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Semana de Letras 2008   Universidade Estácio de Sá –  campus Millôr Fernandes PALESTRA:  “Diálogos possíveis: letras e telas de Angola, Cabo Verde e Moçambique” Por: Ricardo Silva Ramos de Souza (Ricardo Riso)* Dia: 04/11/2008 – às 21h * Autor do blog  http://ricardoriso.blogspot.com  e integrante do Conselho Editorial da revista acadêmica África e Africanidades –  http://www.africaeafricanidades.com  – e-mail: risoatelie@gmail.com
Moçambique: lirismo, memória e sonhos em letras de  José Craveirinha ,  Eduardo White ,  Mia Couto ,  Luís Carlos Patraquim  e telas de  Malangatana ,  Roberto Chichorro  e  Naguib
Mia Couto, Eduardo White e Luís Carlos Patraquim representam o resgate do lirismo e do onírico na poesia moçambicana a partir da década de 1980, até então inferiorizado pela urgência da poesia de combate durante a guerra colonial e a euforia cantalutista do pós-independência. Patraquim com Monção (1980) e Mia Couto com Raiz de Orvalho (1983) rompem com os temas engajados e retomam o caráter intimista da poesia, remetendo a antigos poetas como Rui Knopfli e Virgílio de Lemos. Carmen Lucia Tindó Secco afirma que: “ Buscando outros ritmos, pulsações e novos ventos literários, Mia Couto e Patraquim reativaram (...) uma poiesis de cariz existencial, preocupada não só com as emoções interiores, mas com as origens, com as paisagens do presente e do outrora, com o prazer do fazer poético. Rebelando-se contra paradigmas literários articulados pelo ethos revolucionário, evidenciaram como, em razão destes, muitos dos cidadãos moçambicanos se encontravam despojados de suas singularidades.” (SECCO, p. 231) A partir daí, surgiram novas propostas para a poesia de Moçambique. Em 1984, estréia a revista Charrua, que “se caracterizou por um ‘lirismo de afetos’, cujo discurso literariamente elaborado funcionou como antídoto aos slogans poéticos dos tempos guerrilheiros” (SECCO, p. 233). Eduardo White é o principal destaque desse período com uma
poesia de intenso existencialismo, onírica, erótica e preocupada com as origens do país e do próprio poeta, refletindo multiculturalismo moçambicano. Para isso, elege a Ilha de Moçambique como lugar matricial, que recebeu árabes, portugueses, negros da etnia macua e indianos.  Já José Craveirinha destaca-se por atravessar as gerações e confundir-se com o próprio trajeto literário moçambicano e a criação da nação. A princípio, seus temas abordavam a negritude, o neo-realismo e a “moçambicanidade”. Com a guerra colonial nos anos 1960, passou a criar uma poesia anticolonial. Com o país independente, assumiu um intenso lirismo amoroso à esposa Maria e com a sangrenta guerra civil seus poemas tornaram-se viscerais. Ricardo Riso
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Estes rostos repetidos até a exaustão do espaço, estas figuras retorcidas por infinita amargura são imagens deste mundo criado por nós e, afinal, contra nós. Monstros que julgávamos há muito extintos dentro de nós são ressuscitados no pincel de Malangatana. Ressurge um temor que nos atemoriza porque é o nosso velho medo desadormecido. Ficamos assim à mercê destas visões, somos assaltados pela fragilidade da nossa representação visual do universo. (...)  No seu traço está nua e tangível a geografia do tempo africano. No jogo das cores está, sedutor e cruel, o feitiço, (...) Estes bichos e homens, atirados para um espaço tornado exíguo pelo acumular de elementos gráficos, procuram em nós uma saída. A tensão criada na tela não permite que fiquem confinados a ela, obriga-nos a procurar uma ordem exterior ao quadro. Aqui reside afinal o gênio apurado deste ‘ingênuo’ invocador do caos, sábio perturbador das nossas certezas.  (COUTO, 1996, p. 12 -13.  Apud : SECCO, 2003, p. 224-225)
O feitiço óleo s/unitex. 247 x 120 cm. 1962. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 30
A coruja A coruja agoira-me e diz que nunca chegarei além onde o desejo me leva e assim evapora-se o sonho; O tambor foi tocado na noite densa de feitiço enquanto Kokwana Muhlonga apitava o Kulungwana mortal; Na noite sem estrelas dois gatos pretos iluminaram a cabana da Kokwana Hehlise que morreu depois dos gatos terem miado. Eu lutando comigo só é impossível vencer as ondas que feiticeiramente me esboçam as corujas, gatos e tambores. (MALANGATANA, 1996, p. 43)
Monstros grandes comendo monstros pequenos óleo s/unitex. 153 x 120 cm. 1961. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 32.
