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Ao Paulo,
meu companheiro de caminhada em Oníris e na vida real.
Uma chuva de Verão lavou a terra enquanto o sol brilhava, e a
anciã de cabelos roxos pôde confirmar os seus piores receios.
Sobre a sua cabeça, um arco-íris diferente ganhou forma, e, por
trás dos círculos das sete cores, um novo círculo de luz branca ilu-
minou o céu.
Não havia dúvida sobre o significado desta alteração, a deusa par-
tilhava agora, com os filhos, um lugar na prisão celeste.
Desta vez o grupo não poderia contar com a ajuda Dela. Teriam
de cumprir a sua missão sozinhos, utilizando apenas os seus recur-
sos...
LIVRO III — ESQUECIMENTO E LEMBRANÇA
CAPÍTULO 1
Caída do céu
Tudo era silêncio e escuridão.
Então o vazio foi interrompido por uma voz distante que me di-
zia para acordar, e senti uma mão fria, desagradável, a bater-me no
rosto.
Depois, dei-me conta do burburinho, do ruído de fundo, onde por
vezes identificava comentários soltos que pareciam vindos de um so-
nho...
— Alguém viu como foi?
— O que se passa?
— Deixem-me ver!
— Coitadinha...
Abri os olhos, e um conjunto de rostos desconhecidos que me fi-
tavam materializou-se à minha frente. Voltei a fechá-los, assustada.
“Onde estou?” foi a primeira pergunta que me veio à cabeça... a
que se seguiu outra: “O que aconteceu?” E só então me ocorreu a
questão mais central: “Quem sou eu?” Não me conseguia lembrar!
Inspirei fundo para acalmar o desespero que aquela dúvida me
provocava, e abri novamente os olhos. Estava deitada de costas num
chão de terra e, por cima das cabeças que encobriam parcial mente a
minha visão do céu, pude ver os beirais dos telhados de casas. Devia
estar numa rua movimentada de algum povoado!
— Afastem-se, por favor, dêem-lhe espaço, ela está a acordar!
Quem falava era uma senhora de meia-idade, que se distinguia en-
tre todos os restantes por apresentar cabelos de cor laranja, em vez
da cor anil que emoldurava todas as outras cabeças.
— Como te sentes? Consegues levantar-te? — perguntou-me ela.
Fiz um esforço para me sentar. Sentia a cabeça pesada e o corpo
dorido, e acima de tudo desejava estar só, desejava que todos aqueles
olhos curiosos desaparecessem da minha frente.
A tentativa de me erguer foi premiada com uma tontura forte que
me desequilibrou e me fez cair para trás, mas a senhora estava atenta
e agarrou-me antes de a minha cabeça embater no solo.
Fui invadida por uma forte vontade de chorar e fechei novamente
os olhos, na esperança de que ninguém reparasse. Então, senti que
me agarravam, retirando-me do chão e colocando-me sobre uma su-
perfície de tecido áspero, cujo suave balançar me embalou enquanto
me tiravam daquele lugar.
Um cheiro intenso a desinfectante chegou até mim e adormeci.
***
Acordei numa cama macia. Sentado a meu lado, numa pequena
cadeira, um jovem vigiava o meu descanso. Ao ver-me despertar,
levantou-se e saiu, gritando:
— Mãe, já acordou!
Pouco depois a senhora de cabelos cor de laranja estava ao meu
lado, com uma malga de caldo quente. Pediu-me que bebesse. Sen-
tei-me na cama e obedeci, notando a energia a voltar com o calor da
sopa. Fisicamente sentia-me bem, mas, na minha cabeça, a incerteza
martirizava-me. Depressa percebi, no entanto, que não seria ali que
encontraria o conhecimento para apaziguar as minhas dúvidas.
A minha interlocutora explicou-me que, depois de uma estranha
tempestade que trouxera a noite em pleno dia, quando a luz retor-
nou, eu tinha sido encontrada estendida no meio da rua deserta,
sem que ninguém testemunhasse como ali aparecera. Era como se eu
tivesse... caído do céu.
