mesmos.
       Aos Serviços da Biblioteca da Assembleia da República, pela faculdade de nos
terem deixado ocupar os seus assentos por algumas horas de trabalho de pesquisa. À
Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças e Administração Pública, pela
pronta entrega da contabilização do dinheiro dos contribuintes. À Comissão Nacional
do Rendimento Social de Inserção, pela diligência com que responderam às nossas
dúvidas. Ao Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho e da
Segurança Social, pelo acolhimento dos nossos anseios. Ao Centro de Recursos em
Conhecimento do Instituto da Segurança Social, I.P., pela amabilidade no tempo
dispendido em nosso auxílio.
       Por fim, aos nossos pais, por serem nossos. E por nos terem pago as propinas.




                                                                                       2
Índice


Agradecimentos ...............................................................................................................2
Nota Metodológica ...........................................................................................................4
Introdução ........................................................................................................................7
1. Enquadramento Teórico ...........................................................................................10
   1.1. JUSTIÇA, JUSTIÇA SOCIAL E IGUALDADE ................................................................. 10
   1.2. ESCOLA ITALIANA: PROGRESSIVIDADE DOS IMPOSTOS E REDISTRIBUIÇÃO ................ 11
   1.3. ESCOLA AUSTRÍACA: ESTADO E RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL............................. 14
2. Estado da Arte ...........................................................................................................18
   2.1. SOBRE A PERSPECTIVA ECONÓMICA DO RMG/RSI .................................................. 18
   2.2. SOBRE A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA DO RMG/RSI................................................ 19
3. O RMG/RSI ...............................................................................................................21
4. O Discurso Político ....................................................................................................22
   4.1. PARTIDO SOCIALISTA ............................................................................................. 22
   4.2. PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA ............................................................................... 25
   4.3. CENTRO DEMOCRÁTICO SOCIAL-PARTIDO POPULAR............................................... 26
   4.4. PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS ......................................................................... 29
   4.5. BLOCO DE ESQUERDA ............................................................................................ 31
   4.6. PARTIDO ECOLOGISTA “OS VERDES” ..................................................................... 32
Conclusão .......................................................................................................................32
Bibliografia.....................................................................................................................35
Anexos.............................................................................................................................38




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Nota Metodológica

       O texto ora exposto teve por base o desafio lançado no decurso da disciplina
“Laboratório I – Análise de Política Interna”, ministrada pelo Professor Doutor Manuel
Meirinho Martins no I Ciclo de Estudos em Ciência Política do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.
       A disciplina possui o objectivo de promover uma investigação, elaborada pelos
alunos, sobre temas relevantes de política nacional que utilize perspectivas teóricas e
metodologias leccionadas ao longo do programa curricular desta licenciatura.
       Deste modo, e considerando a estrutura de temas de investigação fornecida pelo
docente, os alunos optaram pela área temática de “Políticas Públicas”. Utilizando a
técnica de especificação de temas optou-se por se estudar, no âmbito de uma subárea
das “Políticas Públicas” – as “Políticas Sociais” –, o fenómeno do “Assistencialismo
Social” inserido no papel da redistribuição tributária assumido pelo Estado ao longo dos
séculos XX e XXI. Assim, o tema subjacente à investigação é “Assistencialismo Social
– Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade”.
       Neste sentido, pretende-se compreender o caso concreto das medidas
Rendimento Mínimo Garantido (RMG) (Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho) e Rendimento
Social de Inserção (RSI) (Lei n.º 13/2003, de 29 de Maio), comparando com os
argumentos doutrinários, e depois políticos, que não só lhes dão forma como os
sustentam ao longo da sua implementação, aferindo pois a sua validade e veracidade em
relação aos factos.
       Portanto, de modo a se iniciar a investigação, condensámos oportunamente o
desafio numa pergunta de partida: em que medida o Assistencialismo Social, assente na
redistribuição tributária e personificado pelas medidas RMG e RSI, e justificado quer
pelo discurso político quer por argumentos teóricos, resolve de facto o problema a que
se destina – o da inserção na comunidade política por parte dos “marginalizados”?
       O nosso período de análise estende-se desde o início da implementação da
medida RMG/RSI – em 1996 – até ao Ano de 2009, através do qual podemos incidir as
nossas atenções sobre todos os discursos políticos proferidos quer pelos partidos
políticos quer pelo Governo em sede de Plenário da Assembleia da República e também
sobre os dados estatísticos que versam sobre a medida.
       Para empreender esta investigação optámos por fazer essencialmente uma
análise exploratória factual, detendo-nos sobre quer os próprios discursos políticos já
referidos acima quer sobre dados estatísticos fornecidos pelo Instituto da Segurança
                                                                                      4
Social, I.P. (ISS, I.P.) e pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO) do Ministério das
Finanças e da Administração Pública (MFAP). No intuito de obter, na medida do
possível, uma resposta em que o conteúdo seja substantivamente holístico, utilizámos
ainda uma análise normativa, com o objectivo de que esta nos pudesse prover o
enquadramento institucional sempre necessário, e também uma exploração, e respectivo
levantamento, do enquadramento teórico e Estado da Arte, preciosos para nos fornecer
os alicerces doutrinários fundamentais para a compreensão da medida.
       Em linha com o que vimos dizendo, recorremos a fontes primárias e secundárias
para dar sustentação a toda a investigação. Assim, para o primeiro caso, socorremo-nos
não só de dados estatísticos sobre a medida, provenientes quer do ISS, I.P. quer da DGO
do MFAP, mas também de outras fontes institucionais e de legislação adstrita à medida,
bem como de todas as monografias que nos dão o respectivo enquadramento teórico e
Estado da Arte. No que toca às fontes secundárias, estas visam prover-nos uma parte
importante do enquadramento teórico mas, sobretudo, fornecer-nos artigos de imprensa
escritos acerca do nosso tema. Preferencialmente, trabalhámos com recurso às fontes
primárias, apesar da existência de algumas contradições por nós observadas – e
confirmadas pelo próprio ISS, I.P. – nos dados estatísticos da medida.
       É através deste último ponto – as incongruências encontradas – que
esclarecemos aqui que o acesso aos dados do ISS, I.P. foi, de facto, deveras dificultado,
não tanto pela falta de amabilidade dos seus funcionários (pois enviaram os dados,
mesmo em época de fecho contabilístico do Ano, num período de tempo razoável) mas
sim mais pela imagem de falta de organização que transpareceram. Ora, nesta falta de
organização destacam-se envios de dados não desejados bem como a falta de muitos
deles por nós requeridos. Os responsáveis apontam, predominantemente, as mudanças
estruturais no Instituto que ocorreram entre 2003 e 2005 para explicar o facto. A nós,
compete-nos registar o facto de que durante este período de reestruturação, tal como os
próprios nos dizem, muitos dados foram perdidos, não sendo acessível ao cidadão
comum auferir da contabilização adequada acerca dos beneficiários destas medidas. Por
outro lado, ao longo da pesquisa e recolha de dados deparámo-nos com diversas
inconsistências no que toca a indicadores de análise utilizados pelos diversos serviços
do Instituto, ora mudando-os frequentemente (em média, de dois em dois anos desde a
criação da medida) ora alterando a unidade de análise de “família” para “beneficiário”, e
vice-versa.
       Este trabalho apresenta uma simples estruturação, reservando-se, inicialmente,
um ponto introdutório que versa sobre a justificação da relevância substantiva para a
                                                                                       5
Ciência Política. Adiante, encontrar-se-á um primeiro ponto acerca do enquadramento
teórico, o qual optámos por dividir em duas Escolas Teóricas. O segundo ponto detém-
se com a explanação do Estado da Arte. No terceiro ponto introduzimos uma descrição
da medida. O quarto ponto revela as posições dos partidos políticos, devidamente
sistematizadas, acerca da medida. Por último, as notas conclusivas apontam para
algumas considerações que advieram da resposta à nossa pergunta de partida.




                                                                                  6
Introdução

       A forma do poder variou diversas vezes ao longo das épocas, mas nunca o
tributo deixou de lhe estar associado. De facto, o Estado não existe sem imposto.
       Ver o fenómeno tributário meramente como um facto jurídico ou financeiro é
cair na tentação de uma visão simplista que esquece que o poder político em democracia
é fundamentalmente uma relação entre sociedade civil e instituições públicas, sendo
certo que o imposto serve não só como uma das várias correias de transmissão entre
cidadãos e Estado mas também suporta financeiramente essas mesmas instituições.
       Na verdade, nunca um poder político cuja capacidade de tributar perdesse
legitimidade sobreviveu durante muito tempo à pressão quer de forças internas quer de
forças externas, pelo que as elites sempre estiveram preocupadas em saber até onde
podiam aumentar o volume fiscal sem serem vítimas da insatisfação popular, isto
porque «a arte de tributar consiste em depenar o pato de maneira a obter o máximo de
penas com o mínimo de guinchos» (Colbert, apud Catarino, 2008: 553).
       Já a História nos mostra claramente que sempre os povos conquistadores
exigiram tributo aos povos conquistados, num claro sinal de dominação política
(Catarino, 1999: 44). A nível interno a relação parece-nos passível de semelhança, isto
porque o tributo nos surge sempre como um direito do Estado e um dever dos cidadãos.
O fenómeno financeiro não pode assim ser visto como um mero mecanismo de
arrecadação de receita, visto estabelecer uma clara relação de dominação que consoante
as gentes e as épocas foi mais forte ou mais fraca.
       Parece-nos por isso pertinente relembrar, num século XXI em que nas televisões,
rádios e jornais se alerta para o declínio da classe média, que a falência do Império
Romano se deveu não apenas à decadência da moral e das estruturas militares que o
suportavam como também ao «fiscalismo excessivo» (Bouthoul, 1962 apud Catarino,
1999: 52) dum modelo tributário que esvaziou os bolsos da classe média e com eles a
importância e força daquele segmento da sociedade que conferia estabilidade e pujança
ao sistema político.
       Já na Idade Média e com o desmembramento da pax romana assistimos ao
recuar da importância dos modelos fiscais e figuras tributárias. Isto acarretou a queda de
um poder central e actuante, capaz de interagir directamente com a sociedade civil tanto
para o bem como para o mal, enquanto facilitava a ascensão de feudalismo.




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Sendo assim, «o que se constata e retira da história, é que o declínio do tributo
arrasta consigo o declínio do Poder, do Estado» (idem: 59) enquanto mecanismo de
acção do poder político no seio das sociedades.
       Por outro lado, aí onde o poder central se via reforçado, quer pela autoridade
divina quer pela superioridade dos canhões, logo se assistia ao ressurgimento do tributo
como mecanismo de legitimação e sustentação de tão grande força.
       Parece-nos assim que imposto e poder caminham de mãos dadas, até porque
«um poder político forte leva à criação e consagração de modelos de tributo
robustecidos e a uma aplicação efectiva dos mesmos, ao passo que um poder político de
fracas bases (…) não consegue mais do que um sistema tributário escassamente
suficiente para reproduzir os meios necessários (ou nem isso) à satisfação das
necessidades colectivas básicas a prosseguir» (idem: 79).
       O fenómeno financeiro é assim relevante para a Ciência Política porque «sem
receitas não há Estado», palavras proferidas por António Carlos Santos, antigo
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no XIII Governo Constitucional durante uma
entrevista à comunicação social.
       De facto, sem dinheiros públicos não mais seria o mesmo o estudo politológico
sobre o financiamento público e privado dos partidos, ou sobre a actividade dos
mesmos; não mais seria a mesma a análise do papel de câmaras e autarquias no seio de
uma comunidade política, isto porque sem dinheiros públicos não haveria Estado para
os partidos conquistarem nem câmaras e autarquias para o compor.
       E em tais circunstâncias, parece-nos a nós que a Ciência Política teria que
reconfigurar o seu escopo de análise para campos que não se relacionassem
directamente com o Estado, o que no nosso entender diminuiria o entendimento da
disciplina acerca do fenómeno político visto o próprio fenómeno político ter diminuído.
       Ao afirmarmos que o propósito do imposto é a cobertura das despesas do Estado
estamos simultaneamente a afirmar, apesar de nem sempre nos apercebermos disso, que
o imposto dá ao poder político a capacidade de satisfazer fins públicos e necessidades
colectivas.
       Mas o Estado não pode satisfazer todas as necessidades, pelo que as hierarquiza
antes de fazer a afectação de recursos, sacrificando prioridades a outras prioridades.
Entretanto, os partidos competem entre si por aquela quantia de votos que lhes permita
monopolizar os recursos públicos, agitando às massas promessas de despesismo e
carregando na fronte as bandeiras de “justiça social” que as legitimam.


                                                                                      8
De facto, em todas as corridas eleitorais aplaudimos inconscientemente enquanto
os dirigentes políticos tentam ultrapassar os rivais atirando aos olhos das massas
promessas de cada vez maior despesa pública, ganhando invariavelmente aquele que
promete mais, e que mais descarta critérios como a eficiência, aplicabilidade e até a
sustentabilidade de tais projectos. E as massas seguem aplaudindo.
       O propósito deste estudo é assim tentar compreender através duma perspectiva
politológica tais medidas, nomeadamente através da comparação dos resultados
efectivos do rendimento mínimo garantido/rendimento social de inserção com o
discurso político ocorrido em plenário da Assembleia da República ao longo dos
últimos treze anos.
       Acresce dizer que o fenómeno financeiro tem assumindo, desde o advento do
Welfare State, a crença de que não só pela progressividade dos impostos se alcança a
justiça social, mas também pela redistribuição da receita pública pelas classes
desfavorecidas.
       Apesar de as medidas em foco já não dizerem respeito à arrecadação de receita
sem a qual o Estado moderno não é possível, sem dúvida que dizem respeito a uma
redistribuição cujo critério é estabelecido pelo poder político e por quem o domina,
fenómeno que a nosso ver continua dentro da jurisdição da ciência política.
       De facto, Mosca vê na história da humanidade uma luta constante entre
potenciais elites pelo controlo do poder político (Bessa, 1993: 221), que depois de
alcançado dirigem a sociedade do ponto de vista material.
       Sendo assim quem domina o Estado determina quem beneficia e quem é
prejudicado por medidas de redistribuição financeira, sendo o dono do critério. Tal
parece-nos em si mesmo um fenómeno de dominação, e por isso passível de ser
analisado pela Ciência Política. Por outro lado, numa época em que os Estados têm as
bases fiscais saturadas e as exigências das sociedades não deixam contudo de aumentar,
é do nosso interesse analisar até que ponto as medidas fiscais e sociais existentes
alcançam aquela eficiência na concretização dos seus objectivos que lhes permita
escapar à classificação de “desperdício de fundos públicos” que poderiam de outro
modo ser alocados a prioridades possíveis de concretizar de facto.
       Não apenas isso, mas sendo a bandeira da “justiça social” essencial para a vitória
de qualquer partido nas sociedades modernas (veja-se o facto de nenhum dirigente
partidário dar descanso ao uso do termo), parece-nos relevante determinar até que ponto
tais promessas, por mais opacas que sejam aquando da sua concretização, contribuem de
facto para a conquista, manutenção e exercício do poder político, relembrando sempre o
                                                                                       9
“Buzinão” que por pouco não fez cair um governo em Portugal e que teve na sua génese
a tentativa fracassada de pôr fim a uma subvenção estatal que em tamanho e despesismo
nem se compara às medidas analisadas por nós.


1. Enquadramento Teórico

1.1. Justiça, Justiça Social e Igualdade

         O primeiro autor a empregar o termo “Justiça Social” na sua actual acepção foi
Luigi Taparelli D‟Azeglio (1793-1862) (apud Catarino, 2008: 197), que a definia como
aquilo que «deve tornar, efectivamente, todos os homens iguais em tudo quanto se
refere aos direitos da humanidade» visto que «o Criador os fez perfeitamente iguais na
sua natureza».
         É assim que se pode afirmar, como em Aristóteles (apud Catarino, 2008: 236),
que «a Justiça é uma espécie de igualdade», restando saber «igual em quê e desigual em
quê?». A questão é controversa e tem acompanhado o Homem ao longo de séculos na
sua busca por uma resposta consensual, que agrade a gregos e a troianos.
         O ser humano chegou entretanto a várias hipóteses, sendo que nenhuma dela é
conclusiva. Entre nós, José Adelino Maltez (1992: 161) resume o problema enquanto se
questiona acerca da possibilidade de reunir os vários tipos de justiça em dois grandes
grupos, a do socialismo «a dizer que “não há liberdade sem pão”, ou a justiça do
capitalismo a preferir a liberdade ao pão e a dizer, muito experimentalmente, que só há
pão se houver liberdade».
         Destes dois agrupamentos gerais Catarino (2008: 236) identifica outros dois
grandes tipos de Igualdade, a do Socialismo, que advoga a igualdade de resultados e de
satisfação de necessidades, e a do Liberalismo Clássico, que defende a igualdade de
oportunidades enquanto deixa a cada indivíduo a responsabilidade pelos resultados que
obtém.
         Estes dois tipos de Igualdade bebem de duas concepções de Justiça aristotélicas,
a da Justiça Distributiva, que leva em conta o mérito aquando da distribuição dos bens
que são de todos (idem: 199), e a Correctiva, que como o nome indica pressupõe a
intervenção de terceiros para corrigir trocas desiguais ou involuntárias entre sujeitos.
         Andando para trás e para diante, pretendemos com isto comprovar que, de facto,
Justiça e Igualdade, apesar de serem dois fenómenos distintos, caminham de mãos
dadas, sendo difícil confrontar um sem que o outro venha em seu socorro.

                                                                                           10
Numa sociedade complexa e aberta a justiça social seria uma realidade concreta
aí onde, clamam alguns, a desigual distribuição de rendimentos pelo mercado seria
corrigida pelo papel redistributivo dum terceiro agente, neste caso o Estado Soberano.
       É assim que a política fiscal deixa de ser um mero instrumento de recolha de
receita para ganhar um carácter social e moral, empenhado na correcção de
desigualdades naturais através da redistribuição do rendimento amputado a particulares.
A Tributação torna-se um irónico aliado do Direito na prossecução da Justiça.
       Mas em que medida se efectua a Justiça através da Tributação?


1.2. Escola Italiana: Progressividade dos Impostos e Redistribuição

       O modelo progressivo foi modernamente desenvolvido pelo pensamento
académico italiano, tendo sido ao longo do tempo acrescentado de contribuições alemãs,
norte-americanas, francesas e até espanholas (idem: 412).
       A escola italiana opõe à tributação proporcional o modelo de tributação
progressiva, sendo certo que enquanto a primeira tributa a riqueza como ela é produzida
a segunda iria tributá-la consoante a maneira como é distribuída.
       A discussão era intensa e podemos encontrá-la muito antes da sua sistematização
pela escola italiana. Montesquieu já a debatia, acreditando, juntamente com outros
autores à época, que a equidade na distribuição de encargos públicos era melhor
realizada pela progressividade do imposto (idem: 407), ao que Masé-Dari mais tarde
acrescentaria que o «imposto progressivo deveria ser visto como uma compensação
moral e económica às classes menos ricas» (idem: 410). Para o autor o imposto
progressivo não só financia melhor a despesa pública como também é mais justo
aquando da amputação do rendimento de particulares (idem: 419).
       É nesta linha que Adolph Wagner declara que o imposto não assume como única
função a arrecadação de receita pelo Estado, mas que também se pode tornar um
importante instrumento moral ao corrigir desigualdades provenientes da distribuição de
rendimentos no mercado (idem: 410).
       De facto, John Hobson via o mercado como «fonte de desperdício e desemprego,
superáveis através da acção pública» (idem: 237). Já Harold Groves (apud Catarino,
2008: 428) lança um olhar mais cínico sobre o modelo, afirmando que «a tributação
progressiva é uma válvula de segurança para libertar o vapor que poderia, de outro
modo, forçar imprudentes forças de mudanças revolucionárias».


