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DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR 
Para ficar 
menos triste, 
irritado, enlouquecido 
106 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 
Embora tenham alcançado um sucesso espe-tacular 
em tornar as pessoas mais ricas, as 
sociedades contemporâneas vêm estimulan-do 
os apetites individuais tão continuamen-te 
que acabam por anular parte dos ganhos 
obtidos. Quem afirma isso é o suíço Alain de 
Botton, uma das grandes referências da filosofia mundial, 
autor de livros como As Consolações da Filosofia, Desejo 
de Status, A Arquitetura da Felicidade e Os Prazeres e Des-prazeres 
do Trabalho (todos, ed. Rocco). 
“Nas sociedades avançadas, pagam-nos salários ele-vados 
que aparentemente nos fazem mais ricos, mas na 
verdade o ‘efeito de rede’ (quando o valor de algo aumen-ta 
à medida que mais pessoas o consomem) pode estar 
nos empobrecendo, ao encorajar expectativas ilimita-das 
e manter aberta a brecha entre o que queremos e o 
que podemos ter”, afirma ele, em entrevista exclusiva a 
HSM Management. 
Expectativas tão altas dificilmente podem ser satisfei-tas 
e o resultado é uma sociedade de pessoas “tristes, 
irritadas, enlouquecidas” –e, como consequência, tam-bém 
pouco produtivas. Para Alain de Botton e um número 
crescente tanto de filósofos como de economistas e con-sultores 
de empresas, a melhor solução para o problema 
tende a ser a filosofia como uso pessoal, que põe o dedo 
nas feridas individuais, fazendo cada um distanciar-se de 
seu quadro para compreendê-lo melhor e, então, real-mente 
encaixar-se. 
DIAGNÓSTICO: CARÊNCIA 
ENORME E PERMANENTE 
As vantagens alcançadas em 2 mil anos de civilização oci-dental 
são enumeradas por De Botton: aumento da ri-queza, 
provisão de alimentos, conhecimento científico, 
COMPREENDER O 
PAPEL DO TRABALHO 
NA VIDA E OLHAR 
MENOS O QUE O OUTRO 
TEM E MAIS PARA SI 
MESMO É A PRIMEIRA 
PROPOSTA DESTE 
DOSSIÊ PARA QUE OS 
GESTORES ENFRENTEM 
OS DESAFIOS 
PROFISSIONAIS QUE OS 
ESPREITAM, CONFORME 
REPORTAGEM QUE 
INCLUI ENTREVISTA 
EXCLUSIVA COM O 
FILÓSOFO SUÍÇO 
ALAIN DE BOTTON 
A reportagem é de Laura Babini, colaboradora de HSM 
MANAGEMENT, com a cooperação de Sílvio Anaz.
HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 107 
diversidade de bens de consumo, segurança física, ex-pectativa 
de vida e oportunidades econômicas. “Porém”, 
adverte ele, “menos evidente e mais desconcertante do 
que tudo isso é a maneira pela qual tais avanços mate-riais 
podem perder sentido com o crescimento dos níveis 
de ansiedade por status entre os cidadãos do Ocidente, 
agora mais preocupados do que nunca com o prestígio, a 
renda e o lucro.” 
O sentimento de carência se mostra, além de imenso, 
permanente: o que alguém é e tem nunca é suficiente. A 
explicação do filósofo é que nosso sentimento sobre o limi-te 
apropriado para algo, como a riqueza e a estima, surge 
da comparação de nossa condição com a de um grupo de 
referência, formado por aqueles que consideramos nos-sos 
iguais. Se temos uma casa confortável e um trabalho 
prazeroso, mas descobrimos, em uma reunião de ex-alu-nos, 
que alguns de nossos velhos amigos (não há grupo 
de referência mais forte) estão vivendo em casas maio-res 
que a nossa, adquiridas com o rendimento que obtêm 
em ocupações mais sedutoras, provavelmente nos senti-remos 
infelizes. 
“O sentimento de que poderíamos ser outro e não o que 
somos, gerado pelos ganhos superiores daqueles que 
consideramos iguais, nos provoca ansiedade e ressenti-mento”, 
explica De Botton. 
NUNCA FOI ASSIM 
O filósofo suíço sustenta que vivemos em uma época di-ferente 
de todas as outras, uma vez que é a ideia de opor-tunidade 
individual que ocupa o primeiríssimo plano. “No 
passado, vivíamos e morríamos no mesmo degrau da es-cada 
social”, diz. “A ocupação de nossos pais determinava 
a nossa. Os mercados financeiros eram primitivos e não 
era fácil ter acesso ao capital. Os avanços tecnológicos 
surgiam a cada 200 anos e as mudanças políticas eram 
ainda menos frequentes.” 
Hoje, teoricamente, não há mais limites que não possam 
ser superados, e abundam nos jornais histórias de inicia-tivas 
de mudar, perseverança, trabalho duro e autorreali-zação. 