Ao perceber que eu tinha sido invadida pelo esquecimento, re-
comendou-me que fosse até ao Registo, onde existiam dados sobre
todos os habitantes daquele território. Lá, talvez encontrasse a in-
formação que desejava sobre quem eu era. Sugeriu-me também que
desse uma volta pelo povoado, pois por vezes a visão de algo fami-
liar constitui a ponta do novelo a que nos podemos agarrar para
recuperar fios de recordações com os quais poderemos voltar a tecer
a manta da nossa memória.
Apesar da sua sugestão para que descansasse um pouco antes de
partir, decidi que não queria perder mais tempo e fui em busca do
meu passado, aceitando a companhia do seu filho Iago, de 15 anos,
como guia.
Despedi-me com alguma pena da minha anfitriã, a quem agradeci
do fundo do coração todo o apoio prestado. Agradeci também aos
deuses que ela tivesse sido uma das primeiras pessoas a encontrar-
-me e que a sua generosidade aliada aos seus conhecimentos de cura
a tivessem motivado a prestar-me auxilio.
Segui Iago pelo estreito carreiro entre as árvores em direcção ao
casario.
O Registo era um edifício austero, feito de pedra. Iago iria apro-
veitar para visitar uns amigos e encontrar-se-ia comigo mais tarde,
pelo que fiquei só.
Entrei hesitante no edifício, insegura quanto ao que iria encontrar.
Um único funcionário sonolento assegurava todo o serviço. As
cinco pessoas à minha frente foram atendidas com uma exasperante
falta de pressa, e penso que terei adormecido enquanto esperava a
minha vez.
Quando comecei a ser atendida, expliquei ao funcionário o que
desejava, e ele disse-me para me descalçar.
Pedi-lhe que repetisse, pensando ter percebido mal.
— Faça o favor de se descalçar — insistiu ele. — Tire os sapatos
e as meias.
Sem compreender os porquês, obedeci, olhando envergonhada a
sujidade que me cobria a pele dos pés e das pernas.
O funcionário fez-me sinal para que o seguisse até uma outra sala,
o que fiz, sentindo a frescura do chão de pedra nos pés descalços.
Na sala onde entrámos indicou-me uma bancada alta onde pediu
que me deitasse. Abriu o armário e dele retirou um frasco e um pe-
queno pano de linho que colocou sobre uma mesa auxiliar, junto a
diversos objectos metálicos anarquicamente dispostos. Além de fa-
cas, tesouras, uma pinça e uma pequena serra, identifiquei também,
a completar a desarrumação da mesa auxiliar, uma pena de aparo
metálico, um tinteiro, folhas de papel, uma lupa, uma bacia e uma
pequena caixa fechada. Junto à bacia, uma mancha vermelho-escu-
ra sugeria sangue seco.
O homem sentou-se então numa cadeira à minha frente, e orde-
nou-me:
— Estique o pé, e não se mexa. — Hesitei, olhando desconfiada
o frasco, o pano, mas sobretudo os instrumentos afiados que lhe
faziam companhia.
“O que é que ele vai fazer? Vai tirar-me um pedaço de carne ou de
sangue para o processo de identificação. Será que vai doer? Ele não
parece do tipo cuidadoso. Aposto que vai doer...”, pensei.
— Ponha aí o pé e não se mexa. Não tenho tempo a perder, há
muita gente à espera de ser atendida — resmungou ele.
Decidi obedecer. Se queria que me ajudasse a descobrir quem era,
o melhor seria fazer o que ele me dizia. Mesmo que fosse doloroso,
teria de aguentar.
Assim, coloquei o pé no local indicado e fechei os olhos.
Senti a sua mão agarrando-me com força o calcanhar e o contacto
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sei, contraindo-me, e fechando ainda mais os olhos.
— Aqui não há nada. Vire-se para o outro lado e dê-me o outro
pé! — ordenou.
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— Deve ter achado que o outro é mais indicado para a análise —
deduzi.
Virei-me, retirei o pé direito e pus o esquerdo no seu lugar. Ele
deslocou-se lentamente para o outro lado da bancada, de forma a
manter-se à minha frente, e arrastou consigo a mesa auxiliar que se
movia sobre umas rodas toscas.
Desta vez arranjei coragem e mantive os olhos abertos. Vi-o, as-
sim, colocar o líquido no pano e com ele esfregar-me o tornozelo,
enquanto exclamava:
— Estamos com sorte. Cá está ela.