                                                                                         11
É assim que o rendimento se torna o índice de capacidade fiscal dos sujeitos
segundo o modelo de impostos progressivos (pese embora ser de difícil definição, na
praxis, o conceito de “capacidade fiscal”). A partir daqui a Igualdade Patrimonial
deveria ser assimilada pela Igualdade Geral, resultando num nivelamento, pela acção
pública, dos rendimentos na sociedade.
       A acção pública teria assim como objectivo prosseguir a igualdade de sacrifício
sentida pelos particulares aquando da tributação, partindo do pressuposto que o
rendimento, como qualquer bem ou serviço destinado à satisfação de necessidades,
estaria adstrito a utilidades marginais.
       Por outras palavras, quanto maior fosse o rendimento do sujeito maior seria a
sua capacidade contributiva, por se tornar cada vez menor a utilidade que este retira de
cada unidade monetária que acrescenta ao total do seu valor aos olhos do mercado.
       Flora resume o pensamento ao explicar que a doutrina da capacidade
contributiva assenta em dois patamares: a classificação das necessidades (1) e o valor
decrescente dos bens (2) (Catarino, 2008: 440). A doutrina assume que, visto a
intensidade das necessidades diminuir à medida que vão sendo satisfeitas, «o valor
subjectivo da riqueza possuída e respectiva utilidade marginal decresce mais do que
proporcionalmente, pelo que seria injusta a tributação segundo um sistema
proporcional» (idem, ibidem).
       A taxas proporcionais, ou iguais para todos, aqueles de maior rendimento
sofreriam um menor sacrifício aquando da tributação pelo Estado visto as suas
necessidades estarem satisfeitas muito antes da alocação total dos seus rendimentos. A
parcela que restaria seria assim não apenas inútil como uma afronta moral aos mais
desfavorecidos.
       Francesco Guicciardini (apud Catarino, 2008: 483) reiteraria esta crença ao
afirmar que «a igualdade de um imposto não consiste nisto, que ambos paguem a
mesma taxa, mas em que o pagamento seja de forma a que tanto se sobrecarregue um
como o outro». Augusto Graziani acrescenta ainda que o rendimento dos indivíduos
deve ser composto de três elementos, que tentaremos sintetizar: o primeiro estaria
destinado à satisfação das necessidades do sujeito e do seu agregado familiar; o segundo
vir-se-ia resumido na poupança; o terceiro estaria destinado ao pagamento do imposto
de modo a contribuir para o bem-estar colectivo (Catarino, 2008: 452).
       O modelo fiscal da progressividade assume assim como pedra angular o
pressuposto económico que toma como interligadas, quase sobrepostas, duas realidades,
a dos bens e a do rendimento (idem: 453), deduzindo das utilidades marginais do
                                                                                     12
primeiro as utilidades marginais do segundo, isto apesar de a teoria económica e a teoria
fiscal serem duas coisas diferentes.
       É assim que entre nós Catarino (idem: 485) identifica os objectivos do modelo
segundo a doutrina que lhe serve de pedra angular: em primeiro lugar, a redistribuição
da carga fiscal dos mais endinheirados para os mais desfavorecidos; em segundo, dotar
os governos da capacidade de corrigir a distribuição de rendimentos feita pelo mercado,
apoiando os mais carenciados através de políticas públicas; em terceiro lugar, satisfazer
as reivindicações de intelectuais e políticos que à época desejavam, e desejam, ver
diminuída a riqueza dos mais favorecidos.
       A escola italiana não é consensual e foi alvo de duras críticas. Pigou, por
exemplo, afirma ser difícil definir objectivamente a intensidade das necessidades e por
isso o grau de satisfação das mesmas, por ambas serem subjectivas, o que põe em causa
a teoria das utilidades marginais quando aplicada ao rendimento. De facto, afirma que
«it‟s impossible in practice to take account of variations between different people‟s ca-
pacity for enjoyment» (Pigou apud Catarino, 2008: 443).
       Já Kendrick acrescenta a este primeiro rol de críticas o facto de o dinheiro ser
«um bem de natureza especial que não oferece ao seu detentor o mesmo padrão de
utilidade» que outros bens (Catarino, 2008: 443), pelo que uma justaposição de bens e
rendimento seria intelectualmente desonesta.
       A segunda crítica é deduzida pelas premissas da teoria económica iniciada por
Keynes e acrescentada ao longo do tempo por variadíssimos autores, entre os quais
Milton Friedman (1976) ou Franco Modigliari (1985), que demonstraram claramente
que um aumento no rendimento disponível das famílias leva a um aumento do consumo,
daí que se confirme a sua crescente utilidade (e não decrescente, como o modelo de
impostos progressivos é levado a acreditar) (idem: 449).
       Quanto à terceira crítica, temos o facto consumado de que, com o mesmo
rendimento, sujeitos na mesma posição poderem fazer coisas muito diferentes (idem,
ibidem), pelo que não é verdadeiro afirmar que a justiça do imposto se efectua com a
igualdade de sacrifício, visto o sacrifício decorrer, parece-nos, da impossibilidade de
podermos fazer o que desejaríamos com um património que é nosso.
       É assim que como principal opositor da Escola Italiana surge a Escola Austríaca,
com uma visão diferente do papel do Estado na sociedade, da Justiça Social e ainda do
fenómeno financeiro enquanto mecanismo de redistribuição de rendimentos.



                                                                                      13
1.3. Escola Austríaca: Estado e Responsabilidade Individual

       Segundo Friedrich Hayek, a igualdade promovida pelo Welfare State não só
destruiria a liberdade dos cidadãos como também, a longo prazo, o catalisador de
prosperidade que é a concorrência (idem: 221). De facto, o rol de políticas públicas que
decorreram da aplicação da progressividade dos impostos endividaram o Estado e
forçaram-no, acto contínuo, a aumentar ainda mais a progressividade das taxas, num
ciclo vicioso que engordaria a máquina fiscal e aumentaria o volume de recursos que
esta absorve da economia, manietando-a.
       De facto, segundo a concepção de Hayek, o mercado é uma rede de informação
a ser trocada e reactualizada a todo o segundo, sendo certo que uma intervenção de tipo
central nunca poderia acompanhar todas estas movimentações. Não apenas isso, mas a
intervenção estatal tornaria a economia ineficiente e a longo prazo eliminaria a
liberdade política, isto porque, segundo o autor, esta depende primeiramente da
liberdade económica (Hayek, 2009: 125).
       O Welfare State alienava ainda aquilo que o autor austríaco vê como um valor
positivo: a desigualdade. Mas se a Justiça é uma espécie de igualdade, como pode a
desigualdade ser socialmente justa? Hayek renega o conceito de Justiça Social enquanto
valor do Estado, acusando-o de ser uma “weasel word”, uma palavra com forma mas
sem substância (Catarino, 2008: 225).
       Já Benegas Lych (apud Catarino, 2008: 226) afirma que o conceito é uma
inversão da definição de Justiça de Ulpiano, ou seja, o acto de «dar a cada um o que é
seu» degenera para um «tirar a uns o que lhes pertence para dar a outros o que não lhes
pertence».
       Hayek (Catarino, 2008: 226) apresenta assim quatro argumentos contra o
conceito de Justiça Social, que procuraremos sintetizar:
   1. As distribuições feitas pelo mercado são uma questão de sorte, e por isso
   incontroláveis pelo Governo.
   2. Não há consenso sobre o que é a necessidade ou o mérito, logo a justiça social
   não se pode efectuar com base nestes valores.
   3. A prossecução da justiça social destabiliza o mercado, diminuindo a
   prosperidade.
   4. Como não há consenso sobre a definição do conceito, qualquer grupo
   organizado pode manipulá-lo para promover a sua agenda pessoal.


                                                                                     14
De facto, para a Escola Austríaca, «o conhecimento humano apresenta uma
inevitável componente de indeterminação e imprevisibilidade» (idem: 221), e por isso
as consequências das acções humanas não podem ser planificadas ou racionalizadas por
qualquer autoridade central.
       Em termos de teoria do conhecimento, ou epistemologia, a Escola Austríaca
pega no falsificacionismo de Karl Popper, segundo o qual uma teoria é considerada
credível até que chegue o momento em que, posta à prova, não seja capaz de explicar
uma realidade. Esta posição contrasta com a da Escola Italiana, que bebe do
positivismo.
       Segundo a Escola Austríaca o positivismo conduz a uma visão arrogante da
realidade que dá azo à criação de utopias. O problema das utopias aquando da sua
aplicação ao fenómeno político é o facto de frequentemente manietarem o
comportamento humano, imprevisível como já se viu, pelo facto de não o conseguirem
compreender e prever. Por outras palavras, a construção utópica de governos conduz
frequentemente à crença de que este pode, e deve, conhecer o que é melhor para todos,
devendo assim intervir no sistema de preços e no processo de mercado (idem: 222). O
problema das utopias reside assim na crença de que é possível fazer os outros felizes
desde que ajam de acordo com a sua concepção de felicidade, ou uma sociedade mais
justa desde que se paute pela minha definição de justiça.
       E como a Escola Austríaca o afirmaria, todos estes valores são subjectivos e por
isso não são passíveis de imposição por terceiros no seio de uma sociedade
verdadeiramente livre. Na verdade, para autores como Karl Popper, a arte da política
seria mais o combate de males específicos do que a defesa de valores abstractos
(Espada, 2004: 22).
       É assim que, entre nós, Catarino (2008: 223) identifica e expõe as características
da Escola Austríaca, que procuraremos resumir:
   1. Individualismo Metodológico: «o conteúdo da mente humana não pode ser
   rigidamente determinado por factores externos». Os resultados do mercado
   decorrem exclusivamente de escolhas individuais, o que pressupõe liberdade e
   responsabilidade individual. Além disso, a organização da sociedade humana é um
   meio, não um fim em si mesmo.
   2. Interdependência entre a moral, a economia e a cultura: não pode haver
   liberdade política sem liberdade económica. A competição é por isso uma virtude
   social e a interferência do Estado «provoca um desperdício inútil de energias e de
   recursos escassos», provocando dano à sociedade.
                                                                                      15
3. Teoria da Separação de Poderes: os poderes políticos têm que estar separados e
   limitados, porque o poder corrompe sempre, mas ainda mais quando é absoluto.
   4. A Capacidade Criativa da Pessoa Humana: segundo Israel Kirzner traduz-se na
   visão do mercado como um processo de permanente descoberta e inovação.
        O mercado surge assim como anticorpo da corrupção governamental. Na
acepção de Milton Friedman, o funcionamento deste «equilibra as concentrações de
poder político» (idem: 225).
        Quanto à Justiça Social, para Hayek esta reside no domínio da conduta pessoal
do indivíduo enquanto agente numa sociedade civil livre e espontânea, pelo que a
solidariedade não pode ser encarada como um monopólio estadual.
        Daí o conceito de catalaxia empregue pelo autor, que seria uma «ordem
alcançada através do exercício de instintos naturais visando a adaptação e a cooperação
social» (idem: 229). Por outras palavras, os cidadãos livres conseguem por eles mesmos
atingir justiça e ordem social sem a intervenção do Estado, pelo que qualquer crença em
contrário seria um mito consolidado apenas pela falta de verificação, condição essencial
para qualquer teoria segundo o falsificacionismo.
        Como a Justiça Social se resume a uma regra de conduta individual esta tem
como palco de actuação a esfera da sociedade civil, mas não pode ser aplicada na esfera
do mercado, onde os indivíduos trocam entre si bens e serviços (idem, ibidem). A
incompatibilidade com o mercado reside no facto de a responsabilidade de cada sujeito
pelas suas acções ser «incompatível com qualquer modelo geral de distribuição» (idem,
ibidem). Na verdade, apesar da insatisfação com os modelos de distribuição existentes,
ninguém sabe apontar ao certo qual o modelo consensualmente justo, o que em si
mesmo mostra o desfasamento entre Justiça e Mercado.
        A Justiça Social surge assim como um termo atraente precisamente por ser
impreciso. Isto leva a que este possa significar simultaneamente os anseios de todas as
pessoas ao mesmo tempo (idem: 230), não sendo por isso de admirar que os políticos o
usem com abundância para atingir vitórias eleitorais, isto porque «ganha eleições quem
promete mais e quem mostra que fez mais com os meios financeiros de todos» (idem:
231).
        Esta dinâmica é especialmente apelativa para as massas. Segundo Catarino
(idem, ibidem) esta cria «condições para o estabelecimento de amplas políticas públicas,
em especial de cariz social e redistributivo».
        De facto o jogo da oferta e da procura do mercado oferece por si mesmo,
segundo a Escola Austríaca, a oportunidade aos mais desfavorecidos de, investindo em
                                                                                     16
si mesmos e jogando pelas regras, subirem na hierarquia da sociedade (idem: 133). O
papel do Estado no processo não só é irrelevante como até prejudicial, isto porque por
um lado amputa a prosperidade geral e, por outro, porque ao fazê-lo não investe na
responsabilidade individual, sem a qual não pode haver mobilidade social ascendente.
       Ainda segundo a Escola Austríaca outra causa da necessidade de Justiça Social
seria a inveja, decorrente também ela da natureza humana. De facto, o mercado não
recompensa todas as expectativas, pelo que os insatisfeitos tendem a exigir o
nivelamento. Catarino (idem: 235) nota, contudo, que «qualquer sistema no qual as
pessoas fossem recompensadas segundo o que julgam valer, estaria destinado ao
fracasso», e remata afirmando que a Justiça Social enquanto niveladora de rendimentos
só seria possível em sociedades de pequena dimensão, carecendo de sentido em
sociedades complexas «a partilha de resultados do que cada um obtém, segundo um
padrão pré definido».
       Não apenas isso, mas os nossos anseios por igualdade são incompatíveis com as
nossas diferenças naturais. É assim que a Igualdade procurada pelo Estado Social é
contrariada por dois tipos de diversidades: a diversidade natural dos seres humanos, e as
diferenciadas concepções de igualdade que coabitam no seio das sociedades complexas
(idem: 241). Na síntese de Catarino (idem: 242), até mesmo «oportunidades iguais
podem resultar em rendimentos muito desiguais».
       O diagnóstico de Hayek vê ainda no salário mínimo «um absurdo que impede a
mobilidade de trabalho, reduz a produtividade e o nível de vida da colectividade»
acrescentando ainda que «o imposto progressivo perturba a afectação óptima de
recursos» pelo que «o imposto sobre o rendimento deve ser proporcional, para
salvaguardar a sua neutralidade» (idem: 245).
       Segundo a Escola Austríaca, a socialização da economia é incompatível com o
Óptimo de Pareto (idem, ibidem), rematando com a constatação de que a Justiça será
tanto maior quanto menor for a intervenção estadual (idem: 246).
       Acresce dizer que em Portugal nenhum partido bebe desta Escola, sendo certo
que todos eles apoiam algum tipo de Welfare State, que por isso é suportado pela
progressividade do imposto e consubstanciado por medidas de carácter redistributivo,
como será possível ver mais adiante.




                                                                                       17
2. Estado da Arte

2.1. Sobre a Perspectiva Económica do RMG/RSI

       Ao longo do trabalho de prospecção deparámo-nos com visões semelhantes
sobre o assunto abordado, sendo oportuno, consequentemente, fazer referência a Carlos
Farinha Rodrigues e Miguel Gouveia, dois investigadores que se têm debruçado sobre o
tema desde a sua génese em Portugal.
       Desta forma, Rodrigues e Gouveia (1999; 2003) demonstram, ao longo do seu
trabalho, de que forma a medida RMG/RSI tem vindo a actuar ao nível do rendimento
dos agregados familiares, nomeadamente no que toca à redução da pobreza e das
desigualdades, mas também se debruçam sobre o impacto da mesma para o papel
redistributivo do Estado Social de Direito, nomeadamente olhando sobre os gastos
efectuados e os ganhos obtidos.
       Numa primeira abordagem ao estudo da medida, mas trazendo já os contributos
de outros trabalhos elaborados por si desde a década de oitenta do século passado,
Rodrigues e Gouveia (1999: 18) trazem-nos os cálculos hipotéticos efectuados
(simulações) sobre a medida, demonstrando para o efeito que esta gera impacto positivo
reduzido, não contribuindo, por isso, para a redução da pobreza mas sim para a
severidade e intensidade da mesma. Os autores demonstram-nos, à época, o que a
medida poderia acarretar consigo em termos de custos, estando esta em velocidade de
cruzeiro: para o caso das famílias não terem outros rendimentos nem estarem inseridas
no mercado de trabalho, o valor previsto (valor de 1996) seria, aproximadamente, 153
milhões de euros; enquanto, no caso inverso, para quem a situação se possa modificar
ou esteja inserido no mercado de trabalho, o valor previsto (valor de 1996) seria,
aproximadamente, 283 milhões de euros (Rodrigues e Gouveia, 1999: 18).
       Todavia, o trabalho dos autores é mais profundo, vendo surgir, numa
Conferência organizada pelo Banco de Portugal, uma comunicação que aborda a medida
em contexto mais amplo, inserindo-a dentro da política de pensões mínimas.
       Assim, Rodrigues e Gouveia (2003: 4), começam por nos dizer que, na génese, a
medida é vista no seio dos “seguros sociais”, ou seja, não tem carácter redistributivo e
serve como almofada para ocasiões em que os indivíduos precisam de se reerguer.
Contudo, os próprios autores acabam por considerá-la como uma medida puramente
redistributiva, logo a «desejabilidade de tal programa deverá sempre aferir-se pelos seus
efeitos nos níveis de pobreza» (idem: 5).

                                                                                      18
Continuando a sua análise, os autores dedicam um parágrafo somente a
descrever a pertinência da medida pois, no seu entender, «de um ponto de vista da
análise económica, não é nada óbvio que a política definida em relação às pensões
mínimas seja particularmente adequada, quer numa óptica de consolidação das finanças
públicas, quer numa óptica de eficiência quer, acima de tudo, numa óptica de equidade e
redistribuição correcta do rendimento e redução da pobreza» (idem, ibidem).
       Numa tentativa de interligação com outras áreas científicas, os autores começam
também por demonstrar através de cálculos de simulação que a resolução dos problemas
parece não estar a ser conseguida devido, «numa óptica de equidade, o impacto das
pensões mínimas medido em termos de redução de índices de pobreza [ser] bastante
mais pequeno do que geralmente se supõe. A razão para isso está na ausência de
targetting» (idem, ibidem).
       Tal como no estudo efectuado em 1999, Rodrigues e Gouveia (2003: 11)
concluem que o efeito da medida, em termos de desigualdade, é pequeno mas positivo.
       Mais recente, no Seminário Europeu “RSI – Um direito à integração social”
realizado no dia 16 de Março de 2009 no Centro de Congressos de Lisboa, Carlos
Rodrigues reforçou as suas considerações.


