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Olhar de Professor
Universidade Estadual de Ponta Grossa
olhardeprofessor@uepg.br
ISSN (Versión impresa): 1518-5648
BRASIL




                                                    2004
                                                Taís Ferreira
                   PROBLEMATIZANDO UMA ESTRATÉGIA MULTIMETODOLÓGICA DE PESQUISA
                                        EM TEATRO E EDUCAÇÃO
                                 Olhar de Professor, año/vol. 7, número 001
                                   Universidade Estadual de Ponta Grossa
                                            Ponta Grossa, Brasil
                                                 pp. 43-66




            Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

                           Universidad Autónoma del Estado de México

                                      http://redalyc.uaemex.mx
Problematizando uma Estratégia
  Multimetodológica de Pesquisa em Teatro
                e Educação1

     Problematizing A multimethodological
      Research’s Strategy In Theater And
                  Education

                                                                        Taís Ferreira*


                                         RESUMO

     Neste artigo, que se caracteriza como um recorte de minha dissertação de mestrado,
reflito acerca das escolhas metodológicas que compuseram o estudo empírico de recep-
ção que propus junto a um grupo de crianças espectadoras de teatro infantil. Subdivido
a escrita em quatro seções que contemplem alguns dos procedimentos metodológicos
implicados na construção da estratégia multimetodológica traçada. Na primeira, discor-
ro sobre a inspiração de cunho etnográfico que baliza alguns fazeres em campo junto às
crianças e também os olhares constituídos por mim junto a elas. Também descrevo os
sujeitos e contextos envolvidos na pesquisa de campo. Na seguinte, falo do lugar que
considero como meu, enquanto professoratriz de teatro: do uso dos jogos teatrais como
metodologia que possibilitaria, a partir de uma linguagem que não a oral, e sim a gestual
e cisnestésica, a invenção de dados e materialidade empírica profícuos à pesquisadora e
ao tema-objeto centrado no teatral. A proposta de coletar desenhos e registros gráficos
das crianças, considerados forma de expressão construtora de significados e sentidos, é
problematizada na terceira seção. Na última parte, dedico-me a refletir acerca das impli-
cações das entrevistas e do formato escolhido para realizá-las junto às crianças especta-
doras, das relações de força que atravessaram nosso estar junto, do narrar-se e rememorar
enquanto mecanismos e técnicas de si, que constituem as posições ocupadas pelos
sujeitos.

Palavras-chave: metodologias - teatro - educação - pesquisa empírica.


1
  Este texto é fruto das reflexões e discussões que tenho realizado como mestranda do
PPGEdu/UFRGS, na linha Estudos Culturais em Educação, sob orientação da Professora
Dra. Elisabete Maria Garbin, na qual tenho pesquisado acerca das experiências das crianças
espectadoras com o teatro infantil.
*Bacharel em Artes Cênicas pela UFRGS. E-mail: taisferreirars@yahoo.com.br
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                                     43
ABSTRACT

      In this article, which is part from my master degree dissertation, I reflect on the
 methodological choices that formed the empiric study reception that I proposed along
 a group of children expectators of childish theater. I subdivide this writing in four
 sections that point to some methodological procedures linked to the construction of the
 multimethodological strategy traced. Firstly I explain about the inspiration of
 ethnographic perspective, which mark some doings in field along children and also the
 observations constituted by me on them. I also describe the subjects and the contexts
 involved in the field research. Secondly, I expose the place I consider mine, as theater’s
 ‘acting teacher’: the use of the theater’s plays as methodology that would enable by a
 non oral but a gesture and kinesthetically language, the invention of data and empiric
 materiality concerning to the researcher and to the subject-theme centered in the theatric
 way. The proposal of collecting drawings children’s graphic registration, considered as
 a form of expression of composed of meanings and senses, is problematized on third
 section. The last part, I present the reflections about the implications of the interviews
 and the chosen format to accomplish them close the children spectators, the power
 relations those marked our being together, of narrating and remembrancing while strategies
 and techniques of itself, those constitute subjects’ positions.

 Word key: methodologies - theater - education - empiric research.



      A um ponto - não determinável -           professoratriz que garimpa nos e com
 dos percursos que percorri e percor-           seus alunos o teatral, a estudante a
 ro, quis compreender a(s)                      quem move a vontade de saber...
 experiência(s) que envolviam o tea-                Obstáculos: permeada e constitu-
 tro, seus fazeres, suas possibilidades         ída que estou /sou pelos discursos e
 estéticas e sensíveis e as crianças. No        práticas que de mim fizeram o outro,
 entendimento da total impossibilida-           assumo a intransponibilidade entre
 de da compreensão e de qualquer                elas - crianças - e eu - adulta, o que
 modo absoluto ou essencial de apre-            não me faz desistir e sim valorizar os
 ender o(s) infantil(is) em sua relação         instantes em que não olho para as cri-
 com o teatro, propus-me a estar jun-           anças, nem sobre seus olhares, mas
 to. Olhar junto com o público infan-           junto delas. Movimento de assalto,
 til. Até agora tinha estado junto com          no qual a busca pela outridade assu-
 crianças em várias posições de sujei-          me o caráter de sua impossibilidade
 to que ocupei e ocupo em relação ao            inerente, desejando correr os riscos
 teatral: a atriz jogando, a espectadora        da proximidade, surpreender-me com
 assídua e crítica que me constituí atra-       o banal, ver de outros modos o já vis-
 vés das experiências com e no teatro           to tantas vezes: crianças em relação
 e em outras instâncias, a                      com o teatro.