Retirou então de cima da mesa um objecto, do qual só consegui
ver o cabo preto, e aproximou-o do meu pé, exclamando:
— Vamos lá ver melhor!
Contraí-me mais uma vez, esperando sentir o corte. E só então
me apercebi de que o objecto que ele tinha na mão era a lupa e não
a faca.
— O que é que encontrou? — perguntei, suspirando aliviada.
— O teu código de identificação, claro. Após o Dia da Separação,
quando se procedeu ao registo generalizado dos habitantes do terri-
tório, muita gente optou por seguir a sugestão do regente e tatuar o
seu código de identificação no tornozelo. Sobretudo os pais passa-
ram quase todos a tatuar os filhos ainda crianças, para o caso de eles
se perderem. Se todos tivessem feito isso antes do Dia da Separação,
teria sido infinitamente mais fácil o trabalho de reunir as famílias
divididas e identificar os corpos. Felizmente os teus pais eram gente
previdente e trouxeram-te cá para fazer a tatuagem.
Toquei o meu tornozelo, e ao fazê-lo tive uma recordação de in-
fância, uma memória da dor e do medo que sentira quando ela tinha
sido feita. Mas o meu cérebro limitou-se a recuperar a sensação, não
trazendo qualquer conhecimento associado.
— Vamos então tentar encontrar o teu registo nos ficheiros — dis-
se o funcionário.
Segui-o até à sala de arquivo, sorrindo para mim própria.
“És mesmo tonta, não podias ter imaginado uma forma mais
simples de identificação? Só porque havia objectos cortantes e uma
mancha vermelha sobre a mesa, tinhas de te pôr a imaginar amos-
tras de carne e sangue? Como se fosse possível identificar cada pes-
soa pelo seu sangue...”
— Aqui está a tua ficha — disse-me, interrompendo os meus pen-
samentos. — Chamas-te Norma, tens 20 anos, e moras aqui perto.
És solteira e não tenho registo de quaisquer familiares vivos. Eu es-
crevo aqui a tua morada.
Agradeci-lhe e abandonei o Registo, transportando comigo, cui-
dadosamente, um papelinho com os meus dados pessoais.
À saída encontrei Iago, que lia um livro enquanto me aguardava.
Pu-lo a par das novidades, e ele ajudou-me a encontrar aquela que,
de acordo com as informações do Registo, seria a minha morada.
Era uma casa pequena com um jardinzito à volta, que, invadido
por ervas daninhas, sugeria muitas luas ao abandono. As portadas
das janelas estavam fechadas, e pelo aspecto há muito que não eram
abertas. As floreiras estavam transformadas em depósitos de plantas
secas e erva. A sólida porta encontrava-se trancada, impedindo-nos
de matar a curiosidade sobre o interior.
— Se tivesse de esconder uma chave, que sítio escolheria?
— Um vaso com flores, junto à casa — respondi eu, depois de
pensar um pouco.
— Posso? — perguntou Iago, apontando para dois vasos decora-
dos de plantas mortas que ladeavam a entrada. — Não custa tentar,
antes de arrombarmos a porta...
Acenei afirmativamente, e assisti expectante enquanto ele esva-
ziava os dois vasos. Remexemos a terra do primeiro sem encontrar
nada. No segundo, no entanto, encontrámos um saco de pano com
uma chave dentro. Com as mãos a tremer introduzi-a na fechadura,
que correspondeu abrindo-se.
— Quer que entre consigo? — perguntou Iago, vendo-me hesitar
à porta.
— Agradeço, mas prefiro fazê-lo sozinha. A tua ajuda foi precio-
sa, muito obrigada por tudo, mais uma vez.
— Se precisar de alguma coisa é só dizer. Até amanhã. — Ao cru-
zar o portão virou-se e acenou-me em despedida.
Fiquei ali parada, hesitante, olhando a porta aberta. Então en-
treguei-me à tarefa menos relevante: voltei a pôr a terra nos vasos,
utilizando as minhas mãos como concha à falta de instrumento mais
apropriado. A tarefa acalmou-me um pouco, e, depois de concluída,
decidi-me a entrar.
Não me recordava daquele espaço, mas um sentimento de familia-
ridade, de segurança, começou a invadir-me. Embora não me lem-
brasse das paredes, dos móveis, dos objectos, tinha a sensação de
estar em casa.