“Presume-se que tudo é possível para quem é cria-tivo 
e obstinado, e dar-se por satisfeito com uma condição 
modesta parece ser um grave erro ou até sinal de trans-torno 
mental.” 
O que De Botton argumenta é que a realidade mostra o 
contrário: o êxito que altera a escada social é incomum, al-cançado 
apenas por alguns entre muitos. Diferentemente 
do que as notícias sugerem, explica ele, “a maioria dos ne-gócios 
fracassa; poucos filmes são bem-sucedidos; ape-nas 
algumas trajetórias profissionais são extraordinárias; 
corpos e rostos, em sua maior parte, não são belos nem 
perfeitos, e habitualmente essas pessoas estão quase 
sempre tristes e preocupadas”. E a tristeza decorre do fato 
de medirmos nossa condição com base em parâmetros 
profundamente irreais. 
É por isso que, apesar de dizer-se ateu e vir de um lar 
culturalmente judeu, ainda que não religioso, De Botton 
se confessa identificado com uma ideia de Santo Agosti-nho: 
é pecado julgar um homem por sua condição ou po-sição 
social. “Podemos ser iguais perante a lei e as urnas, 
mas não há garantia de tratamento digno no escritório, na 
vida social ou nos âmbitos das burocracias governamental 
e comercial, especialmente nas grandes cidades, onde o 
respeito é uma commodity racionada e escassa e a indife-rença 
é a norma. Basta você colocar o pé em uma grande 
metrópole para que alguém lhe dispare a inevitável per-gunta: 
‘O que você faz?’.” 
O esnobismo tornou-se um fenômeno mundial, segun-do 
o filósofo: esnobe é “a pessoa que toma uma pequena
DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR 
parte do outro para fazer um julgamento completo sobre 
quem o outro é”. O tipo de esnobismo que se vê por aí é o que 
De Botton chama de “esnobismo ocupacional”, referindo- 
-se às pessoas que “condicionam a atenção que nos darão 
a nossa carreira e a nossos bens materiais”. No entanto, 
ele não crê que as pessoas sejam particularmente mate-rialistas, 
e sim que a sociedade vincula certas recompen-sas 
emocionais com a aquisição de bens materiais. “Não 
são os bens materiais o que queremos, mas suas recom-pensas”, 
afirma. 
ATITUDE EM RELAÇÃO AO TRABALHO 
Em seu livro Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho, De 
Botton analisa por que trabalhamos, como trabalhar de 
maneira mais tolerável e o que é uma vida profissional com 
significado, entre outros temas. 
“Estamos vivendo uma época estranha, com demissões, 
desemprego, globalização e rápidas transformações tec-nológicas, 
porém o aspecto mais extraordinário no campo 
do trabalho talvez seja psicológico mais do que econômico 
ou industrial”, analisa. “Tem a ver com nossa atitude em 
face do trabalho e, mais especificamente, com a ampla ex-pectativa 
de que o trabalho possa nos fazer felizes e ser o 
centro de nossa vida.” 
Novamente, nem sempre foi assim. Durante milhares 
de anos, o trabalho era visto como uma obrigação inevi-tável, 
algo que devia ser feito o mais rápido possível e do 
qual se fugia recorrendo ao álcool ou à “intoxicação reli-giosa”. 
Aristóteles foi o primeiro de muitos filósofos a afir-mar 
que ninguém poderia ser livre se estava obrigado a 
ganhar a vida trabalhando. Ter um trabalho, qualquer que 
fosse, era similar à escravidão e negava toda possibilidade 
de grandeza ou excelência, aponta De Botton. E acrescen-ta: 
“A ideia de que o trabalho pode ser divertido teve de es-perar 
até o Renascimento para obter alguma adesão”. Gê-nios 
das artes como Rafael e Leonardo da Vinci mostraram 
que uma pessoa poderia sentir-se melhor fazendo um tra-balho 
extraordinário do que vivendo como um aristocrata 
ocioso e que o trabalho talvez fosse a maior das bênçãos. 
De Botton relaciona essa mudança de perspectiva com 
aquela registrada em relação ao amor. Na era pré-moder-na, 
estava amplamente estabelecido que ninguém podia 
apaixonar-se e casar com o sujeito de sua paixão. O matri-mônio 
se realizava por razões puramente comerciais, para 
herdar a granja familiar ou garantir a continuidade dinás-tica, 
e o amor era reservado à amante, com o prazer des-vinculado 
das responsabilidades de criar os filhos. Então, 
vieram os novos filósofos do amor, advogando que era pos-sível 
casar-se com a pessoa amada. 