44    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
Na tentativa de contemplar as        os textos (verbais, escritos, visuais,
vontades (por vezes pretensiosas) de     corporais, cinestésicos) que criamos
pesquisa que me mobilizavam e mobi-      e construímos, as crianças especta-
lizam, arrisquei-me a traçar algo que    doras e eu, durante o estar junto do
denomino aqui como uma estratégia        trabalho de pesquisa.
multimetodológica de construção de            Há de se pensar, também, as impli-
dados. Sarmento (2003) reflete sobre     cações que determinados caminhos
a questão da coleta de dados e da “in-   que compuseram o traçado da menci-
venção dos dados” pelo pesquisador       onada estratégia multimetodológica
que se vale de metodologias de pes-      acarretaram, pois as escolhas e sua
quisa qualitativa de cunho etnográfico   feitura nelas mesmas encerram
de uma forma muito esclarecedora:        potencialidades que poderiam, ou
    A recolha desse material             não, vir a ser “ou isto ou aquilo”; ou,
    lingüístico (dados) é quase sem-     ainda, nem isto nem aquilo... Portan-
    pre realizada num contexto co-       to, problematizo as escolhas que o
    municativo, no qual o investiga-     compuseram (o caminho e seu traça-
    dor conversa, pergunta, entrevis-    do) e a conseqüente construção da
    ta, realiza a interação verbal que   materialidade de meu percurso pes-
    lhe permite apreender e interro-     quisa. Trago a expressão estratégia
    gar os múltiplos sentidos que se     multimetodológica por julgar que me
    cruzam nas escolas. Deste modo,      valho de diferentes procedimentos e
    o investigador etnográfico não       instrumentos metodológicos, prove-
    ‘colhe dados’, como por vezes a      nientes de diferentes campos e áreas
    urgência da frase-feita convida      do saber, para compor uma estratégia
    a dizer ou escrever. O investiga-    que tem a finalidade de construir
    dor produz muitos dos seus mate-     materialidades e sensações para as
    riais - as palavras das entrevis-    quais voltar-se-ão os olhares da pes-
    tas, por exemplo - na interação      quisadora.
    social com os atores do terreno:          Assim, dou seqüência à escrita
    ‘Eles não são dados, mas cria-       subdividindo-a em quatro seções que
    dos’. De modo semelhante, as si-     contemplam alguns dos procedimen-
    tuações       observadas       são   tos metodológicos implicados na
    textualizadas sob a forma de no-     construção da estratégia traçada. Na
    tas de campo: mais próprio en-       primeira, discorro acerca da inspira-
    tão chamar estes (não) dados de      ção de cunho etnográfico que baliza
    ‘cenas’ do ‘teatro da vida’.         alguns fazeres em campo junto às cri-
    (SARMENTO, 2003, p. 167).            anças e também os olhares constituí-
    [grifos, aspas e parênteses do       dos por mim junto a elas. Na seguin-
    autor].                              te, falo do lugar que considero como
    É dessa mesma forma que encaro       meu, enquanto professoratriz de tea-
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                           45
tro: do uso dos jogos teatrais como               as crianças e eu, no momento mesmo
 metodologia que possibilitaria, a par-            de nosso estar juntos.
 tir de uma linguagem que não a oral, e                Quando jogávamos, conversáva-
 sim a gestual e cisnestésica, a inven-            mos e desenhávamos sobre teatro,
 ção de dados e materialidade empírica             narrando nossas experiências, nossos
 profícuos à pesquisadora e ao tema-               quereres, gostares e desgostares, es-
 objeto centrado no teatral. A propos-             távamos também nos constituindo em
 ta de coletar desenhos e registros grá-           relação ao teatro, tema central de nos-
 ficos das crianças, considerados for-             sos debates e embates no curto espa-
 ma de expressão2 legítima e constru-              ço-tempo em que estivemos juntos.
 tora de significados e sentidos, é                Lembrando Larrosa (1995), ao referir-
 problematizada na terceira seção. Na              se ao pensamento de Foucault em seu
 última parte, dedico-me a refletir so-            estudo, posso inferir que as práticas
 bre as implicações das entrevistas e              que realizamos - com base nessa es-
 do formato escolhido para realizá-las             tratégia multimetodológica de cons-
 junto às crianças espectadoras, das               trução de dados - podem ser conside-
 relações de força que atravessaram                radas “tecnologias do eu”. Através
 nosso estar junto, do narrar-se e                 delas as crianças constituíram-se, no
 rememorar enquanto mecanismos e                   momento mesmo em que as realizáva-
 técnicas de si, que constituem as po-             mos, enquanto sujeitos espectadores
 sições ocupadas pelos sujeitos.                   de teatro. Ao brincar, contar, desenhar,
      Entretanto, antes de iniciar essas           perguntar, jogar, responder e criar, in-
 problematizações mais pontuais e re-              ventavam-se e percebiam-se também
 ferentes à prática junto às crianças              como os espectadores que estão a ser,
 sujeitos e personagens desta histó-               que (des)constroem-se a cada dia de
 ria, gostaria de levantar um aspecto              suas vidas, nas mais diferentes ins-
 que me parece ser de grande impor-                tâncias e em relação a artefatos de
 tância ao entendimento que tenho do               naturezas diversas.
 trabalho e de como constituímo-nos,                   Através das atividades que