A sala estava coberta de pó, assim como as restantes dependên-
cias. Abri todas as janelas, para arejar, arregacei as mangas e, en-
quanto procedia às limpezas, procurei elementos que me dissessem
mais sobre quem eu era.
— Quem era a rapariga de nome Norma que tinha vivido naquela
casa, e porque tinha partido?
Um som inesperado junto à janela arrancou-me bruscamente das
minhas divagações e fez-me dar um salto.
— Não se assuste Norma, sou eu, a vizinha da casa em frente, e
vim só ver se precisava de alguma coisa.
Abri-lhe a porta, envergonhada do meu aspecto mal arranjado e
da poeira que cobria os móveis, e observei com curiosidade a minha
vizinha.
Era uma senhora pequenina e enérgica, de cabelos cor de anil apa-
nhados num carrapito, que trazia nas mãos uma cesta de vime co-
berta por folhas de videira.
Convidei-a a entrar, mas ela recusou-se, pois não queria incomo-
dar. Entregou-me uma cesta de boas-vindas, que continha leite de
zebra, pão, queijo fresco, fruta e biscoitos recheados de bagas doces,
dizendo:
— Imaginei que lhe soubesse bem comer alguma coisa depois da
viagem, e tomei a liberdade de lhe trazer um lanchinho.
Agradeci muito e insisti para que entrasse um pouco, e, como ela
recusasse, conversámos ali mesmo, junto à porta.
A nossa conversa foi breve, pois ela tinha em casa o jantar à espera
de ser feito, mas ainda houve tempo para me responder a algumas
perguntas.
Através dela soube que a minha casa estivera abandonada duran-
te um ano. A vizinha não sabia o dia exacto da minha partida, mas
lembrava-se de que no primeiro dia de férias escolares eu já não esta-
va lá, pois o seu filho mais novo, a jogar à bola, partira-me um vaso,
e ela desde essa altura nunca mais me vira para pedir desculpa e me
compensar do prejuízo.
Em princípio os outros vizinhos não poderiam acrescentar muito
mais informação, pois, na altura, ela falara com eles e nenhum lhe
soubera dizer para onde eu fora, ou quando voltaria.
Quanto a mim, fiquei a saber que era considerada uma pessoa
muito reservada, que pouco me dava a conhecer, e que, além dos
bons-dias, era raro ouvirem a minha voz.
Quando partiu, comi para retemperar as forças, e voltei furiosa-
mente à luta contra o pó, só descansando quando vi a casa minima-
mente limpa e arrumada. Sabia que agia como se ao organizar aque-
le espaço estivesse a contribuir, de alguma forma, para pôr ordem na
minha cabeça...
Durante o trabalho encontrei um objecto que me despertou a
atenção. Era uma pequena caixa de madeira, com delicados embuti-
dos, dentro da qual se encontrava guardada uma rosa seca. Na tam-
pa tinha gravado o meu nome — “Norma” — e, no fundo, trazia a
marca do fabricante “Oficinas Kanel”. Ao tocar-lhe senti que aquele
objecto tinha para mim um significado especial, mas não consegui
recordar-me de quem mo havia oferecido.
Na sala, dentro de uma gaveta, descobri ainda um saco com as
minhas economias, que me deu resposta a uma outra questão im-
portante: como garantir a subsistência nos próximos dias?
Deitei-me apenas quando a exaustão me impediu de continuar, e
adormeci a imaginar que era uma pessoa extraordinária, de quem
todos gostavam.
***
Acordei com o som de batidas na porta. Fui abrir e encontrei o
meu amigo Iago, que passara por ali para ver como eu estava.
Convidei-o para me fazer companhia ao pequeno-almoço, e ele
aceitou um biscoito, mais por educação do que por fome, pois já
comera em casa.
Expliquei-lhe o meu plano para esse dia: procurar informações
que me ajudassem a saber quem eu era. Para já, tinha uma pista a
seguir: tentar encontrar o fabricante da curiosa caixa, na esperança
de que me dissesse algo sobre quem a mandara gravar.
A ideia de desvendar o meu misterioso passado, seguindo pistas,
motivou o jovem Iago, e ele ofereceu-se para me ajudar.