Da mesma forma, pensadores como Adam Smith e Max 
Weber destacaram a importância do trabalho para o pro-gresso 
humano e muitos filósofos disseram ser possível 
trabalhar por dinheiro e também para transformar os so-nhos 
em realidade. “Herdamos essas duas crenças am- 
108 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 
Foto: Mathias Marx 
Saiba mais sobre 
Alain de Botton 
Prolífico autor que transita entre o romance e o ensaio, 
combinando ficção com não ficção, Alain de Botton abar-ca 
em suas obras uma diversidade de temas, não restritos 
à filosofia; pode falar de amizade e de amor, e também de 
viagens e arquitetura, por exemplo. Mas a questão essen-cial 
que atravessa seus escritos e conferências é a preo-cupação 
com a natureza humana: como vivemos, como 
nos apaixonamos e como podemos encontrar felicidade e 
satisfação em nossa vida cotidiana, pessoal e profissional. 
De Botton nasceu na Suíça em 1969 e atualmente resi-de 
em Londres. Formou-se em história pela Cambridge 
University e começou a escrever muito jovem. Alcançou 
a fama mundial em 1997, com a obra Como Proust Pode 
Mudar Sua Vida (ed. Rocco), que marcou o início de sua 
bem-sucedida carreira de escritor. Assíduo colaborador 
de jornais e revistas, é membro do painel de literatura do 
conselho de artes da Inglaterra. Além disso, tem partici-pado 
da realização de documentários para a TV e ajuda a 
dirigir a própria produtora, a Seneca Productions. Recen-temente 
contribuiu para a criação de organizações como 
The School of Life e Living Architecture, empresa que 
constrói casas para aluguel de veraneio no Reino Unido 
com base em projetos ousados de arquitetos renomados 
que proponham outros modos de vida.
tende a ser danosa 
a crença de que o 
trabalho é virtuoso. 
muitos trabalham só 
para ter momentos de 
ócio, quando se é feliz, 
segundo aristóteles 
HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 109 
biciosas: que uma pessoa pode apaixonar-se e casar-se 
(com o sujeito por quem se apaixonou) e ter um trabalho 
que traga bons momentos. Mais ainda: tornou-se impos-sível 
pensar que alguém pode ser feliz sem o trabalho.” 
O fato é que essas ambiciosas ideias sobre o trabalho, 
embora tragam ganhos, também fazem várias vítimas. 
“Pense na quantidade de empreendedores que perderam 
tudo porque desejaram excessivamente”, diz De Botton. 
Ele explica: “A ideia de lançar um novo negócio é a chave 
da moderna noção de realização, introduzida na socie-dade 
por meio dos admiráveis perfis de empreendedo-res 
de alta importância e associada a um relativo silêncio 
sobre os fracassos e os não muito raros suicídios entre os 
menos afortunados”. 
O filósofo complementa esse conceito: “A probabilida-de 
de alcançar o ponto mais alto na sociedade capitalista é 
hoje somente um pouco maior do que era há quatro sécu-los 
a probabilidade de ser aceito na nobreza francesa –e a 
época aristocrática era mais amável, porque nela não se 
equiparava cruelmente uma vida normal a um fracasso”. 
O leitor pode observar isso com uma reflexão simples: 
se alguém crê sinceramente que o trabalho pode ser 
tudo em sua vida, o que faz quando se sente insatis-feito 
ou é demitido? “Se as coisas no trabalho vão mal, 
nós nos sentimos infelizes, entre outras coisas, porque 
nossa promessa mais profunda de felicidade foi frustra-da”, 
afirma De Botton. 
O PARADOXO DE TRABALHAR 
Alguns filósofos já apontaram que é imenso o dano causa-do 
pela crença de que o trabalho é virtuoso. Por exemplo, 
o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell defen-deu, 
no começo do século 20, a ideia de que o caminho para 
a felicidade está na redução organizada do trabalho. Não à 
toa, nas empresas é comum encontrar pessoas ansiosas 
pelas férias, confirmando a observação de Aristóteles de 
que, para muitos, a felicidade depende do lazer e que tra-balhamos 
apenas para ter momentos de ócio. Além disso, 
a palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, técnica de 
tortura em que um condenado era preso a três paus finca-dos 
no chão. 
De todo modo, o trabalho é paradoxal. O filósofo brasi-leiro 
Mario Sergio Cortella afirma que as sociedades oci-dentais 
herdaram as duas visões de trabalho –como sofri-mento 
e como realização. “As sociedades escravagistas, 
como foram a sociedade grega clássica, a sociedade ro-mana 
e, por herança, as sociedades ocidentais, tiveram a 
ideia do trabalho como castigo ou indignidade. O escrava-gismo 
pressupõe que há uma distinção entre aqueles que 
têm direito ao esforço meramente intelectual e de direção 
e outros que precisam suar o corpo.” 
No entanto, com a reforma luterana e calvinista, quan-do 
passou a ter força a ideia de que o trabalho dignifica o 
homem, colocando-o como ferramenta de salvação, isso 
mudou. O problema é que agora chegamos a uma situa-ção 
de “laborlatria”, como Cortella denomina a percepção 
do trabalho como um ponto de referência exclusivo. “A ‘la-borlatria’ 
é a adoração do trabalho a ponto de este não ser 
mais algo que realiza, e sim algo que escraviza e fere”, diz 
o filósofo brasileiro. Por isso, ele procura fazer uma distin-ção 
entre trabalho e emprego: “Emprego é fonte de renda 
e trabalho é fonte de vida”. 
