1. Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012
EXTENSÕES DO PARADIGMA JDBD NO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO:
modos de narrar, formatos e visualização para conteúdos1
Suzana Barbosa2
Vitor Torres3
Resumo: Neste artigo, retomamos formulações anteriores acerca do Paradigma
JDBD no jornalismo contemporâneo para refletir sobre sua preponderância
crescente, apontando extensões para o modelo. Uma das mais visíveis e sobre a
qual nos centramos é o que se vem chamando Jornalismo Guiado por Dados,
considerada aqui como uma das vertentes do JDBD, pois está no escopo de
abrangência do seu conceito. A partir do referencial teórico e do mapeamento de
exemplos empíricos, inferimos que as novas extensões do JDBD materializam,
principalmente, modos de narrar, de compor as peças informativas, de formatos
variados para os conteúdos, bem como para apresentação das informações
jornalísticas. Assim, é possível indicar a conformação de hipernarrativas ou
narrativas interativas dinâmicas, de cariz complexo, também afinadas com o que se
denomina estética base de dados.
Palavras-Chave: Jornalismo. Paradigma Jornalismo Digital em Base de Dados.
Hipernarrativa.
1. Paradigma JDBD em expansão contínua
Como um modelo teórico formulado para o melhor entendimento sobre o papel das
bases de dados no jornalismo contemporâneo, o Paradigma JDBD – Jornalismo Digital em
Base de Dados, (BARBOSA, 2007; 2008; 2009; 2011) expande-se em sucessivas
apropriações, cada vez mais demarcando distinções para os cibermeios operando segundo a
lógica multiplataforma. No contexto atual, a consolidação das bases de dados como
estruturantes da atividade jornalística e como agentes singulares no processo de convergência
de meios nos permite afirmar a sua preponderância, ao tempo em que verificamos extensões
para o modelo.
Uma das mais visíveis é o que se vem chamando Data Driven Journalism ou Jornalismo
Guiado por Dados (BRIGS, 2010; BRADSHAW, ROHUMAA, 2011; ROGERS, 2011). O
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos do Jornalismo, do XXI Encontro da Compós, na
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012.
2
Professora/pesquisadora adjunta no Departamento de Comunicação e no PósCOM, Facom/Universidade
Federal da Bahia. Doutora. Grupo de Pesquisa: GJOL. Coordena o Laboratório de Jornalismo Convergente (PPP
nº 0060, FAPESB/CNPq). <suzana.barbosa@gmail.com>.
3
Mestrando no PósCOM, Facom/Universidade Federal da Bahia. Graduado em Publicidade e Propaganda.
Grupo de Pesquisa: GJOL. Integra o Laboratório de Jornalismo Convergente. <vitortorres.mid@gmail.com>.
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termo enfatiza, especialmente, a existência de informações públicas de países, governos,
entidades de diversos perfis tornadas cada vez mais acessíveis e diversificadas, ao tempo em
que permitem seu uso, exploração e publicação a partir de formatos variados e ferramentas de
visualização específicas utilizadas para sua apresentação. Gera o que estudiosos classificam
como o fenômeno do “big data” ou “a revolução industrial do dado”, conforme indicam
Bradshaw e Rohumaa (2011, p.48).
O episódio da divulgação dos 250.000 telegramas confidenciais de governos,
principalmente dos Estados Unidos, por parte da organização Wikileaks em novembro de
2010, em parceria com o The New York Times, The Guardian, El País, Le Monde e a revista
Der Spiegel – conhecido como cablegate – talvez seja o exemplo mais emblemático da força
dos dados. É também referencial por ter levado as organizações jornalísticas a buscarem
recursos e parâmetros que melhor pudessem estruturar as suas narrativas, os diferentes
formatos de conteúdos (desde textos, a documentos em pdf, vídeogalerias, galerias de foto,
infográficos interativos, mapas gerados a partir de mashups4, slideshows, uma base de dados
navegável com os telegramas, cuja interface para acesso se apresenta como mapa interativo,
etc), maneiras de envolver a participação dos usuários, além do uso de técnicas de
visualização para apresentação das informações contidas nos cables5.
Aqui, entendemos o Jornalismo Guiado por Dados6 como uma das vertentes abarcadas
pelo Paradigma JDBD, conferindo sua extensibilidade, uma vez que está no escopo de
abrangência do seu conceito, sintetizado como sendo: o modelo que tem as bases de dados
como definidoras da estrutura e da organização, bem como da composição e da apresentação
dos conteúdos de natureza jornalística, de acordo com funcionalidades e categorias
4
Consiste na operação de combinar conteúdos de duas ou mais fontes para gerar um novo.