Como Iago conhecia as Oficinas Kanel, foi para lá que nos diri-
gimos.
Caída do céu e busca por identidade

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Caída do céu e busca por identidade

  • 1.
  • 2.
  • 3. Ao Paulo, meu companheiro de caminhada em Oníris e na vida real.
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  • 7. Uma chuva de Verão lavou a terra enquanto o sol brilhava, e a anciã de cabelos roxos pôde confirmar os seus piores receios. Sobre a sua cabeça, um arco-íris diferente ganhou forma, e, por trás dos círculos das sete cores, um novo círculo de luz branca ilu- minou o céu. Não havia dúvida sobre o significado desta alteração, a deusa par- tilhava agora, com os filhos, um lugar na prisão celeste. Desta vez o grupo não poderia contar com a ajuda Dela. Teriam de cumprir a sua missão sozinhos, utilizando apenas os seus recur- sos...
  • 8.
  • 9. LIVRO III — ESQUECIMENTO E LEMBRANÇA
  • 10.
  • 11. CAPÍTULO 1 Caída do céu Tudo era silêncio e escuridão. Então o vazio foi interrompido por uma voz distante que me di- zia para acordar, e senti uma mão fria, desagradável, a bater-me no rosto. Depois, dei-me conta do burburinho, do ruído de fundo, onde por vezes identificava comentários soltos que pareciam vindos de um so- nho... — Alguém viu como foi? — O que se passa? — Deixem-me ver! — Coitadinha... Abri os olhos, e um conjunto de rostos desconhecidos que me fi- tavam materializou-se à minha frente. Voltei a fechá-los, assustada. “Onde estou?” foi a primeira pergunta que me veio à cabeça... a que se seguiu outra: “O que aconteceu?” E só então me ocorreu a questão mais central: “Quem sou eu?” Não me conseguia lembrar! Inspirei fundo para acalmar o desespero que aquela dúvida me provocava, e abri novamente os olhos. Estava deitada de costas num chão de terra e, por cima das cabeças que encobriam parcial mente a minha visão do céu, pude ver os beirais dos telhados de casas. Devia estar numa rua movimentada de algum povoado! — Afastem-se, por favor, dêem-lhe espaço, ela está a acordar! Quem falava era uma senhora de meia-idade, que se distinguia en-
  • 12. tre todos os restantes por apresentar cabelos de cor laranja, em vez da cor anil que emoldurava todas as outras cabeças. — Como te sentes? Consegues levantar-te? — perguntou-me ela. Fiz um esforço para me sentar. Sentia a cabeça pesada e o corpo dorido, e acima de tudo desejava estar só, desejava que todos aqueles olhos curiosos desaparecessem da minha frente. A tentativa de me erguer foi premiada com uma tontura forte que me desequilibrou e me fez cair para trás, mas a senhora estava atenta e agarrou-me antes de a minha cabeça embater no solo. Fui invadida por uma forte vontade de chorar e fechei novamente os olhos, na esperança de que ninguém reparasse. Então, senti que me agarravam, retirando-me do chão e colocando-me sobre uma su- perfície de tecido áspero, cujo suave balançar me embalou enquanto me tiravam daquele lugar. Um cheiro intenso a desinfectante chegou até mim e adormeci. *** Acordei numa cama macia. Sentado a meu lado, numa pequena cadeira, um jovem vigiava o meu descanso. Ao ver-me despertar, levantou-se e saiu, gritando: — Mãe, já acordou! Pouco depois a senhora de cabelos cor de laranja estava ao meu lado, com uma malga de caldo quente. Pediu-me que bebesse. Sen- tei-me na cama e obedeci, notando a energia a voltar com o calor da sopa. Fisicamente sentia-me bem, mas, na minha cabeça, a incerteza martirizava-me. Depressa percebi, no entanto, que não seria ali que encontraria o conhecimento para apaziguar as minhas dúvidas. A minha interlocutora explicou-me que, depois de uma estranha tempestade que trouxera a noite em pleno dia, quando a luz retor- nou, eu tinha sido encontrada estendida no meio da rua deserta, sem que ninguém testemunhasse como ali aparecera. Era como se eu