Para o filósofo e economista francês radicado no Bra-sil 
Jean Bartoli, o trabalho vai sempre oscilar entre as 
duas dimensões, de realização e de sofrimento, e o dia 
a dia o comprova. “Por mais que você goste de seu tra-balho, 
em determinados momentos há coisas que o li-mitam, 
atrapalham e pesam. De outro lado, em uma si-tuação 
de trabalho difícil, sofrida, você tem momentos 
de realização e alegria por algo bem-feito. Vivemos as 
duas dimensões.” 
AUToAJUDA x AUTO PRESERVAÇÃO 
Compreendido o papel protagonista e polêmico do traba-lho 
em nossa vida, os filósofos têm se dedicado a estu-dar 
caminhos para estarmos “um pouco menos tristes, 
irritados e enlouquecidos e alcançarmos certa sabedoria 
e calma no mundo atual”, como diz Alain de Botton. Em 
geral, trata-se de medidas que os céticos se apressam em 
rotular de “autoajuda”, mas que também podem ser vis-tas 
como uma decisão mais profunda em prol da vida com 
qualidade e dignidade. 
Em comum, essas medidas levam a pessoa a olhar 
menos para o outro e mais para si mesma. Dois dos prin-cipais 
pontos que De Botton tem desenvolvido giram em 
torno de uma reaproximação da religião e de uma forma 
diferente de educação, que reclassifica o conhecimen-to 
humano. 
Utilidade da religião. Algumas das mais interessantes 
reflexões de De Botton encontram-se nesse front. “Em
DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR 
vez de limitar a questão aos grupos de fanáticos religio-sos 
enfrentando um grupo de ateus fanáticos, tomo um 
caminho diferente. Acredito que, mesmo para quem é 
ateu ou não religioso, é possível considerar as religiões 
esporadicamente úteis, interessantes e reconfortantes 
e pensar em importar algumas de suas ideias e práticas 
para o campo secular.” 
O filósofo suíço sugere que, em vez de zombar das re-ligiões, 
devemos entender que as ideias do mundo re-ligioso 
podem ser úteis para melhorar a qualidade de 
vida e satisfazer a necessidade humana de conexão e 
transcendência. “Alguém pode ser indiferente às dou-trinas 
da Trindade cristã e ao Caminho Quíntuplo budis-ta 
e ainda assim estar interessado no modo pelo qual 
as religiões geram um espírito de comunidade, fazem 
uso da arquitetura e da arte, inspiram viagens, treinam 
a mente e encorajam a gratidão diante da beleza da pri-mavera”, 
afirma. 
Novo modelo de ensino. Uma das realizações mais polê-micas 
de Alain de Botton é a The School of Life (a escola da 
vida), um tipo de universidade ideal, “onde se tem a opor-tunidade 
de escapar das pressões comerciais e examinar 
as grandes questões da vida, em um ambiente cheio de 
gente fascinante, para se tornar uma pessoa melhor, mais 
sábia e interessante”. 
110 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 
Ele imaginava que qualquer universidade era assim, até 
ingressar em uma e descobrir que as universidades cum-prem 
a função de treinar as pessoas para uma carreira 
específica ou oferecer rudimentos em temas como lite-ratura 
ou história. Para ele, o distanciamento em relação 
às religiões explica o problema. “Monastérios e seminá-rios 
preocupavam-se em oferecer um aprendizado prático 
para a vida; buscavam salvar sua alma, ensinar-lhe a ser 
bom e sábio. Em uma sociedade mais secular, a ideia do 
correto e do incorreto, ou do bom e do mau, infelizmente 
nos envergonha.” 
Em 2008, o filósofo juntou-se a um grupo de acadêmi-cos, 
artistas e escritores e decidiu criar, no centro de Lon-dres, 
a The School of Life. “No currículo de nossa escola, 
não se encontram temas como filosofia, francês, história 
ou os ‘clássicos’, mas cursos sobre morte, matrimônio, es-colha 
de carreira, ambição, envelhecimento ou ‘mudar seu 
mundo’. Com o tempo, aprende-se sobre livros e ideias que 
as universidades tradicionais oferecem.” 
Da mesma forma, a livraria da The School of Life eli-minou 
as categorias tradicionais, como “ficção” ou “his-tória”, 
e reclassificou as obras de acordo com proble-mas 
particulares: “para os que se preocupam durante a 
noite” ou “como ser feliz estando casado”, por exemplo. De 
Botton chama essa livraria de “remédio para a alma” e 
descreve sua The School of Life como uma modesta tenta-tiva 
de mudar a maneira pela qual se pratica o ensino em 
quase todo o mundo, capacitando as pessoas a tornar a 
vida mais administrável e interessante. 