 2
   Em relação ao controverso termo expressão, principalmente no campo da arte-educação,
 posiciono-me junto ao caráter que Larrosa confere ao conceito e sua operatividade, quando
 nos diz que “Seria possível, pois, considerar a estrutura geral do expressar-se como a
 dobradura reflexiva, sobre si próprio, dos procedimentos discursivos que constituem os
 dispositivos de construção e mediação da experiência de si. ( . . . ) O que ocorre, antes, é que,
 ao aprender o discurso legítimo e suas regras em cada um dos casos, ao aprender a gramática
 para auto-expressão, constitui-se ao mesmo tempo o sujeito que fala e sua experiência de
 si. Não se trata que a experiência de si seja expressada pelo meio da linguagem, mas, antes,
 de que o discurso mesmo é um operador que constitui ou modifica tanto o sujeito quanto o
 objeto da enunciação, neste caso o que conta como experiência de si.” (LARROSA, 1995,
 p. 67-8).


46    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
vivenciamos juntos, criamo-nos: eu        outro espaço que não a aula co-
pesquisadora, professoratriz; as cri-     tidiana e todos os dispositivos de
anças assumindo posições de sujei-        disciplinamento e regulação que
tos espectadores. Constituímo-nos,        a constituem. Mesmo que estivés-
através dos citados “mecanismos de        semos dentro da escola, vigiados
produção da experiência de si”, sujei-    e observados, e que tenhamos
tos junto à linguagem teatral, em rela-   desenvolvido nestes poucos dias
ção (com) a ela. “A criança produz tex-   mecanismos próprios de
tos. Mas, ao mesmo tempo, os textos       disciplinamento e regulação (di-
produzem a criança” (LARROSA,             ferentes dos da sala de aula), as
1995, p. 46). E suas identidades e sub-   atividades que realizávamos nes-
jetividades como espectadores pro-        te espaço-tempo eram lúdicas,
duzem-se concomitantemente à pro-         não evocavam conteúdos traba-
dução dos gestos, sons, falas, riscos     lhados pelas professoras nas sa-
e rabiscos, movimentos decorrentes        las de aula. Enfim, para as crian-
das práticas que brincamos juntos.        ças, o que fazíamos ali, ocupan-
                                          do um tempo em que deveriam
1.    OBSERVANDO        E                 estar debruçados em suas clas-
(RE)CONTANDO - OLHARES                    ses, definitivamente, não era
ETNOGRÁFICOS PÓS-MODERNOS                 aula. Por isso, ‘matávamos aula’.
                                          Propus os jogos previstos no pla-
   Dia 1, Bento Gonçalves, 17 de          no de ação, que foram acolhidos
   setembro de 2003                       pela grande maioria das crian-
   Após um mês, encontrávamos no-         ças sem resistência alguma e até
   vamente. Iniciamos as atividades       com bastante entusiasmo. Os dois
   com uma conversa, em que fiz per-      meninos da quarta série mostra-
   guntas e também fui questiona-         ram-se um pouco menos dispos-
   da, na qual trocamos experiênci-       tos que os outros colegas. Sem-
   as e vivências, narrando uns aos       pre realizei os jogos em dois gru-
   outros nossas histórias e inven-       pos, em que um faria e outro esta-
   tando a nós mesmos. Ao pergun-         ria observando, na posição de
   tar se sabiam porque estávamos         platéia. Em determinado momen-
   ali, as respostas foram variadas:      to, em que as crianças todas fala-
   para brincar, para ‘matar aula’,       vam ao mesmo tempo, gritavam e
   para fazer entrevista, para jogar      agitavam-se, a Coordenadora do