Poema do futuro cidadão Vim de qualquer parte de uma Nação que ainda não existe. vim e estou aqui! Não nasci apenas eu nem tu nenhum outro... mas Irmão. Mas tenho amor para dar às mãos-cheias. Amor do que sou e nada mais. E tenho no coração gritos que não são meus somente porque venho de um País que ainda não existe. Ah! Tenho meu Amor a todos para dar do que sou. Eu! Homem qualquer Cidadão de uma Nação que ainda não existe. (CRAVEIRINHA, José.  Xigubo . Lisboa: Edições 70, 1980. p. 18)
Guerrilheiros -  momento de decisão
Interrogatório (...) Quietos quatro horas seguidas comodamente sentados numa cadeira ao milésimo século de perguntas (...) Mas... não falamos! Nossos sorrisos moçambicanizados previamente a carícias de cacetadas. E as bocas inchadas a sangue natural imitando o vermelho torna autêntico este verso. (CRAVEIRINHA, José. Cela 1. Lisboa: Edições 70, 1980. p. 14)
Chico Feio, o espancador da PIDE tinta da china e lápis s/papel. 40,9 x 44,2 cm.23/7/1965. http://www.fmsoares.pt/iniciativas/iniciativas_pesquisa_tipo_descricao.asp?CRITERIO=8
"Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.  A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir. Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante. Fogem da guerra, dessa guerra que contaminara toda a sua terra." (COUTO, Mia.  Terra Sonâmbula.  Lisboa: Caminho, 1992. p. 9)
Onde está a minha mãe, meus irmãos e todos os outros? óleo s/tela. 232 x 198 cm. 1986. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 59.
Sou ao Norte a minha Ilha, os sinais e as sedas que ali se trocaram e nessa beleza busco-te e para mim algum percurso, alguma linguagem submarina e pulsional, busco-te por entre as negras enroladas em suas capulanas arrepiadas, altas, magras, frágeis e belas como as missangas e vejo-te pelos seus absurdos olhos azuis. Que viagens eu viajo, meu amor, para tocar-te esses búzios, esses peixes vulneráveis que são as tuas mãos e também como me sonho de turbantes e filigranas e uma navalha que arredondada já não mata, e minhas oferendas de Java ouros e frutos incensos e volúpia. Quero chegar à tua praia diáfano como um deus, com a música rude e nua do corno de uma palave, um séquito ajawa, um curandeiro macua, uma mulher que dance uma Índia tão distante, e um monge birmanês, clandestino no tempo, que sobre nós se sente e pense. Amo-te sem recusas e o meu amor é esta fortaleza, esta Ilha encantada, estas memórias sobre as paredes e ninguém sabe deste pangaio que a Norte e na Ilha traz um amante inconfortado. Em tudo habita ainda a tua imagem, o m’shiro purificado da tua beleza e das tuas sedes, a rosa dos ventos, o sextante dos tempos, em tudo acordas de repente como se ardesse naus, garças, águas, ouros, pratas, vagas, escravos ausentes, tudo o que esta Ilha que sou ao Norte nos pode lembrar. Deito-me, assim, sobre o Sol com a praia funda em meu pensamento. (WHITE, Eduardo.  Os materiais do amor  seguido de  O desafio da tristeza.  Lisboa: Caminho, 1997. p. 24-27)
Serenata para encantar com lua Acrílico s/tela 100 x 80 cm, 1989. Roberto Chichorro. Lisboa: Caminho, 1998. p. 68.
O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez: sua história poderia ser contada e descontada não fosse seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito conduziu o desvistado por tempos e idades. Aquela mão era repartidamente comum, extensão de um no outro, siamensal. (...) O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia cerimônia no viver. O sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente. (...) Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia. O mundo que ele minuciava eram fantasias e rendilhados. A imaginação do guia era mais profícua que papaeira.(...) Foi no mês de Dezembro que levaram Gigitinho. Lhe tiraram do mundo para pôr na guerra: obrigavam os serviços militares. (...) O guia chamou Estrelinho à parte e lhe tranqüilizou: - Não vai ficar sozinhando por aí. Minha mana já mandei para ficar no meu lugar. (...) Desde então, a menina passou a conduzir o cego. Fazia-o com discrição e silêncios. E era como se Estrelinho, por segunda vez, perdesse a visão. Porque a miúda não tinha nenhuma sabedoria de inventar. Ela descrevia os tintins da paisagem, com senso e realidade. Aquele mundo a que o cego se habituara agora se desiluminava. Estrelinho perdia os brilhos da fantasia.(...) ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
Serenata em Azul Acrílico s/tela.  100 x 81 cm. 1997. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 122.