2.2. Sobre a Perspectiva Sociológica do RMG/RSI

       Abordada que está a linha económica da medida, o contributo sociológico
revela-se-nos muito importante porque trabalha sobre os retratos humanos desta,
fazendo não só a caracterização das pessoas envolvidas como também dando uma
concepção da implementação da mesma por parte dos poderes públicos e políticos.
       Para tal, consideramos os trabalhos de Fernando Diogo (2004a; 2004b) como um
ponto de partida no que toca ao apoio da nossa investigação.
       Assim, Diogo (2004b: 2) começa por nos dizer que os indivíduos que fazem
parte da população-alvo não sabem em que consiste na totalidade a medida. O autor
revela-nos o contexto daquela não percepção, dizendo que «é significativo porque não
estamos em presença de uma simples negação da ideia de inserção como sendo algo que
desagrade aos beneficiários. Com efeito, a distância entre o que a lei e os seus agentes
pressupõem e o entendimento dos beneficiários é tão grande que pode ser cunhada
como uma distância radical. Mais ainda, devo dizer que é raro na análise sociológica
nos depararmos com um fenómeno tão marcado como este» (idem: 4). O autor remata


                                                                                     19
esta ideia explicando que «boa parte do trabalho desenvolvido pelo RMG/RSI está em
causa devido a esta falha de comunicação» (idem, ibidem).
        Avançando na sua exposição, o autor reforça a sua argumentação definindo,
para o efeito, o indivíduo-alvo que a lei prevê. O «beneficiário ideal» é «o beneficiário
imaginário em função do qual a legislação foi feita» (idem: 5). A descrição mais
aprofundada deste indivíduo revela-nos «alguém que se encontra afastado da esfera do
trabalho e sob o qual recai, mal ou bem, a ideia de que não tem capacidade de sair por si
só da situação de pobreza, precisando de quem o faça por ele. Além disso, é alguém que
se encontra numa situação de desinserção social, já que se pressupõe que deve ser
inserido socialmente» (idem, ibidem).
       Juntando ao que a lei descreve sobre a situação a actuar, a perspectiva do
beneficiário e de como este encara toda a medida tem cabimento na análise de Diogo.
Para isto, o autor (idem: 3-5) diz-nos, através dos inquéritos por si realizados, que os
beneficiários encaram a medida como uma «“ajuda”». Ora, isto pode inter-relacionar-se
com o que encontramos posteriormente no trabalho de Diogo (idem: 9), onde o autor
clarifica que «para muitas famílias beneficiárias o trabalho pressuposto na legislação
como meio que permite o abandono da medida não é possível, quer porque as pessoas já
trabalham, quer porque não têm condições que lhes permitam trabalhar», e também com
o trabalho prosseguido por Rodrigues e Gouveia. Tanto assim é, pois, Diogo (2004a: 8),
diz-nos que o programa de inserção que está previsto «é dirigido, não a quem precisa de
meios para gerir a sua vida, mas a quem não o sabe fazer».
       Tendo Diogo (idem: 10) tratado numa perspectiva ampla o problema da
implementação da medida, este detecta outras insuficiências, como a «inexistente
presença de sindicatos, associações patronais ou associações de desenvolvimento local
nas Comissões Locais de Acompanhamento».
       Por último, numa breve referência à necessária interdependência da medida,
Diogo (idem: 11) denota que as metas estipuladas por esta são difíceis de alcançar per si
pois «para se conseguirem os objectivos da inserção, o aspecto central é o crescimento
económico. Não há criação de empregos no mercado de trabalho primário sem
crescimento económico. Este é o principal factor a partir do qual a inserção se pode
construir e está muito para além do que são os objectivos e possibilidades do RMG».
Em suma, o autor, numa comunicação apresentada na CARITAS de Madalena
(12/03/2009), complementa-se e sistematiza o problema definindo o necessário
triângulo para a resolução dos problemas: «crescimento económico, qualificações e
empregos de qualidade».
                                                                                      20
3. O RMG/RSI

        Instituída em 1996, por mão do Partido Socialista e com o apoio do Partido
Comunista Português, Partido Ecologista “Os Verdes”, abstenção do Centro
Democrático Social-Partido Popular e voto contra do Partido Social-Democrata, esta
medida adveio de um enquadramento de implementação de políticas sociais de nova
geração por toda a Europa, nomeadamente aquelas que são tomadas pela consolidação
do Estado-Providência.
        Assim, este novo rendimento «é um apoio para os indivíduos e famílias mais
pobres, constituído quer por uma prestação em dinheiro para satisfação das suas
necessidades básicas quer por um programa de inserção para os ajudar a integrar-se
social e profissionalmente»1. Portanto, «as pessoas que estão a receber o RSI assinam
um acordo com a Segurança Social onde se comprometem a cumprir o programa de
inserção»2.
        Apesar de não interessar, para o nosso propósito, analisar as suas características
mais específicas, tais como a forma de adquirir este rendimento ou mesmo ver quem
podem ser os seus beneficiários, há importantes pontos que nos merecem realce. Deste
modo, é relevante afirmar aqui que a medida é um complemento pois esta pode coabitar
com outros quinze instrumentos de política social, dos quais destacamos o subsídio de
desemprego e as pensões sociais de velhice e de invalidez3. Constatamos pois que,
apesar do que é dito por académicos (Rodrigues e Gouveia, 1999; Diogo, 2004b), o
legislador optou por considerar, na sua versão mais actual (Lei n.º 45/2005), que o
RMG/RSI é um instrumento de combate à pobreza, respeitando, neste contexto, os
princípios da igualdade, solidariedade, equidade e justiça social.
        Além do que foi estatuído agora por nós, ao longo do presente trabalho faremos
inúmeras referências à medida, pelo que ficam, desde já e seguramente, sanadas
algumas insuficiências verificas neste ponto.
        Para o nosso âmbito, esta far-se-á valer como um ponto essencial ora quer pelo
discurso político que se fabrica em seu torno quer também pelas consequências que a
mesma produz, i.e., os dados estatísticos que obtemos da aplicação da mesma. Com um
olhar mais atento poderão verificar-se, nos Anexos, tabelas e gráficos que ilustram
melhor a percepção da medida.
1
  Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro, 2009, p. 4
2
  idem
3
  Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro, 2009, p. 5
                                                                                       21
4. O Discurso Político

4.1. PARTIDO SOCIALISTA

         Grande impulsionador na criação da medida, apesar de não ter sido o primeiro
partido político português a fazê-lo, o Partido Socialista (PS) enquadra o RMG, desde o
primeiro momento (a partir de 1996), numa «óptica inovadora (…) em que (…) é
possível ir construindo uma nova dialéctica de direitos e deveres sociais»4, sendo este,
portanto, uma parte das políticas sociais de nova geração. Ao longo destes treze anos, o
PS tem mantido uma postura essencialmente consistente e coerente no que diz respeito
aos debates ocorridos em Plenário da Assembleia da República. Porém, apesar de o
discurso ser essencialmente coerente, há que salientar um aspecto específico envolto de
alguma incerteza na definição do objectivo último da medida, o qual será abordado
adiante. Vejamos pois, o essencial de toda a argumentação utilizada pelo PS acerca da
medida.
         A posição do PS, em 1996, ano da implementação dos projectos-piloto da
medida, aponta a mesma como sendo um «direito dos cidadãos a disporem de recursos
que lhes permitam satisfazer as necessidades mínimas de subsistência sem perder de
vista a sua inserção social e profissional»5. Isto porque, considerou o PS, «é
absolutamente intolerável [que haja um grupo de portugueses sem acesso aos consumos
mais elementares]»6, muitas vezes «marginalizados que o são por fenómenos
imputáveis à própria dinâmica social»7. Esclarecendo-nos o seu modo de procedimento,
o PS diz-nos que «a sociedade portuguesa necessita de uma “alavancagem” de mais-
valia de solidariedade, que pode ser dada através do exercício da Administração
Pública, nomeadamente através do exercício da actividade do Governo»8.
         Desta forma, empenhando-se o partido em promover a «recuperação da
dignidade humana»9, a acção do mesmo, na VII Legislatura, passou por fazer um
«orçamento solidário»10, porque, em resposta ao aparecimento dos “marginalizados”,
«as sociedades que geram estes fenómenos têm também de gerar o esforço que os


4
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 83, 2.ª S. L., VII Legislatura
5
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 43, 1.ª S. L., VII Legislatura
6
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 61, 1.ª S. L., VII Legislatura
7
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
8
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., VII Legislatura
9
  Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 87, 1.ª S. L., VII Legislatura
10
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 111, 1.ª S. L., VII Legislatura
                                                                                     22
minore»11. Assim, o PS empreendeu uma «política económica de rigor, mas com
consciência social, (…) com RMG»12, pois a medida, recusou o partido, «não é um
subsídio, é (…) um investimento que é feito nas pessoas e nos agregados familiares, no
sentido (…) [da] sua reabilitação para a entrada na vida activa»13. Como alcance da
medida, o PS propunha que o RMG fosse «distribuído, como prestação, às famílias e
[abrangesse] numerosas crianças, idosos e dependentes»14, sendo que, lado a lado,
estava presente o desejo de querer «os portugueses cada vez mais perto uns dos outros
no que concerne aos seus rendimentos, às suas possibilidades de realização pessoal e
profissional»15.
         Passada a fase de estabelecimento do RMG, o PS, na VIII Legislatura, começa a
promover um discurso de defesa da medida, refutando, portanto, os críticos
parlamentares. Para isso, o reforço das convicções enunciadas na anterior Legislatura
constituiu a principal base de trabalho do partido, pois a medida, na óptica do PS, tinha
reduzido «significativamente o efeito da pobreza em que [os beneficiários] se
encontravam»16, o que, na sequência disso, levou à estipulação do objectivo de
«eliminá-la»17. Assim, o PS afirma que «não há aqui uma lógica assistencialista»18 e
que, por outro lado, a existência da medida «é uma obrigação do Estado»19, devido não
só ao apoio da maioria da população20 como também ao papel essencial que a medida
desempenha quer na «política de família» quer na «promoção dos direitos humanos»21.
Neste contexto, a estabilização da medida na perspectiva do PS provou-se pois, além de
ter sido determinado no início de 2000 que a mesma se encontrava em «“velocidade de
cruzeiro”»22, esta organização partidária averiguou, no fim do mesmo ano, que o RMG
fazia já parte «do património consensual da cidadania da nossa sociedade»23. Por outro
lado, o PS deixava, no mesmo ano, a certeza de que «não [tinha sido] detectado pelo
Ministério nenhum beneficiário que tivesse um Jaguar e pudesse ter o rendimento
mínimo garantido»24 e o desejo de que «2001 [seria] o ano em que todos os


11
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
12
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 64, 2.ª S. L., VII Legislatura
13
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 32, 3.ª S. L., VII Legislatura
14
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 4.ª S. L., VII Legislatura
15
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 87, 3.ª S. L., VII Legislatura
16
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura
17
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura
18
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 5, 1.ª S. L., VIII Legislatura
19
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
20
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
21
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 15, 2.ª S. L., VIII Legislatura
22
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
23
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 26, 2.ª S. L., VIII Legislatura
24
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
                                                                                      23
beneficiários do rendimento mínimo garantido [veriam] oferecido um emprego ou uma
oportunidade de formação»25.
        Deste modo, tendo o PS chegado ao ponto efectivo de estabilização da
argumentação, se bem que marcado por alguma incerteza no período entre 2001 e 2005,
devido não tanto ao conteúdo da sua argumentação – pois manteve-se – mas mais ao seu
enquadramento intra-partidário, a X Legislatura apresenta-se, após uma IX Legislatura
onde se reformou o RMG e do qual se obteve o RSI, como um período em que se
constata que «a redução das desigualdades e a justiça social constituem o elemento
essencial e um factor de modernização do Estado»26. Por isso, «a pobreza [que] persiste
e [que] é uma dura realidade para uma parte considerável da população portuguesa»27
terá, segundo o PS, que ser sempre tida em conta em medidas de política social tais
como o RMG/RSI, pois a própria «situação de pobreza (…) constitui uma injustiça
infligida aos pobres»28. Olhando no sentido da evolução da medida, o PS quer que se dê
a «sua humanização e [o] aumento do rigor na atribuição do subsídio»29.
        Tal como referimos atrás, há um ponto que só aparentemente é irrelevante na
nossa análise, mas que, como veremos, constitui um tópico importante de discussão.
Assim, o PS ao definir objectivos para esta medida, ao longo de todo o nosso período de
análise, refere que esta tanto contribui, por um lado, para a eliminação e combate à
pobreza como, por outro, para reduzir a intensidade e/ou severidade da mesma. Ora, a
problematização em causa tem que ver com a distinção das duas variantes, ou seja, duas
coisas diferentes. Deste modo, a inscrição «combate à pobreza» que se encontra quer na
Lei n.º 45/2005 (que revê a Lei n.º 13/2003, a qual institui o RSI) quer no sítio na
Internet do Instituto da Segurança Social, I.P., além de ter suporte em discursos do PS
por nós analisados30, não corresponde àquilo para que a medida foi desenhada, ou seja,
«o RSI não é uma medida para erradicar a pobreza, tal como o RMG não o era.
Ninguém pensa acabar com a pobreza através dessas medidas» (Diogo, 2004b: 12). Por
outro lado, e seguindo também algumas argumentações da parte do PS31, Rodrigues e
Gouveia (1999: 10 e 18) dizem-nos que são mais significativas as alterações que a
medida promove em termos de redução (ligeira) da intensidade e severidade da pobreza

25
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 2.ª S. L., VIII Legislatura
26
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 3.ª S. L., X Legislatura
27
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura
28
   idem
29
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 121, 1.ª S. L., X Legislatura
30
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura; Diário da Assembleia da
República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura
31
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 52, 1.ª S. L., VII Legislatura; Diário da Assembleia da
República, I Série, n.º 73, 3.ª S. L., VII Legislatura
                                                                                                        24
do que a resolução da incidência da mesma. Temos, portanto, um partido e duas
posições no que toca a este ponto.


4.2. PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

         Este partido político é, sem dúvida, um dos que nos merece uma maior
ponderação, i.e., o Partido Social-Democrata (PSD) apresenta-se nos pontos extremos
do nosso período de análise com posições, também elas, modificadas. A importância da
análise do PSD envolve as acções do mesmo não só aquando do exercício do poder no
Governo mas também enquanto oposição activa durante dez anos.
         Assim, no início da VII Legislatura, o PSD, perante a exposição da medida quer
pelo Partido Socialista quer pelo Partido Comunista Português, toma a posição com
base na crença de que a medida seria «um desincentivo à busca de emprego»32 e que
«ao ser uma medida com carácter geral é cega e inespecífica»33, logo, esta gera «efeitos
perversos incontroláveis»34. Para introduzir a medida, o PSD aponta que «este tipo de
protecção social tem surgido historicamente (…) em quadros estáveis de economias
fortes e, em muitos casos, em expansão»35, o que leva, necessariamente, à reflexão de
que «não seria muito mais lógico, muito mais eficaz, muito mais racional (…) partirmos
para uma análise dos instrumentos já existentes (…) e adequar esse diploma (…) às
circunstâncias actuais da população portuguesa?»36 Como que em jeito de resposta, o
próprio partido adianta, alertando, que «em todas as circunstâncias em que o rendimento
mínimo foi instituído, ele se tornou verdadeiramente irreversível, por maior que seja a
vontade desses países de voltar atrás com a decisão tomada no sentido de instituí-lo»37.
Deste modo, a posição do PSD resume-se, nesta fase, ao admitir que o RMG é um
«desperdício»38 pois vai «para quem não quer trabalhar e não para quem precisa»39.
Ainda de outra forma, e por último, o PSD diz-nos que o RMG «é muito remediativo,
escassamente curativo e nulamente preventivo (…) [devido à acomodação] aos valores,
metodologias e comportamentos que são inerentes a um sistema de segurança social
trôpego e desarticulado»40.


32
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
33
   idem
34
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 104, 1.ª S. L., VII Legislatura
35
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
36
   idem
37
   idem
38
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
39
   idem
40
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
                                                                                     25
E dissemos por último porque, de facto, a meio da VIII Legislatura, começa a
demonstrar-se uma mudança na perspectiva de ver a medida pelo PSD, partido que
havia votado contra aquando da sua instituição. Temos, pois, um “novo” partido que
entende que o RMG «é um direito social», apesar de «que não há, nem pode haver, (…)
a consideração de que a fraude pode ser também um direito social»41, percebendo-se,
portanto, que «felizmente, é hoje consensual reconhecer-se a função solidária do
Estado»42 – entretanto já com o PSD em funções governativas. Assim, o PSD, ao
defender o princípio43, enceta uma revisão «que combata a fraude e o abuso, a
imoralidade e o malabarismo»44, tendo por «suas base e fundamentação (…) a
promoção da dignidade humana, o imperativo de solidariedade e o princípio da
equidade social»45, procurando, ao mesmo tempo, «garantir a co-responsabilização
social dos titulares e beneficiários (…) e aprofundar a aplicação do princípio da
subsidiariedade social»46. Pois bem, estando estabelecida a defesa de um novo RMG – o
RSI –, o PSD encabeça o pelotão da frente ao destacar fortemente a «justiça social», a
qual considera que deve «exercitar-se com critério, muita sensibilidade e sentido prático
na acção concreta»47, querendo isto significar, além de «não pormos a economia acima
do social»48, que o Estado deve fazer um «reforço das [suas] funções redistributivas»49,
«nunca menosprezando a sua dimensão assistencialista»50, pois «o RSI é uma ajuda para
vencer e sair da pobreza»51.
         No que diz respeito às suas posições mais recentes acerca da medida,
nomeadamente na X e última Legislatura, o PSD reforçou a ideia da existência de uma
fraca redistribuição52 e mostrou-se «sensível às questões da pobreza», que é, segundo
este, a denegação da «justiça social»53, reafirmando, portanto, que o RSI deve ser um
instrumento activo54.


4.3. CENTRO DEMOCRÁTICO SOCIAL-PARTIDO POPULAR

41
   idem
42
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
43
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 91, 2.ª S. L., VIII Legislatura
44
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 3, 1.ª S. L., IX Legislatura
45
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
46
   idem
47
   idem
48
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., IX Legislatura
49
   idem
50
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 83, 1.ª S. L., IX Legislatura
51
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
52
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 81, 3.ª S. L., X Legislatura
53
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura
54
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura
                                                                                      26
Se há uma posição partidária que nos mereça mais atenção na análise, esta é sem
dúvida a do Centro Democrático Social-Partido Popular (CDS-PP), porque, apesar deste
partido ser comummente rotulado como sendo contra esta medida, a prática mostra que
este partido defende a medida, não obstante a existência de contradições e de evoluções
analiticamente importantes ao longo deste período de treze anos.
         O CDS-PP apresenta-se, no início da VII Legislatura, como um partido
possuidor de muitas dúvidas em relação à medida, pois, segundo o mesmo, «pensamos
que os critérios não são muito claros»55. Deste modo, o partido estatui, à partida, que
«não há dúvida de que [a medida] assenta num esquema de subsidiação», logo, é uma
«esmola travestida de Direito»56. Contudo, e após a abstenção deste partido aquando da
instituição do RMG, a posição de «benefício da dúvida»57 que o mesmo estabeleceu
começou a revelar instabilidade, por culpa também da incerteza intrínseca do «benefício
da dúvida», logo, revela-se uma posição muito adaptável ao jogo político. Deste modo,
numa outra posição, mais receptiva à medida, o CDS-PP refere que «esta direita (…)
não faz parte da direita que considerou que o RMG seria esbanjar»58 pois, no fim da
mesma Legislatura, o partido considera que «este novo direito de cidadania, que deve
orgulhar todos os portugueses, tem de ser entendido como um meio e não como um
fim»59. Por outro lado, o próprio partido volta a dizer, retomando a primeira
argumentação, que «as despesas na área social são (…) improdutivas [o que] significa o
maior insulto ao cidadão contribuinte e a quem precisa (…), [pois] despesas
improdutivas é o que nós mais temos!»60. «Na realidade, a equação do rendimento
mínimo pode muito bem ser “mais subsídios e menos reinserção”»61, logo, «as pessoas
estão a pedir um modo de vida»62.
         Porém, ao iniciar a VIII e nova Legislatura, o CDS-PP não muda de posição
instável, mostrando-se ora como um partido que compreende «não só (…) a base e a
filosofia do RMG como aderimos a ela»63 ora como um partido que identifica na
medida um «“sistema dos três efes” (…), cheio de “falhas”, (…) “faltas” e (…) em que
há muito a “fazer”»64. De outra forma, o CDS-PP, ainda no início da Legislatura,

55
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
56
   idem
57
   idem
58
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 106, 1.ª S. L., VII Legislatura
59
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 4.ª S. L., VII Legislatura
60
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura
61
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 97, 4.ª S. L., VII Legislatura
62
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura
63
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 5, 1.ª S. L., VIII Legislatura
64
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura
                                                                                     27
começa a estabilizar as suas visões, as quais durarão, sensivelmente, até à última
Legislatura em análise na nossa investigação. Assim, o CDS-PP estabelece que «o
Estado (…) deve fazer, e fazer bem, uma opção preferencial pelos mais fracos»65, pois
«faz todo o sentido conceber um mínimo de existência disponível para os que vivem na
linha da pobreza ou aquém desta»66, que deve ser aplicado como um «justo e rigoroso
direito humano e social»67, possuir um carácter transitório e não se revelar como «um
estilo de vida»68. Portanto, o CDS-PP pretende uma medida focada em aspectos
concretos de modo a intensificar a sua fiscalização e a diminuir a sua fraude69, querendo
também, por outro lado, associar a «conexão entre as duas políticas, a do emprego e a
do RMG»70.
         Assim, o CDS-PP entra em funções governativas, coligado com o Partido
Social-Democrata, na IX Legislatura (vide, para o efeito, outros aspectos relevantes no
ponto ii)), negando «as concepções ultraliberais daqueles que, em nome da liberdade,
condenam alguns à liberdade de serem excluídos, [e] também (…) a concepção
daqueles que consideraram o RMG uma criação perfeita, (…) que faria de todos os
outros seres pouco sensíveis à pobreza ou à dificuldade alheia»71. Temos pois, da parte
do partido (já fazendo a ponte para a X Legislatura), o desejo da inversão da «lógica
filosófica do individualismo»72, fazendo com que a «sociedade, no seu todo, e também
[o] Estado [dêem] cumprimento ao imperativo de solidariedade e equidade social,
encontrando formas para superar situações de pobreza extrema e garantir condições
básicas de dignidade humana»73, o que só é possível com «mais justiça social, porque
sem justiça social a democracia será sempre incompleta e o desenvolvimento não será
sustentável»74.
         Apesar da sua posição de «benefício da dúvida», o CDS-PP revelou, já na parte
final da última Legislatura, uma nova abordagem à medida, não tanto pelo conteúdo
mas mais pela forma, constatando que «justiça social é dar mais a quem mais precisa,
retirando a quem não cumpre obrigações, foge à fiscalização e vive fraudulentamente do




65
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
66
   idem
67
   idem
68
   idem
69
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
70
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
71
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
72
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 18, 1.ª S. L., IX Legislatura
73
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura
74
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., IX Legislatura
                                                                                      28
rendimento mínimo»75, começando pelo facto de que «quem beneficia do RSI deve ter
uma obrigação qualquer de trabalhar a favor da comunidade»76.