   jogos, para fazer teatro. Muitas       turno, que por ali passava, inter-
   vezes, durante os cinco dias de        veio. Sentou-se em uma cadeira e
   atividades, ouvi de várias crian-      ficou observando-os com um
   ças que estávamos ali ‘matando         olhar repressor. Todos se mostra-
   aula’, ou seja, este espaço era um     ram temerosos e, no mesmo ins-
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                       47
tante, pararam de rir, falar, etc. A   trabalho, “inspirar-me livremente nas
     disciplina mantida pela escola         etnografias pós-modernas”, em al-
     parece-me bastante rígida. Ape-        guns escritos de Gottshalk (1998),
     sar de serem agitados (solicitei       Clifford (1995) e Geertz (1989), impor-
     colaboração e silêncio diversas        tantes nomes que respondem pelo
     vezes), são extremamente discipli-     que poder-se-ia chamar de “traços
     nados e acostumados a respeitar        etnográficos pós-modernos” no cam-
     a ‘autoridade’. As crianças são        po da Antropologia. Entretanto, as
     muito participativas, disponíveis      metodologias etnográficas ultrapas-
     e empolgadas. O único momento          sam as barreiras do campo que assu-
     em que ficaram caladas e para-         me sua paternidade para compor es-
     das foi quando propus que pre-         tudos nos campos da Psicologia, da
     enchessem suas fichas, durante o       Arte, da Educação, da Medicina, da
     último jogo. Parece-me que se          Comunicação, entre tantos outros.
     divertiram com as atividades re-           Fundamentada nesses autores,
     alizadas. O último jogo proposto       entendo que as etnografias pós-mo-
     (jogo das fichas com mímese) foi       dernas distanciam-se das etnografias
     muito revelador dos significados       clássicas, ainda que tenham surgido
     primeiros atribuídos pelas crian-      baseadas em vários de seus precei-
     ças ao teatro, suas manifestações      tos e princípios metodológicos de
     e linguagem.                           pesquisa, principalmente aqueles
     Empolgada pelas possibilidades,        concernentes aos trabalhos de cam-
 pelos prazeres e anseios que de mi-        po. Todavia, nos estudos
 nhas escolhas poderiam ser frutos,         etnográficos clássicos, a observação
 aventurei-me por processos não vin-        prolongada e uma pressuposta neu-
 culados estritamente a uma                 tralidade do antropólogo/ pesquisa-
 metodologia específica de pesquisa,        dor ao narrar as “experiências do ou-
 permiti-me apropriar-me de práticas e      tro” lhe conferem um caráter
 métodos que me pareciam, naquele           essencialista que, posteriormente,
 momento, os que melhor serviriam às        será contestado e rearticulado nos
 minhas vontades de pesquisa. Assim         chamados estudos etnográficos pós-
 sendo, busquei inspiração nas              modernos. Estes, por sua vez, permi-
 etnografias pós-modernas, que per-         tem ao pesquisador trabalhar com di-
 mitem ao pesquisador estar junto de        versas metodologias de pesquisa
 seu objeto de pesquisa, de certa for-      qualitativa articuladas, tais como a
 ma confundindo-se com ele, dissol-         observação (participante ou não), a
 vendo a dicotomia “sujeito-objeto”,        entrevista em profundidade, o relato
 borrando as fronteiras (ainda que es-      autobiográfico, a análise de dados e
 tas continuem a existir aliadas à          materiais textuais. Outro pressupos-
 alteridade do humano). Busco, neste        to das etnografias pós-modernas é