Musicando sonhos acrílico s/tela. 90 x 100 cm. 1997. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 118.
Ocorre-me agora a pupila minúscula de uma criança. A sua engenharia  desde o corpo na guerreira pequenez ao dedo provador da boca. Ocorre-me esta criança este monge da franqueza em seu templo de inocência. Amo-a. Vivo-a. Voar é poder amar uma criança. sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes sobre a palma da alma. Voar é tardar a boca na rosa do rosto de uma criança. Pronunciar-lhe a ternura, a sede fresca e pura  da sua infância. Voar é adormecer o homem na mão sonhadora  de uma criança. (WHITE, Eduardo.  Poemas da engenharia de ser ave e da ciência de voar.  Lisboa: Caminho, 1992. p. 28)
Bola de trapo em tempo de beija-flor Acrílico s/tela.  100 x 90 cm. 1996. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 84.
Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. (...) Agora a chuva cai, cantarosa. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedade de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima mas recados dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato de que ela tanto me insiste. Indumentária tão exibível e eu envergando mangas e gangas. (...) Enquanto alisa os lençóis, vai puxando outros assuntos. A idosa senhora não tem dúvida: a chuva está a acontecer devido das rezas, das cerimónias  oferecidas aos antepassados. Em todo o Moçambique a guerra está parar. Sim, agora as chuvas podem recomeçar. Todos estes anos, os deuses nos castigaram com a seca. Os mortos, mesmo os mais veteranos, já se ressequiam lá nas profundezas. Tristereza vai escovando o casaco que eu nunca hei-de usar e profere suas certezas: –  Nossa terra estava cheia de sangue. Hoje, está ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas nem agora, desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este seu fato? –  Mas, Tia Tristereza, não será está chover de mais? De mais? Não, a chuva não esqueceu os modos de tombar , diz a velha. E me explica:  a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um filho ausente.  Para Tristereza a natureza tem seus serviços decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares  já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos. (...) –  A chuva está limpar a areia. Os falecidos vão ficar satisfeitos. Agora, era bom respeito o senhor usar este fato. Para condizer com a festa de Moçambique... A velha ainda me olha em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros. (...) A velha acabou o serviço, se despede enquanto vai fechando as portas, com lentos vagares. Entrou uma tristeza na sua alma e eu sou o culpado. Reparo como as plantas despontam lá fora. O verde fala a língua de todas as cores. A tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo: –  Tristereza, tira o meu casaco. Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede:  não sacuda, essa aguinha dá sorte.  E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo. (COUTO, Mia. Chuva: a abensonhada. In:  Estórias abensonhadas.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 43-46)
Sonhando amanhã sem lágrimas. Acrílico s/tela. 1975. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 54.