  • 13. tivesse... caído do céu. Ao perceber que eu tinha sido invadida pelo esquecimento, re- comendou-me que fosse até ao Registo, onde existiam dados sobre todos os habitantes daquele território. Lá, talvez encontrasse a in- formação que desejava sobre quem eu era. Sugeriu-me também que desse uma volta pelo povoado, pois por vezes a visão de algo fami- liar constitui a ponta do novelo a que nos podemos agarrar para recuperar fios de recordações com os quais poderemos voltar a tecer a manta da nossa memória. Apesar da sua sugestão para que descansasse um pouco antes de partir, decidi que não queria perder mais tempo e fui em busca do meu passado, aceitando a companhia do seu filho Iago, de 15 anos, como guia. Despedi-me com alguma pena da minha anfitriã, a quem agradeci do fundo do coração todo o apoio prestado. Agradeci também aos deuses que ela tivesse sido uma das primeiras pessoas a encontrar- -me e que a sua generosidade aliada aos seus conhecimentos de cura a tivessem motivado a prestar-me auxilio. Segui Iago pelo estreito carreiro entre as árvores em direcção ao casario. O Registo era um edifício austero, feito de pedra. Iago iria apro- veitar para visitar uns amigos e encontrar-se-ia comigo mais tarde, pelo que fiquei só. Entrei hesitante no edifício, insegura quanto ao que iria encontrar. Um único funcionário sonolento assegurava todo o serviço. As cinco pessoas à minha frente foram atendidas com uma exasperante falta de pressa, e penso que terei adormecido enquanto esperava a minha vez. Quando comecei a ser atendida, expliquei ao funcionário o que desejava, e ele disse-me para me descalçar. Pedi-lhe que repetisse, pensando ter percebido mal. — Faça o favor de se descalçar — insistiu ele. — Tire os sapatos e as meias. Sem compreender os porquês, obedeci, olhando envergonhada a
  • 14. sujidade que me cobria a pele dos pés e das pernas. O funcionário fez-me sinal para que o seguisse até uma outra sala, o que fiz, sentindo a frescura do chão de pedra nos pés descalços. Na sala onde entrámos indicou-me uma bancada alta onde pediu que me deitasse. Abriu o armário e dele retirou um frasco e um pe- queno pano de linho que colocou sobre uma mesa auxiliar, junto a diversos objectos metálicos anarquicamente dispostos. Além de fa- cas, tesouras, uma pinça e uma pequena serra, identifiquei também, a completar a desarrumação da mesa auxiliar, uma pena de aparo metálico, um tinteiro, folhas de papel, uma lupa, uma bacia e uma pequena caixa fechada. Junto à bacia, uma mancha vermelho-escu- ra sugeria sangue seco. O homem sentou-se então numa cadeira à minha frente, e orde- nou-me: — Estique o pé, e não se mexa. — Hesitei, olhando desconfiada o frasco, o pano, mas sobretudo os instrumentos afiados que lhe faziam companhia. “O que é que ele vai fazer? Vai tirar-me um pedaço de carne ou de sangue para o processo de identificação. Será que vai doer? Ele não parece do tipo cuidadoso. Aposto que vai doer...”, pensei. — Ponha aí o pé e não se mexa. Não tenho tempo a perder, há muita gente à espera de ser atendida — resmungou ele. Decidi obedecer. Se queria que me ajudasse a descobrir quem era, o melhor seria fazer o que ele me dizia. Mesmo que fosse doloroso, teria de aguentar. Assim, coloquei o pé no local indicado e fechei os olhos. Senti a sua mão agarrando-me com força o calcanhar e o contacto frio do pano molhado esfregando o meu tornozelo. “Agora que já limpou, vai usar a faca para fazer um golpe”, pen- sei, contraindo-me, e fechando ainda mais os olhos. — Aqui não há nada. Vire-se para o outro lado e dê-me o outro pé! — ordenou. Reabri os olhos, surpreendida. — Deve ter achado que o outro é mais indicado para a análise —