5
Ver em: <www.nytimes.com/interactive/world/war-logs.html>, <www.guardian.co.uk/world/the-us-embassy-
cables >, <www.elpais.com/documentossecretos/>, <www.lemonde.fr/documents-wikileaks/>,
<www.spiegel.de/international/world/0,1518,731441,00.html>. Mais sobre o cablegate e seus desdobramentos,
em:< http://apublica.org/2011/09/wikileaks-a-contagem-final-do-cablegate/>.
6
De certa maneira, ele recupera e amplia a noção que se firmou na década de 80 como Reportagem Assistida
por Computador (RAC), e que teve no National Institute for Computer-Assisted Reporting (NICAR,
<www.ire.org/nicar/>), criado em 1989, o principal irradiador de suas técnicas para dar suporte às reportagens
investigativas, muitas delas ganhadoras de diversos Prêmios Pulitzer. No Brasil, a Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji, <www.abraji.org.br/>), criada em 2002, já treinou mais de 4 mil jornalistas em
cursos e oficinas sobre uso da RAC.
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específicas, que também vão permitir a criação, a manutenção, a atualização, a
disponibilização, a publicação e a circulação de cibermeios dinâmicos em multiplataformas.
Entre as mais de 20 funcionalidades sistematizadas (ibidem, 2007; 2008; 2009), citamos
as mais pertinentes para a discussão que aqui se estabelece: 1) Integrar os processos de
apuração, composição, documentação e edição dos conteúdos; 2) Orientar e apoiar o processo
de apuração, coleta, e contextualização dos conteúdos; 3) Regular o sistema de categorização
e qualificação das distintas fontes jornalísticas, indicando a relevância das mesmas; 4)
Habilitar o uso de metadados para análise de informações e extração de conhecimento, por
meio de técnicas estatísticas ou métodos de visualização e exploração como o data mining7.
Também assegurando a aplicação da técnica do tagging8; e 5) Garantir a flexibilidade
combinatória e o relacionamento entre os conteúdos.
Quanto às categorias expressivas do modelo, temos a da Dinamicidade como aquela que
permite às demais adquirir representatividade. É a partir dela que se demarca um novo padrão
para os cibermeios, em contraposição aos anteriores sites estáticos. São elas:
- Automatização. Inerente ao uso de bases de dados nos processos de
armazenamento, estruturação, organização e apresentação das informações. Permite agilidade
nos processos de apuração, formatação de conteúdos a partir do que está armazenado no
arquivo, e também as chamadas estatísticas dinâmicas ou Sistemas de Recomendação de
Notícias (SRN), entre outros. Há 3 tipos de automatização: parcial, procedimental (nível
intermediário) e total;
- Flexibilidade: Relacionada à facilidade de recuperação dos conteúdos para a
contextualização, a própria flexibilidade combinatória entre distintos tipos de conteúdos, o
que é fundamental no contexto da produção jornalística em redações integradas e no âmbito
do jornalismo móvel;
- Inter-relacionamento/Hiperlinkagem: Permite incorporar materiais distintos que
estejam disponíveis na base de dados do cibermeio, bem como nas de outras fontes com
informações abertas para oferecer análise e contextualização. Por outro lado, agrega
7
Mineração de dados ou exploração de dados. Conjunto de operações de diversos tipos que se pode realizar
para explorar relações, tendências e projeções em conjuntos de dados de grandes dimensões (COLLE, 2002,
p.255). As ferramentas de data mining se baseiam no conhecimento acumulado que está invisível nas bases de
dados.
8
Descritor usado como metadado e agregado ao conteúdo do texto de uma notícia, de uma reportagem, ou a
qualquer outro formato, como vídeo, infografia interativa, slideshow, mapa, etc. Nos conteúdos de Elpais.com,
pode-se perceber a presença das taggs que descrevem a notícia, o que afeta diretamente a classificação da
informação, facilitando a sua recuperação. Essa é uma das mudanças implementadas recentemente com a nova
plataforma de gestão de conteúdos do cibermeio espanhol. Em: <http://blogs.elpais.com/el-cambio-por-
dentro/2012/02/el-cambio-por-dentro.html>. Acesso em: 11/02/2012.