4.4. Partido Comunista Português

         Estamos perante, neste ponto, o partido político português que se demonstrou, ao
longo do período em análise, como sendo o mais coerente na abordagem à medida. O
facto não é de estranhar, pois foi este mesmo que, em Maio de 1993, apresentou pela
primeira vez em Portugal um projecto de “rendimento mínimo”.
         Deste modo, o Partido Comunista Português (PCP) foi também um
impulsionador no início do nosso período de análise porque apresentou para debate, em
conjunto com a medida RMG do Partido Socialista, um “rendimento mínimo de
subsistência”, argumentação que adoptámos como sendo válida no que concerne à nossa
investigação. Então, para o PCP, o RMG é «uma medida de combate e minimização da
pobreza e da exclusão social e de apoio à reinserção na vida activa»77, porque «ninguém
tem o direito de ignorar que há centenas de milhares de cidadãos que (…) vão morrendo
(…) sem que o Estado, nem ninguém, lhes dê a mão»78. Assim, pretende-se promover a
«recuperação dos direitos de cidadania a milhões de cidadãos que estão excluídos dela»,
sendo que, todos estes aspectos, só serão resolvidos «quando erradicada for a lógica de
um sistema e modelo económico de matriz neoliberal»79. Esta última citação revela-se
fundamental em todo o discurso do PCP ao longo destes treze anos, porque, para este, a
mudança efectiva que a medida poderá provocar advirá somente se esta for incluída
numa perspectiva holística, i.e., se forem                       considerados        inúmeros   aspectos
interdependentes de um sistema em constante mutação, tais como as políticas
económica, no geral, e a de emprego, especificamente.
         Facilmente se observa que o PCP mantém a sua argumentação quer ao longo da
VIII Legislatura como também ao longo da IX Legislatura. No primeiro período, o PCP
reafirma que a medida é um «direito sério, popular e justo»80 e que implica,
«obviamente, uma forte intervenção do Estado»81. Já no segundo, assistimos ao balanço
da medida, o qual, considera o PCP, é «largamente positivo»82.

75
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 19, 4.ª S. L., X Legislatura
76
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 13, 3.ª S. L., X Legislatura
77
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura
78
   idem
79
   idem
80
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
81
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
82
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
                                                                                                     29
Na última Legislatura, e em jeito de síntese, o partido diz-nos, numa perspectiva
abrangente, que «só se consegue combater a pobreza (…) dignificando salários e
distribuindo melhor a riqueza!»83.




83
     Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura
                                                                                         30
4.5. Bloco de Esquerda

         Entrado no sistema de partidos apenas em 1999, e obtendo, nesse mesmo ano,
lugares de representação na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda (BE)
facilmente impôs a sua visão da medida e determinou a sua «adesão, sendo
inclusivamente», indo mais longe, «da simpatia pela sua integração como um regime da
segurança social, como um novo direito social»84. Enquadrando a sua visão de justiça
social como sinónimo de transferência de «riqueza daqueles que sempre foram
detentores dela para aqueles que a não têm na sociedade portuguesa»85, o BE verifica
que «o patamar social [da medida, ou seja, o seu alcance] é baixo (…) [por isso]
pensamos que isto deve ser alterado, melhorado e favorecido»86. Ainda na VIII
Legislatura, o BE aponta, comparativamente, aquilo que durante todo o seu discurso se
vai constituir como um dos aspectos mais pertinentes, ao dizer que «poupar no RMG e
não ser severo com a fuga e a fraude fiscal, com a habilidade fiscal da banca e dos
grandes grupos económicos, com o aumento da desigualdade social no nosso país, não é
bom exemplo do combate a uma política de direita, não é bom exemplo de uma filosofia
que se diz contra o neoliberalismo»87. Em suma, o BE entende que a medida «deveria
ser uma bandeira simbólica a manter, a bandeira de uma política, onde, a haver cortes, é
quase como que admitir as críticas que a direita tem vindo a fazer a este instrumento»88.
         Já na IX Legislatura, mantendo-se a consistência do conteúdo do discurso, o
partido diz claramente que a medida «tem princípios que queremos reafirmar, garantir e
ajudar a desenvolver, como o princípio da responsabilidade social, do reconhecimento
dos direitos sociais (…)»89.
         Por último, o BE, na X Legislatura, reforçou os propósitos da medida ao declarar
que esta «destina-se a colmatar as necessidades essenciais das pessoas e deve basear-se
no princípio fundamental do combate à pobreza e à exclusão social»90, o que confirma,
segundo o partido, que «a política social é o centro da democracia e tem de responder às
pessoas»91.




84
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
85
   idem
86
   idem
87
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura
88
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 104, 2.ª S. L., VIII Legislatura
89
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
90
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura
91
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 47, 3.ª S. L., X Legislatura
                                                                                       31
4.6. Partido Ecologista “Os Verdes”

        Estando sempre presente ao longo do período por nós estudado, é também facto
que a argumentação do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) tem-se mostrado um
pouco oculta, constituindo uma das principais razões, com certeza, o escasso tempo de
participação em Plenário que o mesmo possui.
        Assim, somente a partir da VIII Legislatura conseguimos apurar as posições
deste partido, as quais apontam para que medida se constitua, na perspectiva do PEV,
como «um dever da comunidade em relação àqueles que carecem de maior protecção»92
e como «um direito mínimo de cidadania, (…) apesar de (…) ser manifestamente
insuficiente»93. Deste modo, a visão do PEV, também já na IX Legislatura, indica para
que a medida seja «um direito cívico e um direito humano»94.


Conclusão

        Na sequência do que temos vindo a apresentar, e visto que o nosso trabalho
consiste numa “Comparação entre o Discurso Político e a Realidade”, apresentam-se
neste ponto as considerações por nós elaboradas, com base nos elementos por nós,
também, analisados.
        Deste modo, um dos aspectos que nos merece atenção tem que ver com os
objectivos que a medida prossegue, e, necessariamente, os resultados que a mesma
promove. Assim, e com base nos trabalhos já citados de Diogo (2004b) e Rodrigues e
Gouveia (1999, 2003), nomeadamente este último onde se verifica que além de não
combater e reduzir pouco a intensidade e severidade da pobreza a medida não está a
abranger a população-alvo (em 2000, o Tribunal de Contas refere que a medida só
atingiu 3,4% da população portuguesa, quando estava previsto que atingisse 5,7%95), as
nossas considerações vão no sentido de contrapor estas afirmações ao que os partidos
políticos com assento parlamentar constantemente expõem ao longo do período em
análise em relação à manutenção estável dos níveis de pobreza em Portugal, dando-nos
as bases para que vejamos esta medida com um carácter, essencialmente,
assistencialista.


92
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura
93
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura
94
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura
95
   Acórdão 02/2000, Auditoria aos Sistemas de atribuição e de controlo do Rendimento Mínimo
Garantido, Tribunal de Contas, p. 90-91
                                                                                              32
Num plano superior (supra-estadual), tendo em consideração o enquadramento
europeu desta medida, a Recomendação da Comunidade Económica Europeia de
199296, evocada por diversos grupos parlamentares ao longo do período em análise, traz
o contributo essencial de os Estados incluírem no seus sistemas de protecção social uma
medida do género do RMG/RSI, mas que, contudo, não pode ser descurada de uma
envolvência de toda uma política económica. Ora, é precisamente neste ponto que
alguns dos actores por nós estudados incorrem em erro, ao verem na medida um
instrumental individual que promove uma redução de qualquer tipo de pobreza, não
tendo em atenção o enquadramento económico, e até social, do país.
        E acrescentamos social, porque Diogo (2004b: 4) refere que esta medida tem um
lado extremamente negativo do ponto de vista da análise sociológica, ao dizer-nos que
«é raro na análise sociológica depararmo-nos com um fenómeno [de desconhecimento]
tão marcado como este», isto é, ao longo das entrevistas a beneficiários, refere o autor, a
maioria das pessoas aponta a medida como sendo uma “ajuda”, ou seja, verifica-se que
o princípio da inserção/reinserção fica praticamente subvertido.
        De modo que uma das nossas conclusões aponta para a possibilidade de
reequacionar a melhoria dos outros quinze instrumentos já previstos para lidarem com
problemas específicos (por exemplar, invalidez, deficiência, toxicodependência,
alcoolismo, etc.) em vez de se criar toda uma nova burocracia gastadora de recursos
cada vez mais avultados vindos directamente do Orçamento do Estado, ou seja, vindos
dos bolsos dos cidadãos contribuintes.
        Importa dizer, nesta sequência, que os partidos políticos portugueses possuíam,
desde o início, dados relativamente fiáveis a apontar que a medida seria essencialmente
assistencialista. Apesar destas considerações, nenhum partido político português põe em
causa a medida, alguns expressando-se ocasionalmente contra a eficiência da mesma.
        É assim que as palavras do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social de
1996 elucidam a base e a filosofia da medida ao proferir «que gostaria que, na maior
parte dos casos, fosse uma cana de pesca mas estou convencido de que, frequentemente,
será o “peixe”»97, isto é, explicam vozes do PS, «queremos dar aos excluídos os
“peixes”, mas aos que tiverem força e vontade procuramos ensiná-los a “pescar” para
que deixem de ser excluídos, para que deixem de ser marginalizados»98. Ou seja, tal




96
   Recomendação de 24 de Junho de 1992, (92/441/CEE), in J.O. n.º L245, de 26/08/1992, pp. 46-48.
97
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 4, 1.ª S. L., VII Legislatura
98
   Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura
                                                                                                    33
como prova a realidade, o discurso torna-se apenas uma cara formal da medida,
desligado da prática e da realidade, apesar deste ser largamente proferido e reafirmado.
       Sendo o propósito dos partidos políticos a conquista, manutenção e exercício do
poder político, e vivendo nós numa época em que os valores pós-materialistas clamam
por exigências abstractas tais como a “justiça social”, parece-nos fácil de antever que
tais medidas tenham como propósito ludibriar as massas em épocas eleitorais no sentido
de captar o voto quando, na verdade, a pobreza real não é combatida com seriedade e
apenas artificialmente diminuída na sua intensidade.
       O RSI, apesar de custoso ao erário público e de falhar há mais de uma década na
concretização dos seus objectivos, eles próprios tão voláteis quanto o discurso político,
não poderia ser facilmente eliminado ou substituído pelo poder governamental. Na
verdade, o partido que o fizesse seria logo responsabilizado por atentar contra o Estado
de Providência, sendo severamente penalizado aquando das eleições, isto porque as
massas são os peões da história e não conhecem as especificidades de tais medidas a
fundo, apenas que supostamente se destinam a ajudar os mais carenciados e ai de quem
não partilhe de semelhante “solidariedade”.
       Em nome da “justiça social” e de valores que nada têm de reprovável, excepto o
facto de serem demasiado abstractos para não serem perniciosamente explorados, as
elites políticas ganham assim larga margem de manobra para assumirem a capa de
“campeões dos mais desfavorecidos” e debaixo dela assaltarem e manterem o poder,
descartando não só os danos ao erário público como também os resultados práticos,
reais, de tais políticas aquando da sua implementação, que pelas próprias forças
libertadas em épocas eleitorais não podem voltar atrás sem arriscar a ira dos cidadãos
contra o partido que se atreva a ser responsável.




                                                                                       34
Bibliografia

Fontes Primárias

       CATARINO, João Ricardo (1999), Para Uma Teoria Política do Tributo,
Lisboa, Centro de Estudos Fiscais
       CATARINO, João Ricardo (2008), Redistribuição Tributária, Estado Social e
Escolha Individual, Coimbra, Almedina
       DIOGO, Fernando (2004a), Quando o Estado e os cidadãos não se entendem: O
caso do programa de inserção do rendimento mínimo garantido, s.l., in Actas do V
Congresso da APS [disponível em: www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR4628c598641b
6_1.pdf (consultado em 24/11/2009)]
       DIOGO, Fernando (2004b), A parceria: para os beneficiários e em função do
desenvolvimento local, s.l. [disponível em: http://www.uac.pt/~fdiogo/pdf/Comunica_
sobre_parceria.pdf (consultado em 23/11/2009)]
       ESPADA, João Carlos (2004), “Karl Popper: A Sociedade Aberta e os seus
Inimigos”, in João Carlos Espada e João Cardoso Rosas (org.), Pensamento Político
Contemporâneo, Uma Introdução, Lisboa, Bertrand Editora
       HAYEK, Friedrich (2009), O Caminho para a Servidão, Lisboa, Edições 70
       MALTEZ, José Adelino (1992), Princípios Gerais de Direito, Uma Perspectiva
Politológica, Tomo I, Associação de Estudantes do ISCSP
       RODRIGUES, Carlos Farinha e GOUVEIA, Miguel (1999), The impact of a
“Minimum Guaranteed Income Program” in Portugal, s.l. [disponível em: http://pascal
.iseg.utl.pt/~depeco/wp/wp31999.pdf (consultado em 18/11/2009)]
       RODRIGUES, Carlos Farinha e GOUVEIA, Miguel (2003), Para que Servem as
Pensões Mínimas?, in 2.ª Conferência do Banco de Portugal, s.l. [disponível em: http://
www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/rgp_MA_4649.pdf (consultado em 23/11/2009)]


    Diversos
    1. Institucionais

       Centro de Recursos em Conhecimento do Instituto da Segurança Social, I.P.
       Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção
       Conta Geral do Estado, Volume I, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003,
2004, 2005, 2006, 2007, 2008
       Diário da Assembleia da República, I Série, VII, VIII, IX, e X Legislaturas
                                                                                     35
Direcção-Geral do Orçamento, MFAP
       Gabinete de Estudos e Planeamento do MTSS
       Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro de 2009
       Instituto da Segurança Social, I.P.
       Programa de Governo, XIII, XIV, XV, XVI e XVII Governos Constitucionais


    2. Legislação

       Lei n.º 19-A/96, que cria o RMG
       Lei n.º 13/2003, que revoga a Lei n.º 19-A/96, criando o RSI
       Lei n.º 45/2005, primeira alteração à Lei n.º 13/2003
       Decreto-Lei n.º 196/97, que regulamenta a Lei n.º 19-A/96
       Decreto-Lei n.º 283/2003, que regulamenta a Lei n.º 13/2003
       Decreto-Lei n.º 42/2006, primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 283/2003
       Portaria n.º 105/2004, que define os montantes do RSI
       Portaria n.º 108/2004, que aprova os formulários do RSI
       Portaria n.º 1514/2008, que define as actualizações dos montantes do RSI


    3. Sítios na Internet

       http://www.reinerio.hpg.ig.com.br/justo.htm


Fontes Secundárias
    1. Artigos de Imprensa

       Agência Lusa, “Pobreza em Portugal é persistente”, DNotícias.pt, 19/09/2009
[consultado em 08/10/2009]
       Agência Lusa, “Sec. Estado: Menos 6.500 pessoas beneficiam do RSI desde
final de Junho”, Diário de Notícias, 07/10/2009 [consultado em 09/10/2009]
       Céu Neves, “Mais 40 mil pessoas a receber rendimento social de inserção”,
Diário de Notícias, 07/10/2009
       Céu Neves, “Governo regista „pequena‟ baixa nos que necessitam, Diário de
Notícias, 08/10/2009
       João Carlos Malta, “Família Milionária recebe agora rendimento mínimo”,
Correio da Manhã, 08/11/2009 [consultado em 10/11/2009]
       João Carlos Malta, “Padarias atacam RSI”, Correio da Manhã, 17/11/2009
                                                                                  36
Pedro H. Gonçalves, “Fraudes de 118 milhões no RSI”, Correio da Manhã,
09/10/2009
       Rute Araújo, “Rendimento Social de Inserção. Um sobrevivente à passagem dos
regimes”, i, 30/12/2009
       s.n., “463 mil agregados familiares abrangidos”, Diário de Notícias, 08/10/2009
[consultado em 09/10/2009]
       s.n., “Só um por cento volta ao trabalho”, Diário de Notícias, 08/10/2009
[consultado em 09/10/2009]
       s.n., “Dois milhões de pobres. Dar dinheiro não compensa”, i, 22/09/2009
[consultado em 06/10/2009]




                                                                                   37
Anexos
             Tabela 1 (Despesa efectuada com o RMG/RSI (em euros) e
              % da mesma face ao total de despesas correntes da CSS)

                                                                  % FACE AO TOTAL
                                                      VALOR        DAS DESPESAS
                                            ANO
                                                    (EM EUROS)     CORRENTES DA
                                                                       CSS
                                            1996     1.759.759         0,0
                                            1997    48.656.737          0,5
                                            1998    197.194.761         0,5
                   CONTA GERAL DO ESTADO


                                            1999    277.398.470         1,9
                                            2000    266.797.518         2,2
                                            2001    244.282.280         2,1
                                            2002    232.413.500         1,7
                                            2003    243.674.500         1,7
                                            2004    241.701.600         1,5
                                            2005    285.300.000         1,7
                                            2006    334.800.000         1,8
                                            2007    372.600.000         2,0
                                            2008    425.700.000         2,1
                                            2009a   463.063.967         2,6
                                           TOTAL 3.635.343.092
                 Fonte: Elaboração própria, com base na Conta Geral do Estado.
                 Legenda: a – O valor inscrito compreende somente onze meses do Ano.

