1. Disciplina: Odonto Social 1 – Psicologia -- 732 2009
Professor Responsável: Antonio Bento Alves de Moraes
O exorcismo da internet literalmente se abre na tela faz, por outro lado, com
Psicólogos e advogados defendem moderação em que internautas fiquem cada vez mais diante do
críticas à rede e dizem que mídia virtual apenas equipamento, mudem sua rotina e a forma de se
exterioriza distúrbios do mundo real
comunicar. Para o bem e para o mal. Se falar com o
Gonçalo Junior
vizinho sempre foi um problema, o mesmo não
Edição Impressa 128 - Outubro 2006
acontece pela rede entre alguém que vive em São Paulo
e em Paris ou Tóquio.
Uma série de fatos negativos ligados ao Embora a maioria da população use o sistema de modo
comportamento humano, ao que parece, dificilmente saudável, em alguns casos torna-se problema de polícia
aconteceria fora da internet. Será essa uma verdade? A ou de comportamento. Os adolescentes, ao que parece,
ausência física e do contato de voz, a falta de são os mais vulneráveis. Muitos iniciam namoros sérios
indicativos mais claros sobre quem é o interlocutor e a ou passam muitas horas em salas de conversa e sites
dificuldade de encontrar pistas sobre a origem de que abordam temas como sexo e violência. Atitudes
mensagens e conteúdos ajudam a fundamentar essa assim fazem com que a imprensa traga discussões,
idéia. Descrita como a mais anárquica e livre forma de queixas e denúncias. Surgem mitos, alardes e, de certo
manifestação criada pelo homem, a rede mundial de modo, a “demonização” da rede. Até que ponto, no
computadores se popularizou em parte pela facilidade entanto, devem se preocupar pais, educadores e a
de comunicação e pelo preço do serviço. Ao contrário polícia?
de outras mídias – cinema, rádio, televisão etc. –,
entretanto, não é algo acabado. Reinventa-se a cada dia Pelo menos três áreas em especial parecem mais
e suas possibilidades continuam não dimensionáveis. atraídas para esse debate: a psicologia, o direito e a
sociologia, que já estuda as comunidades virtuais. Na
Diversas formas de relações – pessoais, profissionais ou psicologia, não é difícil encontrar profissionais que
comerciais – são travadas via computador por um estão se especializando no tema. Mas o
número expressivo de usuários – nada menos que 694 desconhecimento ainda é predominante. E o
milhões em todo o mundo, segundo estudo da empresa preconceito também. Em São Paulo, um dos pioneiros
ComScore Networks divulgado em junho deste ano. A em estudar a Web é o Núcleo de Pesquisas em
vulnerabilidade para se enganar pessoas, porém, ainda Psicologia e Informática (NPPI), da PUC-SP, fundado em
é um problema usado pela própria mídia contra si 1995, quando o uso da internet era ainda muito restrito
mesma. Por isso, fascina e assusta. Fronteiras físicas e aos ambientes acadêmicos. A unidade surgiu da
ideológicas construídas ao longo de milhares de anos de percepção quanto ao caráter extremamente ágil e
civilização parecem ter ruído num piscar de olhos. Um versátil que a interatividade propiciada pela
mundo de idéias, imagens e informações que
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informatização poderia imprimir ao diálogo invasão de privacidade e infidelidade virtual. Dentre os
clínica/comunidade. casos que muito chamaram a atenção de Rosa Maria
estão aqueles que, via rede, revelam as dificuldades
Rosa Maria Farah, uma das coordenadoras do NPPI, latentes dos relacionamentos. Especialmente nas
observa que a Web não faz com que as pessoas tenham relações amorosas. Estes vêm à tona a partir das
desvio de padrão. “Talvez a formulação mais adequada vivências e no mundo virtual. “A internet não cria
para essa questão seja por que algumas pessoas se ‘novos’ problemas de relacionamento familiar, mas
valem da internet para revelar seu lado mais sombrio?” novas ‘formas de expressão’ para tais problemas ou
A professora lembra que a rede, por si mesma e dificuldades”, observa.
enquanto uma ferramenta, não é capaz de nenhuma
“ação”. Ou seja, não é ela quem revela, mas os sujeitos Professor do Instituto de Psicologia Comportamental de
que, eventualmente, mostram-se por esse meio. “No São Carlos e especializado em internet, psicoterapia e
espaço virtual são as pessoas que agem e se utilizam comunicação mediada pelo computador, Oliver Zancul
das ferramentas oferecidas pela rede, de acordo com a Prado explica que a maneira como o usuário interage
forma como são capazes: para expressar tanto seus com o mundo fica evidente na internet por duas razões
aspectos luminosos quanto os mais sombrios.” principais. Primeira, na rede as coisas ficam registradas.