A The School of Life promove cursos no Brasil desde abril 
deste ano, onde é liderada por uma prima do filósofo, Jackie. 
HSM Management 
lições de AlaiN 
DE BOTTON, entre 
a filosofia e a 
autoajuda 
1 Não viva se comparando com seus colegas. 
Concentre-se em sua zona de conforto e tenha 
anseios realistas. 
2 Resgate as boas práticas de campos como a 
religião e estenda-as à empresa. 
3 Trabalhe para se tornar uma pessoa melhor. 
em vez de zombar 
das religiões, deve-se 
entender que suas 
ideias são úteis para 
melhorar a qualidade 
de vida e satisfazer 
necessidades humanas, 
como a conexão

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Filosofia como ferramenta para gestores enfrentarem desafios

  • 1. DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR Para ficar menos triste, irritado, enlouquecido 106 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br Embora tenham alcançado um sucesso espe-tacular em tornar as pessoas mais ricas, as sociedades contemporâneas vêm estimulan-do os apetites individuais tão continuamen-te que acabam por anular parte dos ganhos obtidos. Quem afirma isso é o suíço Alain de Botton, uma das grandes referências da filosofia mundial, autor de livros como As Consolações da Filosofia, Desejo de Status, A Arquitetura da Felicidade e Os Prazeres e Des-prazeres do Trabalho (todos, ed. Rocco). “Nas sociedades avançadas, pagam-nos salários ele-vados que aparentemente nos fazem mais ricos, mas na verdade o ‘efeito de rede’ (quando o valor de algo aumen-ta à medida que mais pessoas o consomem) pode estar nos empobrecendo, ao encorajar expectativas ilimita-das e manter aberta a brecha entre o que queremos e o que podemos ter”, afirma ele, em entrevista exclusiva a HSM Management. Expectativas tão altas dificilmente podem ser satisfei-tas e o resultado é uma sociedade de pessoas “tristes, irritadas, enlouquecidas” –e, como consequência, tam-bém pouco produtivas. Para Alain de Botton e um número crescente tanto de filósofos como de economistas e con-sultores de empresas, a melhor solução para o problema tende a ser a filosofia como uso pessoal, que põe o dedo nas feridas individuais, fazendo cada um distanciar-se de seu quadro para compreendê-lo melhor e, então, real-mente encaixar-se. DIAGNÓSTICO: CARÊNCIA ENORME E PERMANENTE As vantagens alcançadas em 2 mil anos de civilização oci-dental são enumeradas por De Botton: aumento da ri-queza, provisão de alimentos, conhecimento científico, COMPREENDER O PAPEL DO TRABALHO NA VIDA E OLHAR MENOS O QUE O OUTRO TEM E MAIS PARA SI MESMO É A PRIMEIRA PROPOSTA DESTE DOSSIÊ PARA QUE OS GESTORES ENFRENTEM OS DESAFIOS PROFISSIONAIS QUE OS ESPREITAM, CONFORME REPORTAGEM QUE INCLUI ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O FILÓSOFO SUÍÇO ALAIN DE BOTTON A reportagem é de Laura Babini, colaboradora de HSM MANAGEMENT, com a cooperação de Sílvio Anaz.
  • 2. HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 107 diversidade de bens de consumo, segurança física, ex-pectativa de vida e oportunidades econômicas. “Porém”, adverte ele, “menos evidente e mais desconcertante do que tudo isso é a maneira pela qual tais avanços mate-riais podem perder sentido com o crescimento dos níveis de ansiedade por status entre os cidadãos do Ocidente, agora mais preocupados do que nunca com o prestígio, a renda e o lucro.” O sentimento de carência se mostra, além de imenso, permanente: o que alguém é e tem nunca é suficiente. A explicação do filósofo é que nosso sentimento sobre o limi-te apropriado para algo, como a riqueza e a estima, surge da comparação de nossa condição com a de um grupo de referência, formado por aqueles que consideramos nos-sos iguais. Se temos uma casa confortável e um trabalho prazeroso, mas descobrimos, em uma reunião de ex-alu-nos, que alguns de nossos velhos amigos (não há grupo de referência mais forte) estão vivendo em casas maio-res que a nossa, adquiridas com o rendimento que obtêm em ocupações mais sedutoras, provavelmente nos senti-remos infelizes. “O sentimento de que poderíamos ser outro e não o que somos, gerado pelos ganhos superiores daqueles que consideramos iguais, nos provoca ansiedade e ressenti-mento”, explica De Botton. NUNCA FOI ASSIM O filósofo suíço sustenta que vivemos em uma época di-ferente de todas as outras, uma vez que é a ideia de opor-tunidade individual que ocupa o primeiríssimo plano. “No passado, vivíamos e morríamos no mesmo degrau da es-cada social”, diz. “A ocupação de nossos pais determinava a nossa. Os mercados financeiros eram primitivos e não era fácil ter acesso ao capital. Os avanços tecnológicos surgiam a cada 200 anos e as mudanças políticas eram ainda menos frequentes.” Hoje, teoricamente, não há mais limites que não possam ser superados, e abundam nos jornais histórias de inicia-tivas de mudar, perseverança, trabalho duro e autorreali-zação. “Presume-se que tudo é possível para quem é cria-tivo e obstinado, e dar-se por satisfeito com uma condição modesta parece ser um grave erro ou até sinal de trans-torno mental.” O que De Botton argumenta é que a realidade mostra o contrário: o êxito que altera a escada social é incomum, al-cançado apenas por alguns entre muitos. Diferentemente do que as notícias sugerem, explica ele, “a maioria dos ne-gócios fracassa; poucos filmes são bem-sucedidos; ape-nas algumas trajetórias