          Gráfico n.º 1 (Despesa Efectuada com o RMG/RSI (em euros))

           500,000,000
           450,000,000
           400,000,000
           350,000,000
           300,000,000
           250,000,000
           200,000,000
           150,000,000
           100,000,000
            50,000,000
                     0
                                             2009a
                                              2000
                                              1996
                                              1997
                                              1998
                                              1999

                                              2001
                                              2002
                                              2003
                                              2004
                                              2005
                                              2006
                                              2007
                                              2008




         Fonte: Elaboração própria, com base na Conta Geral do Estado.
         Legenda: a – O valor inscrito compreende somente onze meses do Ano.
                                                                                       38
Tabela 2 (Dados estatísticos relativos à medida RMG/RSI desde 1997)
                      Valor                        % de           N.º de
                                    N.º de
       N.º total de médio da                  beneficiários c/ beneficiários
 Ano                            beneficiários
      beneficiários prestação                  rendimentos       c/ outras
                               c/ rendimentos
                    (em euros)                 face ao total     pensões
                 b
 1997   116.835
 1998   310.601c      30,51c
 1999   421.328c      32,15c
 2000       474.420d         35,01c
 2001       419.835d         42,34c          150.700             35,90%
 2002       379.948e
 2003       425.984e         64,70i
 2004       363.845f         68,70i
 2005                        72,69i
 2006       342.286g         79,37i          92.817i             27,12%   28.073j
 2007       381.106h         82,39i          98.548i             25,86%   27.329j
 2008       430.235i         87,68i         105.676i             24,56%   26.064j
 2009a      471.566i         93,30i         112.148i             23,78%   24.359j
Fonte: Elaboração própria, com base nas fontes citadas na Legenda.
Legenda: a – Considerando somente onze meses do Ano.
     b
        – Acórdão 02/2000, Tribunal de Contas
     c
        – Estatísticas RMG, Março 2002
     d
        – Conta da Segurança Social 2002
     e
        – Conta da Segurança Social 2003
      f
        – Conta da Segurança Social 2004
     g
        – Conta da Segurança Social 2006
     h
        – Conta da Segurança Social 2007
      i
        – IGFSS, MTSS [dados recebidos em 11/12/2009]
      j
        – IGFSS, MTSS [dados recebidos em 16/12/2009]




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"Assistencialismo Social - Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade"

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"Assistencialismo Social - Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade"

