1) Uma emitente de um cheque processou um banco endossatário após ter pago antecipadamente o cheque e recebido quitação da endossante, mas não ter recebido de volta o título.
2) A sentença foi parcialmente favorável à emitente, determinando o cancelamento do protesto do cheque.
3) O banco endossatário recorreu alegando ser terceiro de boa-fé, mas o relator manteve a sentença, entendendo que o banco assumiu os riscos do negócio ao rece
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ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
2 9 7 REGISTRADO(A) SOB N°
ACÓRDÃO i mm um mu mu um um um um m mi
*03213241*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 991.06.058825-0, da Comarca de Cruzeiro,
em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A sendo apelado
ANDRÉA BITTENCOURT NICOLI SAMPAIO.
ACORDAM, em 11 a Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores VIEIRA DE MORAES (Presidente sem
voto), GILBERTO DOS SANTOS E GIL COELHO.
São Paulo, 16 de setembro de 2010.
MOURA RIBEIRO
RELATOR •
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APELAÇÃO COM REVISÃO N° 991.06.058825-0
COMARCA: CRUZEIRO - 1 a Vara Cível
APELANTE(S): BANCO DO BRASIL S.A.
APELADO/A(S): ANDRÉA BITTENCOURT NICOLI SAMPAIO
JUÍZA DE 1 a INSTÂNCIA: Dra. VANESSA RIBEIRO MATEUS
VOTO N° 17.103
EMENTA: Anulatória de cheques (rectius; inexigibilidade) com
pedido de antecipação de tutela julgada parcialmente procedente —
Apelação do endossatário buscando a reforma da sentença firme
nas teses de que (1) o protesto é imprescindível para garantir o seu
direito; (2) o cheque é título cambiariforme, não causai; e, (3) é
terceiro portador de boa-fé e por isso não lhe podem ser opostas
exceções pessoais do emitente e endossante - Não acolhimento -
Autora emitente que comprovou o resgate do cheque e ostenta
quitação da endossante - Oposição de exceção geral — Banco que
recebeu o cheque por endosso translativo e a título pro
solvenáo — Responsabilidade pelo pagamento que deve ser
imputada à endossante que recebeu duas vezes pelo mesmo título —
Inteligência do art. 21, da Lei n° 7.357/85 - Sentença mantida -
Recurso não provido.
O princípio de que o cheque encerra um direito
abstrato não pode ser entendido com extremado
rigor, sob pena de se compelir alguém a pagar
o que já não deve mais, como na hipótese em
que o beneficiário outorgou quitação ao
sacador porque recebeu seu valor antes do
vencimento.
lòt-
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Da sentença que julgou parcialmente procedente a ação
anulatória de cheques (rectius: inexigibilidade), com pedido de
antecipação de tutela ajuizada pela emitente do título, sobreveio
apelação do endossatário buscando reforma, firme nas teses de que
(1) o protesto é imprescindível para garantir o seu direito; (2) o cheque
é título cambiariforme, não causai; e, (3) é terceiro portador de boa-fé e por
isso não lhe podem ser opostas exceções pessoais do emitente e
endossante.
Recurso preparado, recebido, processado e respondido.
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
A autora, emitente do cheque, ajuizou a presente ação
sustentando que tendo resgatado antecipadamente e ostentando
quitação que lhe foi passada pela endossante, não pode ser
responsabilizada pelo título que honrou.
' Informou que sustou o cheque porque quando do
pagamento antecipado não obteve sua devolução, embora tenha
recebido quitação (fl. 09).
A ação foi julgada parcialmente procedente para o fim
de ser determinado o cancelamento definitivo do protesto do cheque,
razão do inconformism.o do endossatário que não merece acolhimento.
-2- W/l'
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O cheque emitido e posteriormente pago de forma
antecipada circulou livremente por endosso translativo do seu
beneficiário para o banco endossatário com a conseqüente transmissão
dos direitos de crédito que dali decorreu 1 .
Ou seja, se o banco endossatário recebeu o cheque em
garantia de operação de desconto, tornou-se titular do direito creditício,
surgindo para ele a obrigação de investigar a existência e regularidade do
negócio subjacente que permitiu o saque daquele título.
Em casos como o presente, o endossatário tem o dever
de examinar a regularidade do negócio jurídico de que participou a
endossante, ainda mais tendo em conta que desenvolve atividade
financeira de modo organizado para auferir lucros. Se essa é sua
atividade empresarial primordial, deve responder pelos atos danosos
que praticar e pelos riscos do seu negócio.
1
"O endosso, como já verificamos usualmente, isto é, em sua forma normal, transmite a
propriedade do título, vinculando o endossante à obrigação cambial". (Amador Paes de
Almeida. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito, Ed. Saraiva, 17a Ed., pág. 40).
"O endosso transmite o título (documento) e, com ele, todos os direitos emergentes do
mesmo. Esses direitos são os de receber, junto ao sacado, a importância mencionada no
cheque e de agir contra o sacador e endossantes anteriores para receber dita importância,
caso o sacado não a pague, já que adquirindo o título, pelo endosso, com os direitos
incorporados no mesmo, o endossatário se torna credor do sacador, garantido quanto ao
pagamento pelos endossantes anteriores". (Fran Martins. Títulos de Crédito, atualizada por
Joaquim Penalva Santos, Ed. Forense, 14a Ed., pág. 320).
-3-
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Por essa razão, não pode ser considerada simples
mandatária, terceira de boa-fé alheia aos fatos e distante da discussão
sobre sua responsabilidade pelos protestos realizados.
