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Disciplina Bioética.

Bioética no Brasil – Problemas
enfrentados. Na Constituição.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira carta política no Brasil a reconhecer
e assegurar expressamente o direito à saúde: a saúde como direito fundamental do
homem, direito social e dever do Estado.
O tema encontra larga difusão no meio jurídico, pois todas as esferas da Federação
apresentam legislação sobre saúde.
Vários são os dispositivos constitucionais que tratam do direito à saúde, podendose mencionar, por exemplo, os seguintes artigos da Constituição Federal de 1988:
6º, 23, inciso II, 24, inciso XII, 196, 197, 198, 199 e 200.
Como direito fundamental, o direito à saúde está inserido no conceito de “dignidade
humana”, princípio basilar da República, previsto no inciso III do artigo 1º da
Constituição Federal, pois não há se falar em dignidade se não houver condições
mínimas de garantia da saúde do indivíduo. Da mesma forma, a proteção do direito à
saúde é manifestada no caput do artigo 5º da Constituição, que preconiza a
inviolabilidade do direito à vida, o mais fundamental dos direitos. Inconciliável,
igualmente, proteger a vida, sem agir da mesma forma com a saúde.
Como direito social, o direito à saúde é o segundo a ser mencionado no caput do artigo
6º da Constituição Federal. Nesta dimensão, a saúde está presente na definição do valor
atribuído ao salário-mínimo, que, segundo o legislador constituinte, deve ser capaz de
atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Novamente vê-se a associação do direito à saúde como uma dos elementos vitais
essenciais do indivíduo e de sua família.
Ainda como direito social, o direito à saúde é assegurado também no artigo 7º da
Constituição Federal, através do inciso XXII, que prevê, como direito do trabalhador, a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança; do inciso XXIII, que estipula um adicional de remuneração para aqueles que
exercerem atividades penosas, insalubres ou perigosas e do inciso XXXIII, que, em
razão da proteção à saúde, proíbe o trabalho de menores em período noturno, atividades
perigosas e insalubres, por se entender, sem exceções, que estes sofreriam sérios
prejuízos se expostos a situações de risco.
O artigo 196, por sua vez, dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”. Assegura-se assim, que a saúde deve ser prestada a
todos que dela necessitem (princípio da universalidade), em igualdade de acesso. A
leitura do dispositivo apresenta a saúde como um direito, que, como vimos, é tanto um
direito fundamental como um direito social, referindo também que a saúde é também
um dever do Estado.
Observam-se uma multiplicidade de diretivas constitucionais voltadas ao direito à
saúde, dispostas nos artigos 196 a 200 da Constituição. Pode-se encontrar desde a
imposição de promoção, pelo poderes públicos, de políticas sócio-econômicas que
visem à redução do risco de doenças e outros agravos, com acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196);
como a remissão da regulamentação, fiscalização e controle dos serviços de saúde
(artigo 197); a criação e fixação de diretrizes do Sistema único de Saúde (artigo 198); a
participação da iniciativa privada, em caráter complementar, na assistência à saúde
(artigo 199) e o estabelecimento de atribuições do Sistema Único de Saúde em caráter
exemplificativo (artigo 200).
Na redação do artigo 193 da constituição é identificável o fator de proteção à saúde,
pois, se a ordem social tem como base o trabalho e como objetivo o bem-estar, este
último somente é obtido com a ausência de agravos à mente e ao corpo. O fato de serem
considerados de relevância pública, pelo artigo 196, torna os serviços de saúde
suscetíveis à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público.
Como vimos, existe larga menção ao tema no âmbito da Constituição Federal. Na
legislação infraconstitucional, a situação não é diferente, existindo inúmeras leis
tratando do direito à saúde. Dentre estas se destacam as Leis Orgânicas da Saúde:
• Lei nº8. 080/90 (sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes);
• Lei nº8. 142/90 (sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema
Único de Saúde – SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde).
Entre as inúmeras Leis Federais que tratam diretamente ou indiretamente de
assuntos relacionados com o setor saúde merecem destaque:
• Lei nº1. 283/50 (sobre inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem
animal (alterada pela Lei nº7. 889/89));
• Lei nº4. 785/65 (sobre fiscalização do comércio e uso de produtos fitos
sanitários);
• Lei nº. 5.991/73 (sobre controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos,
insumos farmacêuticos e correlatos (regulamentada pelo Decreto nº74. 170/74));
• Lei nº. 6.150/74 (sobre obrigatoriedade da iodação do sal (alterada pela Lei nº.
9.005/95));
• Lei nº6. 360/76 (submetem ao sistema de vigilância sanitária os medicamentos,
insumos farmacêuticos, drogas, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros
(regulamentada pelo Decreto nº79. 094/77));
• Lei nº8. 078/90 (Código de Defesa e Proteção do Consumidor);
• Lei nº8. 926/94 (que torna obrigatória a inclusão, nas bulas de medicamentos,
de advertências e recomendações sobre seu uso por pessoas de mais de 65 anos);
• Lei nº9. 029/95 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização,
e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da
relação jurídica de trabalho);
• Lei nº9. 656/98 (sobre planos e seguros privados de saúde);
• Lei 9434 de 4/2/97 que dispõe sobre a remoção de órgãos tecidos e partes do
corpo humano
• Lei 10241 de 17/3/98 que dispõe sobre o direito dos usuários das ações e serviços
de saúde
• Lei nº9. 728/00 (que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, criando
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária);
• Lei nº9. 961/00 (que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS).
• Lei 10781 de 9/3/2001 que define diretrizes para adoção de políticas de
prevenção e atenção integral a pessoa portadora de diabetes.
• Lei 10516 de 11/07/02 que institui a Carteira Nacional da Saúde da Mulher.
O artigo 196, por sua vez, dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”
As três esferas da Federação, União, Estados (incluindo-se o Distrito Federal) e
Municípios possuem competência legislativa no que tange ao direito à saúde.
No artigo 21 da Constituição Federal, que descreve a competência privativa da União,
podem-se notar referências à atuação do ente no âmbito da saúde, por exemplo, nos
incisos IX, XVIII, XX, XXIII, XXIV e XXV. O IX, ao mencionar elaboração e
execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social está prevendo a iniciativa em prol da saúde
individual e coletiva. O inciso XVIII enaltece a proteção da saúde dispondo sobre o
planejamento e promoção da defesa permanente contra calamidades públicas,
especialmente secas e inundações, situações que trazem consigo inúmeras doenças e
epidemias. No inciso XX, observa-se a instituição de diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, transporte urbanos e, no âmbito da saúde, saneamento
básico. Os incisos XXIII, XXIV e XXV, que tratam da competência da União na
organização, execução e fiscalização de atividades nucleares, na inspeção do trabalho e
na garimpagem, estão também voltadas para fatores que muito comprometem a saúde
humana.