SAGA PARA ODE é preciso a distância para chegar onde o poema parte e se reparte com cinzas nocturnas e a  [madrugada nas mãos é preciso o lugar ainda que doa a emoção azul de sangrar por  [dentro com o pensamento na galáxia terna  [do olhar é preciso tudo como haver morte e  [flores na raiz ao vento dos braços inteiros  [que se deram por um nome uma ideia rubra nos  [lábios da liberdade é preciso ver musgo e alegria até as  [ilhargas da tua imagem garça a deslizar e sorver água na exuberância  [lustral dos teus seios é preciso a insurrecta solidão  [dalguns dias quando os arquipélagos de ser  [dizem barco e os teus passos espreitam e tímidos percorrem o horizonte  [coral do silêncio é preciso inventar-te porque  [existes enquanto os deuses adormecem  [nas páginas dos livros e o real é a infinita medida do canto como acender as luzes ao meio-dia e no mais sol das pétalas abertas verter a seiva a singrar na terra é preciso, meu amor, percorrer o  [tempo que nos deram suspensos onde estamos nas  [pálpebras do verão (PATRAQUIM, Luís Carlos. Monção. In:  O osso côncavo e outros poemas . p. 37-38)
Serenata para  viola quebrada óleo s/tela. 100 x 90 cm. 1996. Apud:  catálogo da exposição  9 artistas de Moçambique.  Maputo: Museu Nacional de Arte de Moçambique; Expo92, 1992.  In:  SECCO, Carmen Lucia Tindó R.  A magia das letras africanas  – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph, 2003. p. 343
O Im-previsionário Naguib  nasceu e cresceu no Tete, terra de embondeiros. Da árvore ele recolheu a liça dessa vertiginosa viagem que se cumpre na imobilidade. Essa viagem levou-o ao fundo: o artista retomou a condição de aprendiz, artesão de cinzas, encantador de visões e imprevisões. Essa incursão levou-o a colocar-se em causa, decalcar vazios e domesticar abismos. Da sua magoada nação lhe chegaram, durante duas décadas, sinais de ruínas. O pintor afeiçoou o joelho ao chão, magoou os olhos na desesperança, feriu-se nos metais de guerra, colheu a cinza e dela fez florir súbitas colorações. Tocou os recantos escurecidos da paisagem e devolveu-lhes a luz seminal. Foi à lágrima e acendeu-lhe um Sol. Foi ao suspiro e devolveu-lhe a crença. E encontrou sementes onde outros apenas viam destroços. Durante anos, Naguib pintou como se escrevesse uma longa carta para seus filhos. Como se lhes contasse uma história, cada quadro um novo episódio. O que ele lhes está dizendo é isto: a beleza deste mundo não está à mão de ser colhida. Ela nasce dessa procura interior, desse trabalho em que a dor e a alegria se vão fazendo as duas asas da alma. O que descobrimos na sua obra é um artista plural, empenhado na procura incessante da sua própria diversidade, na confrontação exigente consigo mesmo. Obra de mestiçagem, sem buscar as identidades mas as fronteiras, os cruzamentos e as viagens. Nos seus quadros reconhecemos os múltiplos tempos do nosso tempo moçambicano, as diversas raças do nosso ser colectivo. Naguib sabe: a sua pátria já é e está nascendo. Está brotando do traço que ele acende e com que surpreende a própria tela. Aberta é a obra, inacabado é o mundo. E a pintura de Naguib confirma em mim a alegria de pertencer a essa pátria que existe apenas onde a inventamos: Moçambique. Mia Couto.  Texto escrito em 1994 para catálogo da exposição “Embondeiro de Energia” e reescrito em março de 2005. In:  Naguib . Lisboa: Caminho, 2005. p. 44-45
Alquimia de jóias na dança de Ucanho I (2005) acrílico, pintura corporal, digitalização, impressão litográfica e óleo s/ tela. 2,48 X 1,83 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp
Alquimia de jóias na dança de Ucanho II (2005) acrílico, pintura corporal, digitalização, impressão litográfica e óleo s/ tela 2,01 X 2,49 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp
Ilha, corpo, mulher. Ilha, encantamento. Primeiro tema para cantar. Primeira aproximação para ver-te, na carne cansada da fortaleza ida, na rugosidade hirta do casario decrépito, a pensar memórias, escravos, coral e açafrão. Minha ilha/vulva de fogo e pedra no Índico esquecida. Circum-navego-te, dos crespos cabelos da rocha ao ventre arfante e esculturo-te de azul e sol. Tu, solto colmo o oriente, para sempre de ti exilada. Foste uma vez a sumptuosidade mercantil, cortesão impossível roçagando-se nas paredes altas dos palácios. Sobre a flor árabe e excisão esboçada com nomes de longe. São Paulo. Fadário quinhentista de “armas e varões assinalados”. São Paulo e rastilho do evangelho nas bombardas dos galeões. São Paulo rosa, ébano, sangue, tinir de cristais, gibões e espadas, arfar de vozes nas alcovas efémeras. Nas ranhuras deste empedrado com torre a escandir lamentos dormirão os fantasmas? Almas minhas de panos e missangas gentis, quem vos partiu o parto em tijolo ficado e envelhecido? Ilha, capulana estampada de soldados e morte. Ilha elegíaca nos monumentos. Porta-aviões de agoirentos corvos na encruzilhada das monções. De oriente a oriente flagelaste o interior da terra. De Callicut a Lisboa a lança que o vento lascivo trilhou em nocturnos, espamódicos duelos e a dúvida retraduzindo-se agora entre campanário e minarete. Muezzin alcandorado, inconquistável. Porque ao princípio era o mar e a ilha. Sinbas e Ulisses. Xerazzade e Penélope. Nomes sobre nomes. Língua de línguas em Macua matriciadas. (PATRAQUIM, Luís Carlos. Os barcos elementares. In:  O osso côncavo e outros poemas.  Lisboa: Caminho, 2007. p. 96-97)