48   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
distanciar-se de uma suposta neutra-      poral, as vicissitudes da tradução”
lidade do pesquisador, que passa a        (CLIFFORD, 1995, p. 41).
colocar-se também enquanto sujeito             Dessa forma, interpenetram-se a
de pesquisa, na medida em que inter-      experiência e a interpretação como
fere nas próprias relações que está       qualidades constituintes do
estudando; sua voz faz-se ouvir no        etnógrafo. Mais tarde, unindo-se a
texto etnográfico, contudo, não é mais    elas, a reflexividade. Há, nas ativida-
a única como nas etnografias clássi-      des de observação participante do
cas, em que o etnógrafo é unívoco e       etnógrafo, uma oscilação contínua
possui a autoridade para falar pelos      entre “o dentro” e “o fora”, “uma
sujeitos. Dessa forma, não há mais um     dialética entre a experiência e a inter-
olhar universal e transcendental, mas     pretação” (id ibid, p. 53). Além dos
um olhar pessoal, em que o etnógrafo      modos ditos “experiencial” e
assume a especificidade de sua auto-      “interpretativo” da “autoridade
ria e “do lugar de onde fala”, abrindo    etnográfica”, dos quais nos fala
espaço para que também as vozes dos       Clifford (1995), podemos encontrar
sujeitos se façam presentes nas nar-      também as autoridades “dialógica” e
rativas e estudos etnográficos pós-       “polifônica”, metáforas lingüísticas
modernos, além das outras vozes so-       ou paradigmas discursivos que vão
ciais que atuam como mediadoras das       ao encontro do que anteriormente foi
vozes dos sujeitos e do pesquisador:      tratado: a presença de vozes que não
a mídia, os contextos políticos e eco-    só a do etnógrafo enquanto autorida-
nômicos, os artefatos e as práticas       de absoluta da “escritura
culturais, os discursos, as linguagens,   etnográfica”. Entretanto, não se apre-
entre outras.                             goa a essencialidade de cada um des-
    Tendo em vista o exposto, situo-      ses paradigmas, sendo o próprio
me enquanto pesquisadora, no espa-        Clifford quem expõe esta potencial
ço (mal)dito da tradução. Da dívida       hibridação: “os modos de autoridade
permanente que a tradução nos im-         [...] - experiencial, interpretativo,
põe para com o outro, já que da sua       dialógico e polifônico - estão dispo-
impossibilidade absoluta nos consti-      níveis a todos os escritores de textos
tuímos: a linguagem como a impossi-       etnográficos [...]. Nenhum está obso-
bilidade permanente da tradução           leto, nenhum é puro; há espaço para
(DERRIDA, 2002), que, mesmo impos-        a invenção dentro de cada paradigma”
sível, faz-se e vem a ser, constituin-    (id ibid, p. 74).
do-nos em seu fazer-se, na relação             Dando continuidade às reflexões
com o outro. Coloca Clifford que “a       que teço, inspirada pelos referencias
observação participante obriga a seus     das etnografias pós-modernas, apre-
participantes a experimentar, em um       sento na seção seguinte as crianças
nível tanto experimental quanto cor-      espectadoras, sujeitos desta pesqui-
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                             49
sa, personagens da história que aqui          explorando suas especificidades e
 (re)conto, e os contextos em que esta         particularidades.
 aconteceu e se construiu.                         A escola, como já salientei anteri-
                                               ormente, apresenta-se como a “comu-
 2. OS SUJEITOS E O CONTEXTO                   nidade de apropriação” privilegiada
                                               do teatro pelas crianças. Os proces-
     “De que sujeito falar?”, esta é a         sos de recepção, que antecedem e
 pergunta que dá título a uma das se-          extrapolam o momento do contato
 ções de artigo de Fischer (1995) e que        com os artefatos, passam por diver-
 também norteou uma importante es-             sos cenários em seu movimento de
 colha na prática que envolve este tra-        construção de sentidos e significados.
 balho: de que infância falar, tendo em        De acordo com Orozco, que é quem
 vista a multiplicidade e a volatilidade       levanta os conceitos de “comunida-
 assumidas pelo infantil na pós-               de de apropriação” e de “comunida-
 modernidade? Na completa impossi-             de de interpretação”: “Em cada cená-
 bilidade de tentar demonstrar a rela-         rio se está negociando a mensagem e
 ção das crianças com o teatro para            talvez produzindo novos significados
 elas realizado abrangendo uma gran-           ou confirmando os anteriores. Os ce-
 de variabilidade de “situações/ cons-         nários são todos aqueles lugares
 truções de infância”, optei por traba-        onde se produz sentido àquilo que se
 lhar em um contexto específico de re-         obtém dos meios de comunicação”
 cepção: a escola.                             (OROZCO GÓMEZ, 2000, p. 118).
     Tendo em vista as complexas rela-             Esse mesmo autor diferencia os
 ções travadas entre a instituição es-         termos comunidade de apropriação e
 colar, seus dispositivos de                   comunidade de interpretação, referin-
 disciplinamento, regulação e normali-         do-se ao primeiro como os espaços,
 zação (VEIGA-NETO, 2003)3 e o cam-            grupos ou lugares nos quais aconte-
 po do teatro infantil, e também o fato        ce a recepção em si. Podemos
 de ser esse o único contexto em que           exemplificar dizendo que, no caso do
 grande parte das crianças de classes          público infantil, a família é a principal
 desfavorecidas, da periferia de gran-         comunidade de apropriação da tele-
 des centros urbanos e dos municípi-           visão, enquanto que a escola é a prin-
 os do interior tem acesso à produção          cipal comunidade de apropriação do
 teatral considerada “profissional”,           teatro.
 julguei que seria profícuo limitar-me,            Assim sendo, nos discursos e
 neste momento investigativo, a esse           práticas (indissociáveis) das crianças
 contexto de recepção determinado,             espectadoras, busca pistas e

 Anotações feitas em palestra proferida pelo Prof. Dr. Alfredo Veiga-Neto junto ao PPGEdu/
 3

 UFRGS, em 2003/01.