No âmbito da competência comum dos entes federados, o artigo 23, em seu inciso II,
prevê a iniciativa de cuidados para com a saúde e assistência pública, sendo, portanto,
dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios zelarem pela saúde da
população. No inciso IX do referido artigo prescreve-se a promoção de programas de
saneamento básico, fator intimamente ligado à saúde. Tessler (1) aduz que o inciso X
“também significa proteção do vetor saúde, pois somente com condições básicas de
garantia de saúde pode-se tentar combater a pobreza”.
Ainda, quanto à competência concorrente, o inciso VI do artigo 24 da Constituição
outorga aos entes federados a prerrogativa de poderem legislar sobre controle de
poluição ambiental, o que, tem significativa relação com o direito à saúde.
O conceito de saúde, como bem observa Dallari (2) é vagamente definido na
Constituição Federal. É nas constituições estaduais, adverte a referida autora, que se
encontrarão limites mais bem definidos e precisos sobre o instituto, ainda que cada uma
delas tenha copiado formalmente alguns dispositivos da Carta Magna.
Assim, por exemplo, quanto aos princípios fundamentais relacionados ao conceito de
direito à saúde, a Constituição do Estado de Santa Catarina (art.153, inc. II), dispôs
sobre a necessidade de “informação sobre o risco de doença ou morte”; a Constituição
Estadual do Espírito Santo traçou a prerrogativa da “opção quanto o tamanho da prole”
(inciso III do artigo 160); a Constituição do Estado de São Paulo previu a “obtenção de
informações e esclarecimentos... (sobre)... as atividades desenvolvidas pelo sistema
(sanitário)” (alínea três, do §único do artigo 219); a Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul, no §2º do seu artigo 263, estabeleceu a associação do “indivíduo, a
família e as instituições e empresas que produzam riscos ou danos à saúde do indivíduo
ou da coletividade” ao dever do estado e do município de garantir o direito à saúde; a
Constituição do Estado do Amazonas, em seu artigo 182, declarou a saúde como direito
de todos, caracterizando-a como “resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, saneamento básico, trabalho, transporte, lazer, acesso e
posse da terra e acesso aos serviços e informações de interesse para a saúde”.
A questão da municipalização da saúde, por exemplo, requer maior conhecimento das
autoridades acerca do tema: competência, tipos de serviços prestados, princípios que
informam, etc. Ressalta-se que, em relação à municipalização da saúde, não é em todos
os Municípios que os gestores encontram-se capacitados ou contam com profissionais
do direito preparados para a Gestão do Sistema de Saúde, de sorte que são comuns as
dúvidas das autoridades municipais em torno do tema.
(1) TESSLER, Marga Inge Barth. “O direito à saúde: a saúde como direito e como
dever na Constituição Federal de 1988”. Revista do Tribunal Federal da 4ª Região,
Porto Alegre, nº40, p.80-81, 2001.
(2) DALLARI, Sueli Gandolfi. “Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde”. São Paulo:
Hucitec, 1995. P.47

A evolução da bioética na constituição.
A revolução terapêutica e, principalmente as manipulações sobre a vida, a utilização do
ser humano e de seus elementos levaram à produção de novas normas jurídicas, sendo
que em certas ocasiões surgem situações emergenciais, até mesmo pelo fato de todas
estas descobertas estarem envolvidas com diversos interesses. Obrigatoriamente
surgiram normas de proteção ao ser humano em seu aspecto psíquico e físico, mudanças
na legislação nacional e internacional, novas interpretações, normas profissionais,
jurisprudências e doutrina. A Bioética se traduz por um conjunto de pesquisas e práticas
pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo
avanço das ciências biomédicas. Nesta abertura, as pesquisas passaram a ter como
resguardo a colaboração de outras áreas, como Antropologia, Sociologia, Filosofia,
Teologia, Psicologia, entre outras. Com o Direito não foi diferente. Descobertas
fundamentais na atuação das ciências biomédicas são hoje examinadas ao lado dos
Direitos Fundamentais devido ao furor da repercussão causada por este tema que
paraleliza o vital equilíbrio entre a vida humana, a ética e os direitos dos cidadãos.
Existem princípios constitucionais e infraconstitucionais baseados na dignidade,
respeito, a inviolabilidade, integridade e proteção ao corpo humano, diante do comércio
que hodiernamente se formou assim como a extra-patrimonialidade do corpo humano, a
exploração para experimentação, a não remuneração ao doador e o seu anonimato, a
exclusão da ligação biológica entre o doador e a criança, o regime aplicável à transfusão
de sangue, a utilização dos órgãos e elementos do corpo humano; a liberdade sexual, a
esterilização, a interrupção da gravidez, a vontade de procriação e sua assistência
médica, a proteção do embrião humano, a filiação do embrião, a regulamentação dos
nascimentos, os efeitos da filiação, a utilização de dados genéticos, a necessidade
terapêutica e as garantias judiciárias.
O Direito Constitucional relaciona-se com a Bioética, pois o profissional da área
jurídica, ao se deparar com as novas indagações surgidas em decorrência das novas
tecnologias, deve sempre garantir os princípios constitucionais, que, na área
humanística, já passou pelos obstáculos que enfrenta a Bioética na atualidade.
Ressalta-se a luta para a garantia dos direitos fundamentais, resguardados nas mais
modernas Constituições do mundo.
A primeira destas garantias a surgir foram os direitos e garantias e individuais e
políticos clássicos, ou direitos e garantias de primeira geração. Surgiu no século XVIII,
tornando-se a base do Estado de Direito, originando o Estado Moderno. Caracterizavase esses princípios pelo lema francês laissez-faire, laissez-passer, (deixar fazer, deixar
passar). Lema que pregava a liberdade de iniciativa das atividades econômicas, e, pelo
contexto histórico, foi transplantado para a Política e para o Direito, surgindo o Estado
Liberal ou Estado de Direito. Era um Estado caracterizado pela total submissão dos
governantes e pela mínima intervenção estatal no domínio econômico, já que qualquer
interferência estatal na autonomia e liberdade dos indivíduos era digna de desconfiança
e tida como uma vedação à liberdade dos cidadãos. O Estado era concebido para
assegurar segurança, garantir a propriedade e praticar os atos dos três
poderes(administrar, legislar e julgar). É dessa época o surgimento do princípio da
legalidade.
Contudo, este modelo de Estado passou a não mais atender aos anseios da população,
pois a evolução desta não para. Após novas lutas, o Estado passar a ter uma nova
concepção. Surge o Estado Social, como ficou conhecido. Surgiu no início do século
XX, mas só se desenvolveu e atingiu seu ápice ao fim da II Grande Guerra.