Exaltação lírica nas  margens do Zambeze III (2005) acrílico s/ suporte fotográfico, impressão  litográfica e óleo s/ tela. 2,60 X 1,87 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp

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Semana de Letras 2008 - Letras e Telas de Moçambique

  • 1. Semana de Letras 2008 Universidade Estácio de Sá – campus Millôr Fernandes PALESTRA: “Diálogos possíveis: letras e telas de Angola, Cabo Verde e Moçambique” Por: Ricardo Silva Ramos de Souza (Ricardo Riso)* Dia: 04/11/2008 – às 21h * Autor do blog http://ricardoriso.blogspot.com e integrante do Conselho Editorial da revista acadêmica África e Africanidades – http://www.africaeafricanidades.com – e-mail: risoatelie@gmail.com
  • 2. Moçambique: lirismo, memória e sonhos em letras de José Craveirinha , Eduardo White , Mia Couto , Luís Carlos Patraquim e telas de Malangatana , Roberto Chichorro e Naguib
  • 3. Mia Couto, Eduardo White e Luís Carlos Patraquim representam o resgate do lirismo e do onírico na poesia moçambicana a partir da década de 1980, até então inferiorizado pela urgência da poesia de combate durante a guerra colonial e a euforia cantalutista do pós-independência. Patraquim com Monção (1980) e Mia Couto com Raiz de Orvalho (1983) rompem com os temas engajados e retomam o caráter intimista da poesia, remetendo a antigos poetas como Rui Knopfli e Virgílio de Lemos. Carmen Lucia Tindó Secco afirma que: “ Buscando outros ritmos, pulsações e novos ventos literários, Mia Couto e Patraquim reativaram (...) uma poiesis de cariz existencial, preocupada não só com as emoções interiores, mas com as origens, com as paisagens do presente e do outrora, com o prazer do fazer poético. Rebelando-se contra paradigmas literários articulados pelo ethos revolucionário, evidenciaram como, em razão destes, muitos dos cidadãos moçambicanos se encontravam despojados de suas singularidades.” (SECCO, p. 231) A partir daí, surgiram novas propostas para a poesia de Moçambique. Em 1984, estréia a revista Charrua, que “se caracterizou por um ‘lirismo de afetos’, cujo discurso literariamente elaborado funcionou como antídoto aos slogans poéticos dos tempos guerrilheiros” (SECCO, p. 233). Eduardo White é o principal destaque desse período com uma
  • 4. poesia de intenso existencialismo, onírica, erótica e preocupada com as origens do país e do próprio poeta, refletindo multiculturalismo moçambicano. Para isso, elege a Ilha de Moçambique como lugar matricial, que recebeu árabes, portugueses, negros da etnia macua e indianos. Já José Craveirinha destaca-se por atravessar as gerações e confundir-se com o próprio trajeto literário moçambicano e a criação da nação. A princípio, seus temas abordavam a negritude, o neo-realismo e a “moçambicanidade”. Com a guerra colonial nos anos 1960, passou a criar uma poesia anticolonial. Com o país independente, assumiu um intenso lirismo amoroso à esposa Maria e com a sangrenta guerra civil seus poemas tornaram-se viscerais. Ricardo Riso
  • 5.
  • 6.
  • 7. Estes rostos repetidos até a exaustão do espaço, estas figuras retorcidas por infinita amargura são imagens deste mundo criado por nós e, afinal, contra nós. Monstros que julgávamos há muito extintos dentro de nós são ressuscitados no pincel de Malangatana. Ressurge um temor que nos atemoriza porque é o nosso velho medo desadormecido. Ficamos assim à mercê destas visões, somos assaltados pela fragilidade da nossa representação visual do universo. (...) No seu traço está nua e tangível a geografia do tempo africano. No jogo das cores está, sedutor e cruel, o feitiço, (...) Estes bichos e homens, atirados para um espaço tornado exíguo pelo acumular de elementos gráficos, procuram em nós uma saída. A tensão criada na tela não permite que fiquem confinados a ela, obriga-nos a procurar uma ordem exterior ao quadro. Aqui reside afinal o gênio apurado deste ‘ingênuo’ invocador do caos, sábio perturbador das nossas certezas. (COUTO, 1996, p. 12 -13. Apud : SECCO, 2003, p. 224-225)
  • 8. O feitiço óleo s/unitex. 247 x 120 cm. 1962. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 30
  • 9. A coruja A coruja agoira-me e diz que nunca chegarei além onde o desejo me leva e assim evapora-se o sonho; O tambor foi tocado na noite densa de feitiço enquanto Kokwana Muhlonga apitava o Kulungwana mortal; Na noite sem estrelas dois gatos pretos iluminaram a cabana da Kokwana Hehlise que morreu depois dos gatos terem miado. Eu lutando comigo só é impossível vencer as ondas que feiticeiramente me esboçam as corujas, gatos e tambores. (MALANGATANA, 1996, p. 43)
  • 10. Monstros grandes comendo monstros pequenos óleo s/unitex. 153 x 120 cm. 1961. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 32.
