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OPINIÃO
04
PÁG.
Grandes hemorragias e doença capilar
Em Portugal, já tivemos vários colapsos por
bancarrota, qual falência geral por paragem
cardíaca. Analogicamente, a causa tem esta-
do em “hemorragias” conti-
nuadas de grandes e médios
“vasos” e em indizível sofri-
mento subcutâneo e distal, de
origem “capilar”.
Em 2011, esteve iminente
um novo colapso evitado, in
extremis, com a transfusão
de dinheiro fresco adquiri-
do mediante memorando de
entendimento com a Troika,
em que ficaram registados
os tratamentos a seguir. Por
exemplo, dois terços da con-
solidação orçamental seriam
alcançados pelo lado da despesa e o resto pelo
lado da receita. Pois bem, os “cirurgiões” por-
tugueses inverteram a solução e estão a matar
o doente: em 2013, serão 80% pelo lado da
receita e 20% pelo lado da despesa.
As hemorragias de biliões
de euros continuam: com as
PPPs, o BPN, os SWAPs, as
rendas pagas às energéticas,
as recapitalizações de algu-
ma banca, os juros da dívida
externa do Estado e dos pri-
vados (uma dívida que ronda
os 400 biliões), as dívidas
bilionárias e os défices das
empresas públicas de trans-
portes (v.g., a CP teve um
prejuízo de 222,5 milhões em
2012, ainda assim, uma me-
lhoria de 23% em relação a
2011 e com greves que leva-
ram à redução de 7% do trá-
fego programado).
E a solução a ficar cada vez
mais distante, com a imigra-
ção dos jovens, a morosidade do sistema de
justiça, que não da dedicação dos seus agen-
tes, ou o rendimento do trabalho dos gestores
das empresas públicas e de alguns organismos
do Estado a ultrapassar o de instâncias inter-
nacionais de grande projecção e responsabili-
dade. Aliás, nos rankings de
rendimento dos gestores, ba-
temos americanos, franceses,
finlandeses ou suecos, com o
“irrefutável” (e falacioso) ar-
gumento de que é preciso se-
gurar os bons gestores! Como
se “lá fora” lhes pagassem
genericamente mais!...
Ou ainda, o nepotismo dos go-
vernantes quando contratam
especialistas, assessores e
adjuntos sem conhecimentos
nem experiência compatíveis
com as suas funções, em vez
de recorrerem a grandes directores gerais e
aos técnicos superiores do Estado. Sem expe-
riência, aquelas opções obrigam ao dispêndio
de elevadas somas nas encomendas de estudos
a entidades privadas especializadas. E, não
menos importante, induzem
a ausência de memória na ad-
ministração pública.
Pelo lado das doenças da ca-
pilaridade abundam a desci-
da das pensões e reformas, a
precaridade do emprego, um
salário inferior a 50% do re-
gistado como média dos pa-
íses da União Europeia, um
desemprego de 17,7%, o au-
mento para 33,2% do PIB nos
impostos pagos em 2011 (o va-
lor mais alto desde 1995, com
9% no IRS e 13,5% no IRC em
relação a 2010), uma econo-
mia paralela a atingir os 25%
do PIB!...
E nós, de braços cruzados, à
procura de culpados nos vi-
zinhos do lado, sem percebermos que somos
a solução para as doenças de que nos queixa-
mos!...
Nos rankings de
rendimento dos gestores,
batemos americanos,
franceses, finlandeses
ou suecos, com o
“irrefutável” (e falacioso)
argumento de que é
preciso segurar os bons
gestores! Como se “lá
fora” lhes pagassem
genericamente mais!...
Fernando J. Regateiro
Professor catedrático, Faculdade de Medicina,
Universidade de Coimbra
r/com renascença comunicação multimédia, 2013
Fernando J. Regateiro escreve, habitualmente, às quintas-feiras. Ontem,
dificuldades na produção do Página1 impediram a publicação desta crónica
Abundam a descida das
pensões e reformas, a
precaridade do emprego,
um salário inferior a
50% do registado como
média dos países da União
Europeia, um desemprego
de 17,7%, o aumento para
33,2% do PIB nos impostos
pagos em 2011 (o valor
mais alto desde 1995,
com 9% no IRS e 13,5% no
IRC em relação a 2010),
uma economia paralela a
atingir os 25% do PIB!...