Caracterizava-se pelo grande intervencionismo estatal em setores que antes eram
reservados aos cidadãos (setores econômicos estratégicos, como siderurgia, energia,
petróleo, o Estado cria empresas, passa a se responsabilizar e a regular as questões entre
patrão e empregado) surgindo os chamados direitos de segunda geração.
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Prontuário médico: requisição da autoridade policial X sigilo médico
Início da vida humana, Lei de Biossegurança e •normas internacionais
Requisição de prontuário médico por delegados de polícia
Resolução do CFM sobre eutanásia é inconstitucional
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Aborto de anencéfalo: religião X direito

A partir do fim da década de 70, este último modelo de Estado encontra-se
defasado. Surge então o último modelo estatal: o Estado Democrático de Direito,
garantido pelos direitos e garantias fundamentais de terceira geração, sem
abandonar as idéias anteriores. Concedeu novos direitos(denominados de direitos
difusos, porque exercidos não mais por pessoas determinadas, mas por uma
coletividade indeterminada), como os direitos ambientais, do consumidor, questões
relativas ao patrimônio histórico-cultural da humanidade, entre outros, ampliando
a noção de cidadania, modificando a relação existente entre sociedade e Estado
(antes sociedade e Estado eram realidades conflitantes e totalmente diversas),
vendo as duas realidades como interdependentes e ligadas por um objetivo
comum: a realização do Direito.
A grande maioria das doutrinas sobre os direitos fundamentais os citam estas três
gerações, que se acumularam durante a evolução do Estado.

A Bioética, trouxe novas discussões, que aos poucos foram sendo normatizadas, no
próprio texto da Constituição, ou mesmo em leis infraconstitucionais. Alguns
especialistas profetizam uma nova geração de direitos fundamentais, que resguardariam
o que pode ser ameaçado com o avanço tecnológico das biociências: o patrimônio
genético humano. Os Direitos Humanos de Quarta Geração traz como possíveis direitos
e garantias a não alteração do patrimônio genético da nossa espécie. No final de 1997, o
primeiro passo para a segurança deste objeto jurídico foi dado, na "Declaração dos
Direitos do Homem e do Genoma Humano", formadas a partir dos resultados do Projeto
Genoma Humano.
Mas este grande projeto é apenas um dos temas abordados pela Bioética. A Constituição
brasileira garante o que já foi conquistado. Os estudos ficam na esfera da interpretação e
aplicabilidade da norma constitucional, principalmente as normas pragmáticas.
Quanto ao Genoma Humano, o texto constitucional o protege, como parte do meio
ambiente (art. 225, parágrafo 1.º, inciso II). Assim, deve-se interpretar que
qualquer manipulação do patrimônio genético é uma forma de interferência ao
meio ambiente.
A relação entre os estudos relativos à ética e às regras constitucionais são infinitas,
podendo dizer que se trata de "combinações matemáticas". Os temas tratados nos
estudos bioéticos (aborto, esterilização, reprodução assistida, genética, técnicas
alternativas de reprodução, acompanhamento do suicídio, morte, operações
transexuais, comercialização e doação de órgãos, a nova teoria da sexualidade,
casamento entre pessoas do mesmo sexo entre outros temas) combinam-se com um
enorme sistema jurídico. Seja ele privado ou público.
Mas a ética é uma disciplina prática. E, apesar da unicidade da Ciência Jurídica, a
análise é constitucional.
Primeiro aspecto a ser apresentado diz respeito à limitação das experiências
biológicas ou médicas, por serem as mesmas as propulsoras de tais discussões.
Como nos ensina Alexandre de Moraes, "a Constituição Federal prevê duas espécies
de pesquisas: científica e tecnológica. A pesquisa científica básica receberá
tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das
ciências. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos
problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e
regional" (Direito Constitucional, Editora Atlas, 1999). Assim, a norma
constitucional consagrou a liberdade de criação científica como um dos direitos
fundamentais, tornando-a, assim, a regra que deve comandar toda atuação na área
das ciências, além do que, conforme o artigo 218 da Constituição Federal, "o
Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológicas". A liberdade de pesquisa é pressuposto da atividade
científica. Não há atividade científica se a pesquisa sofre algum tipo de controle.
Segundo Noberto Bobbio ("A era dos Direitos", Editora Campus), "o direito à
liberdade científica consiste não no direito a professar qualquer verdade científica ou
a não professar nenhuma, mas essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no
processo da investigação científica."
Contudo, isto não significa que a liberdade de pesquisa seja de índole absoluta, como
todo direito fundamental. A limitação desta liberdade da criação científica está nos
outros princípios constitucionais, que poderiam ser objeto de ofensas de extrema
gravidade, se a liberdade de investigação científica fosse considerada ilimitada. A vida,
a integridade física e moral, ou privacidade, por exemplo, que podem ser afetados, pelo
uso de forma inadequada da liberdade de pesquisa. Este limites devem ser
fundamentados adequadamente, respeitando os conceitos morais e religiosos, desde que
não haja preconceito aos avanços tecnológicos.
O direito à vida representa outro aspecto importante na discussão bioética. Este
direito é o mais fundamental de todos os direitos, já que sem ele, a existência dos
outros seriam em vão. O início da vida deve ser definido pelos profissionais das
biociências. Aos juristas cabe apenas a sua aplicação e o enquadramento legal,
como ensinou Thereza Baptista Mattos, em A proteção do nascituro. Segundo o
entendimento da Biologia, a vida começa com a fecundação do óvulo pelo
espermatozóide, formando o zigoto (ovo) e, portanto, o potencial de vida está na
gravidez, já que o embrião ou feto possui uma carga genética própria, e que não se
confunde nem com a carga genética da mãe ou com a do pai. E muitas vezes nem
mesmo existe qualquer semelhança, quando se trata de doação de óvulos ou
espermatozóides. Este aspecto jurídico remete a dois grandes desafios, e de grande
polêmica: o aborto legal e a eutanásia.
O direito ao aborto legal e à sua regulamentação estão em absoluta consonância com a
ordem jurídica brasileira, principalmente nos casos permitidos pelo Direito Penal, ao
contrário do que afirmam alguns juristas, como Hélio Bicudo e Ives Gandra da Silva
Martins, que sustentam que a discussão do aborto legal não tem levado em conta o texto
da Constituição. Afirmam que não houve a recepção pela Constituição de 1988 quanto à
legislação penal concernente a estes casos de gravidez em que o aborto é permitido.