profissionais são extraordinárias; corpos e rostos, em sua maior parte, não são belos nem perfeitos, e habitualmente essas pessoas estão quase sempre tristes e preocupadas”. E a tristeza decorre do fato de medirmos nossa condição com base em parâmetros profundamente irreais. É por isso que, apesar de dizer-se ateu e vir de um lar culturalmente judeu, ainda que não religioso, De Botton se confessa identificado com uma ideia de Santo Agosti-nho: é pecado julgar um homem por sua condição ou po-sição social. “Podemos ser iguais perante a lei e as urnas, mas não há garantia de tratamento digno no escritório, na vida social ou nos âmbitos das burocracias governamental e comercial, especialmente nas grandes cidades, onde o respeito é uma commodity racionada e escassa e a indife-rença é a norma. Basta você colocar o pé em uma grande metrópole para que alguém lhe dispare a inevitável per-gunta: ‘O que você faz?’.” O esnobismo tornou-se um fenômeno mundial, segun-do o filósofo: esnobe é “a pessoa que toma uma pequena
  • 3. DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR parte do outro para fazer um julgamento completo sobre quem o outro é”. O tipo de esnobismo que se vê por aí é o que De Botton chama de “esnobismo ocupacional”, referindo- -se às pessoas que “condicionam a atenção que nos darão a nossa carreira e a nossos bens materiais”. No entanto, ele não crê que as pessoas sejam particularmente mate-rialistas, e sim que a sociedade vincula certas recompen-sas emocionais com a aquisição de bens materiais. “Não são os bens materiais o que queremos, mas suas recom-pensas”, afirma. ATITUDE EM RELAÇÃO AO TRABALHO Em seu livro Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho, De Botton analisa por que trabalhamos, como trabalhar de maneira mais tolerável e o que é uma vida profissional com significado, entre outros temas. “Estamos vivendo uma época estranha, com demissões, desemprego, globalização e rápidas transformações tec-nológicas, porém o aspecto mais extraordinário no campo do trabalho talvez seja psicológico mais do que econômico ou industrial”, analisa. “Tem a ver com nossa atitude em face do trabalho e, mais especificamente, com a ampla ex-pectativa de que o trabalho possa nos fazer felizes e ser o centro de nossa vida.” Novamente, nem sempre foi assim. Durante milhares de anos, o trabalho era visto como uma obrigação inevi-tável, algo que devia ser feito o mais rápido possível e do qual se fugia recorrendo ao álcool ou à “intoxicação reli-giosa”. Aristóteles foi o primeiro de muitos filósofos a afir-mar que ninguém poderia ser livre se estava obrigado a ganhar a vida trabalhando. Ter um trabalho, qualquer que fosse, era similar à escravidão e negava toda possibilidade de grandeza ou excelência, aponta De Botton. E acrescen-ta: “A ideia de que o trabalho pode ser divertido teve de es-perar até o Renascimento para obter alguma adesão”. Gê-nios das artes como Rafael e Leonardo da Vinci mostraram que uma pessoa poderia sentir-se melhor fazendo um tra-balho extraordinário do que vivendo como um aristocrata ocioso e que o trabalho talvez fosse a maior das bênçãos. De Botton relaciona essa mudança de perspectiva com aquela registrada em relação ao amor. Na era pré-moder-na, estava amplamente estabelecido que ninguém podia apaixonar-se e casar com o sujeito de sua paixão. O matri-mônio se realizava por razões puramente comerciais, para herdar a granja familiar ou garantir a continuidade dinás-tica, e o amor era reservado à amante, com o prazer des-vinculado das responsabilidades de criar os filhos. Então, vieram os novos filósofos do amor, advogando que era pos-sível casar-se com a pessoa amada. Da mesma forma, pensadores como Adam Smith e Max Weber destacaram a importância do trabalho para o pro-gresso humano e muitos filósofos disseram ser possível trabalhar por dinheiro e também para transformar os so-nhos em realidade. “Herdamos essas duas crenças am- 108 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br Foto: Mathias Marx Saiba mais sobre Alain de Botton Prolífico autor que transita entre o romance e o ensaio, combinando ficção com não ficção, Alain de Botton abar-ca em suas obras uma diversidade de temas, não restritos à filosofia; pode falar de amizade e de amor, e também de viagens e arquitetura, por exemplo. Mas a questão essen-cial que atravessa seus escritos e conferências é a preo-cupação com a natureza humana: como vivemos, como nos apaixonamos e como podemos encontrar felicidade e satisfação em nossa vida cotidiana, pessoal e profissional. De Botton nasceu na Suíça em 1969 e atualmente resi-de em Londres. Formou-se em história pela Cambridge University e começou a escrever muito jovem. Alcançou a fama mundial em 1997, com a obra Como Proust Pode Mudar Sua Vida (ed. Rocco), que marcou o início de sua bem-sucedida carreira de escritor. Assíduo colaborador de jornais e revistas, é membro do painel de literatura do conselho de artes da Inglaterra. Além disso, tem partici-pado da realização de documentários para a TV e ajuda a dirigir a própria produtora, a Seneca Productions. Recen-temente contribuiu para a criação de organizações como The School of Life e Living Architecture, empresa que constrói casas para aluguel de veraneio no Reino Unido com base em projetos ousados de arquitetos renomados que proponham outros modos de vida.