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elementos da hipernarrativa ou da narrativa interativa às peças jornalísticas, assegurando, em
paralelo, tematizações novas para os conteúdos;
- Densidade informativa: Delimitada, assim como a próxima categoria, a partir da
concepção de Resolução Semântica (FIDALGO, 2003, 2004, 2007b), considerada imanente
ao jornalismo digital (MIELNICZUK, BARBOSA, DALMASO, FIGUEIREDO, 2010). A
densidade informativa é assegurada por uma oferta abrangente e diversificada de conteúdos
(tanto quanto aos gêneros jornalísticos, como aos modos de narrar e aos formatos) e de
recursos associados à cobertura jornalística dos acontecimentos, de acordo com o tratamento,
processamento e publicação dos mesmos no âmbito de cada cibermeio;
- Diversidade temática: Novas tematizações podem ser trabalhadas para assegurar
também maior densidade informativa e vice-versa. Com a incorporação crescente das bases
de dados para a estruturação do material jornalístico, para a construção das peças
informativas e para a apresentação dos conteúdos, também maiores serão as possibilidades
para novas tematizações. Significa dizer, que ultrapassem o eixo temático mais comum
utilizado para organizar os conteúdos, quais sejam: política, economia, esportes, cultura
(FONTCUBERTA, 2006, p.72), além de ciência, saúde, tecnologia. Assim, as novas
editorias/seções denominadas “Data” ou “Dados” presentes em alguns cibermeios (Los
Angeles Times, The Texas Tribune, Guardian, The New York Times, Gazeta do Povo) são
exemplos atuais ilustrativos de novas tematizações que estão diretamente relacionadas com a
força dos dados no jornalismo;
- Visualização: Diz respeito aos modos diferenciados para se representar informações
jornalísticas, a partir da sua estruturação em base de dados. Aqui são intrínsecas as noções de
metadados ou metainformações, as técnicas de data mining, do tagging entre outras que já
vêm sendo utilizadas. Entre as ferramentas de visualização mais empregadas estão a
ManyEyes, desenvolvida pela IBM, a Your.FlowingData, para coletar dados através do
Twitter, a Visual.ly e a ferramenta Treemaps, aplicada para analisar extensa quantidade de
dados, que gera o padrão de visualização conhecido como Squarified (retângulos alongados9).
- Convergência: Esta categoria foi agregada às demais a partir do entendimento de
que as bases de dados são agentes centrais no processo de convergência jornalística
(BARBOSA, 2008, 2009), conformando plataformas de gestão de conteúdos que dão suporte
às redações integradas, segundo a lógica do jornalismo convergente, multimídia,
multiplataforma, que também requer habilidades múltiplas dos profissionais para os modos
de narrar, para uso da hipertextualidade, da multimidialidade, da memória, da interatividade
nas peças jornalísticas, sobre os formatos e as maneiras de apresentar os conteúdos.
2. Modos de narrar: a hipernarrativa em base de dados
Em The Language of New Media (2001), Lev Manovich assinala que como uma nova
forma cultural do contemporâneo, as bases de dados vão possibilitar redefinir a concepção de
9
Ver aplicação no Newsmap.jp e em <http://news.bbc.co.uk/2/hi/8562801.stm>. Sobre a técnica:
<www.cs.umd.edu/hcil/treemap/>.
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narrativa. Para ele, a hipernarrativa (numa analogia ao hipertexto) é aquela que resulta da
soma de múltiplas trajetórias efetuadas através das bases de dados. Num nível material,
sustenta o autor, a narrativa é apenas um conjunto de links, pois os elementos em si
permanecem armazenados em uma base de dados (MANOVICH, 2001, p.231). Para
demonstrar a pertinência da sua formulação, ele aplica a teoria semiológica que prevê as
dimensões sintagmática (relações se dão de maneira explícita) e paradigmática (relações
ocorrem de maneira implícita) para compreender os relacionamentos entre os elementos de
um sistema.
Assim, segundo Manovich (2001, p.231), a base de dados que até então cumpria um
papel implícito, adquire existência material (paradigma), enquanto a narrativa, de explícita,
passa à condição de desmaterialidade (sintagma). O paradigma, portanto, é privilegiado sobre
o sintagma. A narrativa se torna virtualizada e a base de dados passa a existir materialmente.