Mas, o mesmo raciocínio se aplica às outras hipóteses de aborto, na medida em que não
o pune quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou em caso de prenhez
resultante de estupro? O porquê de não punir o aborto nessas hipóteses, excluindo o
crime, está na razão de que o valor da vida deve ser conjugado com o valor da dignidade
humana (mesmo o direito à vida não é absoluto). Entendeu o legislador penal que não
seria razoável punir criminalmente uma mulher que sofre risco de vida fatal,
necessitando a interrupção da gravidez, assim como não seria razoável punir
criminalmente uma mulher que já sofreu a traumática e dolorosa violência do estupro,
sendo submetida a um tratamento cruel e degradante. O valor constitucional protegido,
nessas hipóteses, é a vida e a dignidade de tantas mulheres. O aborto legal há de ser
tratado também como uma questão relacionada à cidadania e à saúde pública, e não
apenas como uma questão de segurança pública, mero caso de polícia. Vem a tona outro
direito fundamental, a saúde pública, assegurado pela Carta de 1988.
Com o avanço da medicina, a discussão quanto ao aborto da gravidez resultante de
estupro torna-se ainda mais intensa, pois esta forma de gravidez pode ser evitada com a
chamada "pílula do dia seguinte". É claro que tal procedimento dependerá muito do
caso real, e mais ainda, da existência de dogmas religiosos e morais, que, além do
Direito, são outras fontes reguladoras da vida em sociedade.
A eutanásia, além do direito à vida, trata do direito à integridade da pessoa humana e
sua tutela. Para o jurista Ives Gandra Martins, "o homem não tem o direito de tirar a
vida do seu semelhante, mas desligar aparelhos não é matar. Não há polêmica porque
não há choque nenhum com o direito canônico ou o direito natural. O direito à vida é
se manter vivo com os próprios meios". Os que defendem esta prática, comum em
alguns países e estados norte-americanos, com devidas e particulares restrições, alegam
que doentes incuráveis terão a escolha da morte imediata ou a escolha de uma
expectativa de vida e agonia prolongada. Percebe-se que se trata de argumentos
baseados mais na emoção do que na razão. Por enquanto, a eutanásia,
constitucionalmente e penalmente é proibido no nosso sistema jurídico. A seara está em
seguir um dos princípios fundamentais da nossa República (a dignidade da pessoa
humana, artigo 1.º da Constituição Federal), se considerarmos os propósitos da
eutanásia digna, ou garantir o direito à vida, se não considerarmos o direito de morrer
parte deste direito fundamental. Caso uma nova visão desta prática domine nosso
sistema jurídico, infraconstitucionalmente deverá ocorrer uma revolução nas nossas
normas, pois as conseqüências são inúmeras, seja no Direito Penal, no Direito de
Família, das Sucessões, ou entre outros institutos jurídicos.
A Constituição Federal do Brasil estabelece, em seu capítulo referente aos Direitos e
Garantias Fundamentais, que a vida e também a integridade física, são bens
indisponíveis, imprescritíveis, insuscetíveis de alienação. Ninguém poderá deles dispor,
porém traz algumas exceções. A Constituição Federal permite o transplante de órgãos,
no parágrafo 4.º do artigo 199, ofertando diretrizes para a sua realização, assim como
para a transfusão de sangue.
A tutela jurisdicional alcança a integridade física do ser humano e muito se questiona
sobre a faculdade que possui o indivíduo de doar seus membros ou órgãos do corpo,
faculdade esta assegurada por lei. Quanto a isso, muito se discutiu, até mesmo existindo
uma teoria que esse direito constituir-se-ia em um direito de propriedade. Ultimamente,
este ponto de vista não vem encontrando bases entre os juristas, que não mais aceitam a
idéia de que cada um de nós possui um direito de propriedade sobre o próprio corpo.
Ihering, em seus ensinamentos, já o negava. Um dos principais argumentos dos
opositores à teoria da propriedade sobre o próprio corpo está no fato de que o
proprietário de uma coisa tem o poder de disposição plena sobre a mesma, podendo
mutilá-lo, ou destruí-lo, estando também, conseqüentemente, autorizada a extrema
diminuição da sua integridade física que se traduziria na perda da própria vida. Estaria,
desse modo, autorizado o suicídio, ou mesmo a prática da eutanásia. Portanto, não se
confunde, pois, o direito à integridade física com o poder de disposição que o
proprietário possui em relação à coisa que lhe pertence, objeto de seu direito. Não
possui o indivíduo, em relação ao próprio corpo, um ius utendi, um ius fruendi e um ius
abutendi como possuiria em relação a um bem de sua propriedade.
A Lei n.º 9.434/97 disciplina a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano a
partir da presunção de autorização na ausência de manifestação em contrário. A lei
estabelece que ao homem é lícita a doação de órgãos, tecidos ou partes do corpo para
fins de transplante (art. 199, parágrafo 4.º da Constituição Federal e Lei 9434/97).
"Para fins de transplante".
Mas, como fica as doações de óvulos e espermatozóides? Será este um procedimento
que fere o texto constitucional? O texto Constitucional e mesmo a lei específica não
dispõem acerca da doação de espermatozóides ou óvulos. Importante se indagar se o
objeto deste contrato firmado em Clínicas Particulares, especializadas neste tipo de
procedimento, é legal e não agride o direito indisponível à vida. Entende-se que esta
doação é perfeitamente possível, posto que a legislação brasileira só admite que há vida
quando o óvulo é fecundado e passa à condição de feto. Não havendo qualquer
disparidade quanto ao texto legal, é mister ressaltar que a legislação referente a doações
reza ainda que estas deverão ser gratuitas, mas o que tem ocorrido, muitas vezes é
justamente o contrário. A realidade tem mostrado que poucos são os que têm acesso a
estes métodos, em virtude dos altos custos do tratamento, fazendo com que esta doação
perca as características próprias deste instituto, para assumir a posição de contrato
oneroso estabelecido entre as partes, realizando, assim, uma verdadeira
comercialização. E, mesmo não se tendo, ainda, a vida ou o potencial de vida, não
seriam partes do corpo humano estas células? E sendo assim, a inseminação artificial é
uma modalidade de doação?
Há opiniões de que a Lei 9434/97 é inconstitucional, por não respeitar o princípio
fundamental do pluralismo político. O respeito ao pluralismo faria com que, por
exemplo, a lei que dispusesse sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano criasse um sistema eficaz de registro de doações e de realização de transplantes,
auxiliado por programas permanentes de informação sobre doações de órgãos, tecidos e
partes do corpo humano. Isso permitiria aos interessados em fazer doações agirem
completamente esclarecidos e possibilitaria, também, que aqueles que não estivessem
esclarecidos sobre o fato tivessem seu direito à autodeterminação respeitado. Mas
asseguraria, principalmente, que ninguém seria discriminado caso optasse por não ser
doador. De todo modo, nunca a forma adotada por essa lei, transformando em doadores
todos aqueles que deixarem de gravar a expressão "não-doador de órgãos e tecidos" em
seus documentos de identidade, será compatível com o pluralismo, pois se trata da
forma mais restritiva, que consagra uma determinada posição moral como a única
juridicamente aceita.