  • 4. tende a ser danosa a crença de que o trabalho é virtuoso. muitos trabalham só para ter momentos de ócio, quando se é feliz, segundo aristóteles HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br 109 biciosas: que uma pessoa pode apaixonar-se e casar-se (com o sujeito por quem se apaixonou) e ter um trabalho que traga bons momentos. Mais ainda: tornou-se impos-sível pensar que alguém pode ser feliz sem o trabalho.” O fato é que essas ambiciosas ideias sobre o trabalho, embora tragam ganhos, também fazem várias vítimas. “Pense na quantidade de empreendedores que perderam tudo porque desejaram excessivamente”, diz De Botton. Ele explica: “A ideia de lançar um novo negócio é a chave da moderna noção de realização, introduzida na socie-dade por meio dos admiráveis perfis de empreendedo-res de alta importância e associada a um relativo silêncio sobre os fracassos e os não muito raros suicídios entre os menos afortunados”. O filósofo complementa esse conceito: “A probabilida-de de alcançar o ponto mais alto na sociedade capitalista é hoje somente um pouco maior do que era há quatro sécu-los a probabilidade de ser aceito na nobreza francesa –e a época aristocrática era mais amável, porque nela não se equiparava cruelmente uma vida normal a um fracasso”. O leitor pode observar isso com uma reflexão simples: se alguém crê sinceramente que o trabalho pode ser tudo em sua vida, o que faz quando se sente insatis-feito ou é demitido? “Se as coisas no trabalho vão mal, nós nos sentimos infelizes, entre outras coisas, porque nossa promessa mais profunda de felicidade foi frustra-da”, afirma De Botton. O PARADOXO DE TRABALHAR Alguns filósofos já apontaram que é imenso o dano causa-do pela crença de que o trabalho é virtuoso. Por exemplo, o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell defen-deu, no começo do século 20, a ideia de que o caminho para a felicidade está na redução organizada do trabalho. Não à toa, nas empresas é comum encontrar pessoas ansiosas pelas férias, confirmando a observação de Aristóteles de que, para muitos, a felicidade depende do lazer e que tra-balhamos apenas para ter momentos de ócio. Além disso, a palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, técnica de tortura em que um condenado era preso a três paus finca-dos no chão. De todo modo, o trabalho é paradoxal. O filósofo brasi-leiro Mario Sergio Cortella afirma que as sociedades oci-dentais herdaram as duas visões de trabalho –como sofri-mento e como realização. “As sociedades escravagistas, como foram a sociedade grega clássica, a sociedade ro-mana e, por herança, as sociedades ocidentais, tiveram a ideia do trabalho como castigo ou indignidade. O escrava-gismo pressupõe que há uma distinção entre aqueles que têm direito ao esforço meramente intelectual e de direção e outros que precisam suar o corpo.” No entanto, com a reforma luterana e calvinista, quan-do passou a ter força a ideia de que o trabalho dignifica o homem, colocando-o como ferramenta de salvação, isso mudou. O problema é que agora chegamos a uma situa-ção de “laborlatria”, como Cortella denomina a percepção do trabalho como um ponto de referência exclusivo. “A ‘la-borlatria’ é a adoração do trabalho a ponto de este não ser mais algo que realiza, e sim algo que escraviza e fere”, diz o filósofo brasileiro. Por isso, ele procura fazer uma distin-ção entre trabalho e emprego: “Emprego é fonte de renda e trabalho é fonte de vida”. Para o filósofo e economista francês radicado no Bra-sil Jean Bartoli, o trabalho vai sempre oscilar entre as duas dimensões, de realização e de sofrimento, e o dia a dia o comprova. “Por mais que você goste de seu tra-balho, em determinados momentos há coisas que o li-mitam, atrapalham e pesam. De outro lado, em uma si-tuação de trabalho difícil, sofrida, você tem momentos de realização e alegria por algo bem-feito. Vivemos as duas dimensões.” AUToAJUDA x AUTO PRESERVAÇÃO Compreendido o papel protagonista e polêmico do traba-lho em nossa vida, os filósofos têm se dedicado a estu-dar caminhos para estarmos “um pouco menos tristes, irritados e enlouquecidos e alcançarmos certa sabedoria