Esta é a hipernarrativa presente nos objetos e produtos da nova mídia, já que são produzidos a
partir de base de dados e, neles, traços da narrativa tradicional também estão presentes,
resultando em muitos híbridos. Por outra parte, na leitura, interação ou exploração desses
produtos (entre eles um cibermeio), o usuário atua como um performador de ações para levar
a narrativa adiante. Pois, se ele não se movimenta, seja clicando sobre os links e escolhendo o
que lerá ou verá em seguida, a narrativa para. Complementando, Ellen Lupton (2010, p. 93),
pesquisadora do design, afirma que, como estrutura definidora da informação em nosso
tempo, as bases de dados são não lineares, permitindo que um sistema de elementos seja
arranjado em incontáveis sequências. E reforça: as bases de dados são a estrutura por trás que
dá sustentação a jornais, revistas, jogos eletrônicos, catálogos, etc, gêneros que criam um
espaço de informação.
Outros investigadores também têm acolhido a concepção de Manovich como partida
para propor novos entendimentos acerca da narrativa em seus campos de estudo, bem como
novas denominações. Entre eles, alguns são da área do cinema (KINDER, 2002: “narrativa
interativa em base de dados”; CAMERON, 2008: “narrativa modular”; SIMONS, 2008:
“narrativa complexa”), enquanto outros são pesquisadores das artes na nova mídia, a exemplo
de Christiane Paul (2007) e Victoria Vesna (2007), que vão trabalhar na perspectiva de uma
estética base de dados: termo usado para descrever os princípios estéticos aplicados na
imponente lógica das bases de dados para qualquer tipo de informação, filtrando coleções e
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visualizando os dados (PAUL, 2007, p. 95). A estética base de dados está, assim, mais focada
nas operações do “front end” (parte visível, interface) do que nas do “back end”, ou seja, do
contenedor dos dados e da sua estrutura.
No campo do jornalismo, também encontramos investigadores que empregam a
concepção de narrativa interativa ou hipernarrativa desenvolvida por Manovich (2001) para
pensá-la em relação à composição de narrativas jornalísticas.
Para Machado (2006), por exemplo, a narrativa, em vez de uma sucessão de ações,
configura-se cada vez mais como uma viagem através do espaço constituído pelos conjuntos
estruturados de itens organizados na forma base de dados e torna-se um conjunto contínuo de
ações narrativas e explorações (2006, p. 50). Ele argumenta que, ao contrário da narrativa
moderna, na qual o ouvinte, o leitor ou o telespectador acompanha a narração sem interferir
na lógica interna das ações, o fluxo dos novos modelos de narrativa, mais do que incorporar,
vai depender diretamente da intervenção do usuário. Já Ribas (2005, p.06), propõe a seguinte
definição para essa narrativa: estrutura que incorpora os elementos da narrativa tradicional
em associação aos elementos, características e princípios do meio digital, para desempenhar
as funções de: 1) organizar e tornar facilmente acessíveis os dados na tela, tornando-se, desta
maneira, a mediadora entre o computador, o usuário, o produtor; e 2) criar ambientes
diferenciados para as relações entre os dados, permitindo experiências distintas e
possibilitando a identificação de diferentes tipos de produtos e de estratégias
comunicacionais.
Mielniczuk (2008), por sua vez, destaca que numa plataforma de gestão de conteúdos
jornalísticos estruturada em base de dados, o hipertexto funciona conforme a lógica de um
sistema dinâmico, o que implica diretamente em mudanças para as narrativas jornalísticas.
Principalmente, quanto ao uso dos links, os quais ganham movimento/animação fazendo com
que as “lexias10 hipertextuais tornem-se muito mais ‘fluidas’ (a troca de uma lexia para a
outra já não depende mais de uma ação, de um clique). No transcorrer da narrativa, as lexias
podem ir fluindo de uma para a seguinte e assim por diante. Poderíamos pensar que, nesses
casos, os links seriam invisíveis” (ibidem, 2008, p. 173).
10
Na teoria do hipertexto, é a unidade mínima da narrativa, ao passo que, na narratologia, o texto é a unidade
mínima da narrativa.
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Ramos (2011), tomando como parâmetro o Paradigma JDBD e considerando-o como
um texto da cultura – segundo o referencial da escola de semiótica russa, por meio dos
autores Iuri M. Lotman e Irene Machado – compreende que as bases de dados dominam
hierarquicamente a criação e a manipulação de conteúdos diversos, estando no centro da
criação jornalística: “(...) é a partir daí que geram-se linguagens, modelizadas pelos formatos,
nos quais pode-se ter experiências narrativas, pois a priori, em estado puro, não há narrativas
nas bases de dados” (ibidem, 2011, p. 11). Para a autora, uma base de dados pode admitir a
narração, mas não há nada na lógica do meio que fomente a criação de uma história.