Todos esses temas, como outros, e que têm conseqüências semelhantes às que foram
apresentadas, são relevantes na atualidade, mas o princípio que deve nortear as
discussões é o que diz respeito ao direito natural, voltado exclusivamente para a
dignidade do ser humano. Cabe ao Estado preservar esse direito, já que o ser humano é
o verdadeiro destinatário da ordem social e jurídica de cada país. Os seus contornos
jurídicos são delineados pela Constituição, diante de um complexo sistema valorativo,
que poderão ser mudados conforme as conclusões dos estudos da Bioética.
Leia
mais:
http://jus.com.br/artigos/1841/estudos-da-bioetica-e-o-sistemaconstitucional-brasileiro#ixzz2tpIam5um

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Disciplina bioética topicos da aula 20.02.14

  • 1. Disciplina Bioética. Bioética no Brasil – Problemas enfrentados. Na Constituição. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira carta política no Brasil a reconhecer e assegurar expressamente o direito à saúde: a saúde como direito fundamental do homem, direito social e dever do Estado. O tema encontra larga difusão no meio jurídico, pois todas as esferas da Federação apresentam legislação sobre saúde. Vários são os dispositivos constitucionais que tratam do direito à saúde, podendose mencionar, por exemplo, os seguintes artigos da Constituição Federal de 1988: 6º, 23, inciso II, 24, inciso XII, 196, 197, 198, 199 e 200. Como direito fundamental, o direito à saúde está inserido no conceito de “dignidade humana”, princípio basilar da República, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, pois não há se falar em dignidade se não houver condições mínimas de garantia da saúde do indivíduo. Da mesma forma, a proteção do direito à saúde é manifestada no caput do artigo 5º da Constituição, que preconiza a inviolabilidade do direito à vida, o mais fundamental dos direitos. Inconciliável, igualmente, proteger a vida, sem agir da mesma forma com a saúde. Como direito social, o direito à saúde é o segundo a ser mencionado no caput do artigo 6º da Constituição Federal. Nesta dimensão, a saúde está presente na definição do valor atribuído ao salário-mínimo, que, segundo o legislador constituinte, deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Novamente vê-se a associação do direito à saúde como uma dos elementos vitais essenciais do indivíduo e de sua família. Ainda como direito social, o direito à saúde é assegurado também no artigo 7º da Constituição Federal, através do inciso XXII, que prevê, como direito do trabalhador, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
  • 2. segurança; do inciso XXIII, que estipula um adicional de remuneração para aqueles que exercerem atividades penosas, insalubres ou perigosas e do inciso XXXIII, que, em razão da proteção à saúde, proíbe o trabalho de menores em período noturno, atividades perigosas e insalubres, por se entender, sem exceções, que estes sofreriam sérios prejuízos se expostos a situações de risco. O artigo 196, por sua vez, dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assegura-se assim, que a saúde deve ser prestada a todos que dela necessitem (princípio da universalidade), em igualdade de acesso. A leitura do dispositivo apresenta a saúde como um direito, que, como vimos, é tanto um direito fundamental como um direito social, referindo também que a saúde é também um dever do Estado. Observam-se uma multiplicidade de diretivas constitucionais voltadas ao direito à saúde, dispostas nos artigos 196 a 200 da Constituição. Pode-se encontrar desde a imposição de promoção, pelo poderes públicos, de políticas sócio-econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, com acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196); como a remissão da regulamentação, fiscalização e controle dos serviços de saúde (artigo 197); a criação e fixação de diretrizes do Sistema único de Saúde (artigo 198); a participação da iniciativa privada, em caráter complementar, na assistência à saúde (artigo 199) e o estabelecimento de atribuições do Sistema Único de Saúde em caráter exemplificativo (artigo 200). Na redação do artigo 193 da constituição é identificável o fator de proteção à saúde, pois, se a ordem social tem como base o trabalho e como objetivo o bem-estar, este último somente é obtido com a ausência de agravos à mente e ao corpo. O fato de serem considerados de relevância pública, pelo artigo 196, torna os serviços de saúde suscetíveis à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público. Como vimos, existe larga menção ao tema no âmbito da Constituição Federal. Na legislação infraconstitucional, a situação não é diferente, existindo inúmeras leis tratando do direito à saúde. Dentre estas se destacam as Leis Orgânicas da Saúde: • Lei nº8. 080/90 (sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes); • Lei nº8. 142/90 (sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde).
  • 3. Entre as inúmeras Leis Federais que tratam diretamente ou indiretamente de assuntos relacionados com o setor saúde merecem destaque: • Lei nº1. 283/50 (sobre inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal (alterada pela Lei nº7. 889/89)); • Lei nº4. 785/65 (sobre fiscalização do comércio e uso de produtos fitos sanitários); • Lei nº. 5.991/73 (sobre controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos (regulamentada pelo Decreto nº74. 170/74)); • Lei nº. 6.150/74 (sobre obrigatoriedade da iodação do sal (alterada pela Lei nº. 9.005/95)); • Lei nº6. 360/76 (submetem ao sistema de vigilância sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros (regulamentada pelo Decreto nº79. 094/77)); • Lei nº8. 078/90 (Código de Defesa e Proteção do Consumidor); • Lei nº8. 926/94 (que torna obrigatória a inclusão, nas bulas de medicamentos, de advertências e recomendações sobre seu uso por pessoas de mais de 65 anos); • Lei nº9. 029/95 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho); • Lei nº9. 656/98 (sobre planos e seguros privados de saúde); • Lei 9434 de 4/2/97 que dispõe sobre a remoção de órgãos tecidos e partes do corpo humano • Lei 10241 de 17/3/98 que dispõe sobre o direito dos usuários das ações e serviços de saúde • Lei nº9. 728/00 (que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, criando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária); • Lei nº9. 961/00 (que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS). • Lei 10781 de 9/3/2001 que define diretrizes para adoção de políticas de prevenção e atenção integral a pessoa portadora de diabetes.