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Grandes hemorragias e doença capilar em Portugal

  • 1. OPINIÃO 04 PÁG. Grandes hemorragias e doença capilar Em Portugal, já tivemos vários colapsos por bancarrota, qual falência geral por paragem cardíaca. Analogicamente, a causa tem esta- do em “hemorragias” conti- nuadas de grandes e médios “vasos” e em indizível sofri- mento subcutâneo e distal, de origem “capilar”. Em 2011, esteve iminente um novo colapso evitado, in extremis, com a transfusão de dinheiro fresco adquiri- do mediante memorando de entendimento com a Troika, em que ficaram registados os tratamentos a seguir. Por exemplo, dois terços da con- solidação orçamental seriam alcançados pelo lado da despesa e o resto pelo lado da receita. Pois bem, os “cirurgiões” por- tugueses inverteram a solução e estão a matar o doente: em 2013, serão 80% pelo lado da receita e 20% pelo lado da despesa. As hemorragias de biliões de euros continuam: com as PPPs, o BPN, os SWAPs, as rendas pagas às energéticas, as recapitalizações de algu- ma banca, os juros da dívida externa do Estado e dos pri- vados (uma dívida que ronda os 400 biliões), as dívidas bilionárias e os défices das empresas públicas de trans- portes (v.g., a CP teve um prejuízo de 222,5 milhões em 2012, ainda assim, uma me- lhoria de 23% em relação a 2011 e com greves que leva- ram à redução de 7% do trá- fego programado). E a solução a ficar cada vez mais distante, com a imigra- ção dos jovens, a morosidade do sistema de justiça, que não da dedicação dos seus agen- tes, ou o rendimento do trabalho dos gestores das empresas públicas e de alguns organismos do Estado a ultrapassar o de instâncias inter- nacionais de grande projecção e responsabili- dade. Aliás, nos rankings de rendimento dos gestores, ba- temos americanos, franceses, finlandeses ou suecos, com o “irrefutável” (e falacioso) ar- gumento de que é preciso se- gurar os bons gestores! Como se “lá fora” lhes pagassem genericamente mais!... Ou ainda, o nepotismo dos go- vernantes quando contratam especialistas, assessores e adjuntos sem conhecimentos nem experiência compatíveis com as suas funções, em vez de recorrerem a grandes directores gerais e aos técnicos superiores do Estado. Sem expe- riência, aquelas opções obrigam ao dispêndio de elevadas somas nas encomendas de estudos a entidades privadas especializadas. E, não menos importante, induzem a ausência de memória na ad- ministração pública. Pelo lado das doenças da ca- pilaridade abundam a desci- da das pensões e reformas, a precaridade do emprego, um salário inferior a 50% do re- gistado como média dos pa- íses da União Europeia, um desemprego de 17,7%, o au- mento para 33,2% do PIB nos impostos pagos em 2011 (o va- lor mais alto desde 1995, com 9% no IRS e 13,5% no IRC em relação a 2010), uma econo- mia paralela a atingir os 25% do PIB!... E nós, de braços cruzados, à procura de culpados nos vi- zinhos do lado, sem percebermos que somos a solução para as doenças de que nos queixa- mos!... Nos rankings de rendimento dos gestores, batemos americanos, franceses, finlandeses ou suecos, com o “irrefutável” (e falacioso) argumento de que é preciso segurar os bons gestores! Como se “lá fora” lhes pagassem genericamente mais!... Fernando J. Regateiro Professor catedrático, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra r/com renascença comunicação multimédia, 2013 Fernando J. Regateiro escreve, habitualmente, às quintas-feiras. Ontem, dificuldades na produção do Página1 impediram a publicação desta crónica Abundam a descida das pensões e reformas, a precaridade do emprego, um salário inferior a 50% do registado como média dos países da União Europeia, um desemprego de 17,7%, o aumento para 33,2% do PIB nos impostos pagos em 2011 (o valor mais alto desde 1995, com 9% no IRS e 13,5% no IRC em relação a 2010), uma economia paralela a atingir os 25% do PIB!...