Ou seja, se alguém em um encontro casual num bar diz
A psicóloga explica que, pela visão da psicologia ter 32 anos e na verdade tem 35, isso não aparece ou
analítica, o que diferencia um do outro é a forma na não tem maiores repercussões, pois é considerada
qual cada usuário lida com esses aspectos menos apenas uma “mentira”. Pelo computador, o que se fala
reconhecidos da personalidade, ou ainda tidos como ou publica fica registrado e é possível verificar e ler
menos “nobres”. A Web pode apenas ser percebida novamente.
como um meio mais ou menos adequado para a
expressão dos seus potenciais, nesta ou naquela A segunda razão, a principal, é o fato de que a
direção. No caso de atos ilícitos ou ilegais, tanto o comunicação se dá a distância, o falante está
“anonimato” quanto a aparente impunidade – fisicamente longe do ouvinte. Implica que as
condições supostamente implícitas a esse ambiente de conseqüências do que se fala não necessariamente
navegação – poderiam ser tão estimulantes quanto serão as mesmas caso se estivesse face a face. “Por isso,
“uma rua escura” possa ser estímulo para alguém se torna-se mais fácil inventar ou manipular informações e
tornar um assaltante. características sem que se perceba alguma
conseqüência significativa em curto prazo.” Prado
Os problemas mais freqüentes que psicólogos, destaca ainda que a criação de personagens é algo que
psicanalistas ou mesmo psiquiatras têm tratado são sempre foi incorporado à vida humana. Antes, porém,
usos abusivos da rede com diferentes versões – chats, estava restrito ao teatro e às obras artísticas. Agora isso
jogos on-line, sexo virtual (vivido de modo exclusivo),
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é feito no dia-a-dia pelo computador. “Não existe nada vista da personalidade ou da censura é ver o problema
de anormal nisso, poderia ser considerado uma de uma maneira muito simplista e não considerar uma
patologia, caso um indivíduo tivesse prejuízos concretos diversidade de implicações disso tudo.
em sua vida em decorrência desses comportamentos.”
Uma oportunidade para quem quer aprofundar na
Prado sugere que se separem as coisas. Os usuários discussão será a realização, entre 15 e 16 de novembro
precisam sim utilizar mecanismos para evitar próximos, do III Seminário Brasileiro de Psicologia e
comportamentos criminosos na internet. Também é Informática (Psicoinfo), organizado pelo Conselho
necessário que reflitam sobre o tipo de informação que Regional de Psicologia de São Paulo. O fórum pretende,
deixam sobre si. “Existe todo um contexto que envolve entre outros objetivos, incentivar a formação de
a perda e a desvalorização da privacidade que deve ser grupos, organizar psicólogos que trabalham na área e
considerado.” Diferente é ter medo excessivo ou incluir profissionais de tecnologia que fazem trabalhos
considerar que a Web é um local de pessoas psicóticas, que têm interface com a psicologia, mas ainda não
sombrias ou nefastas e que não se deve conhecer, interagem com os psicólogos. Serão apresentados
comunicar-se ou se envolver com pessoas via internet. trabalhos de psicólogos aplicados à informática,
“Isso seria mais um medo sem fundamento, pois os serviços via internet, uso da informática na prática
psicóticos, sombrios e nefastos são pessoas e estão profissional, subjetividade e impacto da internet e da
vivendo em nossas sociedades e podem ser tecnologia etc.
encontrados também fora da internet.”