  • 4. • Lei 10516 de 11/07/02 que institui a Carteira Nacional da Saúde da Mulher. O artigo 196, por sua vez, dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” As três esferas da Federação, União, Estados (incluindo-se o Distrito Federal) e Municípios possuem competência legislativa no que tange ao direito à saúde. No artigo 21 da Constituição Federal, que descreve a competência privativa da União, podem-se notar referências à atuação do ente no âmbito da saúde, por exemplo, nos incisos IX, XVIII, XX, XXIII, XXIV e XXV. O IX, ao mencionar elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social está prevendo a iniciativa em prol da saúde individual e coletiva. O inciso XVIII enaltece a proteção da saúde dispondo sobre o planejamento e promoção da defesa permanente contra calamidades públicas, especialmente secas e inundações, situações que trazem consigo inúmeras doenças e epidemias. No inciso XX, observa-se a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, transporte urbanos e, no âmbito da saúde, saneamento básico. Os incisos XXIII, XXIV e XXV, que tratam da competência da União na organização, execução e fiscalização de atividades nucleares, na inspeção do trabalho e na garimpagem, estão também voltadas para fatores que muito comprometem a saúde humana. No âmbito da competência comum dos entes federados, o artigo 23, em seu inciso II, prevê a iniciativa de cuidados para com a saúde e assistência pública, sendo, portanto, dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios zelarem pela saúde da população. No inciso IX do referido artigo prescreve-se a promoção de programas de saneamento básico, fator intimamente ligado à saúde. Tessler (1) aduz que o inciso X “também significa proteção do vetor saúde, pois somente com condições básicas de garantia de saúde pode-se tentar combater a pobreza”. Ainda, quanto à competência concorrente, o inciso VI do artigo 24 da Constituição outorga aos entes federados a prerrogativa de poderem legislar sobre controle de poluição ambiental, o que, tem significativa relação com o direito à saúde. O conceito de saúde, como bem observa Dallari (2) é vagamente definido na Constituição Federal. É nas constituições estaduais, adverte a referida autora, que se encontrarão limites mais bem definidos e precisos sobre o instituto, ainda que cada uma delas tenha copiado formalmente alguns dispositivos da Carta Magna. Assim, por exemplo, quanto aos princípios fundamentais relacionados ao conceito de direito à saúde, a Constituição do Estado de Santa Catarina (art.153, inc. II), dispôs
  • 5. sobre a necessidade de “informação sobre o risco de doença ou morte”; a Constituição Estadual do Espírito Santo traçou a prerrogativa da “opção quanto o tamanho da prole” (inciso III do artigo 160); a Constituição do Estado de São Paulo previu a “obtenção de informações e esclarecimentos... (sobre)... as atividades desenvolvidas pelo sistema (sanitário)” (alínea três, do §único do artigo 219); a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no §2º do seu artigo 263, estabeleceu a associação do “indivíduo, a família e as instituições e empresas que produzam riscos ou danos à saúde do indivíduo ou da coletividade” ao dever do estado e do município de garantir o direito à saúde; a Constituição do Estado do Amazonas, em seu artigo 182, declarou a saúde como direito de todos, caracterizando-a como “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, saneamento básico, trabalho, transporte, lazer, acesso e posse da terra e acesso aos serviços e informações de interesse para a saúde”. A questão da municipalização da saúde, por exemplo, requer maior conhecimento das autoridades acerca do tema: competência, tipos de serviços prestados, princípios que informam, etc. Ressalta-se que, em relação à municipalização da saúde, não é em todos os Municípios que os gestores encontram-se capacitados ou contam com profissionais do direito preparados para a Gestão do Sistema de Saúde, de sorte que são comuns as dúvidas das autoridades municipais em torno do tema. (1) TESSLER, Marga Inge Barth. “O direito à saúde: a saúde como direito e como dever na Constituição Federal de 1988”. Revista do Tribunal Federal da 4ª Região, Porto Alegre, nº40, p.80-81, 2001. (2) DALLARI, Sueli Gandolfi. “Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde”. São Paulo: Hucitec, 1995. P.47 A evolução da bioética na constituição. A revolução terapêutica e, principalmente as manipulações sobre a vida, a utilização do ser humano e de seus elementos levaram à produção de novas normas jurídicas, sendo que em certas ocasiões surgem situações emergenciais, até mesmo pelo fato de todas estas descobertas estarem envolvidas com diversos interesses. Obrigatoriamente surgiram normas de proteção ao ser humano em seu aspecto psíquico e físico, mudanças na legislação nacional e internacional, novas interpretações, normas profissionais, jurisprudências e doutrina. A Bioética se traduz por um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço das ciências biomédicas. Nesta abertura, as pesquisas passaram a ter como resguardo a colaboração de outras áreas, como Antropologia, Sociologia, Filosofia,
  • 6. Teologia, Psicologia, entre outras. Com o Direito não foi diferente. Descobertas fundamentais na atuação das ciências biomédicas são hoje examinadas ao lado dos Direitos Fundamentais devido ao furor da repercussão causada por este tema que paraleliza o vital equilíbrio entre a vida humana, a ética e os direitos dos cidadãos. Existem princípios constitucionais e infraconstitucionais baseados na dignidade, respeito, a inviolabilidade, integridade e proteção ao corpo humano, diante do comércio que hodiernamente se formou assim como a extra-patrimonialidade do corpo humano, a exploração para experimentação, a não remuneração ao doador e o seu anonimato, a exclusão da ligação biológica entre o doador e a criança, o regime aplicável à transfusão de sangue, a utilização dos órgãos e elementos do corpo humano; a liberdade sexual, a esterilização, a interrupção da gravidez, a vontade de procriação e sua assistência médica, a proteção do embrião humano, a filiação do embrião, a regulamentação dos nascimentos, os efeitos da filiação, a utilização de dados genéticos, a necessidade terapêutica e as garantias judiciárias. O Direito Constitucional relaciona-se com a Bioética, pois o profissional da área jurídica, ao se deparar com as novas indagações surgidas em decorrência das novas tecnologias, deve sempre garantir os princípios constitucionais, que, na área humanística, já passou pelos obstáculos que enfrenta a Bioética na atualidade. Ressalta-se a luta para a garantia dos direitos fundamentais, resguardados nas mais modernas Constituições do mundo. A primeira destas garantias a surgir foram os direitos e garantias e individuais e políticos clássicos, ou direitos e garantias de primeira geração. Surgiu no século XVIII, tornando-se a base do Estado de Direito, originando o Estado Moderno. Caracterizavase esses princípios pelo lema francês laissez-faire, laissez-passer, (deixar fazer, deixar passar). Lema que pregava a liberdade de iniciativa das atividades econômicas, e, pelo contexto histórico, foi transplantado para a Política e para o Direito, surgindo o Estado Liberal ou Estado de Direito. Era um Estado caracterizado pela total submissão dos governantes e pela mínima intervenção estatal no domínio econômico, já que qualquer interferência estatal na autonomia e liberdade dos indivíduos era digna de desconfiança e tida como uma vedação à