  • 1. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa Licenciatura em Ciência Política Laboratório I – Análise de Política Interna Docente: Manuel Meirinho Martins (Professor Associado c/ Agregação) Assistencialismo Social – Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade Não citar sem a permissão dos autores André Emanuel Valente Roseta Cunha (andre.roseta.cunha@gmail.com) João André Marmelo Santana Lopes (santanalopes1@gmail.com)
  • 2. Agradecimentos Como a incursão nestas áreas revela-se sempre, de algum modo, uma nova experiência para quem entra nelas pela primeira vez, e como nem sempre é fácil a dois mancebos atirarem-se de cabeça no tumultuoso mundo académico, gostaríamos de agradecer o tempo, a atenção e os importantes conselhos dispensados pelo Professor Doutor João Ricardo Catarino, que nos estimulou, desde o primeiro ano desta nossa aventura, o interesse pelo mundo financeiro enquanto mundo político. Ao Professor Doutor Manuel Meirinho Martins, pelas pancadas na cabeça e pelas palmadinhas no ombro. Sem a sua disponibilidade e atitude sempre crítica não teria sido possível uma investigação minimamente séria, que se traduziu neste trabalho. À Professora Doutora Maria da Conceição Pequito Teixeira, pela introdução aos meandros da Assembleia da República, referências sem as quais os resultados obtidos agora não seriam os mesmos. Aos Serviços da Biblioteca da Assembleia da República, pela faculdade de nos terem deixado ocupar os seus assentos por algumas horas de trabalho de pesquisa. À Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças e Administração Pública, pela pronta entrega da contabilização do dinheiro dos contribuintes. À Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção, pela diligência com que responderam às nossas dúvidas. Ao Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, pelo acolhimento dos nossos anseios. Ao Centro de Recursos em Conhecimento do Instituto da Segurança Social, I.P., pela amabilidade no tempo dispendido em nosso auxílio. Por fim, aos nossos pais, por serem nossos. E por nos terem pago as propinas. 2
  • 3. Índice Agradecimentos ...............................................................................................................2 Nota Metodológica ...........................................................................................................4 Introdução ........................................................................................................................7 1. Enquadramento Teórico ...........................................................................................10 1.1. JUSTIÇA, JUSTIÇA SOCIAL E IGUALDADE ................................................................. 10 1.2. ESCOLA ITALIANA: PROGRESSIVIDADE DOS IMPOSTOS E REDISTRIBUIÇÃO ................ 11 1.3. ESCOLA AUSTRÍACA: ESTADO E RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL............................. 14 2. Estado da Arte ...........................................................................................................18 2.1. SOBRE A PERSPECTIVA ECONÓMICA DO RMG/RSI .................................................. 18 2.2. SOBRE A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA DO RMG/RSI................................................ 19 3. O RMG/RSI ...............................................................................................................21 4. O Discurso Político ....................................................................................................22 4.1. PARTIDO SOCIALISTA ............................................................................................. 22 4.2. PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA ............................................................................... 25 4.3. CENTRO DEMOCRÁTICO SOCIAL-PARTIDO POPULAR............................................... 26 4.4. PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS ......................................................................... 29 4.5. BLOCO DE ESQUERDA ............................................................................................ 31 4.6. PARTIDO ECOLOGISTA “OS VERDES” ..................................................................... 32 Conclusão .......................................................................................................................32 Bibliografia.....................................................................................................................35 Anexos.............................................................................................................................38 3
  • 4. Nota Metodológica O texto ora exposto teve por base o desafio lançado no decurso da disciplina “Laboratório I – Análise de Política Interna”, ministrada pelo Professor Doutor Manuel Meirinho Martins no I Ciclo de Estudos em Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. A disciplina possui o objectivo de promover uma investigação, elaborada pelos alunos, sobre temas relevantes de política nacional que utilize perspectivas teóricas e metodologias leccionadas ao longo do programa curricular desta licenciatura. Deste modo, e considerando a estrutura de temas de investigação fornecida pelo docente, os alunos optaram pela área temática de “Políticas Públicas”. Utilizando a técnica de especificação de temas optou-se por se estudar, no âmbito de uma subárea das “Políticas Públicas” – as “Políticas Sociais” –, o fenómeno do “Assistencialismo Social” inserido no papel da redistribuição tributária assumido pelo Estado ao longo dos séculos XX e XXI. Assim, o tema subjacente à investigação é “Assistencialismo Social – Uma Comparação entre o Discurso Político e a Realidade”. Neste sentido, pretende-se compreender o caso concreto das medidas Rendimento Mínimo Garantido (RMG) (Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho) e Rendimento Social de Inserção (RSI) (Lei n.º 13/2003, de 29 de Maio), comparando com os argumentos doutrinários, e depois políticos, que não só lhes dão forma como os sustentam ao longo da sua implementação, aferindo pois a sua validade e veracidade em relação aos factos. Portanto, de modo a se iniciar a investigação, condensámos oportunamente o desafio numa pergunta de partida: em que medida o Assistencialismo Social, assente na redistribuição tributária e personificado pelas medidas RMG e RSI, e justificado quer pelo discurso político quer por argumentos teóricos, resolve de facto o problema a que se destina – o da inserção na comunidade política por parte dos “marginalizados”? O nosso período de análise estende-se desde o início da implementação da medida RMG/RSI – em 1996 – até ao Ano de 2009, através do qual podemos incidir as nossas atenções sobre todos os discursos políticos proferidos quer pelos partidos políticos quer pelo Governo em sede de Plenário da Assembleia da República e também sobre os dados estatísticos que versam sobre a medida. Para empreender esta investigação optámos por fazer essencialmente uma análise exploratória factual, detendo-nos sobre quer os próprios discursos políticos já referidos acima quer sobre dados estatísticos fornecidos pelo Instituto da Segurança 4
  • 5. Social, I.P. (ISS, I.P.) e pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO) do Ministério das Finanças e da Administração Pública (MFAP). No intuito de obter, na medida do possível, uma resposta em que o conteúdo seja substantivamente holístico, utilizámos ainda uma análise normativa, com o objectivo de que esta nos pudesse prover o enquadramento institucional sempre necessário, e também uma exploração, e respectivo levantamento, do enquadramento teórico e Estado da Arte, preciosos para nos fornecer os alicerces doutrinários fundamentais para a compreensão da medida. Em linha com o que vimos dizendo, recorremos a fontes primárias e secundárias para dar sustentação a toda a investigação. Assim, para o primeiro caso, socorremo-nos não só de dados estatísticos sobre a medida, provenientes quer do ISS, I.P. quer da DGO do MFAP, mas também de outras fontes institucionais e de legislação adstrita à medida, bem como de todas as monografias que nos dão o respectivo enquadramento teórico e Estado da Arte. No que toca às fontes secundárias, estas visam prover-nos uma parte importante do enquadramento teórico mas, sobretudo, fornecer-nos artigos de imprensa escritos acerca do nosso tema. Preferencialmente, trabalhámos com recurso às fontes primárias, apesar da existência de algumas contradições por nós observadas – e confirmadas pelo próprio ISS, I.P. – nos dados estatísticos da medida. É através deste último ponto – as incongruências encontradas – que esclarecemos aqui que o acesso aos dados do ISS, I.P. foi, de facto, deveras dificultado, não tanto pela falta de amabilidade dos seus funcionários (pois enviaram os dados, mesmo em época de fecho contabilístico do Ano, num período de tempo razoável) mas sim mais pela imagem de falta de organização que transpareceram. Ora, nesta falta de organização destacam-se envios de dados não desejados bem como a falta de muitos deles por nós requeridos. Os responsáveis apontam, predominantemente, as mudanças estruturais no Instituto que ocorreram entre 2003 e 2005 para explicar o facto. A nós, compete-nos registar o facto de que durante este período de reestruturação, tal como os próprios nos dizem, muitos dados foram perdidos, não sendo acessível ao cidadão comum auferir da contabilização adequada acerca dos beneficiários destas medidas. Por outro lado, ao longo da pesquisa e recolha de dados deparámo-nos com diversas inconsistências no que toca a indicadores de análise utilizados pelos diversos serviços do Instituto, ora mudando-os frequentemente (em média, de dois em dois anos desde a criação da medida) ora alterando a unidade de análise de “família” para “beneficiário”, e vice-versa. Este trabalho apresenta uma simples estruturação, reservando-se, inicialmente, um ponto introdutório que versa sobre a justificação da relevância substantiva para a 5
  • 6. Ciência Política. Adiante, encontrar-se-á um primeiro ponto acerca do enquadramento teórico, o qual optámos por dividir em duas Escolas Teóricas. O segundo ponto detém- se com a explanação do Estado da Arte. No terceiro ponto introduzimos uma descrição da medida. O quarto ponto revela as posições dos partidos políticos, devidamente sistematizadas, acerca da medida. Por último, as notas conclusivas apontam para algumas considerações que advieram da resposta à nossa pergunta de partida. 6
  • 7. Introdução A forma do poder variou diversas vezes ao longo das épocas, mas nunca o tributo deixou de lhe estar associado. De facto, o Estado não existe sem imposto. Ver o fenómeno tributário meramente como um facto jurídico ou financeiro é cair na tentação de uma visão simplista que esquece que o poder político em democracia é fundamentalmente uma relação entre sociedade civil e instituições públicas, sendo certo que o imposto serve não só como uma das várias correias de transmissão entre cidadãos e Estado mas também suporta financeiramente essas mesmas instituições. Na verdade, nunca um poder político cuja capacidade de tributar perdesse legitimidade sobreviveu durante muito tempo à pressão quer de forças internas quer de forças externas, pelo que as elites sempre estiveram preocupadas em saber até onde podiam aumentar o volume fiscal sem serem vítimas da insatisfação popular, isto porque «a arte de tributar consiste em depenar o pato de maneira a obter o máximo de penas com o mínimo de guinchos» (Colbert, apud Catarino, 2008: 553). Já a História nos mostra claramente que sempre os povos conquistadores exigiram tributo aos povos conquistados, num claro sinal de dominação política (Catarino, 1999: 44). A nível interno a relação parece-nos passível de semelhança, isto porque o tributo nos surge sempre como um direito do Estado e um dever dos cidadãos. O fenómeno financeiro não pode assim ser visto como um mero mecanismo de arrecadação de receita, visto estabelecer uma clara relação de dominação que consoante as gentes e as épocas foi mais forte ou mais fraca. Parece-nos por isso pertinente relembrar, num século XXI em que nas televisões, rádios e jornais se alerta para o declínio da classe média, que a falência do Império Romano se deveu não apenas à decadência da moral e das estruturas militares que o suportavam como também ao «fiscalismo excessivo» (Bouthoul, 1962 apud Catarino, 1999: 52) dum modelo tributário que esvaziou os bolsos da classe média e com eles a importância e força daquele segmento da sociedade que conferia estabilidade e pujança ao sistema político. Já na Idade Média e com o desmembramento da pax romana assistimos ao recuar da importância dos modelos fiscais e figuras tributárias. Isto acarretou a queda de um poder central e actuante, capaz de interagir directamente com a sociedade civil tanto para o bem como para o mal, enquanto facilitava a ascensão de feudalismo. 7
  • 8. Sendo assim, «o que se constata e retira da história, é que o declínio do tributo arrasta consigo o declínio do Poder, do Estado» (idem: 59) enquanto mecanismo de acção do poder político no seio das sociedades. Por outro lado, aí onde o poder central se via reforçado, quer pela autoridade divina quer pela superioridade dos canhões, logo se assistia ao ressurgimento do tributo como mecanismo de legitimação e sustentação de tão grande força. Parece-nos assim que imposto e poder caminham de mãos dadas, até porque «um poder político forte leva à criação e consagração de modelos de tributo robustecidos e a uma aplicação efectiva dos mesmos, ao passo que um poder político de fracas bases (…) não consegue mais do que um sistema tributário escassamente suficiente para reproduzir os meios necessários (ou nem isso) à satisfação das necessidades colectivas básicas a prosseguir» (idem: 79). O fenómeno financeiro é assim relevante para a Ciência Política porque «sem receitas não há Estado», palavras proferidas por António Carlos Santos, antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no XIII Governo Constitucional durante uma entrevista à comunicação social. De facto, sem dinheiros públicos não mais seria o mesmo o estudo politológico sobre o financiamento público e privado dos partidos, ou sobre a actividade dos mesmos; não mais seria a mesma a análise do papel de câmaras e autarquias no seio de uma comunidade política, isto porque sem dinheiros públicos não haveria Estado para os partidos conquistarem nem câmaras e autarquias para o compor. E em tais circunstâncias, parece-nos a nós que a Ciência Política teria que reconfigurar o seu escopo de análise para campos que não se relacionassem directamente com o Estado, o que no nosso entender diminuiria o entendimento da disciplina acerca do fenómeno político visto o próprio fenómeno político ter diminuído. Ao afirmarmos que o propósito do imposto é a cobertura das despesas do Estado estamos simultaneamente a afirmar, apesar de nem sempre nos apercebermos disso, que o imposto dá ao poder político a capacidade de satisfazer fins públicos e necessidades colectivas. Mas o Estado não pode satisfazer todas as necessidades, pelo que as hierarquiza antes de fazer a afectação de recursos, sacrificando prioridades a outras prioridades. Entretanto, os partidos competem entre si por aquela quantia de votos que lhes permita monopolizar os recursos públicos, agitando às massas promessas de despesismo e carregando na fronte as bandeiras de “justiça social” que as legitimam. 8
  • 9. De facto, em todas as corridas eleitorais aplaudimos inconscientemente enquanto os dirigentes políticos tentam ultrapassar os rivais atirando aos olhos das massas promessas de cada vez maior despesa pública, ganhando invariavelmente aquele que promete mais, e que mais descarta critérios como a eficiência, aplicabilidade e até a sustentabilidade de tais projectos. E as massas seguem aplaudindo. O propósito deste estudo é assim tentar compreender através duma perspectiva politológica tais medidas, nomeadamente através da comparação dos resultados efectivos do rendimento mínimo garantido/rendimento social de inserção com o discurso político ocorrido em plenário da Assembleia da República ao longo dos últimos treze anos. Acresce dizer que o fenómeno financeiro tem assumindo, desde o advento do Welfare State, a crença de que não só pela progressividade dos impostos se alcança a justiça social, mas também pela redistribuição da receita pública pelas classes desfavorecidas. Apesar de as medidas em foco já não dizerem respeito à arrecadação de receita sem a qual o Estado moderno não é possível, sem dúvida que dizem respeito a uma redistribuição cujo critério é estabelecido pelo poder político e por quem o domina, fenómeno que a nosso ver continua dentro da jurisdição da ciência política. De facto, Mosca vê na história da humanidade uma luta constante entre potenciais elites pelo controlo do poder político (Bessa, 1993: 221), que depois de alcançado dirigem a sociedade do ponto de vista material. Sendo assim quem domina o Estado determina quem beneficia e quem é prejudicado por medidas de redistribuição financeira, sendo o dono do critério. Tal parece-nos em si mesmo um fenómeno de dominação, e por isso passível de ser analisado pela Ciência Política. Por outro lado, numa época em que os Estados têm as bases fiscais saturadas e as exigências das sociedades não deixam contudo de aumentar, é do nosso interesse analisar até que ponto as medidas fiscais e sociais existentes alcançam aquela eficiência na concretização dos seus objectivos que lhes permita escapar à classificação de “desperdício de fundos públicos” que poderiam de outro modo ser alocados a prioridades possíveis de concretizar de facto. Não apenas isso, mas sendo a bandeira da “justiça social” essencial para a vitória de qualquer partido nas sociedades modernas (veja-se o facto de nenhum dirigente partidário dar descanso ao uso do termo), parece-nos relevante determinar até que ponto tais promessas, por mais opacas que sejam aquando da sua concretização, contribuem de facto para a conquista, manutenção e exercício do poder político, relembrando sempre o 9
  • 10. “Buzinão” que por pouco não fez cair um governo em Portugal e que teve na sua génese a tentativa fracassada de pôr fim a uma subvenção estatal que em tamanho e despesismo nem se compara às medidas analisadas por nós. 1. Enquadramento Teórico 1.1. Justiça, Justiça Social e Igualdade O primeiro autor a empregar o termo “Justiça Social” na sua actual acepção foi Luigi Taparelli D‟Azeglio (1793-1862) (apud Catarino, 2008: 197), que a definia como aquilo que «deve tornar, efectivamente, todos os homens iguais em tudo quanto se refere aos direitos da humanidade» visto que «o Criador os fez perfeitamente iguais na sua natureza». É assim que se pode afirmar, como em Aristóteles (apud Catarino, 2008: 236), que «a Justiça é uma espécie de igualdade», restando saber «igual em quê e desigual em quê?». A questão é controversa e tem acompanhado o Homem ao longo de séculos na sua busca por uma resposta consensual, que agrade a gregos e a troianos. O ser humano chegou entretanto a várias hipóteses, sendo que nenhuma dela é conclusiva. Entre nós, José Adelino Maltez (1992: 161) resume o problema enquanto se questiona acerca da possibilidade de reunir os vários tipos de justiça em dois grandes grupos, a do socialismo «a dizer que “não há liberdade sem pão”, ou a justiça do capitalismo a preferir a liberdade ao pão e a dizer, muito experimentalmente, que só há pão se houver liberdade». Destes dois agrupamentos gerais Catarino (2008: 236) identifica outros dois grandes tipos de Igualdade, a do Socialismo, que advoga a igualdade de resultados e de satisfação de necessidades, e a do Liberalismo Clássico, que defende a igualdade de oportunidades enquanto deixa a cada indivíduo a responsabilidade pelos resultados que obtém. Estes dois tipos de Igualdade bebem de duas concepções de Justiça aristotélicas, a da Justiça Distributiva, que leva em conta o mérito aquando da distribuição dos bens que são de todos (idem: 199), e a Correctiva, que como o nome indica pressupõe a intervenção de terceiros para corrigir trocas desiguais ou involuntárias entre sujeitos. Andando para trás e para diante, pretendemos com isto comprovar que, de facto, Justiça e Igualdade, apesar de serem dois fenómenos distintos, caminham de mãos dadas, sendo difícil confrontar um sem que o outro venha em seu socorro. 10
  • 11. Numa sociedade complexa e aberta a justiça social seria uma realidade concreta aí onde, clamam alguns, a desigual distribuição de rendimentos pelo mercado seria corrigida pelo papel redistributivo dum terceiro agente, neste caso o Estado Soberano. É assim que a política fiscal deixa de ser um mero instrumento de recolha de receita para ganhar um carácter social e moral, empenhado na correcção de desigualdades naturais através da redistribuição do rendimento amputado a particulares. A Tributação torna-se um irónico aliado do Direito na prossecução da Justiça. Mas em que medida se efectua a Justiça através da Tributação? 1.2. Escola Italiana: Progressividade dos Impostos e Redistribuição O modelo progressivo foi modernamente desenvolvido pelo pensamento académico italiano, tendo sido ao longo do tempo acrescentado de contribuições alemãs, norte-americanas, francesas e até espanholas (idem: 412). A escola italiana opõe à tributação proporcional o modelo de tributação progressiva, sendo certo que enquanto a primeira tributa a riqueza como ela é produzida a segunda iria tributá-la consoante a maneira como é distribuída. A discussão era intensa e podemos encontrá-la muito antes da sua sistematização pela escola italiana. Montesquieu já a debatia, acreditando, juntamente com outros autores à época, que a equidade na distribuição de encargos públicos era melhor realizada pela progressividade do imposto (idem: 407), ao que Masé-Dari mais tarde acrescentaria que o «imposto progressivo deveria ser visto como uma compensação moral e económica às classes menos ricas» (idem: 410). Para o autor o imposto progressivo não só financia melhor a despesa pública como também é mais justo aquando da amputação do rendimento de particulares (idem: 419). É nesta linha que Adolph Wagner declara que o imposto não assume como única função a arrecadação de receita pelo Estado, mas que também se pode tornar um importante instrumento moral ao corrigir desigualdades provenientes da distribuição de rendimentos no mercado (idem: 410). De facto, John Hobson via o mercado como «fonte de desperdício e desemprego, superáveis através da acção pública» (idem: 237). Já Harold Groves (apud Catarino, 2008: 428) lança um olhar mais cínico sobre o modelo, afirmando que «a tributação progressiva é uma válvula de segurança para libertar o vapor que poderia, de outro modo, forçar imprudentes forças de mudanças revolucionárias». 11
  • 12. É assim que o rendimento se torna o índice de capacidade fiscal dos sujeitos segundo o modelo de impostos progressivos (pese embora ser de difícil definição, na praxis, o conceito de “capacidade fiscal”). A partir daqui a Igualdade Patrimonial deveria ser assimilada pela Igualdade Geral, resultando num nivelamento, pela acção pública, dos rendimentos na sociedade. A acção pública teria assim como objectivo prosseguir a igualdade de sacrifício sentida pelos particulares aquando da tributação, partindo do pressuposto que o rendimento, como qualquer bem ou serviço destinado à satisfação de necessidades, estaria adstrito a utilidades marginais. Por outras palavras, quanto maior fosse o rendimento do sujeito maior seria a sua capacidade contributiva, por se tornar cada vez menor a utilidade que este retira de cada unidade monetária que acrescenta ao total do seu valor aos olhos do mercado. Flora resume o pensamento ao explicar que a doutrina da capacidade contributiva assenta em dois patamares: a classificação das necessidades (1) e o valor decrescente dos bens (2) (Catarino, 2008: 440). A doutrina assume que, visto a intensidade das necessidades diminuir à medida que vão sendo satisfeitas, «o valor subjectivo da riqueza possuída e respectiva utilidade marginal decresce mais do que proporcionalmente, pelo que seria injusta a tributação segundo um sistema proporcional» (idem, ibidem). A taxas proporcionais, ou iguais para todos, aqueles de maior rendimento sofreriam um menor sacrifício aquando da tributação pelo Estado visto as suas necessidades estarem satisfeitas muito antes da alocação total dos seus rendimentos. A parcela que restaria seria assim não apenas inútil como uma afronta moral aos mais desfavorecidos. Francesco Guicciardini (apud Catarino, 2008: 483) reiteraria esta crença ao afirmar que «a igualdade de um imposto não consiste nisto, que ambos paguem a mesma taxa, mas em que o pagamento seja de forma a que tanto se sobrecarregue um como o outro». Augusto Graziani acrescenta ainda que o rendimento dos indivíduos deve ser composto de três elementos, que tentaremos sintetizar: o primeiro estaria destinado à satisfação das necessidades do sujeito e do seu agregado familiar; o segundo vir-se-ia resumido na poupança; o terceiro estaria destinado ao pagamento do imposto de modo a contribuir para o bem-estar colectivo (Catarino, 2008: 452). O modelo fiscal da progressividade assume assim como pedra angular o pressuposto económico que toma como interligadas, quase sobrepostas, duas realidades, a dos bens e a do rendimento (idem: 453), deduzindo das utilidades marginais do 12
  • 13. primeiro as utilidades marginais do segundo, isto apesar de a teoria económica e a teoria fiscal serem duas coisas diferentes. É assim que entre nós Catarino (idem: 485) identifica os objectivos do modelo segundo a doutrina que lhe serve de pedra angular: em primeiro lugar, a redistribuição da carga fiscal dos mais endinheirados para os mais desfavorecidos; em segundo, dotar os governos da capacidade de corrigir a distribuição de rendimentos feita pelo mercado, apoiando os mais carenciados através de políticas públicas; em terceiro lugar, satisfazer as reivindicações de intelectuais e políticos que à época desejavam, e desejam, ver diminuída a riqueza dos mais favorecidos. A escola italiana não é consensual e foi alvo de duras críticas. Pigou, por exemplo, afirma ser difícil definir objectivamente a intensidade das necessidades e por isso o grau de satisfação das mesmas, por ambas serem subjectivas, o que põe em causa a teoria das utilidades marginais quando aplicada ao rendimento. De facto, afirma que «it‟s impossible in practice to take account of variations between different people‟s ca- pacity for enjoyment» (Pigou apud Catarino, 2008: 443). Já Kendrick acrescenta a este primeiro rol de críticas o facto de o dinheiro ser «um bem de natureza especial que não oferece ao seu detentor o mesmo padrão de utilidade» que outros bens (Catarino, 2008: 443), pelo que uma justaposição de bens e rendimento seria intelectualmente desonesta. A segunda crítica é deduzida pelas premissas da teoria económica iniciada por Keynes e acrescentada ao longo do tempo por variadíssimos autores, entre os quais Milton Friedman (1976) ou Franco Modigliari (1985), que demonstraram claramente que um aumento no rendimento disponível das famílias leva a um aumento do consumo, daí que se confirme a sua crescente utilidade (e não decrescente, como o modelo de impostos progressivos é levado a acreditar) (idem: 449). Quanto à terceira crítica, temos o facto consumado de que, com o mesmo rendimento, sujeitos na mesma posição poderem fazer coisas muito diferentes (idem, ibidem), pelo que não é verdadeiro afirmar que a justiça do imposto se efectua com a igualdade de sacrifício, visto o sacrifício decorrer, parece-nos, da impossibilidade de podermos fazer o que desejaríamos com um património que é nosso. É assim que como principal opositor da Escola Italiana surge a Escola Austríaca, com uma visão diferente do papel do Estado na sociedade, da Justiça Social e ainda do fenómeno financeiro enquanto mecanismo de redistribuição de rendimentos. 13
