O documento analisa o discurso ambientalista do desenho Capitão Planeta, discutindo suas implicações para a educação ambiental. Apresenta o contexto de produção do desenho na década de 1990 e descreve seus personagens e temas, mostrando que seu discurso está alinhado com a vertente pragmática e conservacionista da educação ambiental. Conclui que o desenho pode ser usado criticamente na escola para problematizar esses temas, embora seu discurso individualize e não politize as questões socioambientais.
1. “O poder é de vocês!” O discurso ambientalista
do desenho animado Capitão Planeta
Leonardo KaplanLeonardo Kaplan
Professor de Ciências da Rede Municipal do Rio de JaneiroProfessor de Ciências da Rede Municipal do Rio de Janeiro
E. M. Orlando Villas BoasE. M. Orlando Villas Boas
Doutorando PPGE UFRJDoutorando PPGE UFRJ
VII Encontro Pesquisa em Educação Ambiental – Problematizando a Temática
Ambiental na Sociedade Contemporânea – 07 a 10 de julho de 2013 – Rio Claro, SP
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2. Introdução
Objetivos: (1) elaborar, brevemente, uma análise do discurso
ambientalista do desenho animado Capitão Planeta;
(2) pensar em possíveis implicações deste discurso para as
práticas de educação ambiental, sobretudo nas escolas;
(3) ampliar a compreensão de que para que determinados
discursos se consolidem como hegemônicos necessitam
transitar não apenas pelos materiais, documentos e encontros
oficiais de governos e demais instâncias, como também
atravessar o imaginário social por meio da televisão, demais
meios de comunicação e outros materiais semióticos
Produzido nos EUA, 1990-1996, e exibido em mais de 100 países
No Brasil: Rede Globo (Xou da Xuxa, 1991; TV Colosso 1993), Cartoon
Network (até 2000), Futura e Tooncast (2009-2012)
Retrata um dos discursos que vinha ganhando força dentro do movimento
ambientalista até se tornar o discurso hegemônico
3. Três macro-tendências político-pedagógicas da EA no Brasil: EA
conservacionista, EA pragmática e EA crítica (Layrargues e Lima, 2011)
EA conservacionista: expressão das correntes conservacionistas do
ambientalismo, da Alfabetização Ecológica (Capra, 2006), apoiada nos
princípios da Ecologia, na supervalorização dos aspectos afetivos e no
comportamentalismo
EA pragmática: apoiada na Educação para o Desenvolvimento Sustentável
e/ou para o Consumo Sustentável, expressão do ambientalismo de
resultados, do pragmatismo contemporâneo e do ecologismo de mercado,
decorrentes do capitalismo neoliberal instituído nos anos 1980 e 1990
EA conservacionista e EA pragmática: perspectivas conservadoras de EA
Introdução
4. EA conservacionista perde terreno para a EA pragmática e
para a EA crítica, embora ainda esteja presente nos dias de
hoje
EA pragmática tem servido como mecanismo de concessão
do capitalismo para, supostamente, mitigar efeitos como o
consumismo, a obsolescência planejada e a descartabilidade,
de modo a manter sua reprodução enquanto sistema,
garantindo a expansão e a acumulação do capital
EA crítica: análise dos aspectos estruturantes do capitalismo,
em diálogo com as lutas socioambientais, aliando teorias e
práticas sociais críticas na perspectiva de superação do modo
de produção capitalista
Introdução
5. Análise de Discurso e Educação Ambiental
Escola Francesa (Análise do Discurso): Pêcheux, Foucault, Maingueneau,
Charaudeau, Courtine, Eni Orlandi, etc
Materialismo histórico (Althusser), Psicanálise (Lacan), Linguística Estruturalista
(Saussure)
Escola Anglo-Saxônica (Análise Crítica do Discurso): Fairclough, Hodge,
Fowler, Kress, Van Dijk, Chouliaraki, Jessop, etc
Materialismo histórico-dialético (Gramsci), Teorias Sociais Críticas (Escola de
Frankfurt), Linguística Crítica (Halliday)