Conforme afirma, uma narrativa como uma navegação em bases de dados seria o que Henry
Jenkins (2008, p. 158) chama de narrativa transmidiática, “justamente como uma
possibilidade de múltiplas combinações em diversas bases de dados, ou, como diz o autor, em
diversas mídias” (RAMOS, 2011, p. 12).
3. Sobre o mapeamento de exemplos empíricos
Para compor nosso quadro de exemplos, partimos do mapeamento de diferentes formatos
de conteúdos jornalísticos, publicados e distribuídos em sites de cibermeios do mainstream,
organizações independentes, cibermeios originalmente nascidos na web, além de sites de
universidades ou grupos de pesquisa. Todo o material pesquisado, totalizando 48 sites
analisados, está intrinsecamente ligado ao escopo de definição do Paradigma JDBD. Este
mapeamento permitiu criar uma tipologia para melhor ordenar e distinguir os diversos
modelos encontrados.
Assim, foi possível visualizar quatro tipologias: Mashups, Data/Dados, Sistemas de
Recomendação de Notícias (SRN) e Fontes. As diferenças que caracterizam cada tipologia
serão explicitadas no subitem a seguir. Feito isso, cruzamos nossas descobertas às categorias
expressivas do Paradigma JDBD, o que nos permite corroborar as proposições trabalhadas
neste artigo quanto à existência de novos modos de narrar, de uma diversidade de novos
formatos para conteúdos jornalísticos, e de novas maneiras para apresentá-los.
3.1 Tipologia
Neste tópico detalhamos as especificidades que caracterizam cada uma das quatro
tipologias sistematizadas a partir do mapeamento. São elas que guiam a análise realizada,
exposta a partir do subitem 3.2. Assim, temos:
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a) Mashups: Consiste na produção de conteúdos, de formatos distintos, a partir da
combinação de variadas fontes públicas de dados. Com isso, os novos conteúdos
gerados podem ganhar apresentações também diversificadas, afinadas assim com
a estética base de dados. Exemplos de formatos criados através de mashups são
infografias interativas e newsgames;
b) Data/Dados: Nova denominação para editorias/seções em alguns cibermeios nas
quais são apresentados conteúdos produzidos a partir de dados disponibilizados
pelos governos de países, estados, cidades, entre outros. Exemplos são: as
editorias Data, no Guardian11; Data Desk, no Los Angeles Times; e Dados, na
Gazeta do Povo (Paraná);
c) Sistemas de Recomendação de Notícias (SRN) ou estatísticas dinâmicas:
Permitem visualizar – a partir do emprego de variadas técnicas de visualização da
informação – o que é mais popular na cobertura informativa de um site jornalístico
ou cibermeio no real time em que acessamos (BARBOSA, 2011, p.08). Aparecem
sob as seguintes denominações: “Most popular”, “Notícias mais lidas”, “Mais
comentadas”, “Mais compartilhadas”, “Mais enviadas”, “Mais vistas”;
d) Fontes: Sites mantidos por governos de países, estados, cidades, além daqueles de
organizações independentes que distribuem dados referentes à administração
pública, por exemplo.
3.2 Análise aplicada
3.2.1 Mashups
São muitos os exemplos que formatam a tipologia Mashups, encontrados em cibermeios
brasileiros e estrangeiros, independentemente do tamanho da organização por trás do produto
noticioso, assim como em sites não jornalísticos. Detivemo-nos em dois exemplos que foram
selecionados por conta da composição do conteúdo ofertado e das diferenças de visualização.
O primeiro deles, “SOPA Opera - Where Do Your Members of Congress Stand on SOPA
and PIPA?”, desenvolvido pela ProPublica12, é uma infografia interativa, permanentemente
11
<www.guardian.co.uk/data>; <http://datadesk.latimes.com/> e <www.gazetadopovo.com.br/dados/>.
12
Organização independente dos EUA, especializada em jornalismo investigativo: Ver em:
<http://projects.propublica.org/sopa/>. Acesso em: 13/02/2012.
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atualizada, revelando o caráter dinâmico. Funciona como uma base de dados sobre os
membros do congresso dos EUA, e permite conhecer seus posicionamentos políticos frente
ao projeto de lei que visa alterar regras sobre compartilhamento de conteúdos na web, o Stop
Online Piracy Act (SOPA). Nela, o leitor/usuário pode filtrar as possibilidades de acesso para
navegar, interagir, envolver-se com o conteúdo. Através de opções de divisão por estado,
idade ou sexo, de selecionar somente políticos do Partido Republicano, do Democratas ou os
Independentes, interage-se com o conteúdo e modela-se o consumo da informação. Os dados
empregados são de fontes originárias de iniciativas open-data independentes e do próprio
governo estadunidense: OpenSecrets (Center for Responsive Politics13); OpenCongress14;
GovTrack.us15; Library of Congress THOMAS16, e do jornal The New York Times (New York
Times Congress API17).