50   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
intertextos que me conduzam a inves-      de solicitar permissão para realizar o
tigar, além da relação da construção      trabalho com as crianças em suas de-
das crianças enquanto espectadoras,       pendências e horários de aula, em
qual a contribuição dos discursos e       acompanhar a ida delas da escola até
práticas escolares como mediadores        o teatro, etc.
desses complexos processos de re-             A Escola Estadual de Ensino Fun-
cepção e da formação das identida-        damental Irmão Egídio Fabris, locali-
des desses sujeitos enquanto espec-       za-se em um bairro de classe média,
tadores híbridos.                         próximo ao centro da cidade e tem tur-
    Portanto, essa escolha orientava-     mas da Educação Infantil e do Ensino
me a realizar meu plano de ação com       Fundamental: Jardim B à quarta-série
crianças que assistissem a espetácu-      no turno da tarde, 9 turmas, em um
lo teatral infantil através de suas es-   total de 109 alunos; quinta a oitava
colas, ou em um edifício teatral, ou      séries no turno da manhã, além de uma
nas próprias dependências da insti-       turma de Jardim A, perfazendo um to-
tuição escolar.                           tal de 210 alunos. Ao todo, são 391
    Assim, nesta pequena narrativa,       alunos regulares freqüentando a ins-
os cenários são a escola (pátio, refei-   tituição no ano letivo de 2003.
tório, sala dos professores, sala de-         As primeiras impressões sobre o
baixo da sala dos professores), a rua     ambiente, registradas em meu Diário
e o salão de um Centro de Tradições       de Trabalho, são as seguintes:
Gaúchas. O tempo é setembro de 2003,          A escola é pequena, limpa, orga-
ensolarado, quase primavera, quase            nizada, paredes bem pintadas (de
calor. O local é Bento Gonçalves, ci-         bege claro e escuro). Tem uma
dade da região Nordeste do estado             quadra ao ar livre e uma ‘área
do Rio Grande do Sul, com mais ou             coberta’. Uma biblioteca e uma
menos 100.000 habitantes, segundo             parte nova, onde fica a ‘sala dos
o último senso do IBGE, fundada pela          professores’. As salas são dispos-
colonização italiana, industrializada,        tas ao redor da área coberta, ten-
com amplas redes de ensino público            do no centro a ‘sala da direção’.
e privado, em que todas as crianças           No horário em que estive lá, não
em idade escolar freqüentam a esco-           havia crianças no pátio, nem cir-
la.                                           culando pelos corredores. Apa-
    Cheguei até essa instituição de           rentemente, todos estavam em
ensino através de contatos travados           suas salas de aula. Ordem e lim-
com um grupo teatral da cidade que            peza. Lembra-me um pouco a épo-
faria apresentação de um espetáculo           ca em que eu cursava as séries
teatral infantil para os alunos da es-        iniciais.
cola, no mês de setembro de 2003.             Quanto ao quadro docente, as
Dessa forma, contatei a escola a fim      turmas de jardim à quarta-série con-
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                           51
tam com professores unidocentes; as          Durante alguns minutos de um
 demais séries, com um professor para     recreio, expus minhas intenções de
 cada área de ensino. Há uma diretora     trabalho também às professoras, so-
 e duas vice-diretoras. Também há uma     licitando que indicassem um aluno
 coordenadora para cada turno. O úni-     por turma para participar do grupo
 co homem no quadro funcional da          com o qual realizaria as atividades de
 escola, no turno da tarde, é o jovem     coleta de dados. Formaria um grupo
 porteiro.                                misto de alunos/as, com o intuito de
     Transcrevo aqui algumas anota-       realizar as atividades de coleta. Seri-
 ções sobre o primeiro encontro com a     am duas crianças por turma, um me-
 coordenadora e a vice-diretora do tur-   nino e uma menina, sendo uma das
 no da tarde, de como as expectativas     crianças indicada pela professora da
 recíprocas não se corresponderam ime-    turma e outra escolhida por sorteio,
 diatamente, ainda que meu ingresso na    aleatoriamente. Por idéia da coorde-
 escola tenha sido bastante tranqüilo:    nadora, as professoras indicaram as
     Fui à escola. Fui recebida pela      meninas; eu sorteei, através das lis-
     vice-diretora do turno da tarde e    tas de chamada, os meninos. Mesmo
     pela coordenadora do turno. Ex-      assim, submeti os nomes às respec-
     pliquei-lhes o projeto. Elas ouvi-   tivas professoras. Alguns deles fo-
     ram-me e consentiram que eu re-      ram “vetados”, pois, segundo elas,
     alizasse o trabalho na escola, com   “iriam se prejudicar faltando às au-
     as crianças. As expectativas de-     las”. As professoras indicaram-me
     las em relação ao meu trabalho,      outros meninos.
     como professora de teatro, pare-         O grupo, então, foi composto por
     ciam ser outras. A vice-diretora     18 alunos, sendo 9 meninas e 9 meni-
     logo comentou comigo, assim que      nos, com idades entre 5 a 11 anos;
     cheguei, que se eu fosse fazer um    os alunos que freqüentam a escola
     trabalho a longo prazo, elas gos-    em questão pertencem, eminentemen-
     tariam de uma ‘pecinha’ para as      te, à classe média. No segundo dia
     apresentações de Natal.              em que estive na escola, mais ou
     Depreendo desta fala que elas        menos um mês antes da data previs-
     pensaram que eu formaria um          ta para apresentação do espetáculo
     grupo de teatro com as crianças,     teatral, conversei com as professo-
     daria aulas, montaria peças. A       ras no horário do recreio e solicitei
     imagem do teatro na escola cos-      15 minutos para me apresentar às cri-
     tuma ser esta: uma visão             anças e explicar-lhes o projeto: o que
     utilitarista, o ‘teatrinho’ que as   eu pretendia fazer, saber se estavam
     crianças fazem para mostrar aos      interessados em participar, informá-
     pais e colegas em datas / come-      las dos objetivos do projeto, escla-
     morações cívicas.                    recer as dúvidas que possivelmente