liberdade dos cidadãos. O Estado era concebido para assegurar segurança, garantir a propriedade e praticar os atos dos três poderes(administrar, legislar e julgar). É dessa época o surgimento do princípio da legalidade. Contudo, este modelo de Estado passou a não mais atender aos anseios da população, pois a evolução desta não para. Após novas lutas, o Estado passar a ter uma nova concepção. Surge o Estado Social, como ficou conhecido. Surgiu no início do século XX, mas só se desenvolveu e atingiu seu ápice ao fim da II Grande Guerra. Caracterizava-se pelo grande intervencionismo estatal em setores que antes eram reservados aos cidadãos (setores econômicos estratégicos, como siderurgia, energia, petróleo, o Estado cria empresas, passa a se responsabilizar e a regular as questões entre patrão e empregado) surgindo os chamados direitos de segunda geração. Textos relacionados     Prontuário médico: requisição da autoridade policial X sigilo médico Início da vida humana, Lei de Biossegurança e •normas internacionais Requisição de prontuário médico por delegados de polícia Resolução do CFM sobre eutanásia é inconstitucional
  • 7.  Aborto de anencéfalo: religião X direito A partir do fim da década de 70, este último modelo de Estado encontra-se defasado. Surge então o último modelo estatal: o Estado Democrático de Direito, garantido pelos direitos e garantias fundamentais de terceira geração, sem abandonar as idéias anteriores. Concedeu novos direitos(denominados de direitos difusos, porque exercidos não mais por pessoas determinadas, mas por uma coletividade indeterminada), como os direitos ambientais, do consumidor, questões relativas ao patrimônio histórico-cultural da humanidade, entre outros, ampliando a noção de cidadania, modificando a relação existente entre sociedade e Estado (antes sociedade e Estado eram realidades conflitantes e totalmente diversas), vendo as duas realidades como interdependentes e ligadas por um objetivo comum: a realização do Direito. A grande maioria das doutrinas sobre os direitos fundamentais os citam estas três gerações, que se acumularam durante a evolução do Estado. A Bioética, trouxe novas discussões, que aos poucos foram sendo normatizadas, no próprio texto da Constituição, ou mesmo em leis infraconstitucionais. Alguns especialistas profetizam uma nova geração de direitos fundamentais, que resguardariam o que pode ser ameaçado com o avanço tecnológico das biociências: o patrimônio genético humano. Os Direitos Humanos de Quarta Geração traz como possíveis direitos e garantias a não alteração do patrimônio genético da nossa espécie. No final de 1997, o primeiro passo para a segurança deste objeto jurídico foi dado, na "Declaração dos Direitos do Homem e do Genoma Humano", formadas a partir dos resultados do Projeto Genoma Humano. Mas este grande projeto é apenas um dos temas abordados pela Bioética. A Constituição brasileira garante o que já foi conquistado. Os estudos ficam na esfera da interpretação e aplicabilidade da norma constitucional, principalmente as normas pragmáticas. Quanto ao Genoma Humano, o texto constitucional o protege, como parte do meio ambiente (art. 225, parágrafo 1.º, inciso II). Assim, deve-se interpretar que qualquer manipulação do patrimônio genético é uma forma de interferência ao meio ambiente. A relação entre os estudos relativos à ética e às regras constitucionais são infinitas, podendo dizer que se trata de "combinações matemáticas". Os temas tratados nos estudos bioéticos (aborto, esterilização, reprodução assistida, genética, técnicas alternativas de reprodução, acompanhamento do suicídio, morte, operações transexuais, comercialização e doação de órgãos, a nova teoria da sexualidade, casamento entre pessoas do mesmo sexo entre outros temas) combinam-se com um enorme sistema jurídico. Seja ele privado ou público. Mas a ética é uma disciplina prática. E, apesar da unicidade da Ciência Jurídica, a análise é constitucional. Primeiro aspecto a ser apresentado diz respeito à limitação das experiências biológicas ou médicas, por serem as mesmas as propulsoras de tais discussões. Como nos ensina Alexandre de Moraes, "a Constituição Federal prevê duas espécies de pesquisas: científica e tecnológica. A pesquisa científica básica receberá
  • 8. tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional" (Direito Constitucional, Editora Atlas, 1999). Assim, a norma constitucional consagrou a liberdade de criação científica como um dos direitos fundamentais, tornando-a, assim, a regra que deve comandar toda atuação na área das ciências, além do que, conforme o artigo 218 da Constituição Federal, "o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas". A liberdade de pesquisa é pressuposto da atividade científica. Não há atividade científica se a pesquisa sofre algum tipo de controle. Segundo Noberto Bobbio ("A era dos Direitos", Editora Campus), "o direito à liberdade científica consiste não no direito a professar qualquer verdade científica ou a não professar nenhuma, mas essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no processo da investigação científica." Contudo, isto não significa que a liberdade de pesquisa seja de índole absoluta, como todo direito fundamental. A limitação desta liberdade da criação científica está nos outros princípios constitucionais, que poderiam ser objeto de ofensas de extrema gravidade, se a liberdade de investigação científica fosse considerada ilimitada. A vida, a integridade física e moral, ou privacidade, por exemplo, que podem ser afetados, pelo uso de forma inadequada da liberdade de pesquisa. Este limites devem ser fundamentados adequadamente, respeitando os conceitos morais e religiosos, desde que não haja preconceito aos avanços tecnológicos. O direito à vida representa outro aspecto importante na discussão bioética. Este direito é o mais fundamental de todos os direitos, já que sem ele, a existência dos outros seriam em vão. O início da vida deve ser definido pelos profissionais das biociências. Aos juristas cabe apenas a sua aplicação e o enquadramento legal, como ensinou Thereza Baptista Mattos, em A proteção do nascituro. Segundo o entendimento da Biologia, a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, formando o zigoto (ovo) e, portanto, o potencial de vida está na gravidez, já que o embrião ou feto possui uma carga genética própria, e que não se confunde nem com a carga genética da mãe ou com a do pai. E muitas vezes nem mesmo existe qualquer semelhança, quando se trata de doação de óvulos ou espermatozóides. Este aspecto jurídico remete a dois grandes desafios, e de grande polêmica: o aborto legal e a eutanásia. O direito ao aborto legal e à sua regulamentação estão em absoluta consonância com a ordem jurídica brasileira, principalmente nos casos permitidos pelo Direito Penal, ao contrário do que afirmam alguns juristas, como Hélio Bicudo e Ives Gandra da Silva Martins, que sustentam que a discussão do aborto legal não tem levado em conta o texto da Constituição. Afirmam que não houve a recepção pela Constituição de 1988 quanto à legislação penal concernente a estes casos de gravidez em que o aborto é permitido. Mas, o mesmo raciocínio se aplica às outras hipóteses de aborto, na medida em que não o pune quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou em caso de prenhez resultante de estupro? O porquê de não punir o aborto nessas hipóteses, excluindo o crime, está na razão de que o valor da vida deve ser conjugado com o valor da dignidade humana (mesmo o direito à vida não é absoluto). Entendeu o legislador penal que não seria razoável punir criminalmente uma mulher que sofre risco de vida fatal, necessitando a interrupção da gravidez, assim como não seria razoável punir criminalmente uma mulher que já sofreu a traumática e dolorosa violência do estupro,