  • 11. Poema do futuro cidadão Vim de qualquer parte de uma Nação que ainda não existe. vim e estou aqui! Não nasci apenas eu nem tu nenhum outro... mas Irmão. Mas tenho amor para dar às mãos-cheias. Amor do que sou e nada mais. E tenho no coração gritos que não são meus somente porque venho de um País que ainda não existe. Ah! Tenho meu Amor a todos para dar do que sou. Eu! Homem qualquer Cidadão de uma Nação que ainda não existe. (CRAVEIRINHA, José. Xigubo . Lisboa: Edições 70, 1980. p. 18)
  • 12. Guerrilheiros - momento de decisão
  • 13. Interrogatório (...) Quietos quatro horas seguidas comodamente sentados numa cadeira ao milésimo século de perguntas (...) Mas... não falamos! Nossos sorrisos moçambicanizados previamente a carícias de cacetadas. E as bocas inchadas a sangue natural imitando o vermelho torna autêntico este verso. (CRAVEIRINHA, José. Cela 1. Lisboa: Edições 70, 1980. p. 14)
  • 14. Chico Feio, o espancador da PIDE tinta da china e lápis s/papel. 40,9 x 44,2 cm.23/7/1965. http://www.fmsoares.pt/iniciativas/iniciativas_pesquisa_tipo_descricao.asp?CRITERIO=8
  • 15. "Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte. A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir. Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante. Fogem da guerra, dessa guerra que contaminara toda a sua terra." (COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Lisboa: Caminho, 1992. p. 9)
  • 16. Onde está a minha mãe, meus irmãos e todos os outros? óleo s/tela. 232 x 198 cm. 1986. MALANGATANA. Catálogo da exposição Malangatana – de Matalana a Matalana. Lisboa: Instituto Camões,1999. p. 59.
  • 17. Sou ao Norte a minha Ilha, os sinais e as sedas que ali se trocaram e nessa beleza busco-te e para mim algum percurso, alguma linguagem submarina e pulsional, busco-te por entre as negras enroladas em suas capulanas arrepiadas, altas, magras, frágeis e belas como as missangas e vejo-te pelos seus absurdos olhos azuis. Que viagens eu viajo, meu amor, para tocar-te esses búzios, esses peixes vulneráveis que são as tuas mãos e também como me sonho de turbantes e filigranas e uma navalha que arredondada já não mata, e minhas oferendas de Java ouros e frutos incensos e volúpia. Quero chegar à tua praia diáfano como um deus, com a música rude e nua do corno de uma palave, um séquito ajawa, um curandeiro macua, uma mulher que dance uma Índia tão distante, e um monge birmanês, clandestino no tempo, que sobre nós se sente e pense. Amo-te sem recusas e o meu amor é esta fortaleza, esta Ilha encantada, estas memórias sobre as paredes e ninguém sabe deste pangaio que a Norte e na Ilha traz um amante inconfortado. Em tudo habita ainda a tua imagem, o m’shiro purificado da tua beleza e das tuas sedes, a rosa dos ventos, o sextante dos tempos, em tudo acordas de repente como se ardesse naus, garças, águas, ouros, pratas, vagas, escravos ausentes, tudo o que esta Ilha que sou ao Norte nos pode lembrar. Deito-me, assim, sobre o Sol com a praia funda em meu pensamento. (WHITE, Eduardo. Os materiais do amor seguido de O desafio da tristeza. Lisboa: Caminho, 1997. p. 24-27)
  • 18. Serenata para encantar com lua Acrílico s/tela 100 x 80 cm, 1989. Roberto Chichorro. Lisboa: Caminho, 1998. p. 68.
  • 19.
  • 20. Serenata em Azul Acrílico s/tela. 100 x 81 cm. 1997. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 122.