52   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
surgiriam.                                    brincar de carrinho, jogar fute-
    Assim, após o término do recreio,         bol (os meninos). Percebe-se que
esperei pelos alunos na sala que fi-          são crianças ativas, gostam de
cava no andar debaixo da sala dos             atividades desportivas, de movi-
professores. Em alguns minutos, ali           mento. São também falantes e
estavam.                                      comunicativas.
    As crianças vão chegando, em              Durante esse primeiro encontro,
    duplas (um menino e uma meni-         além de apresentar-nos, de explicar e
    na). Olham-me desconfiados. Ten-      esclarecer dúvidas acerca das ativi-
    to descontrair, digo oi, convido-     dades que desenvolveremos juntos,
    os a sentar no chão comigo, em        entrego-lhes um Termo de Consenti-
    roda. Esperamos os que faltam         mento Informado, documento esse
    chegar. Eles me perguntam o que       que deve ser lido e assinado pelos
    estamos fazendo ali. Conversamos      responsáveis de cada criança, autori-
    sobre coisas banais enquanto os       zando-me a realizar o trabalho de pes-
    outros não chegam. Todos, apa-        quisa e a utilizar os dados coletados
    rentemente, se conhecem, a esco-      nesta proposta de dissertação. Alguns
    la é pequena. (...) Usam unifor-      pais e mães telefonaram-me a fim de
    mes: calças pretas, moletons e blu-   obter alguns esclarecimentos depois
    sões decote v vermelhos, camise-      de receberem o termo. Todos consen-
    tas brancas, alguns casacos de        tiram com a participação de seus fi-
    abrigo. Logo percebo: foram es-       lhos nas atividades que propunha.
    colhidos a dedo pelas professoras!        No geral, as crianças pareceram
    São ativos, falantes, agitados.       empolgadas com a idéia de realizarem
    Fazem perguntas, estão curiosos.      atividades diferentes das cotidianas,
    Conversamos, proponho uma             principalmente com os jogos e as en-
apresentação em roda, em que cada         trevistas; ficaram muito excitados ao
um fale de si e do que gosta de fazer.    saber que suas falas seriam gravadas.
Dois meninos da quarta-série mos-         Prometi-lhes que escutaríamos juntos,
tram-se irrequietos: estão “perdendo”     depois, aquilo que fosse gravado.
a aula de Educação Física! Nesse              Naquele momento travávamos
momento, reproduzo parte de minhas        uma espécie de pacto, no qual eu me
anotações sobre essa conversa, na         comprometia a oferecer-lhes alguns
qual as crianças falam de suas prefe-     momentos lúdicos e prazerosos e eles
rências:                                  comprometiam-se a colaborar pronta-
    As idades variam dos 6 aos 11         mente comigo, desde que lhes fosse
    anos. Dentre suas preferências        dada a oportunidade de, juntos, defi-
    estão: jogar vôlei, espirobol, ler,   nirmos como efetuar praticamente o
    estudar, nadar, assistir teatro (as   que eu propunha. E esse foi o início
    meninas), jogar no computador,        da construção de uma relação efêmera
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                           53
e produtiva, em que o estar junto ren-
 deu, além de muitas dúvidas, risos,                  Dia 3, Bento Gonçalves, 19 de
 gritos, cochichos, pensares e viveres,               setembro de 2003
 um riquíssimo material de trabalho.                  Este encontro, no dia após a ida
 Material palpável e material intangí-                ao teatro, foi muito produtivo.
 vel, pois além dos registros, grava-                 Conversamos longamente sobre
 ções, anotações, fotos, desenhos,há                  a peça, sobre outras peças que
 a experiência juntos. Ou seja, aquele                assistiram, sobre suas preferên-
 entre nós que me constituiu e consti-                cias, entrevistaram-me, interes-
 tui-as, que fez de nós algo único e                  sados por minha história com o
 efêmero, naquela conformação espa-                   teatro, contaram-me suas histó-
 ço-temporal que dividimos, que jun-                  rias com o teatro. Após esta con-
 tos construímos e pela qual passaram                 versa, propus que fizéssemos três
 afetos, dissabores, sons, rancores,                  jogos teatrais: estátua em du-
 odores, toques, sensações, expres-                   plas, jogo do quadro/ fotografia
 sões, enfim, tudo aquilo que não cabe                sobre a peça e jogo Quem eu sou?
 no espaço do papel e que, por mais                   livre. Muitas relações, significa-
 esforço descritivo que se faça, sem-                 dos e sentidos conferidos pelos
 pre estará indisponível a uma repre-                 alunos ao (e através do) espetá-
 sentação fidedigna. Ou seja; estará                  culo que assistiram no dia ante-
 muito próximo daquilo a que tenho                    rior surgiram durante os jogos,
 referido-me como essencialmente te-                  com seus gestos, ações, movi-
 atral: o inenarrável estar junto.                    mentos e falas. Corpos
                                                      (re)produzindo e (re)criando a
 3. BRINCANDO E INVENTANDO                            experiência do dia anterior, com
 COM CORPOS VIVOS - JOGOS                             o artefato teatral e sua lingua-
 TEATRAIS                                             gem peculiar. Corpos vivos brin-