  • 15. deduzi. Virei-me, retirei o pé direito e pus o esquerdo no seu lugar. Ele deslocou-se lentamente para o outro lado da bancada, de forma a manter-se à minha frente, e arrastou consigo a mesa auxiliar que se movia sobre umas rodas toscas. Desta vez arranjei coragem e mantive os olhos abertos. Vi-o, as- sim, colocar o líquido no pano e com ele esfregar-me o tornozelo, enquanto exclamava: — Estamos com sorte. Cá está ela. Retirou então de cima da mesa um objecto, do qual só consegui ver o cabo preto, e aproximou-o do meu pé, exclamando: — Vamos lá ver melhor! Contraí-me mais uma vez, esperando sentir o corte. E só então me apercebi de que o objecto que ele tinha na mão era a lupa e não a faca. — O que é que encontrou? — perguntei, suspirando aliviada. — O teu código de identificação, claro. Após o Dia da Separação, quando se procedeu ao registo generalizado dos habitantes do terri- tório, muita gente optou por seguir a sugestão do regente e tatuar o seu código de identificação no tornozelo. Sobretudo os pais passa- ram quase todos a tatuar os filhos ainda crianças, para o caso de eles se perderem. Se todos tivessem feito isso antes do Dia da Separação, teria sido infinitamente mais fácil o trabalho de reunir as famílias divididas e identificar os corpos. Felizmente os teus pais eram gente previdente e trouxeram-te cá para fazer a tatuagem. Toquei o meu tornozelo, e ao fazê-lo tive uma recordação de in- fância, uma memória da dor e do medo que sentira quando ela tinha sido feita. Mas o meu cérebro limitou-se a recuperar a sensação, não trazendo qualquer conhecimento associado. — Vamos então tentar encontrar o teu registo nos ficheiros — dis- se o funcionário. Segui-o até à sala de arquivo, sorrindo para mim própria. “És mesmo tonta, não podias ter imaginado uma forma mais simples de identificação? Só porque havia objectos cortantes e uma
  • 16. mancha vermelha sobre a mesa, tinhas de te pôr a imaginar amos- tras de carne e sangue? Como se fosse possível identificar cada pes- soa pelo seu sangue...” — Aqui está a tua ficha — disse-me, interrompendo os meus pen- samentos. — Chamas-te Norma, tens 20 anos, e moras aqui perto. És solteira e não tenho registo de quaisquer familiares vivos. Eu es- crevo aqui a tua morada. Agradeci-lhe e abandonei o Registo, transportando comigo, cui- dadosamente, um papelinho com os meus dados pessoais. À saída encontrei Iago, que lia um livro enquanto me aguardava. Pu-lo a par das novidades, e ele ajudou-me a encontrar aquela que, de acordo com as informações do Registo, seria a minha morada. Era uma casa pequena com um jardinzito à volta, que, invadido por ervas daninhas, sugeria muitas luas ao abandono. As portadas das janelas estavam fechadas, e pelo aspecto há muito que não eram abertas. As floreiras estavam transformadas em depósitos de plantas secas e erva. A sólida porta encontrava-se trancada, impedindo-nos de matar a curiosidade sobre o interior. — Se tivesse de esconder uma chave, que sítio escolheria? — Um vaso com flores, junto à casa — respondi eu, depois de pensar um pouco. — Posso? — perguntou Iago, apontando para dois vasos decora- dos de plantas mortas que ladeavam a entrada. — Não custa tentar, antes de arrombarmos a porta... Acenei afirmativamente, e assisti expectante enquanto ele esva- ziava os dois vasos. Remexemos a terra do primeiro sem encontrar nada. No segundo, no entanto, encontrámos um saco de pano com uma chave dentro. Com as mãos a tremer introduzi-a na fechadura, que correspondeu abrindo-se. — Quer que entre consigo? — perguntou Iago, vendo-me hesitar à porta. — Agradeço, mas prefiro fazê-lo sozinha. A tua ajuda foi precio- sa, muito obrigada por tudo, mais uma vez. — Se precisar de alguma coisa é só dizer. Até amanhã. — Ao cru-