e calma no mundo atual”, como diz Alain de Botton. Em geral, trata-se de medidas que os céticos se apressam em rotular de “autoajuda”, mas que também podem ser vis-tas como uma decisão mais profunda em prol da vida com qualidade e dignidade. Em comum, essas medidas levam a pessoa a olhar menos para o outro e mais para si mesma. Dois dos prin-cipais pontos que De Botton tem desenvolvido giram em torno de uma reaproximação da religião e de uma forma diferente de educação, que reclassifica o conhecimen-to humano. Utilidade da religião. Algumas das mais interessantes reflexões de De Botton encontram-se nesse front. “Em
  • 5. DOSSIÊ PESSOAL FILOSOFIA COMO FERRAMENTA DO GESTOR vez de limitar a questão aos grupos de fanáticos religio-sos enfrentando um grupo de ateus fanáticos, tomo um caminho diferente. Acredito que, mesmo para quem é ateu ou não religioso, é possível considerar as religiões esporadicamente úteis, interessantes e reconfortantes e pensar em importar algumas de suas ideias e práticas para o campo secular.” O filósofo suíço sugere que, em vez de zombar das re-ligiões, devemos entender que as ideias do mundo re-ligioso podem ser úteis para melhorar a qualidade de vida e satisfazer a necessidade humana de conexão e transcendência. “Alguém pode ser indiferente às dou-trinas da Trindade cristã e ao Caminho Quíntuplo budis-ta e ainda assim estar interessado no modo pelo qual as religiões geram um espírito de comunidade, fazem uso da arquitetura e da arte, inspiram viagens, treinam a mente e encorajam a gratidão diante da beleza da pri-mavera”, afirma. Novo modelo de ensino. Uma das realizações mais polê-micas de Alain de Botton é a The School of Life (a escola da vida), um tipo de universidade ideal, “onde se tem a opor-tunidade de escapar das pressões comerciais e examinar as grandes questões da vida, em um ambiente cheio de gente fascinante, para se tornar uma pessoa melhor, mais sábia e interessante”. 110 HSM Management 100 • setembro-Outubro 2013 hsmmanagement.com.br Ele imaginava que qualquer universidade era assim, até ingressar em uma e descobrir que as universidades cum-prem a função de treinar as pessoas para uma carreira específica ou oferecer rudimentos em temas como lite-ratura ou história. Para ele, o distanciamento em relação às religiões explica o problema. “Monastérios e seminá-rios preocupavam-se em oferecer um aprendizado prático para a vida; buscavam salvar sua alma, ensinar-lhe a ser bom e sábio. Em uma sociedade mais secular, a ideia do correto e do incorreto, ou do bom e do mau, infelizmente nos envergonha.” Em 2008, o filósofo juntou-se a um grupo de acadêmi-cos, artistas e escritores e decidiu criar, no centro de Lon-dres, a The School of Life. “No currículo de nossa escola, não se encontram temas como filosofia, francês, história ou os ‘clássicos’, mas cursos sobre morte, matrimônio, es-colha de carreira, ambição, envelhecimento ou ‘mudar seu mundo’. Com o tempo, aprende-se sobre livros e ideias que as universidades tradicionais oferecem.” Da mesma forma, a livraria da The School of Life eli-minou as categorias tradicionais, como “ficção” ou “his-tória”, e reclassificou as obras de acordo com proble-mas particulares: “para os que se preocupam durante a noite” ou “como ser feliz estando casado”, por exemplo. De Botton chama essa livraria de “remédio para a alma” e descreve sua The School of Life como uma modesta tenta-tiva de mudar a maneira pela qual se pratica o ensino em quase todo o mundo, capacitando as pessoas a tornar a vida mais administrável e interessante. A The School of Life promove cursos no Brasil desde abril deste ano, onde é liderada por uma prima do filósofo, Jackie. HSM Management lições de AlaiN DE BOTTON, entre a filosofia e a autoajuda 1 Não viva se comparando com seus colegas. Concentre-se em sua zona de conforto e tenha anseios realistas. 2 Resgate as boas práticas de campos como a religião e estenda-as à empresa. 3 Trabalhe para se tornar uma pessoa melhor. em vez de zombar das religiões, deve-se entender que suas ideias são úteis para melhorar a qualidade de vida e satisfazer necessidades humanas, como a conexão