Direito - Na área jurídica, crimes de toda espécie na
Os psicólogos reconhecem o dilema que envolve a internet são hoje desafios não apenas para os
privacidade e o controle da internet. Lembram, no legisladores como para juízes e advogados. “Os
entanto, que, se criminosos planejam crimes ou profissionais da área jurídica ainda não se encontram,
pedófilos trocam fotos via internet com facilidade, a na sua maioria, identificados com o direito e as novas
polícia também tem cada vez mais mecanismos para tecnologias. Por ser dinâmica, a legislação necessita da
localizá-los, uma vez que muitos desses crimes ficam agilidade de todos os atores nas mais diversas searas”,
registrados, com autor. “A questão é muito complexa afirma José Carlos de Araújo Almeida Filho, uma das
para ser pensada sem uma discussão e reflexão maior, maiores autoridades do país no setor. Presidente do
sem pensar nas implicações sociais e futuras”, avalia Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico e professor no
Prado. curso de pós-graduação em direito da informática da
ESA-SP (OAB), é autor do livro A responsabilidade civil
Por enquanto, trata-se apenas de crimes graves, mas e do juiz e manual de informática jurídica e direito da
quanto a cópias de músicas? E quando isso se tratar de informática (Forense, 2005).
opiniões, críticas ou crimes ideológicos ou a privacidade
de figuras públicas? Para ele, analisar isso do ponto de
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Para ele, há crimes já tipificados como pedofilia e mas não vêm sendo tratados como deveriam”, alerta o
estelionato que não necessitam de norma porque o que professor de direito da informática.
muda é o modus operandi. O que mudou foi o objeto, a
forma de praticá-lo. “Todos os profissionais envolvidos O doutor em direito do Estado e mestre em ciências
devem estar atentos às mudanças, desde o penais Túlio Lima Vianna também acredita que os
aparelhamento da polícia até a magistratura, na hora de principais desafios do direito são os velhos de sempre.
aplicar a pena.” E recomenda que o tópico da perícia Ou seja, as novas tecnologias apenas refletem os velhos
forense seja bem examinado, sob pena de se ter crimes dilemas. “Calúnia, difamação e injúria, por exemplo,
sem qualquer solução, ou, quando os tem, correr o podem ser praticadas por meio de um jornal impresso,
risco de denúncias deficientes e sentenças sem eficácia. mas também por um jornal on-line. A internet mudou
“O direito está ‘pronto’ para o desafio. A questão é os meios, mas a estrutura jurídica continua a mesma.”
saber se os operadores também estão.” Viana é autor do livro Fundamentos de direito penal
informático (Forense, 2003), no qual conceitua e
Crimes próprios de informática são poucos, como classifica delitos informáticos, aspectos criminológicos
invasão de computadores e responsabilidade criminal de hackers e crackers e analisa a legislação de mais de
dos blogs e outros sites com informações jornalísticas, dez países, entre outros temas.
uma vez que não se pode aplicar a legislação de
imprensa nestes casos. “A invasão não é um crime em Para modernizar a lei, sugere ele, seria preciso criar um
nosso sistema, daí as condenações serem mais brandas. grupo de juristas para fazer um anteprojeto mais
Seria necessário que o Congresso estivesse atento a técnico que aquele que aguarda votação. Lamenta que
essas novas modalidades, estabelecer previsão expressa não há interesse político para isso. Como a internet, por
no texto legal sobre a negativa de informação em casos sua própria arquitetura, não pode ser controlada, o que
de crimes.” se pode fazer, sugere ele, é criar dificuldades para
potenciais criminosos. “Mas quem estiver mal-
A lentidão dos legisladores para fazer ajustes é um dos intencionado sempre poderá buscar refúgio em um
entraves para o Judiciário brasileiro. O código de provedor em um país com legislação menos rígida.”
processo eletrônico tramita há mais de cinco anos e até
o momento nem sequer foi a plenário para votação. Há Por outro lado, alfineta o advogado, a internet em regra
diversos projetos de lei tramitando no Congresso, mas a é bem mais segura que a maioria das grandes cidades.
morosidade é excessiva. Os prazos não são cumpridos. “É preciso, porém, ter as mínimas cautelas inerentes
“É preciso que a comunidade científica fiscalize a ação quando se trava contato com pessoas desconhecidas. O
do Legislativo nesse sentido. Projetos de lei existem aos que não pode haver é paranóia. Os cuidados com
montes, no que diz respeito à informática e ao direito, contatos por computador são os mesmos que se tem
quando se conhece alguém no metrô.
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