  • 17. zar o portão virou-se e acenou-me em despedida. Fiquei ali parada, hesitante, olhando a porta aberta. Então en- treguei-me à tarefa menos relevante: voltei a pôr a terra nos vasos, utilizando as minhas mãos como concha à falta de instrumento mais apropriado. A tarefa acalmou-me um pouco, e, depois de concluída, decidi-me a entrar. Não me recordava daquele espaço, mas um sentimento de familia- ridade, de segurança, começou a invadir-me. Embora não me lem- brasse das paredes, dos móveis, dos objectos, tinha a sensação de estar em casa. A sala estava coberta de pó, assim como as restantes dependên- cias. Abri todas as janelas, para arejar, arregacei as mangas e, en- quanto procedia às limpezas, procurei elementos que me dissessem mais sobre quem eu era. — Quem era a rapariga de nome Norma que tinha vivido naquela casa, e porque tinha partido? Um som inesperado junto à janela arrancou-me bruscamente das minhas divagações e fez-me dar um salto. — Não se assuste Norma, sou eu, a vizinha da casa em frente, e vim só ver se precisava de alguma coisa. Abri-lhe a porta, envergonhada do meu aspecto mal arranjado e da poeira que cobria os móveis, e observei com curiosidade a minha vizinha. Era uma senhora pequenina e enérgica, de cabelos cor de anil apa- nhados num carrapito, que trazia nas mãos uma cesta de vime co- berta por folhas de videira. Convidei-a a entrar, mas ela recusou-se, pois não queria incomo- dar. Entregou-me uma cesta de boas-vindas, que continha leite de zebra, pão, queijo fresco, fruta e biscoitos recheados de bagas doces, dizendo: — Imaginei que lhe soubesse bem comer alguma coisa depois da viagem, e tomei a liberdade de lhe trazer um lanchinho. Agradeci muito e insisti para que entrasse um pouco, e, como ela recusasse, conversámos ali mesmo, junto à porta.
  • 18. A nossa conversa foi breve, pois ela tinha em casa o jantar à espera de ser feito, mas ainda houve tempo para me responder a algumas perguntas. Através dela soube que a minha casa estivera abandonada duran- te um ano. A vizinha não sabia o dia exacto da minha partida, mas lembrava-se de que no primeiro dia de férias escolares eu já não esta- va lá, pois o seu filho mais novo, a jogar à bola, partira-me um vaso, e ela desde essa altura nunca mais me vira para pedir desculpa e me compensar do prejuízo. Em princípio os outros vizinhos não poderiam acrescentar muito mais informação, pois, na altura, ela falara com eles e nenhum lhe soubera dizer para onde eu fora, ou quando voltaria. Quanto a mim, fiquei a saber que era considerada uma pessoa muito reservada, que pouco me dava a conhecer, e que, além dos bons-dias, era raro ouvirem a minha voz. Quando partiu, comi para retemperar as forças, e voltei furiosa- mente à luta contra o pó, só descansando quando vi a casa minima- mente limpa e arrumada. Sabia que agia como se ao organizar aque- le espaço estivesse a contribuir, de alguma forma, para pôr ordem na minha cabeça... Durante o trabalho encontrei um objecto que me despertou a atenção. Era uma pequena caixa de madeira, com delicados embuti- dos, dentro da qual se encontrava guardada uma rosa seca. Na tam- pa tinha gravado o meu nome — “Norma” — e, no fundo, trazia a marca do fabricante “Oficinas Kanel”. Ao tocar-lhe senti que aquele objecto tinha para mim um significado especial, mas não consegui recordar-me de quem mo havia oferecido. Na sala, dentro de uma gaveta, descobri ainda um saco com as minhas economias, que me deu resposta a uma outra questão im- portante: como garantir a subsistência nos próximos dias? Deitei-me apenas quando a exaustão me impediu de continuar, e adormeci a imaginar que era uma pessoa extraordinária, de quem todos gostavam.
  • 19. *** Acordei com o som de batidas na porta. Fui abrir e encontrei o meu amigo Iago, que passara por ali para ver como eu estava. Convidei-o para me fazer companhia ao pequeno-almoço, e ele aceitou um biscoito, mais por educação do que por fome, pois já comera em casa. Expliquei-lhe o meu plano para esse dia: procurar informações que me ajudassem a saber quem eu era. Para já, tinha uma pista a seguir: tentar encontrar o fabricante da curiosa caixa, na esperança de que me dissesse algo sobre quem a mandara gravar. A ideia de desvendar o meu misterioso passado, seguindo pistas, motivou o jovem Iago, e ele ofereceu-se para me ajudar. Como Iago conhecia as Oficinas Kanel, foi para lá que nos diri- gimos.