  • 21. Musicando sonhos acrílico s/tela. 90 x 100 cm. 1997. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 118.
  • 22. Ocorre-me agora a pupila minúscula de uma criança. A sua engenharia desde o corpo na guerreira pequenez ao dedo provador da boca. Ocorre-me esta criança este monge da franqueza em seu templo de inocência. Amo-a. Vivo-a. Voar é poder amar uma criança. sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes sobre a palma da alma. Voar é tardar a boca na rosa do rosto de uma criança. Pronunciar-lhe a ternura, a sede fresca e pura da sua infância. Voar é adormecer o homem na mão sonhadora de uma criança. (WHITE, Eduardo. Poemas da engenharia de ser ave e da ciência de voar. Lisboa: Caminho, 1992. p. 28)
  • 23. Bola de trapo em tempo de beija-flor Acrílico s/tela. 100 x 90 cm. 1996. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 84.
  • 24. Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. (...) Agora a chuva cai, cantarosa. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedade de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima mas recados dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato de que ela tanto me insiste. Indumentária tão exibível e eu envergando mangas e gangas. (...) Enquanto alisa os lençóis, vai puxando outros assuntos. A idosa senhora não tem dúvida: a chuva está a acontecer devido das rezas, das cerimónias oferecidas aos antepassados. Em todo o Moçambique a guerra está parar. Sim, agora as chuvas podem recomeçar. Todos estes anos, os deuses nos castigaram com a seca. Os mortos, mesmo os mais veteranos, já se ressequiam lá nas profundezas. Tristereza vai escovando o casaco que eu nunca hei-de usar e profere suas certezas: – Nossa terra estava cheia de sangue. Hoje, está ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas nem agora, desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este seu fato? – Mas, Tia Tristereza, não será está chover de mais? De mais? Não, a chuva não esqueceu os modos de tombar , diz a velha. E me explica: a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um filho ausente. Para Tristereza a natureza tem seus serviços decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos. (...) – A chuva está limpar a areia. Os falecidos vão ficar satisfeitos. Agora, era bom respeito o senhor usar este fato. Para condizer com a festa de Moçambique... A velha ainda me olha em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros. (...) A velha acabou o serviço, se despede enquanto vai fechando as portas, com lentos vagares. Entrou uma tristeza na sua alma e eu sou o culpado. Reparo como as plantas despontam lá fora. O verde fala a língua de todas as cores. A tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo: – Tristereza, tira o meu casaco. Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede: não sacuda, essa aguinha dá sorte. E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo. (COUTO, Mia. Chuva: a abensonhada. In: Estórias abensonhadas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 43-46)
  • 25. Sonhando amanhã sem lágrimas. Acrílico s/tela. 1975. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 54.
  • 26. SAGA PARA ODE é preciso a distância para chegar onde o poema parte e se reparte com cinzas nocturnas e a [madrugada nas mãos é preciso o lugar ainda que doa a emoção azul de sangrar por [dentro com o pensamento na galáxia terna [do olhar é preciso tudo como haver morte e [flores na raiz ao vento dos braços inteiros [que se deram por um nome uma ideia rubra nos [lábios da liberdade é preciso ver musgo e alegria até as [ilhargas da tua imagem garça a deslizar e sorver água na exuberância [lustral dos teus seios é preciso a insurrecta solidão [dalguns dias quando os arquipélagos de ser [dizem barco e os teus passos espreitam e tímidos percorrem o horizonte [coral do silêncio é preciso inventar-te porque [existes enquanto os deuses adormecem [nas páginas dos livros e o real é a infinita medida do canto como acender as luzes ao meio-dia e no mais sol das pétalas abertas verter a seiva a singrar na terra é preciso, meu amor, percorrer o [tempo que nos deram suspensos onde estamos nas [pálpebras do verão (PATRAQUIM, Luís Carlos. Monção. In: O osso côncavo e outros poemas . p. 37-38)