Diferentes enfoques, contextos, pressupostos, recortes,
objetivos e materiais analisados nas pesquisas de EA com
Análise do Discurso: discurso interno da EA, discursos das redes de EA,
discursos das políticas públicas de EA, discursos dos licenciandos de Biologia
sobre EA, discursos de EA em curso de formação de educadores ambientais,
ensino de Ciências e ACD
6. Análise Crítica do Discurso (Fairclough)
Relações entre discurso e mudança social
Dialética discurso-estrutura social: constitutivos e determinados
Análise de aspectos linguísticos (vocabulário, aspectos
gramaticais, semânticos, sintáticos e pragmáticos) e sociais dos e
nos textos: entender o que está em jogo quando algo é dito
Três dimensões de análise: texto, prática discursiva e prática social
(Fairclough, 2001)
Conceitos de ideologia e hegemonia permitem compreender os
discursos inseridos nas relações de poder
Quatro momentos na dialética discurso-estrutura social: (1)
emergência (surgimento), (2) hegemonia, (3) recontextualização e
(4) operacionalização (Fairclough, 2005a; 2005b)
7. Potencial pedagógico dos desenhos animados
Desenhos animados, revistas de divulgação científica,
quadrinhos, cordeis, imagens que circulam em redes sociais,
documentários, etc, são boas ferramentas para o ensino
O uso destes materiais costuma despertar o interesse dos
alunos, pois pode alterar a dinâmica das aulas expositivas,
trazendo outras linguagens (visuais, áudios, artísticas, etc) que
permitem novos modos de mediação e entendimento dos
conteúdos, além de aproximar os conteúdos abordados do
cotidiano dos alunos
Problematizar as informações e discursos que os materiais
portam
8. Não há discurso sem ideologia (Bakhtin, 2004)
Ideologia (superestrutura) não descolada da base material da sociedade
(infraestrutura), das relações sociais de um dado modo de organização social,
sendo determinada por esta
A análise das escolhas lexicais não pode vir descolada dos contextos de
produção e disputa de sentidos e das redes de relação que o conjunto dos
vocábulos estabelece entre si (Ramos, 2012)
Presença do discurso persuasivo na política, na propaganda, nas
telenovelas, nos programas de TV, etc, indica que o uso da linguagem vai
muito além de comunicar ou informar (Carvalho, 2003)
Poder da ideologia nos desenhos animados: primeiros programas de TV
assistidos, ainda na infância, tornando os elementos ideológicos ainda mais
sutis e, portanto, naturalizáveis
Exemplos: propaganda japonesa durante a Segunda Guerra Mundial (1936),
Zé Carioca (1942), Flinstones (1960), Jetsons (1962)
Ideologia nos desenhos animados
9. Capitão Planeta: contexto sociohistórico,
personagens, temas e perspectivas
116 episódios (6 temporadas), produzido pela TBS (EUA), 1990-1996
Cada episódio tem cerca de 22 minutos
Criado pelo empresário Ted Turner, fundador da CNN, como forma de alerta
e interação com o público infanto-juvenil quanto às questões socioambientais
O desenho se passa nos anos 1990, quando os problemas socioambientais
já estavam bastante evidenciados e sendo debatidos na sociedade
Início da história: o despertar de Gaia, guardiã do planeta Terra:
“O que está acontecendo? Ah, são aqueles pobres idiotas dos humanos! Eles vão destruir o planeta se
continuarem desse jeito. (...) Hum.. parece que (o planeta) dormiu demais. Mas, quantos estragos eles
podem ter feito em um século? [imagens de poluição industrial, de carros, lixo e petróleo nos oceanos e
aves agonizando, desmatamento de florestas] Mas é pior do que eu pensava. A Terra está morrendo!”
5 aneis com poderes mágicos para cinco jovens espalhados pelo planeta:
Kwame (África), Gui (Ásia), Wheeler (América do Norte), Linka (URSS) e Ma-Ti
(América do Sul)