  • 14. 1.3. Escola Austríaca: Estado e Responsabilidade Individual Segundo Friedrich Hayek, a igualdade promovida pelo Welfare State não só destruiria a liberdade dos cidadãos como também, a longo prazo, o catalisador de prosperidade que é a concorrência (idem: 221). De facto, o rol de políticas públicas que decorreram da aplicação da progressividade dos impostos endividaram o Estado e forçaram-no, acto contínuo, a aumentar ainda mais a progressividade das taxas, num ciclo vicioso que engordaria a máquina fiscal e aumentaria o volume de recursos que esta absorve da economia, manietando-a. De facto, segundo a concepção de Hayek, o mercado é uma rede de informação a ser trocada e reactualizada a todo o segundo, sendo certo que uma intervenção de tipo central nunca poderia acompanhar todas estas movimentações. Não apenas isso, mas a intervenção estatal tornaria a economia ineficiente e a longo prazo eliminaria a liberdade política, isto porque, segundo o autor, esta depende primeiramente da liberdade económica (Hayek, 2009: 125). O Welfare State alienava ainda aquilo que o autor austríaco vê como um valor positivo: a desigualdade. Mas se a Justiça é uma espécie de igualdade, como pode a desigualdade ser socialmente justa? Hayek renega o conceito de Justiça Social enquanto valor do Estado, acusando-o de ser uma “weasel word”, uma palavra com forma mas sem substância (Catarino, 2008: 225). Já Benegas Lych (apud Catarino, 2008: 226) afirma que o conceito é uma inversão da definição de Justiça de Ulpiano, ou seja, o acto de «dar a cada um o que é seu» degenera para um «tirar a uns o que lhes pertence para dar a outros o que não lhes pertence». Hayek (Catarino, 2008: 226) apresenta assim quatro argumentos contra o conceito de Justiça Social, que procuraremos sintetizar: 1. As distribuições feitas pelo mercado são uma questão de sorte, e por isso incontroláveis pelo Governo. 2. Não há consenso sobre o que é a necessidade ou o mérito, logo a justiça social não se pode efectuar com base nestes valores. 3. A prossecução da justiça social destabiliza o mercado, diminuindo a prosperidade. 4. Como não há consenso sobre a definição do conceito, qualquer grupo organizado pode manipulá-lo para promover a sua agenda pessoal. 14
  • 15. De facto, para a Escola Austríaca, «o conhecimento humano apresenta uma inevitável componente de indeterminação e imprevisibilidade» (idem: 221), e por isso as consequências das acções humanas não podem ser planificadas ou racionalizadas por qualquer autoridade central. Em termos de teoria do conhecimento, ou epistemologia, a Escola Austríaca pega no falsificacionismo de Karl Popper, segundo o qual uma teoria é considerada credível até que chegue o momento em que, posta à prova, não seja capaz de explicar uma realidade. Esta posição contrasta com a da Escola Italiana, que bebe do positivismo. Segundo a Escola Austríaca o positivismo conduz a uma visão arrogante da realidade que dá azo à criação de utopias. O problema das utopias aquando da sua aplicação ao fenómeno político é o facto de frequentemente manietarem o comportamento humano, imprevisível como já se viu, pelo facto de não o conseguirem compreender e prever. Por outras palavras, a construção utópica de governos conduz frequentemente à crença de que este pode, e deve, conhecer o que é melhor para todos, devendo assim intervir no sistema de preços e no processo de mercado (idem: 222). O problema das utopias reside assim na crença de que é possível fazer os outros felizes desde que ajam de acordo com a sua concepção de felicidade, ou uma sociedade mais justa desde que se paute pela minha definição de justiça. E como a Escola Austríaca o afirmaria, todos estes valores são subjectivos e por isso não são passíveis de imposição por terceiros no seio de uma sociedade verdadeiramente livre. Na verdade, para autores como Karl Popper, a arte da política seria mais o combate de males específicos do que a defesa de valores abstractos (Espada, 2004: 22). É assim que, entre nós, Catarino (2008: 223) identifica e expõe as características da Escola Austríaca, que procuraremos resumir: 1. Individualismo Metodológico: «o conteúdo da mente humana não pode ser rigidamente determinado por factores externos». Os resultados do mercado decorrem exclusivamente de escolhas individuais, o que pressupõe liberdade e responsabilidade individual. Além disso, a organização da sociedade humana é um meio, não um fim em si mesmo. 2. Interdependência entre a moral, a economia e a cultura: não pode haver liberdade política sem liberdade económica. A competição é por isso uma virtude social e a interferência do Estado «provoca um desperdício inútil de energias e de recursos escassos», provocando dano à sociedade. 15
  • 16. 3. Teoria da Separação de Poderes: os poderes políticos têm que estar separados e limitados, porque o poder corrompe sempre, mas ainda mais quando é absoluto. 4. A Capacidade Criativa da Pessoa Humana: segundo Israel Kirzner traduz-se na visão do mercado como um processo de permanente descoberta e inovação. O mercado surge assim como anticorpo da corrupção governamental. Na acepção de Milton Friedman, o funcionamento deste «equilibra as concentrações de poder político» (idem: 225). Quanto à Justiça Social, para Hayek esta reside no domínio da conduta pessoal do indivíduo enquanto agente numa sociedade civil livre e espontânea, pelo que a solidariedade não pode ser encarada como um monopólio estadual. Daí o conceito de catalaxia empregue pelo autor, que seria uma «ordem alcançada através do exercício de instintos naturais visando a adaptação e a cooperação social» (idem: 229). Por outras palavras, os cidadãos livres conseguem por eles mesmos atingir justiça e ordem social sem a intervenção do Estado, pelo que qualquer crença em contrário seria um mito consolidado apenas pela falta de verificação, condição essencial para qualquer teoria segundo o falsificacionismo. Como a Justiça Social se resume a uma regra de conduta individual esta tem como palco de actuação a esfera da sociedade civil, mas não pode ser aplicada na esfera do mercado, onde os indivíduos trocam entre si bens e serviços (idem, ibidem). A incompatibilidade com o mercado reside no facto de a responsabilidade de cada sujeito pelas suas acções ser «incompatível com qualquer modelo geral de distribuição» (idem, ibidem). Na verdade, apesar da insatisfação com os modelos de distribuição existentes, ninguém sabe apontar ao certo qual o modelo consensualmente justo, o que em si mesmo mostra o desfasamento entre Justiça e Mercado. A Justiça Social surge assim como um termo atraente precisamente por ser impreciso. Isto leva a que este possa significar simultaneamente os anseios de todas as pessoas ao mesmo tempo (idem: 230), não sendo por isso de admirar que os políticos o usem com abundância para atingir vitórias eleitorais, isto porque «ganha eleições quem promete mais e quem mostra que fez mais com os meios financeiros de todos» (idem: 231). Esta dinâmica é especialmente apelativa para as massas. Segundo Catarino (idem, ibidem) esta cria «condições para o estabelecimento de amplas políticas públicas, em especial de cariz social e redistributivo». De facto o jogo da oferta e da procura do mercado oferece por si mesmo, segundo a Escola Austríaca, a oportunidade aos mais desfavorecidos de, investindo em 16
  • 17. si mesmos e jogando pelas regras, subirem na hierarquia da sociedade (idem: 133). O papel do Estado no processo não só é irrelevante como até prejudicial, isto porque por um lado amputa a prosperidade geral e, por outro, porque ao fazê-lo não investe na responsabilidade individual, sem a qual não pode haver mobilidade social ascendente. Ainda segundo a Escola Austríaca outra causa da necessidade de Justiça Social seria a inveja, decorrente também ela da natureza humana. De facto, o mercado não recompensa todas as expectativas, pelo que os insatisfeitos tendem a exigir o nivelamento. Catarino (idem: 235) nota, contudo, que «qualquer sistema no qual as pessoas fossem recompensadas segundo o que julgam valer, estaria destinado ao fracasso», e remata afirmando que a Justiça Social enquanto niveladora de rendimentos só seria possível em sociedades de pequena dimensão, carecendo de sentido em sociedades complexas «a partilha de resultados do que cada um obtém, segundo um padrão pré definido». Não apenas isso, mas os nossos anseios por igualdade são incompatíveis com as nossas diferenças naturais. É assim que a Igualdade procurada pelo Estado Social é contrariada por dois tipos de diversidades: a diversidade natural dos seres humanos, e as diferenciadas concepções de igualdade que coabitam no seio das sociedades complexas (idem: 241). Na síntese de Catarino (idem: 242), até mesmo «oportunidades iguais podem resultar em rendimentos muito desiguais». O diagnóstico de Hayek vê ainda no salário mínimo «um absurdo que impede a mobilidade de trabalho, reduz a produtividade e o nível de vida da colectividade» acrescentando ainda que «o imposto progressivo perturba a afectação óptima de recursos» pelo que «o imposto sobre o rendimento deve ser proporcional, para salvaguardar a sua neutralidade» (idem: 245). Segundo a Escola Austríaca, a socialização da economia é incompatível com o Óptimo de Pareto (idem, ibidem), rematando com a constatação de que a Justiça será tanto maior quanto menor for a intervenção estadual (idem: 246). Acresce dizer que em Portugal nenhum partido bebe desta Escola, sendo certo que todos eles apoiam algum tipo de Welfare State, que por isso é suportado pela progressividade do imposto e consubstanciado por medidas de carácter redistributivo, como será possível ver mais adiante. 17
  • 18. 2. Estado da Arte 2.1. Sobre a Perspectiva Económica do RMG/RSI Ao longo do trabalho de prospecção deparámo-nos com visões semelhantes sobre o assunto abordado, sendo oportuno, consequentemente, fazer referência a Carlos Farinha Rodrigues e Miguel Gouveia, dois investigadores que se têm debruçado sobre o tema desde a sua génese em Portugal. Desta forma, Rodrigues e Gouveia (1999; 2003) demonstram, ao longo do seu trabalho, de que forma a medida RMG/RSI tem vindo a actuar ao nível do rendimento dos agregados familiares, nomeadamente no que toca à redução da pobreza e das desigualdades, mas também se debruçam sobre o impacto da mesma para o papel redistributivo do Estado Social de Direito, nomeadamente olhando sobre os gastos efectuados e os ganhos obtidos. Numa primeira abordagem ao estudo da medida, mas trazendo já os contributos de outros trabalhos elaborados por si desde a década de oitenta do século passado, Rodrigues e Gouveia (1999: 18) trazem-nos os cálculos hipotéticos efectuados (simulações) sobre a medida, demonstrando para o efeito que esta gera impacto positivo reduzido, não contribuindo, por isso, para a redução da pobreza mas sim para a severidade e intensidade da mesma. Os autores demonstram-nos, à época, o que a medida poderia acarretar consigo em termos de custos, estando esta em velocidade de cruzeiro: para o caso das famílias não terem outros rendimentos nem estarem inseridas no mercado de trabalho, o valor previsto (valor de 1996) seria, aproximadamente, 153 milhões de euros; enquanto, no caso inverso, para quem a situação se possa modificar ou esteja inserido no mercado de trabalho, o valor previsto (valor de 1996) seria, aproximadamente, 283 milhões de euros (Rodrigues e Gouveia, 1999: 18). Todavia, o trabalho dos autores é mais profundo, vendo surgir, numa Conferência organizada pelo Banco de Portugal, uma comunicação que aborda a medida em contexto mais amplo, inserindo-a dentro da política de pensões mínimas. Assim, Rodrigues e Gouveia (2003: 4), começam por nos dizer que, na génese, a medida é vista no seio dos “seguros sociais”, ou seja, não tem carácter redistributivo e serve como almofada para ocasiões em que os indivíduos precisam de se reerguer. Contudo, os próprios autores acabam por considerá-la como uma medida puramente redistributiva, logo a «desejabilidade de tal programa deverá sempre aferir-se pelos seus efeitos nos níveis de pobreza» (idem: 5). 18
  • 19. Continuando a sua análise, os autores dedicam um parágrafo somente a descrever a pertinência da medida pois, no seu entender, «de um ponto de vista da análise económica, não é nada óbvio que a política definida em relação às pensões mínimas seja particularmente adequada, quer numa óptica de consolidação das finanças públicas, quer numa óptica de eficiência quer, acima de tudo, numa óptica de equidade e redistribuição correcta do rendimento e redução da pobreza» (idem, ibidem). Numa tentativa de interligação com outras áreas científicas, os autores começam também por demonstrar através de cálculos de simulação que a resolução dos problemas parece não estar a ser conseguida devido, «numa óptica de equidade, o impacto das pensões mínimas medido em termos de redução de índices de pobreza [ser] bastante mais pequeno do que geralmente se supõe. A razão para isso está na ausência de targetting» (idem, ibidem). Tal como no estudo efectuado em 1999, Rodrigues e Gouveia (2003: 11) concluem que o efeito da medida, em termos de desigualdade, é pequeno mas positivo. Mais recente, no Seminário Europeu “RSI – Um direito à integração social” realizado no dia 16 de Março de 2009 no Centro de Congressos de Lisboa, Carlos Rodrigues reforçou as suas considerações. 2.2. Sobre a Perspectiva Sociológica do RMG/RSI Abordada que está a linha económica da medida, o contributo sociológico revela-se-nos muito importante porque trabalha sobre os retratos humanos desta, fazendo não só a caracterização das pessoas envolvidas como também dando uma concepção da implementação da mesma por parte dos poderes públicos e políticos. Para tal, consideramos os trabalhos de Fernando Diogo (2004a; 2004b) como um ponto de partida no que toca ao apoio da nossa investigação. Assim, Diogo (2004b: 2) começa por nos dizer que os indivíduos que fazem parte da população-alvo não sabem em que consiste na totalidade a medida. O autor revela-nos o contexto daquela não percepção, dizendo que «é significativo porque não estamos em presença de uma simples negação da ideia de inserção como sendo algo que desagrade aos beneficiários. Com efeito, a distância entre o que a lei e os seus agentes pressupõem e o entendimento dos beneficiários é tão grande que pode ser cunhada como uma distância radical. Mais ainda, devo dizer que é raro na análise sociológica nos depararmos com um fenómeno tão marcado como este» (idem: 4). O autor remata 19
  • 20. esta ideia explicando que «boa parte do trabalho desenvolvido pelo RMG/RSI está em causa devido a esta falha de comunicação» (idem, ibidem). Avançando na sua exposição, o autor reforça a sua argumentação definindo, para o efeito, o indivíduo-alvo que a lei prevê. O «beneficiário ideal» é «o beneficiário imaginário em função do qual a legislação foi feita» (idem: 5). A descrição mais aprofundada deste indivíduo revela-nos «alguém que se encontra afastado da esfera do trabalho e sob o qual recai, mal ou bem, a ideia de que não tem capacidade de sair por si só da situação de pobreza, precisando de quem o faça por ele. Além disso, é alguém que se encontra numa situação de desinserção social, já que se pressupõe que deve ser inserido socialmente» (idem, ibidem). Juntando ao que a lei descreve sobre a situação a actuar, a perspectiva do beneficiário e de como este encara toda a medida tem cabimento na análise de Diogo. Para isto, o autor (idem: 3-5) diz-nos, através dos inquéritos por si realizados, que os beneficiários encaram a medida como uma «“ajuda”». Ora, isto pode inter-relacionar-se com o que encontramos posteriormente no trabalho de Diogo (idem: 9), onde o autor clarifica que «para muitas famílias beneficiárias o trabalho pressuposto na legislação como meio que permite o abandono da medida não é possível, quer porque as pessoas já trabalham, quer porque não têm condições que lhes permitam trabalhar», e também com o trabalho prosseguido por Rodrigues e Gouveia. Tanto assim é, pois, Diogo (2004a: 8), diz-nos que o programa de inserção que está previsto «é dirigido, não a quem precisa de meios para gerir a sua vida, mas a quem não o sabe fazer». Tendo Diogo (idem: 10) tratado numa perspectiva ampla o problema da implementação da medida, este detecta outras insuficiências, como a «inexistente presença de sindicatos, associações patronais ou associações de desenvolvimento local nas Comissões Locais de Acompanhamento». Por último, numa breve referência à necessária interdependência da medida, Diogo (idem: 11) denota que as metas estipuladas por esta são difíceis de alcançar per si pois «para se conseguirem os objectivos da inserção, o aspecto central é o crescimento económico. Não há criação de empregos no mercado de trabalho primário sem crescimento económico. Este é o principal factor a partir do qual a inserção se pode construir e está muito para além do que são os objectivos e possibilidades do RMG». Em suma, o autor, numa comunicação apresentada na CARITAS de Madalena (12/03/2009), complementa-se e sistematiza o problema definindo o necessário triângulo para a resolução dos problemas: «crescimento económico, qualificações e empregos de qualidade». 20
  • 21. 3. O RMG/RSI Instituída em 1996, por mão do Partido Socialista e com o apoio do Partido Comunista Português, Partido Ecologista “Os Verdes”, abstenção do Centro Democrático Social-Partido Popular e voto contra do Partido Social-Democrata, esta medida adveio de um enquadramento de implementação de políticas sociais de nova geração por toda a Europa, nomeadamente aquelas que são tomadas pela consolidação do Estado-Providência. Assim, este novo rendimento «é um apoio para os indivíduos e famílias mais pobres, constituído quer por uma prestação em dinheiro para satisfação das suas necessidades básicas quer por um programa de inserção para os ajudar a integrar-se social e profissionalmente»1. Portanto, «as pessoas que estão a receber o RSI assinam um acordo com a Segurança Social onde se comprometem a cumprir o programa de inserção»2. Apesar de não interessar, para o nosso propósito, analisar as suas características mais específicas, tais como a forma de adquirir este rendimento ou mesmo ver quem podem ser os seus beneficiários, há importantes pontos que nos merecem realce. Deste modo, é relevante afirmar aqui que a medida é um complemento pois esta pode coabitar com outros quinze instrumentos de política social, dos quais destacamos o subsídio de desemprego e as pensões sociais de velhice e de invalidez3. Constatamos pois que, apesar do que é dito por académicos (Rodrigues e Gouveia, 1999; Diogo, 2004b), o legislador optou por considerar, na sua versão mais actual (Lei n.º 45/2005), que o RMG/RSI é um instrumento de combate à pobreza, respeitando, neste contexto, os princípios da igualdade, solidariedade, equidade e justiça social. Além do que foi estatuído agora por nós, ao longo do presente trabalho faremos inúmeras referências à medida, pelo que ficam, desde já e seguramente, sanadas algumas insuficiências verificas neste ponto. Para o nosso âmbito, esta far-se-á valer como um ponto essencial ora quer pelo discurso político que se fabrica em seu torno quer também pelas consequências que a mesma produz, i.e., os dados estatísticos que obtemos da aplicação da mesma. Com um olhar mais atento poderão verificar-se, nos Anexos, tabelas e gráficos que ilustram melhor a percepção da medida. 1 Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro, 2009, p. 4 2 idem 3 Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro, 2009, p. 5 21
  • 22. 4. O Discurso Político 4.1. PARTIDO SOCIALISTA Grande impulsionador na criação da medida, apesar de não ter sido o primeiro partido político português a fazê-lo, o Partido Socialista (PS) enquadra o RMG, desde o primeiro momento (a partir de 1996), numa «óptica inovadora (…) em que (…) é possível ir construindo uma nova dialéctica de direitos e deveres sociais»4, sendo este, portanto, uma parte das políticas sociais de nova geração. Ao longo destes treze anos, o PS tem mantido uma postura essencialmente consistente e coerente no que diz respeito aos debates ocorridos em Plenário da Assembleia da República. Porém, apesar de o discurso ser essencialmente coerente, há que salientar um aspecto específico envolto de alguma incerteza na definição do objectivo último da medida, o qual será abordado adiante. Vejamos pois, o essencial de toda a argumentação utilizada pelo PS acerca da medida. A posição do PS, em 1996, ano da implementação dos projectos-piloto da medida, aponta a mesma como sendo um «direito dos cidadãos a disporem de recursos que lhes permitam satisfazer as necessidades mínimas de subsistência sem perder de vista a sua inserção social e profissional»5. Isto porque, considerou o PS, «é absolutamente intolerável [que haja um grupo de portugueses sem acesso aos consumos mais elementares]»6, muitas vezes «marginalizados que o são por fenómenos imputáveis à própria dinâmica social»7. Esclarecendo-nos o seu modo de procedimento, o PS diz-nos que «a sociedade portuguesa necessita de uma “alavancagem” de mais- valia de solidariedade, que pode ser dada através do exercício da Administração Pública, nomeadamente através do exercício da actividade do Governo»8. Desta forma, empenhando-se o partido em promover a «recuperação da dignidade humana»9, a acção do mesmo, na VII Legislatura, passou por fazer um «orçamento solidário»10, porque, em resposta ao aparecimento dos “marginalizados”, «as sociedades que geram estes fenómenos têm também de gerar o esforço que os 4 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 83, 2.ª S. L., VII Legislatura 5 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 43, 1.ª S. L., VII Legislatura 6 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 61, 1.ª S. L., VII Legislatura 7 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 8 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., VII Legislatura 9 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 87, 1.ª S. L., VII Legislatura 10 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 111, 1.ª S. L., VII Legislatura 22
  • 23. minore»11. Assim, o PS empreendeu uma «política económica de rigor, mas com consciência social, (…) com RMG»12, pois a medida, recusou o partido, «não é um subsídio, é (…) um investimento que é feito nas pessoas e nos agregados familiares, no sentido (…) [da] sua reabilitação para a entrada na vida activa»13. Como alcance da medida, o PS propunha que o RMG fosse «distribuído, como prestação, às famílias e [abrangesse] numerosas crianças, idosos e dependentes»14, sendo que, lado a lado, estava presente o desejo de querer «os portugueses cada vez mais perto uns dos outros no que concerne aos seus rendimentos, às suas possibilidades de realização pessoal e profissional»15. Passada a fase de estabelecimento do RMG, o PS, na VIII Legislatura, começa a promover um discurso de defesa da medida, refutando, portanto, os críticos parlamentares. Para isso, o reforço das convicções enunciadas na anterior Legislatura constituiu a principal base de trabalho do partido, pois a medida, na óptica do PS, tinha reduzido «significativamente o efeito da pobreza em que [os beneficiários] se encontravam»16, o que, na sequência disso, levou à estipulação do objectivo de «eliminá-la»17. Assim, o PS afirma que «não há aqui uma lógica assistencialista»18 e que, por outro lado, a existência da medida «é uma obrigação do Estado»19, devido não só ao apoio da maioria da população20 como também ao papel essencial que a medida desempenha quer na «política de família» quer na «promoção dos direitos humanos»21. Neste contexto, a estabilização da medida na perspectiva do PS provou-se pois, além de ter sido determinado no início de 2000 que a mesma se encontrava em «“velocidade de cruzeiro”»22, esta organização partidária averiguou, no fim do mesmo ano, que o RMG fazia já parte «do património consensual da cidadania da nossa sociedade»23. Por outro lado, o PS deixava, no mesmo ano, a certeza de que «não [tinha sido] detectado pelo Ministério nenhum beneficiário que tivesse um Jaguar e pudesse ter o rendimento mínimo garantido»24 e o desejo de que «2001 [seria] o ano em que todos os 11 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 12 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 64, 2.ª S. L., VII Legislatura 13 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 32, 3.ª S. L., VII Legislatura 14 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 4.ª S. L., VII Legislatura 15 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 87, 3.ª S. L., VII Legislatura 16 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura 17 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura 18 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 5, 1.ª S. L., VIII Legislatura 19 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 20 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 21 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 15, 2.ª S. L., VIII Legislatura 22 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 23 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 26, 2.ª S. L., VIII Legislatura 24 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 23
  • 24. beneficiários do rendimento mínimo garantido [veriam] oferecido um emprego ou uma oportunidade de formação»25. Deste modo, tendo o PS chegado ao ponto efectivo de estabilização da argumentação, se bem que marcado por alguma incerteza no período entre 2001 e 2005, devido não tanto ao conteúdo da sua argumentação – pois manteve-se – mas mais ao seu enquadramento intra-partidário, a X Legislatura apresenta-se, após uma IX Legislatura onde se reformou o RMG e do qual se obteve o RSI, como um período em que se constata que «a redução das desigualdades e a justiça social constituem o elemento essencial e um factor de modernização do Estado»26. Por isso, «a pobreza [que] persiste e [que] é uma dura realidade para uma parte considerável da população portuguesa»27 terá, segundo o PS, que ser sempre tida em conta em medidas de política social tais como o RMG/RSI, pois a própria «situação de pobreza (…) constitui uma injustiça infligida aos pobres»28. Olhando no sentido da evolução da medida, o PS quer que se dê a «sua humanização e [o] aumento do rigor na atribuição do subsídio»29. Tal como referimos atrás, há um ponto que só aparentemente é irrelevante na nossa análise, mas que, como veremos, constitui um tópico importante de discussão. Assim, o PS ao definir objectivos para esta medida, ao longo de todo o nosso período de análise, refere que esta tanto contribui, por um lado, para a eliminação e combate à pobreza como, por outro, para reduzir a intensidade e/ou severidade da mesma. Ora, a problematização em causa tem que ver com a distinção das duas variantes, ou seja, duas coisas diferentes. Deste modo, a inscrição «combate à pobreza» que se encontra quer na Lei n.º 45/2005 (que revê a Lei n.º 13/2003, a qual institui o RSI) quer no sítio na Internet do Instituto da Segurança Social, I.P., além de ter suporte em discursos do PS por nós analisados30, não corresponde àquilo para que a medida foi desenhada, ou seja, «o RSI não é uma medida para erradicar a pobreza, tal como o RMG não o era. Ninguém pensa acabar com a pobreza através dessas medidas» (Diogo, 2004b: 12). Por outro lado, e seguindo também algumas argumentações da parte do PS31, Rodrigues e Gouveia (1999: 10 e 18) dizem-nos que são mais significativas as alterações que a medida promove em termos de redução (ligeira) da intensidade e severidade da pobreza 25 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 2.ª S. L., VIII Legislatura 26 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 3.ª S. L., X Legislatura 27 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura 28 idem 29 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 121, 1.ª S. L., X Legislatura 30 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura; Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura 31 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 52, 1.ª S. L., VII Legislatura; Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 73, 3.ª S. L., VII Legislatura 24