  • 27. Serenata para viola quebrada óleo s/tela. 100 x 90 cm. 1996. Apud: catálogo da exposição 9 artistas de Moçambique. Maputo: Museu Nacional de Arte de Moçambique; Expo92, 1992. In: SECCO, Carmen Lucia Tindó R. A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph, 2003. p. 343
  • 28. O Im-previsionário Naguib nasceu e cresceu no Tete, terra de embondeiros. Da árvore ele recolheu a liça dessa vertiginosa viagem que se cumpre na imobilidade. Essa viagem levou-o ao fundo: o artista retomou a condição de aprendiz, artesão de cinzas, encantador de visões e imprevisões. Essa incursão levou-o a colocar-se em causa, decalcar vazios e domesticar abismos. Da sua magoada nação lhe chegaram, durante duas décadas, sinais de ruínas. O pintor afeiçoou o joelho ao chão, magoou os olhos na desesperança, feriu-se nos metais de guerra, colheu a cinza e dela fez florir súbitas colorações. Tocou os recantos escurecidos da paisagem e devolveu-lhes a luz seminal. Foi à lágrima e acendeu-lhe um Sol. Foi ao suspiro e devolveu-lhe a crença. E encontrou sementes onde outros apenas viam destroços. Durante anos, Naguib pintou como se escrevesse uma longa carta para seus filhos. Como se lhes contasse uma história, cada quadro um novo episódio. O que ele lhes está dizendo é isto: a beleza deste mundo não está à mão de ser colhida. Ela nasce dessa procura interior, desse trabalho em que a dor e a alegria se vão fazendo as duas asas da alma. O que descobrimos na sua obra é um artista plural, empenhado na procura incessante da sua própria diversidade, na confrontação exigente consigo mesmo. Obra de mestiçagem, sem buscar as identidades mas as fronteiras, os cruzamentos e as viagens. Nos seus quadros reconhecemos os múltiplos tempos do nosso tempo moçambicano, as diversas raças do nosso ser colectivo. Naguib sabe: a sua pátria já é e está nascendo. Está brotando do traço que ele acende e com que surpreende a própria tela. Aberta é a obra, inacabado é o mundo. E a pintura de Naguib confirma em mim a alegria de pertencer a essa pátria que existe apenas onde a inventamos: Moçambique. Mia Couto. Texto escrito em 1994 para catálogo da exposição “Embondeiro de Energia” e reescrito em março de 2005. In: Naguib . Lisboa: Caminho, 2005. p. 44-45
  • 29. Alquimia de jóias na dança de Ucanho I (2005) acrílico, pintura corporal, digitalização, impressão litográfica e óleo s/ tela. 2,48 X 1,83 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp
  • 30. Alquimia de jóias na dança de Ucanho II (2005) acrílico, pintura corporal, digitalização, impressão litográfica e óleo s/ tela 2,01 X 2,49 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp
  • 31. Ilha, corpo, mulher. Ilha, encantamento. Primeiro tema para cantar. Primeira aproximação para ver-te, na carne cansada da fortaleza ida, na rugosidade hirta do casario decrépito, a pensar memórias, escravos, coral e açafrão. Minha ilha/vulva de fogo e pedra no Índico esquecida. Circum-navego-te, dos crespos cabelos da rocha ao ventre arfante e esculturo-te de azul e sol. Tu, solto colmo o oriente, para sempre de ti exilada. Foste uma vez a sumptuosidade mercantil, cortesão impossível roçagando-se nas paredes altas dos palácios. Sobre a flor árabe e excisão esboçada com nomes de longe. São Paulo. Fadário quinhentista de “armas e varões assinalados”. São Paulo e rastilho do evangelho nas bombardas dos galeões. São Paulo rosa, ébano, sangue, tinir de cristais, gibões e espadas, arfar de vozes nas alcovas efémeras. Nas ranhuras deste empedrado com torre a escandir lamentos dormirão os fantasmas? Almas minhas de panos e missangas gentis, quem vos partiu o parto em tijolo ficado e envelhecido? Ilha, capulana estampada de soldados e morte. Ilha elegíaca nos monumentos. Porta-aviões de agoirentos corvos na encruzilhada das monções. De oriente a oriente flagelaste o interior da terra. De Callicut a Lisboa a lança que o vento lascivo trilhou em nocturnos, espamódicos duelos e a dúvida retraduzindo-se agora entre campanário e minarete. Muezzin alcandorado, inconquistável. Porque ao princípio era o mar e a ilha. Sinbas e Ulisses. Xerazzade e Penélope. Nomes sobre nomes. Língua de línguas em Macua matriciadas. (PATRAQUIM, Luís Carlos. Os barcos elementares. In: O osso côncavo e outros poemas. Lisboa: Caminho, 2007. p. 96-97)
  • 32. Exaltação lírica nas margens do Zambeze III (2005) acrílico s/ suporte fotográfico, impressão litográfica e óleo s/ tela. 2,60 X 1,87 m http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/AfricaBrasil/online.asp