O segundo exemplo da categoria Mashups é o especial da BBC.co.uk, “Seven Billion
People”18, que usa mecânica de jogos como uma das técnicas para compor e apresentar o
diversificado conteúdo. O tema é a população de pessoas na Terra, que em 30 de outubro de
2011 atingiu a marca expressiva de sete bilhões de indivíduos. Numa interface de infográfico
interativo, o leitor/usuário é convidado a disponibilizar a data de nascimento, nome do país
em que nasceu e o seu sexo. Feito isso, lhe são apresentados dados comparados – que é o que
define a mecânica de jogo utilizada – entre o leitor e outros habitantes da Terra. Além desse
formato, são disponibilizadas ao leitor/usuário informações complementares em textos e em
vídeos sobre o tema, como, por exemplo, o que tem sido feito em diferentes regiões do
planeta para o controle populacional. Para a realização do especial, dados de diferentes
instituições foram cruzados, combinados. Todos aqueles referentes à população, por exemplo,
estão baseados em estimativas da UN Population Division19 e, todos os cálculos, fornecidos
pelo UN Population Fund20. Os dados restantes são de outras seções da ONU, como Global
Footprint Network21 e International Telecommunication Union22.
13
<www.opensecrets.org/>.
14
<www.opencongress.org/>.
15
<www.govtrack.us/>.
16
<http://thomas.loc.gov/home/thomas.php>.
17
<http://developer.nytimes.com/docs/congress_api>.
18
<www.bbc.co.uk/news/world-15391515 >. Acesso em: 13/02/2012.
19
<www.un.org/esa/population/>.
20
<www.unfpa.org/public/>.
21
<www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/>.
22
<www.itu.int/en/Pages/default.aspx>.
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Outra consideração que se faz aqui a respeito dos Mashups é que por meio deles
também é possível conformar conteúdos como um newsgame. O termo nomeia mesmo um
formato novo, que se apropria de dinâmicas de jogos para atrair a atenção do leitor/usuário
enquanto este interage com o conteúdo noticioso, apreendendo mais sobre a realidade do
mundo a partir da cobertura jornalística sobre determinado assunto 23. Um newsgame é
formatado a partir da combinação entre informações jornalísticas, linguagens de programação
e base de dados.
Os dois exemplos estão em consonância com as categorias do Paradigma JDBD, pois:
refletem a dinamicidade presente em cibermeios cujas informações estão estruturadas em
bases de dados; possuem flexibilidade, porque facilitam a recuperação dos conteúdos para
contextualização; também possuem a característica da densidade informativa, pois, à medida
que novas informações são apuradas, os conteúdos são atualizados, assegurando o uso de
fontes diversas; assim como estão marcados pela diversidade temática. Ambos também
apresentam modos diferenciados para se visualizar informações jornalísticas. O especial da
BBC.co.uk empregou a técnica Visual.ly, gratuita, enquanto a ProPublica usou ferramenta
própria para a interface em mosaico, formada por fotos de cada congressista. A variedade de
formatos (texto, foto, infografia, slide shows, mapas, etc) para os conteúdos revela, ainda, a
convergência. Outra propriedade do JDBD presente é a de inter-
relacionamento/hiperlinkagem. Ela aparece com maior intensidade no exemplo da
ProPublica: a interface de imagens em mosaico é toda clicável, guiando o leitor/usuário para
novos conteúdos e possibilitando assim maior aprofundamento e contextualização no tema.
3.2.2. Data/Dados
Pelo que se observa, a incorporação das novas editorias/seções denominadas
Data/Dados compondo o menu informativo dos cibermeios é crescente. Nelas, se
disponibiliza uma diversidade de dados, geralmente relacionados à região onde a organização
jornalística a qual pertence o cibermeio está localizada, assim como modelos diferenciados de
visualização para esses dados. Este tipo de ação reforça o Jornalismo Digital em Base de
Dados como paradigma, e possibilita o surgimento de novos modos de narrar e de formatos
23
Sobre o assunto, ver Bogost, Ferrari e Schweizer (2010), que investigam os games em intersecção com o
jornalismo.