  • 25. do que a resolução da incidência da mesma. Temos, portanto, um partido e duas posições no que toca a este ponto. 4.2. PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA Este partido político é, sem dúvida, um dos que nos merece uma maior ponderação, i.e., o Partido Social-Democrata (PSD) apresenta-se nos pontos extremos do nosso período de análise com posições, também elas, modificadas. A importância da análise do PSD envolve as acções do mesmo não só aquando do exercício do poder no Governo mas também enquanto oposição activa durante dez anos. Assim, no início da VII Legislatura, o PSD, perante a exposição da medida quer pelo Partido Socialista quer pelo Partido Comunista Português, toma a posição com base na crença de que a medida seria «um desincentivo à busca de emprego»32 e que «ao ser uma medida com carácter geral é cega e inespecífica»33, logo, esta gera «efeitos perversos incontroláveis»34. Para introduzir a medida, o PSD aponta que «este tipo de protecção social tem surgido historicamente (…) em quadros estáveis de economias fortes e, em muitos casos, em expansão»35, o que leva, necessariamente, à reflexão de que «não seria muito mais lógico, muito mais eficaz, muito mais racional (…) partirmos para uma análise dos instrumentos já existentes (…) e adequar esse diploma (…) às circunstâncias actuais da população portuguesa?»36 Como que em jeito de resposta, o próprio partido adianta, alertando, que «em todas as circunstâncias em que o rendimento mínimo foi instituído, ele se tornou verdadeiramente irreversível, por maior que seja a vontade desses países de voltar atrás com a decisão tomada no sentido de instituí-lo»37. Deste modo, a posição do PSD resume-se, nesta fase, ao admitir que o RMG é um «desperdício»38 pois vai «para quem não quer trabalhar e não para quem precisa»39. Ainda de outra forma, e por último, o PSD diz-nos que o RMG «é muito remediativo, escassamente curativo e nulamente preventivo (…) [devido à acomodação] aos valores, metodologias e comportamentos que são inerentes a um sistema de segurança social trôpego e desarticulado»40. 32 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 33 idem 34 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 104, 1.ª S. L., VII Legislatura 35 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 36 idem 37 idem 38 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 39 idem 40 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 25
  • 26. E dissemos por último porque, de facto, a meio da VIII Legislatura, começa a demonstrar-se uma mudança na perspectiva de ver a medida pelo PSD, partido que havia votado contra aquando da sua instituição. Temos, pois, um “novo” partido que entende que o RMG «é um direito social», apesar de «que não há, nem pode haver, (…) a consideração de que a fraude pode ser também um direito social»41, percebendo-se, portanto, que «felizmente, é hoje consensual reconhecer-se a função solidária do Estado»42 – entretanto já com o PSD em funções governativas. Assim, o PSD, ao defender o princípio43, enceta uma revisão «que combata a fraude e o abuso, a imoralidade e o malabarismo»44, tendo por «suas base e fundamentação (…) a promoção da dignidade humana, o imperativo de solidariedade e o princípio da equidade social»45, procurando, ao mesmo tempo, «garantir a co-responsabilização social dos titulares e beneficiários (…) e aprofundar a aplicação do princípio da subsidiariedade social»46. Pois bem, estando estabelecida a defesa de um novo RMG – o RSI –, o PSD encabeça o pelotão da frente ao destacar fortemente a «justiça social», a qual considera que deve «exercitar-se com critério, muita sensibilidade e sentido prático na acção concreta»47, querendo isto significar, além de «não pormos a economia acima do social»48, que o Estado deve fazer um «reforço das [suas] funções redistributivas»49, «nunca menosprezando a sua dimensão assistencialista»50, pois «o RSI é uma ajuda para vencer e sair da pobreza»51. No que diz respeito às suas posições mais recentes acerca da medida, nomeadamente na X e última Legislatura, o PSD reforçou a ideia da existência de uma fraca redistribuição52 e mostrou-se «sensível às questões da pobreza», que é, segundo este, a denegação da «justiça social»53, reafirmando, portanto, que o RSI deve ser um instrumento activo54. 4.3. CENTRO DEMOCRÁTICO SOCIAL-PARTIDO POPULAR 41 idem 42 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 43 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 91, 2.ª S. L., VIII Legislatura 44 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 3, 1.ª S. L., IX Legislatura 45 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 46 idem 47 idem 48 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., IX Legislatura 49 idem 50 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 83, 1.ª S. L., IX Legislatura 51 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 52 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 81, 3.ª S. L., X Legislatura 53 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura 54 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura 26
  • 27. Se há uma posição partidária que nos mereça mais atenção na análise, esta é sem dúvida a do Centro Democrático Social-Partido Popular (CDS-PP), porque, apesar deste partido ser comummente rotulado como sendo contra esta medida, a prática mostra que este partido defende a medida, não obstante a existência de contradições e de evoluções analiticamente importantes ao longo deste período de treze anos. O CDS-PP apresenta-se, no início da VII Legislatura, como um partido possuidor de muitas dúvidas em relação à medida, pois, segundo o mesmo, «pensamos que os critérios não são muito claros»55. Deste modo, o partido estatui, à partida, que «não há dúvida de que [a medida] assenta num esquema de subsidiação», logo, é uma «esmola travestida de Direito»56. Contudo, e após a abstenção deste partido aquando da instituição do RMG, a posição de «benefício da dúvida»57 que o mesmo estabeleceu começou a revelar instabilidade, por culpa também da incerteza intrínseca do «benefício da dúvida», logo, revela-se uma posição muito adaptável ao jogo político. Deste modo, numa outra posição, mais receptiva à medida, o CDS-PP refere que «esta direita (…) não faz parte da direita que considerou que o RMG seria esbanjar»58 pois, no fim da mesma Legislatura, o partido considera que «este novo direito de cidadania, que deve orgulhar todos os portugueses, tem de ser entendido como um meio e não como um fim»59. Por outro lado, o próprio partido volta a dizer, retomando a primeira argumentação, que «as despesas na área social são (…) improdutivas [o que] significa o maior insulto ao cidadão contribuinte e a quem precisa (…), [pois] despesas improdutivas é o que nós mais temos!»60. «Na realidade, a equação do rendimento mínimo pode muito bem ser “mais subsídios e menos reinserção”»61, logo, «as pessoas estão a pedir um modo de vida»62. Porém, ao iniciar a VIII e nova Legislatura, o CDS-PP não muda de posição instável, mostrando-se ora como um partido que compreende «não só (…) a base e a filosofia do RMG como aderimos a ela»63 ora como um partido que identifica na medida um «“sistema dos três efes” (…), cheio de “falhas”, (…) “faltas” e (…) em que há muito a “fazer”»64. De outra forma, o CDS-PP, ainda no início da Legislatura, 55 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 56 idem 57 idem 58 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 106, 1.ª S. L., VII Legislatura 59 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 4.ª S. L., VII Legislatura 60 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura 61 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 97, 4.ª S. L., VII Legislatura 62 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura 63 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 5, 1.ª S. L., VIII Legislatura 64 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 38, 1.ª S. L., VIII Legislatura 27
  • 28. começa a estabilizar as suas visões, as quais durarão, sensivelmente, até à última Legislatura em análise na nossa investigação. Assim, o CDS-PP estabelece que «o Estado (…) deve fazer, e fazer bem, uma opção preferencial pelos mais fracos»65, pois «faz todo o sentido conceber um mínimo de existência disponível para os que vivem na linha da pobreza ou aquém desta»66, que deve ser aplicado como um «justo e rigoroso direito humano e social»67, possuir um carácter transitório e não se revelar como «um estilo de vida»68. Portanto, o CDS-PP pretende uma medida focada em aspectos concretos de modo a intensificar a sua fiscalização e a diminuir a sua fraude69, querendo também, por outro lado, associar a «conexão entre as duas políticas, a do emprego e a do RMG»70. Assim, o CDS-PP entra em funções governativas, coligado com o Partido Social-Democrata, na IX Legislatura (vide, para o efeito, outros aspectos relevantes no ponto ii)), negando «as concepções ultraliberais daqueles que, em nome da liberdade, condenam alguns à liberdade de serem excluídos, [e] também (…) a concepção daqueles que consideraram o RMG uma criação perfeita, (…) que faria de todos os outros seres pouco sensíveis à pobreza ou à dificuldade alheia»71. Temos pois, da parte do partido (já fazendo a ponte para a X Legislatura), o desejo da inversão da «lógica filosófica do individualismo»72, fazendo com que a «sociedade, no seu todo, e também [o] Estado [dêem] cumprimento ao imperativo de solidariedade e equidade social, encontrando formas para superar situações de pobreza extrema e garantir condições básicas de dignidade humana»73, o que só é possível com «mais justiça social, porque sem justiça social a democracia será sempre incompleta e o desenvolvimento não será sustentável»74. Apesar da sua posição de «benefício da dúvida», o CDS-PP revelou, já na parte final da última Legislatura, uma nova abordagem à medida, não tanto pelo conteúdo mas mais pela forma, constatando que «justiça social é dar mais a quem mais precisa, retirando a quem não cumpre obrigações, foge à fiscalização e vive fraudulentamente do 65 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 66 idem 67 idem 68 idem 69 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 70 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 71 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 72 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 18, 1.ª S. L., IX Legislatura 73 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura 74 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 2.ª S. L., IX Legislatura 28
  • 29. rendimento mínimo»75, começando pelo facto de que «quem beneficia do RSI deve ter uma obrigação qualquer de trabalhar a favor da comunidade»76. 4.4. Partido Comunista Português Estamos perante, neste ponto, o partido político português que se demonstrou, ao longo do período em análise, como sendo o mais coerente na abordagem à medida. O facto não é de estranhar, pois foi este mesmo que, em Maio de 1993, apresentou pela primeira vez em Portugal um projecto de “rendimento mínimo”. Deste modo, o Partido Comunista Português (PCP) foi também um impulsionador no início do nosso período de análise porque apresentou para debate, em conjunto com a medida RMG do Partido Socialista, um “rendimento mínimo de subsistência”, argumentação que adoptámos como sendo válida no que concerne à nossa investigação. Então, para o PCP, o RMG é «uma medida de combate e minimização da pobreza e da exclusão social e de apoio à reinserção na vida activa»77, porque «ninguém tem o direito de ignorar que há centenas de milhares de cidadãos que (…) vão morrendo (…) sem que o Estado, nem ninguém, lhes dê a mão»78. Assim, pretende-se promover a «recuperação dos direitos de cidadania a milhões de cidadãos que estão excluídos dela», sendo que, todos estes aspectos, só serão resolvidos «quando erradicada for a lógica de um sistema e modelo económico de matriz neoliberal»79. Esta última citação revela-se fundamental em todo o discurso do PCP ao longo destes treze anos, porque, para este, a mudança efectiva que a medida poderá provocar advirá somente se esta for incluída numa perspectiva holística, i.e., se forem considerados inúmeros aspectos interdependentes de um sistema em constante mutação, tais como as políticas económica, no geral, e a de emprego, especificamente. Facilmente se observa que o PCP mantém a sua argumentação quer ao longo da VIII Legislatura como também ao longo da IX Legislatura. No primeiro período, o PCP reafirma que a medida é um «direito sério, popular e justo»80 e que implica, «obviamente, uma forte intervenção do Estado»81. Já no segundo, assistimos ao balanço da medida, o qual, considera o PCP, é «largamente positivo»82. 75 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 19, 4.ª S. L., X Legislatura 76 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 13, 3.ª S. L., X Legislatura 77 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 68, 1.ª S. L., VII Legislatura 78 idem 79 idem 80 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 81 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 82 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 29
  • 30. Na última Legislatura, e em jeito de síntese, o partido diz-nos, numa perspectiva abrangente, que «só se consegue combater a pobreza (…) dignificando salários e distribuindo melhor a riqueza!»83. 83 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 57, 3.ª S. L., X Legislatura 30
  • 31. 4.5. Bloco de Esquerda Entrado no sistema de partidos apenas em 1999, e obtendo, nesse mesmo ano, lugares de representação na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda (BE) facilmente impôs a sua visão da medida e determinou a sua «adesão, sendo inclusivamente», indo mais longe, «da simpatia pela sua integração como um regime da segurança social, como um novo direito social»84. Enquadrando a sua visão de justiça social como sinónimo de transferência de «riqueza daqueles que sempre foram detentores dela para aqueles que a não têm na sociedade portuguesa»85, o BE verifica que «o patamar social [da medida, ou seja, o seu alcance] é baixo (…) [por isso] pensamos que isto deve ser alterado, melhorado e favorecido»86. Ainda na VIII Legislatura, o BE aponta, comparativamente, aquilo que durante todo o seu discurso se vai constituir como um dos aspectos mais pertinentes, ao dizer que «poupar no RMG e não ser severo com a fuga e a fraude fiscal, com a habilidade fiscal da banca e dos grandes grupos económicos, com o aumento da desigualdade social no nosso país, não é bom exemplo do combate a uma política de direita, não é bom exemplo de uma filosofia que se diz contra o neoliberalismo»87. Em suma, o BE entende que a medida «deveria ser uma bandeira simbólica a manter, a bandeira de uma política, onde, a haver cortes, é quase como que admitir as críticas que a direita tem vindo a fazer a este instrumento»88. Já na IX Legislatura, mantendo-se a consistência do conteúdo do discurso, o partido diz claramente que a medida «tem princípios que queremos reafirmar, garantir e ajudar a desenvolver, como o princípio da responsabilidade social, do reconhecimento dos direitos sociais (…)»89. Por último, o BE, na X Legislatura, reforçou os propósitos da medida ao declarar que esta «destina-se a colmatar as necessidades essenciais das pessoas e deve basear-se no princípio fundamental do combate à pobreza e à exclusão social»90, o que confirma, segundo o partido, que «a política social é o centro da democracia e tem de responder às pessoas»91. 84 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 85 idem 86 idem 87 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 103, 2.ª S. L., VIII Legislatura 88 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 104, 2.ª S. L., VIII Legislatura 89 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 90 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, 1.ª S. L., X Legislatura 91 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 47, 3.ª S. L., X Legislatura 31
  • 32. 4.6. Partido Ecologista “Os Verdes” Estando sempre presente ao longo do período por nós estudado, é também facto que a argumentação do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) tem-se mostrado um pouco oculta, constituindo uma das principais razões, com certeza, o escasso tempo de participação em Plenário que o mesmo possui. Assim, somente a partir da VIII Legislatura conseguimos apurar as posições deste partido, as quais apontam para que medida se constitua, na perspectiva do PEV, como «um dever da comunidade em relação àqueles que carecem de maior protecção»92 e como «um direito mínimo de cidadania, (…) apesar de (…) ser manifestamente insuficiente»93. Deste modo, a visão do PEV, também já na IX Legislatura, indica para que a medida seja «um direito cívico e um direito humano»94. Conclusão Na sequência do que temos vindo a apresentar, e visto que o nosso trabalho consiste numa “Comparação entre o Discurso Político e a Realidade”, apresentam-se neste ponto as considerações por nós elaboradas, com base nos elementos por nós, também, analisados. Deste modo, um dos aspectos que nos merece atenção tem que ver com os objectivos que a medida prossegue, e, necessariamente, os resultados que a mesma promove. Assim, e com base nos trabalhos já citados de Diogo (2004b) e Rodrigues e Gouveia (1999, 2003), nomeadamente este último onde se verifica que além de não combater e reduzir pouco a intensidade e severidade da pobreza a medida não está a abranger a população-alvo (em 2000, o Tribunal de Contas refere que a medida só atingiu 3,4% da população portuguesa, quando estava previsto que atingisse 5,7%95), as nossas considerações vão no sentido de contrapor estas afirmações ao que os partidos políticos com assento parlamentar constantemente expõem ao longo do período em análise em relação à manutenção estável dos níveis de pobreza em Portugal, dando-nos as bases para que vejamos esta medida com um carácter, essencialmente, assistencialista. 92 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 41, 1.ª S. L., VIII Legislatura 93 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 75, 1.ª S. L., VIII Legislatura 94 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 20, 1.ª S. L., IX Legislatura 95 Acórdão 02/2000, Auditoria aos Sistemas de atribuição e de controlo do Rendimento Mínimo Garantido, Tribunal de Contas, p. 90-91 32
  • 33. Num plano superior (supra-estadual), tendo em consideração o enquadramento europeu desta medida, a Recomendação da Comunidade Económica Europeia de 199296, evocada por diversos grupos parlamentares ao longo do período em análise, traz o contributo essencial de os Estados incluírem no seus sistemas de protecção social uma medida do género do RMG/RSI, mas que, contudo, não pode ser descurada de uma envolvência de toda uma política económica. Ora, é precisamente neste ponto que alguns dos actores por nós estudados incorrem em erro, ao verem na medida um instrumental individual que promove uma redução de qualquer tipo de pobreza, não tendo em atenção o enquadramento económico, e até social, do país. E acrescentamos social, porque Diogo (2004b: 4) refere que esta medida tem um lado extremamente negativo do ponto de vista da análise sociológica, ao dizer-nos que «é raro na análise sociológica depararmo-nos com um fenómeno [de desconhecimento] tão marcado como este», isto é, ao longo das entrevistas a beneficiários, refere o autor, a maioria das pessoas aponta a medida como sendo uma “ajuda”, ou seja, verifica-se que o princípio da inserção/reinserção fica praticamente subvertido. De modo que uma das nossas conclusões aponta para a possibilidade de reequacionar a melhoria dos outros quinze instrumentos já previstos para lidarem com problemas específicos (por exemplar, invalidez, deficiência, toxicodependência, alcoolismo, etc.) em vez de se criar toda uma nova burocracia gastadora de recursos cada vez mais avultados vindos directamente do Orçamento do Estado, ou seja, vindos dos bolsos dos cidadãos contribuintes. Importa dizer, nesta sequência, que os partidos políticos portugueses possuíam, desde o início, dados relativamente fiáveis a apontar que a medida seria essencialmente assistencialista. Apesar destas considerações, nenhum partido político português põe em causa a medida, alguns expressando-se ocasionalmente contra a eficiência da mesma. É assim que as palavras do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social de 1996 elucidam a base e a filosofia da medida ao proferir «que gostaria que, na maior parte dos casos, fosse uma cana de pesca mas estou convencido de que, frequentemente, será o “peixe”»97, isto é, explicam vozes do PS, «queremos dar aos excluídos os “peixes”, mas aos que tiverem força e vontade procuramos ensiná-los a “pescar” para que deixem de ser excluídos, para que deixem de ser marginalizados»98. Ou seja, tal 96 Recomendação de 24 de Junho de 1992, (92/441/CEE), in J.O. n.º L245, de 26/08/1992, pp. 46-48. 97 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 4, 1.ª S. L., VII Legislatura 98 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, 3.ª S. L., VII Legislatura 33
  • 34. como prova a realidade, o discurso torna-se apenas uma cara formal da medida, desligado da prática e da realidade, apesar deste ser largamente proferido e reafirmado. Sendo o propósito dos partidos políticos a conquista, manutenção e exercício do poder político, e vivendo nós numa época em que os valores pós-materialistas clamam por exigências abstractas tais como a “justiça social”, parece-nos fácil de antever que tais medidas tenham como propósito ludibriar as massas em épocas eleitorais no sentido de captar o voto quando, na verdade, a pobreza real não é combatida com seriedade e apenas artificialmente diminuída na sua intensidade. O RSI, apesar de custoso ao erário público e de falhar há mais de uma década na concretização dos seus objectivos, eles próprios tão voláteis quanto o discurso político, não poderia ser facilmente eliminado ou substituído pelo poder governamental. Na verdade, o partido que o fizesse seria logo responsabilizado por atentar contra o Estado de Providência, sendo severamente penalizado aquando das eleições, isto porque as massas são os peões da história e não conhecem as especificidades de tais medidas a fundo, apenas que supostamente se destinam a ajudar os mais carenciados e ai de quem não partilhe de semelhante “solidariedade”. Em nome da “justiça social” e de valores que nada têm de reprovável, excepto o facto de serem demasiado abstractos para não serem perniciosamente explorados, as elites políticas ganham assim larga margem de manobra para assumirem a capa de “campeões dos mais desfavorecidos” e debaixo dela assaltarem e manterem o poder, descartando não só os danos ao erário público como também os resultados práticos, reais, de tais políticas aquando da sua implementação, que pelas próprias forças libertadas em épocas eleitorais não podem voltar atrás sem arriscar a ira dos cidadãos contra o partido que se atreva a ser responsável. 34
  • 35. Bibliografia Fontes Primárias CATARINO, João Ricardo (1999), Para Uma Teoria Política do Tributo, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais CATARINO, João Ricardo (2008), Redistribuição Tributária, Estado Social e Escolha Individual, Coimbra, Almedina DIOGO, Fernando (2004a), Quando o Estado e os cidadãos não se entendem: O caso do programa de inserção do rendimento mínimo garantido, s.l., in Actas do V Congresso da APS [disponível em: www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR4628c598641b 6_1.pdf (consultado em 24/11/2009)] DIOGO, Fernando (2004b), A parceria: para os beneficiários e em função do desenvolvimento local, s.l. [disponível em: http://www.uac.pt/~fdiogo/pdf/Comunica_ sobre_parceria.pdf (consultado em 23/11/2009)] ESPADA, João Carlos (2004), “Karl Popper: A Sociedade Aberta e os seus Inimigos”, in João Carlos Espada e João Cardoso Rosas (org.), Pensamento Político Contemporâneo, Uma Introdução, Lisboa, Bertrand Editora HAYEK, Friedrich (2009), O Caminho para a Servidão, Lisboa, Edições 70 MALTEZ, José Adelino (1992), Princípios Gerais de Direito, Uma Perspectiva Politológica, Tomo I, Associação de Estudantes do ISCSP RODRIGUES, Carlos Farinha e GOUVEIA, Miguel (1999), The impact of a “Minimum Guaranteed Income Program” in Portugal, s.l. [disponível em: http://pascal .iseg.utl.pt/~depeco/wp/wp31999.pdf (consultado em 18/11/2009)] RODRIGUES, Carlos Farinha e GOUVEIA, Miguel (2003), Para que Servem as Pensões Mínimas?, in 2.ª Conferência do Banco de Portugal, s.l. [disponível em: http:// www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/rgp_MA_4649.pdf (consultado em 23/11/2009)] Diversos 1. Institucionais Centro de Recursos em Conhecimento do Instituto da Segurança Social, I.P. Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção Conta Geral do Estado, Volume I, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 Diário da Assembleia da República, I Série, VII, VIII, IX, e X Legislaturas 35
  • 36. Direcção-Geral do Orçamento, MFAP Gabinete de Estudos e Planeamento do MTSS Guia Prático – Rendimento Social de Inserção, Novembro de 2009 Instituto da Segurança Social, I.P. Programa de Governo, XIII, XIV, XV, XVI e XVII Governos Constitucionais 2. Legislação Lei n.º 19-A/96, que cria o RMG Lei n.º 13/2003, que revoga a Lei n.º 19-A/96, criando o RSI Lei n.º 45/2005, primeira alteração à Lei n.º 13/2003 Decreto-Lei n.º 196/97, que regulamenta a Lei n.º 19-A/96 Decreto-Lei n.º 283/2003, que regulamenta a Lei n.º 13/2003 Decreto-Lei n.º 42/2006, primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 283/2003 Portaria n.º 105/2004, que define os montantes do RSI Portaria n.º 108/2004, que aprova os formulários do RSI Portaria n.º 1514/2008, que define as actualizações dos montantes do RSI 3. Sítios na Internet http://www.reinerio.hpg.ig.com.br/justo.htm Fontes Secundárias 1. Artigos de Imprensa Agência Lusa, “Pobreza em Portugal é persistente”, DNotícias.pt, 19/09/2009 [consultado em 08/10/2009] Agência Lusa, “Sec. Estado: Menos 6.500 pessoas beneficiam do RSI desde final de Junho”, Diário de Notícias, 07/10/2009 [consultado em 09/10/2009] Céu Neves, “Mais 40 mil pessoas a receber rendimento social de inserção”, Diário de Notícias, 07/10/2009 Céu Neves, “Governo regista „pequena‟ baixa nos que necessitam, Diário de Notícias, 08/10/2009 João Carlos Malta, “Família Milionária recebe agora rendimento mínimo”, Correio da Manhã, 08/11/2009 [consultado em 10/11/2009] João Carlos Malta, “Padarias atacam RSI”, Correio da Manhã, 17/11/2009 36
  • 37. Pedro H. Gonçalves, “Fraudes de 118 milhões no RSI”, Correio da Manhã, 09/10/2009 Rute Araújo, “Rendimento Social de Inserção. Um sobrevivente à passagem dos regimes”, i, 30/12/2009 s.n., “463 mil agregados familiares abrangidos”, Diário de Notícias, 08/10/2009 [consultado em 09/10/2009] s.n., “Só um por cento volta ao trabalho”, Diário de Notícias, 08/10/2009 [consultado em 09/10/2009] s.n., “Dois milhões de pobres. Dar dinheiro não compensa”, i, 22/09/2009 [consultado em 06/10/2009] 37
  • 38. Anexos Tabela 1 (Despesa efectuada com o RMG/RSI (em euros) e % da mesma face ao total de despesas correntes da CSS) % FACE AO TOTAL VALOR DAS DESPESAS ANO (EM EUROS) CORRENTES DA CSS 1996 1.759.759 0,0 1997 48.656.737 0,5 1998 197.194.761 0,5 CONTA GERAL DO ESTADO 1999 277.398.470 1,9 2000 266.797.518 2,2 2001 244.282.280 2,1 2002 232.413.500 1,7 2003 243.674.500 1,7 2004 241.701.600 1,5 2005 285.300.000 1,7 2006 334.800.000 1,8 2007 372.600.000 2,0 2008 425.700.000 2,1 2009a 463.063.967 2,6 TOTAL 3.635.343.092 Fonte: Elaboração própria, com base na Conta Geral do Estado. Legenda: a – O valor inscrito compreende somente onze meses do Ano. Gráfico n.º 1 (Despesa Efectuada com o RMG/RSI (em euros)) 500,000,000 450,000,000 400,000,000 350,000,000 300,000,000 250,000,000 200,000,000 150,000,000 100,000,000 50,000,000 0 2009a 2000 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Fonte: Elaboração própria, com base na Conta Geral do Estado. Legenda: a – O valor inscrito compreende somente onze meses do Ano. 38
  • 39. Tabela 2 (Dados estatísticos relativos à medida RMG/RSI desde 1997) Valor % de N.º de N.º de N.º total de médio da beneficiários c/ beneficiários Ano beneficiários beneficiários prestação rendimentos c/ outras c/ rendimentos (em euros) face ao total pensões b 1997 116.835 1998 310.601c 30,51c 1999 421.328c 32,15c 2000 474.420d 35,01c 2001 419.835d 42,34c 150.700 35,90% 2002 379.948e 2003 425.984e 64,70i 2004 363.845f 68,70i 2005 72,69i 2006 342.286g 79,37i 92.817i 27,12% 28.073j 2007 381.106h 82,39i 98.548i 25,86% 27.329j 2008 430.235i 87,68i 105.676i 24,56% 26.064j 2009a 471.566i 93,30i 112.148i 23,78% 24.359j Fonte: Elaboração própria, com base nas fontes citadas na Legenda. Legenda: a – Considerando somente onze meses do Ano. b – Acórdão 02/2000, Tribunal de Contas c – Estatísticas RMG, Março 2002 d – Conta da Segurança Social 2002 e – Conta da Segurança Social 2003 f – Conta da Segurança Social 2004 g – Conta da Segurança Social 2006 h – Conta da Segurança Social 2007 i – IGFSS, MTSS [dados recebidos em 11/12/2009] j – IGFSS, MTSS [dados recebidos em 16/12/2009] 39