Em suma: não pode querer o melhor dos dois mundos,
livre de responsabilidades. Esqueceu-se que no ordenamento jurídico
brasileiro brilha a regra do art. 927, parágrafo único, do CC/02.
Se houve o esquecimento, então vale a pena lembrar
antiga regra do Direito Romano segundo a qual quem aufere os
cômodos (lucros), que suporte os incômodos (riscos).
Nesse sentido, aliás, de forma análoga ao caso, temse
assentado a jurisprudência do Col. STJ 2 .
2
"PROTESTO DE DUPLICATA SEM CAUSA. ENDOSSO TRANSLATIVO. LEGITIMIDADE
PASSIVA DO BANCO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS DEVIDOS. RECURSO NÃO
CONHECIDO.
1. O banco que procedeu a protesto de duplicata sem aceite, recebida mediante endosso
translativo, tem evidente legitimidade passiva para a ação declaratoria de inexigibilidade do
título. 2. Reconhecido pelas instâncias ordinárias a responsabilidade do Banco, que levou a
protesto o título recebido, sem as devidas cautelas, impõe-se-lhe os ônus sucumbenciais. 3.
Recurso especial não conhecido." (REsp 204377 / SP, Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, j .
em 07.10.08).
"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DECLARATORIA C/C CANCELAMENTO DE PROTESTO
E INDENIZATÓRIA. DUPLICATAS ENDOSSADAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO
ENDOSSATÁRIO CONFIGURADA. NEGLIGÊNCIA.
I. Na ação declaratoria de inexistência de relação jurídica, cancelamento de protesto e
indenizatória, devem figurar no polo passivo tanto a empresa emitente da cártula, como o
banco endossatário que enviou o título a protesto, eis que, quanto a este, impossível o
processamento da demanda no que tange, pelo menos, ao cancelamento do título, sem a
sua presença na lide. (...) III. Quanto ao endosso-translativo, hipótese dos autos, o banco,
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No mais, há de se ressaltar a lição de ROBERTO DE
ARRUDA SOUZA LIMA e ADOLFO MAMORU NISHIYAMA que na
modalidade de desconto bancário de cheque ensinam que ao endossar
o título ao banco o cliente não se exonera da dívida se o responsável
não pagar o título no seu vencimento porque na hipótese "dá-se a
cessão pro solvendo, de sorte que se o terceiro não resgatá-la no
tempo devido, quem o descontou fica obrigado a restituir ao banco a
importância dele recebida por antecipação"3.
Aqui, importante frisar que de acordo com o
ensinamento de GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER a
emitente do cheque opôs ao endossatário exceção geral 4 que possuía,
ou seja, demonstrou o pagamento e a conseqüente quitação do título.
O princípio de que o cheque encerra um direito abstrato
não pode ser entendido com extremado rigor, sob pena de se compelir
alguém a pagar o que já não deve mais, como na hipótese em que o
beneficiário outorgou quitação ao sacador porque recebeu seu valor
antes do vencimento.
advertido ou não, é automaticamente responsável pelos atos de cobrança do título, posto
que o adquire com os vícios que contém, e pela sua cobrança, como titular, arca pelos
danos causados perante terceiros." (REsp 332813 / MG, Ministro ALDIR PASSARINHO
JÚNIOR, j. 09.10.01).
3
"Contratos bancários", Atlas, São Paulo, 2007, pág. 199.
4
Denominam-se exceções gerais os meios de defesa que se relacionam ao objeto da
obrigação ou cujo conteúdo independa do sujeito ativo, como o pagamento ou a
impossibilidade da prestação. "Código Civil Comentado", Editora Atlas S.A., 2008, volume
IV, pág. 173.
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Assim já decidiu este Eg. Tribunal em caso semelhante
em que o título foi pago pelo sacador que passou a ostentar quitação,
muito embora não tivesse obtido a sua devolução 5 .
Cabe, apenas, uma última observação: na verdade,
como a relação endossante-endossatário permanece íntegra para que
o cheque endossado possa ser cobrado por este último daquele
conforme preceitua o art. 2 1 , da Lei n° 7.357/85, então, em verdade, a
sentença apenas declarou a inexigibilidade do cheque em face da
emitente, a sacadora-autora, jamais a sua nulidade.
Por essa razão, responsável pelo pagamento do cheque
é a endossante que por ele recebeu duas vezes e não a emitente que
já o pagou e ostenta quitação.
Incide ao caso, em arremate, o art. 901, do CC/02
porque resgatando o cheque antes do vencimento sem ter tido notícia
do endosso, a sacadora ficou desonerada da sua obrigação, mormente
porque ostenta regular quitação que a endossatária lhe outorgou.
Pagou bem, não pode ser chamada a pagar duas vezes.
5
"Ação monitoria. Cheque prescrito. Aquisição de material junto à empresa de construção.
Credora que fecha as portas. Título quitado e não devolvido. Documento comprovando a
quitação desse título. Devolução não efetuada. Cártula que foi parar nas mãos da atual
credora. Impedimento à cobrança ante a prova da quitação. Não se pode admitir que a parte
tenha pago mal, já que pagou a quem devia. Impossível compelir a pessoa a pagar o que
não deve. Sentença mantida. Recurso desprovido" (Apelação n° 991.09.000631-4, Rei. Des.
VIRGÍLIO DE OLIVEIRA JR.).
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Nestas condições, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO
ao recurso.
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Moura Ribeiro
Relator
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