  • 9. sendo submetida a um tratamento cruel e degradante. O valor constitucional protegido, nessas hipóteses, é a vida e a dignidade de tantas mulheres. O aborto legal há de ser tratado também como uma questão relacionada à cidadania e à saúde pública, e não apenas como uma questão de segurança pública, mero caso de polícia. Vem a tona outro direito fundamental, a saúde pública, assegurado pela Carta de 1988. Com o avanço da medicina, a discussão quanto ao aborto da gravidez resultante de estupro torna-se ainda mais intensa, pois esta forma de gravidez pode ser evitada com a chamada "pílula do dia seguinte". É claro que tal procedimento dependerá muito do caso real, e mais ainda, da existência de dogmas religiosos e morais, que, além do Direito, são outras fontes reguladoras da vida em sociedade. A eutanásia, além do direito à vida, trata do direito à integridade da pessoa humana e sua tutela. Para o jurista Ives Gandra Martins, "o homem não tem o direito de tirar a vida do seu semelhante, mas desligar aparelhos não é matar. Não há polêmica porque não há choque nenhum com o direito canônico ou o direito natural. O direito à vida é se manter vivo com os próprios meios". Os que defendem esta prática, comum em alguns países e estados norte-americanos, com devidas e particulares restrições, alegam que doentes incuráveis terão a escolha da morte imediata ou a escolha de uma expectativa de vida e agonia prolongada. Percebe-se que se trata de argumentos baseados mais na emoção do que na razão. Por enquanto, a eutanásia, constitucionalmente e penalmente é proibido no nosso sistema jurídico. A seara está em seguir um dos princípios fundamentais da nossa República (a dignidade da pessoa humana, artigo 1.º da Constituição Federal), se considerarmos os propósitos da eutanásia digna, ou garantir o direito à vida, se não considerarmos o direito de morrer parte deste direito fundamental. Caso uma nova visão desta prática domine nosso sistema jurídico, infraconstitucionalmente deverá ocorrer uma revolução nas nossas normas, pois as conseqüências são inúmeras, seja no Direito Penal, no Direito de Família, das Sucessões, ou entre outros institutos jurídicos. A Constituição Federal do Brasil estabelece, em seu capítulo referente aos Direitos e Garantias Fundamentais, que a vida e também a integridade física, são bens indisponíveis, imprescritíveis, insuscetíveis de alienação. Ninguém poderá deles dispor, porém traz algumas exceções. A Constituição Federal permite o transplante de órgãos, no parágrafo 4.º do artigo 199, ofertando diretrizes para a sua realização, assim como para a transfusão de sangue. A tutela jurisdicional alcança a integridade física do ser humano e muito se questiona sobre a faculdade que possui o indivíduo de doar seus membros ou órgãos do corpo, faculdade esta assegurada por lei. Quanto a isso, muito se discutiu, até mesmo existindo uma teoria que esse direito constituir-se-ia em um direito de propriedade. Ultimamente, este ponto de vista não vem encontrando bases entre os juristas, que não mais aceitam a idéia de que cada um de nós possui um direito de propriedade sobre o próprio corpo. Ihering, em seus ensinamentos, já o negava. Um dos principais argumentos dos opositores à teoria da propriedade sobre o próprio corpo está no fato de que o proprietário de uma coisa tem o poder de disposição plena sobre a mesma, podendo mutilá-lo, ou destruí-lo, estando também, conseqüentemente, autorizada a extrema diminuição da sua integridade física que se traduziria na perda da própria vida. Estaria, desse modo, autorizado o suicídio, ou mesmo a prática da eutanásia. Portanto, não se confunde, pois, o direito à integridade física com o poder de disposição que o proprietário possui em relação à coisa que lhe pertence, objeto de seu direito. Não
  • 10. possui o indivíduo, em relação ao próprio corpo, um ius utendi, um ius fruendi e um ius abutendi como possuiria em relação a um bem de sua propriedade. A Lei n.º 9.434/97 disciplina a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano a partir da presunção de autorização na ausência de manifestação em contrário. A lei estabelece que ao homem é lícita a doação de órgãos, tecidos ou partes do corpo para fins de transplante (art. 199, parágrafo 4.º da Constituição Federal e Lei 9434/97). "Para fins de transplante". Mas, como fica as doações de óvulos e espermatozóides? Será este um procedimento que fere o texto constitucional? O texto Constitucional e mesmo a lei específica não dispõem acerca da doação de espermatozóides ou óvulos. Importante se indagar se o objeto deste contrato firmado em Clínicas Particulares, especializadas neste tipo de procedimento, é legal e não agride o direito indisponível à vida. Entende-se que esta doação é perfeitamente possível, posto que a legislação brasileira só admite que há vida quando o óvulo é fecundado e passa à condição de feto. Não havendo qualquer disparidade quanto ao texto legal, é mister ressaltar que a legislação referente a doações reza ainda que estas deverão ser gratuitas, mas o que tem ocorrido, muitas vezes é justamente o contrário. A realidade tem mostrado que poucos são os que têm acesso a estes métodos, em virtude dos altos custos do tratamento, fazendo com que esta doação perca as características próprias deste instituto, para assumir a posição de contrato oneroso estabelecido entre as partes, realizando, assim, uma verdadeira comercialização. E, mesmo não se tendo, ainda, a vida ou o potencial de vida, não seriam partes do corpo humano estas células? E sendo assim, a inseminação artificial é uma modalidade de doação? Há opiniões de que a Lei 9434/97 é inconstitucional, por não respeitar o princípio fundamental do pluralismo político. O respeito ao pluralismo faria com que, por exemplo, a lei que dispusesse sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano criasse um sistema eficaz de registro de doações e de realização de transplantes, auxiliado por programas permanentes de informação sobre doações de órgãos, tecidos e partes do corpo humano. Isso permitiria aos interessados em fazer doações agirem completamente esclarecidos e possibilitaria, também, que aqueles que não estivessem esclarecidos sobre o fato tivessem seu direito à autodeterminação respeitado. Mas asseguraria, principalmente, que ninguém seria discriminado caso optasse por não ser doador. De todo modo, nunca a forma adotada por essa lei, transformando em doadores todos aqueles que deixarem de gravar a expressão "não-doador de órgãos e tecidos" em seus documentos de identidade, será compatível com o pluralismo, pois se trata da forma mais restritiva, que consagra uma determinada posição moral como a única juridicamente aceita. Todos esses temas, como outros, e que têm conseqüências semelhantes às que foram apresentadas, são relevantes na atualidade, mas o princípio que deve nortear as discussões é o que diz respeito ao direito natural, voltado exclusivamente para a dignidade do ser humano. Cabe ao Estado preservar esse direito, já que o ser humano é o verdadeiro destinatário da ordem social e jurídica de cada país. Os seus contornos jurídicos são delineados pela Constituição, diante de um complexo sistema valorativo, que poderão ser mudados conforme as conclusões dos estudos da Bioética.