10. Hipótese de Gaia (Lovelock, Ecologia Profunda)
Seres humanos como causadores e vítimas dos impactos ambientais
Multiculturalismo e questões de gênero
Discursos do desenho Capitão Planeta
11. Vilões: Porco Greedy (industrialização desenfreada, ganância, usura), Dra.
Blight (uso antiético da ciência e tecnologia), Looten Plunder (“capitalismo
selvagem”), Dr. Duke Nukem (energia nuclear), Verminoso (falta de
saneamento básico e criminalidade urbana), Matreiro (lixo urbano), Zarm
(guerra, caos, escuridão interior dos seres vivos), Capitão Poluição
(destruição da Terra)
Conforme Carvalho (2003), em geral, nos desenhos animados:
“A sociedade é representada como una, estática e harmônica, sem antagonismo de
classes, e a ‘ordem natural’ do mundo é quebrada apenas pelos vilões, que
encarnando o mal, atentam geralmente contra o patrimônio (...). A defesa da
legalidade dada e não questionada é feita pelos ‘bons’, com a morte dos ‘maus’ ou
com a integração desses à norma estabelecida. Resultando daí um maniqueísmo
simplista, que reduz tudo à luta entre o bem e o mal, sem considerar quaisquer
nuanças de uma sociedade em que as pessoas e os grupos possam ter opiniões e
interesses divergentes.”
Conflito é reduzido ao nível individual, psicológico e moral, não sendo
tratado como questão política e social; ocultam-se as classes sociais
Discursos do desenho Capitão Planeta
13. As motivações dos vilões do desenho, tratadas como sendo de ordem
individual e moral vão ao encontro do discurso moralista também presente na
educação ambiental, conforme constatou Orlandi (1996, pp 2-3), levando à
culpabilização, ao catastrofismo e ao imediatismo
Há “um apagamento (...) do político, do histórico e do ideológico” (ibd, p. 4)
Caso houvesse a politização e a historicização proposta,
“as relações de poder não apareceriam como ganância mas como uma questão estrutural sócio-
histórica, parte de um processo político em que se inclui o cidadão. Uma relação determinada entre
homem e natureza em que o trabalho entraria como definidor. E a inserção do cidadão teria mais
clareza” (ibidem, p. 6).
“O poder é de vocês!” : poder, responsabilidade e atitudes a serem
compartilhados por todos (“cada um deve fazer a sua parte”) – coerente com a
concepção liberal de sociedade (conjunto indistinto de indivíduos)
Apesar do discurso de repartir responsabilidades, Capitão Planeta centraliza
a resolução dos problemas
Ao final de cada episódio, eram dadas dicas para mudar atitudes e ter
hábitos mais sustentáveis na perspectiva pragmática e comportamentalista
defendida no desenho
Discursos do desenho Capitão Planeta
14. Conclusões preliminares
Exercício inicial de análise do discurso ambientalista deste desenho
Limites e potenciais das análises e necessidade de mais trabalhos de
análise crítica do discurso de materiais com potencial didático a serem
trabalhados na escola, na universidade, em cursos de formação continuada
em educação ambiental, etc
Muitos temas levantados no desenho podem ser problematizados em sala
de aula: lixo; poluição e escassez da água potável; chuva ácida; efeito
estufa; aquecimento global; extração de recursos naturais (petróleo) e seu
uso intensivo; energia nuclear; a falta de saneamento básico nas cidades;
as relações entre ciência, tecnologia, etc.
Discurso ambientalista do desenho está alinhado com a vertente
conservadora da EA, sobretudo com a tendência pragmática que começara
a ganhar força no momento de produção do desenho (forte viés moralista,
comportamentalista, individualizador, concepção de “homem abstrato”,
multiculturalismo, etc)
Discurso hegemônico da EA foi materializado e operacionalizado
(Fairclough, 2005a) em um material semiótico concreto
15. Há outros desenhos, inclusive mais recentes, que portam esse mesmo
discurso, atualizando-o inclusive, p. ex.: Gisele e a Equipe Verde (Gisele
Bündchen como protagonista)
Discursos hegemônicos, para se consolidarem como tais, não passam
apenas por documentos e espaços oficiais, apesar de sua importância, mas
devem circular por todo tipo de materiais e espaços (programas de TV,
revistas, jornais, livros didáticos, cartilhas, etc)
Tais materiais apresentam potencial didático a ser explorado e
problematizado em sala de aula, de forma crítica nos processos de ensino-
aprendizagem e formação humana
O poder é de vocês!
Obrigado!
Conclusões preliminares
16. Referências bibliográficas
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Referências bibliográficas