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para conteúdos noticiosos. A Tabela 1 (a seguir) descreve seis exponenciais exemplos de
editorias Data/Dados encontradas em cibermeios.
Tabela 1
Editorias/Seções Data/Dados
Cibermeio Editoria/Seção País Descrição
Primeiro cibermeio brasieliro a apresentar uma seção
Gazeta do Dados Brasil Dados. Reúne informações sobre a adminstração pública
Povo do estado do Paraná, além de dados organizados e
produzidos pela própria equipe.
Grande diversidade de dados organizados pela equipe de
Guardian Data Store. Facts are UK database journalism do cibermeio. Além dos dados,
Sacred desenvolvem aplicativos e compartilham sob uma licença
de livre utilização.
Data Desk. Criada numa parceira entre jornalistas do LA Times e
Los Angeles Maps, Databases, EUA desenvolvedores web, agrega dados sobre a cidade de
Times Analysis and Visualization Los Angeles e produz mapas, infográficos, etc.
Tools & Data. Organização especializada em jornalismo investigativo e
ProPublica ProPublica's News EUA em reportagens guiadas por computador. Nesta seção,
Applications, Graphics, oferece conteúdos e APIs formatadas através de dados
Databases, and Tools reunidos em fontes abertas.
Forte variedade de dados organizados pela equipe de
The New Linked Open Data EUA database journalism. Além dos dados, desenvolvem
York Times aplicativos e compartilham sob uma licença de livre
utilização.
De acordo com o site é a seção que mais atrai leitores. O
The Texas The Data EUA foco principal é o desenvolvimento de aplicativos.
Tribune
FONTE – Elaboração própria
Em tais editorias, os dados estão disponíveis para qualquer usuário criar e desenvolver
novas aplicações a partir deles. Outra vantagem é que, com a proliferação destas aplicações –
chamadas APIs – o público tem diversificadas orientações para ler e contextualizar
determinados assuntos. Os seis exemplos aqui citados estão de acordo com as categorias do
JDBD e são, em essência, representativos também do desenvolvimento do ciberjornalismo
nessas duas décadas.
3.2.3 Sistemas de Recomendação de Notícias
Um Sistema de Recomendação de Notícias (SRN) é formatado por algoritmos e
linguagens de programação que selecionam itens de uma determinada base de dados e
personalizam o modo como uma informação específica será visualizada no momento em que
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se acessa o site (horário e região, por exemplo, são características definidoras de
personalização de alguns SRN). No jornalismo, este tipo de conteúdo confere dinamicidade
aos cibermeios, ao tempo em que também é caracterizado por um alto nível de
automatização. A indicação para as notícias “Most popular”, “Lo más visto”, “Mais lidas”,
“Mais comentadas”, “Mais compartilhadas”, etc, está amplamente presente em cibermeios
nacionais e estrangeiros. As possibilidades de hierarquização da informação em um SRN
variam de acordo com as técnicas utilizadas. Contudo, a presença de uma base de dados é
indispensável para o seu funcionamento, o que faz com que elas sejam parte definidora dos
Sistemas de Recomendação de Notícias - outro formato para os conteúdos jornalísticos
materializados pelo Paradigma JDBD no jornalismo contemporâneo.
Em “La Nube de Noticias”, SRN do cibermeio argentino LaNación.com.ar, um dos
exemplos que integram o mapeamento feito para este trabalho, emprega-se a ferramenta de
visualização Treemaps24. Por meio dela, pode-se: ver como a informação noticiosa é
hierarquizada; ver os conteúdos mais lidos ou aqueles que receberam mais comentários do
público; além da possibilidade de se consultar o arquivo dos conteúdos publicados no dia em
que se está pesquisando ou de conteúdos postados há sete dias ou há um mês. O SRN do
LaNación.com.ar permite, ainda, ler material específico de determinada editoria ou combinar
uma hierarquização entre todas as seções do cibermeio, refletindo, assim, o quão dinâmico,
flexível, planamente hiperlinkado e automatizado é. Também possui vasta densidade
informativa, diversidade temática e conteúdos em multimídia.
3.2.4. Fontes
No Jornalismo Guiado por Dados (BRIGS, 2010; BRADSHAW, ROHUMAA, 2011;
ROGERS, 2011), o jornalista deve saber pesquisar em vastas coleções de dados, interpretá-
los e reorganizá-los para produzir um conteúdo noticioso. A habilidade para aplicar e lidar
com técnicas como o data-mining ou mineração de dados no processo de apuração (COLLE,
24
No Guardian.co.uk, em “Zeitgeist” (“espírito do tempo”), essa ferramenta também é empregada:
<www.guardian.co.uk/zeitgeist>. Acesso em: 13/02/2012.
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2002; FIDALGO, 2007a), constitui-se como uma capacidade a mais a ser incorporada pelo
profissional. Cada vez mais essencial, tendo em vista a realidade das rotinas produtivas, vem
crescendo em importância concomitantemente à vasta adesão de governos em todo mundo à
tendência de disponibilizar dados referentes à administração pública sob licenças abertas,
assim como a expansão de projetos não governamentais que compartilham do mesmo ideal
de criar iniciativas open-data.
A abertura de projetos de compartilhamento de dados, como o recém-lançado pelo
governo brasileiro “Data.gov.br”, é cada vez maior no mundo inteiro. No Brasil, porém,
vive-se ainda um “apagão de dados”25, o que se constitui um entrave para a expansão do
Jornalismo de Dados no país. Porém, com a Lei de Acesso à Informação - sancionada pela
presidente Dilma Rousseff em novembro de 2011 - essa realidade tende a ser alterada,
permitindo ampliar a disponibilização de dados referentes às distintas esferas do poder
público no país. A lei entrará em vigor após transcorridos 180 dias. A tabela 2 (a seguir)
mostra algumas das iniciativas open-data encontradas em nosso mapeamento.
25
Entre 28 e 30/08/2011, uma série de reportagens publicadas pelo O Globo, abordou o problema e indiciou as
dificuldades para se apurar informações sobre ações e programas de governos. Além de não se encontrar dados
atualizados sobre determinados setores dos mais diversos órgãos, ministérios e secretarias, também se verificou
que as bases de dados mantidas pelo governo federal não se se comunicam com as dos governos estaduais e
municipais. In: “A falta de informação como notícia”. Por Dentro de O Globo, p.2. 30 de agosto de 2011.
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Tabela 2
Iniciativas open-data
Iniciativas open-data País de Descrição
Origem
Berlin Open Data Dados relacionados à administração pública
daten.berlin.de/ Alemanh da cidade de Berlim. Trata-se de um projeto
de dados abertos e legíveis por humanos e
a
máquinas.
Tem como objetivo incentivar o acesso
Data.gov.au Austrália público e a reutilização de dados do governo
sob licenças abertas.
Portal Brasileiro de Dados Abertos Sistema de informação que agrega dados da
Brasil administração pública brasileira.
Data.gov.br
Portal que organiza o Catálogo de Informação
Datos.gob.es Espanha Pública da Administração do Estado.
Reúne aplicativos e dados referentes à
Data.gov EUA administração pública do país. Também há
espaço para troca de informações entre
usuários do sistema.
Data.gov.kr Coréia do Dados públicos sobre a administração do país.
Sul
Data.gov.uk Dados publicados sob uma licença aberta
Opening up government UK sobre a administração de bens públicos do
país.
Datosperu.org Disponibiliza dados relacionados à
Directorio de Empresas, Marcas registradas, Peru administração pública e de registro de
Normas Legales y Teléfonos en Perú empresas privadas do Peru.
Esta iniciativa do governo queniano oferece
Kenia open Data Quênia dados relacionados à administração pública.
opendata.go.ke/
Visa impulsionar a inovação e oportunidades
Open Data Canadá para a população do país. Disponibiliza dados
data.gc.ca abertos para pesquisas.
Catálogo de dados publicados pelos
Paris Data França departamentos públicos de Paris sob uma
licença livre. Não é um projeto do governo.
Portal U Alemanh Projeto com informações do meio ambiente,
a da Universidade de Toronto.
FONTE – Elaboração própria
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4. Considerações finais
Com este artigo, o objetivo foi indicar extensibilidades do Paradigma JDBD no
jornalismo contemporâneo, dando a conhecer os novos modos de narrar, os novos formatos
para os conteúdos, assim como as distintas possibilidades para a visualização das
informações. Inferimos, ainda, que se trata de novas convenções26 (MURRAY, 2012) que
estão se fixando, porque mais afinadas com os aprimoramentos técnicos e com a melhor
compreensão acerca das propriedades específicas do jornalismo digital nessas duas décadas
de desenvolvimento.
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em: 04/02/2012.
26
Segundo a autora, convenções rotinizam e ritualizam interações repetidas, provendo um modo familiar de
endereçar situações novas ou de receber informações novas. Tratam-se, assim, dos formatos de mídia que são
partilhados por artefatos digitais criados pelo homem.
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