 4
   Talvez possamos pensar no teatro enquanto o encontro de várias linguagens em um
 mesmo artefato, que seria o espetáculo cênico. Seriam elas:
 ·Linguagem visual ou plástica (cenários, figurinos, maquiagem, iluminação, elementos cênicos,
 etc.);
 ·Linguagem sonora e musical (vozes, entonações, ruídos, sons, músicas, trilhas sonoras, etc.);
 ·Linguagem cinestésica ou dos movimentos, ações e gestos (ritmos, amplitude, tamanho,
 força, etc.);
 ·Linguagem dramática (o texto dramático, as falas ou as indicações de ações, a fábula, a
 narrativa, a história contada, etc.).
 É importante salientar que para que ocorra o evento teatral, necessita-se, minimamente, de
 um ator que represente algo com alguma intenção estética diante de um espectador. A
 presença física e a troca, a comunhão efêmera entre um ator e um espectador, estas são as
 únicas características intrínsecas daquilo que chamamos
 linguagem teatral.

54    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
cando e inventando.                       deve ser específica e absoluta.
     A linguagem teatral5 (com todas                Após essa longa listagem de ca-
as implicações que advêm do uso des-           racterísticas abordadas por Huizinga
se termo) pode ser pensada como uma            (2000) como sendo necessárias a uma
forma de jogo inexoravelmente ligada           atividade lúdica ou jogo, posso infe-
à espécie humana. Segundo as carac-            rir que há uma forte e marcada analo-
terísticas que Huizinga (2000) levanta         gia entre as práticas teatrais e o jogo
como sendo próprias das atividades             ou as atividades lúdicas. Tal como no
lúdicas, o teatro apresenta-se como            jogo, no teatro busca-se uma espécie
uma modalidade de jogo por excelên-            de evasão da vida prosaica na qual se
cia.                                           constrói uma nova situação galgada
     Conforme esse autor, o jogo não é         em elementos retirados do contexto
“vida corrente”, é um intervalo na vida        cultural e de seus sujeitos, reorgani-
cotidiana e prosaica; contudo, é par-          zados de forma estético-poética; a
te integrante de uma suposta “vida             efemeridade e a limitação espacial do
real” e utiliza-se de elementos e influ-       teatro são idênticas as do jogo (e ab-
ências desta para sua posterior nega-          solutamente necessárias à existência
ção e reorganização no universo pró-           de ambos); as regras do jogo são
prio do jogo. Tem sempre uma finali-           homólogas às convenções estéticas
dade autônoma e se realiza tendo em            e éticas que seguimos na elaboração
vista uma satisfação que consiste no           e reconhecimento de uma linguagem
próprio ato de jogar, sendo uma ativi-         teatral (produtores e receptores de-
dade livre e voluntária, mesmo que siga        vem conhecer e respeitar as mesmas
regras internas rígidas, as quais de-          regras no teatro). Assim sendo, mes-
vem ser aceitas e conhecidas por to-           mo que sejam atividades exteriores à
dos os jogadores para que ele suceda           vida cotidiana e habitual, tanto o tea-
com êxito pleno. O jogo só pode exis-          tro como o jogo são capazes de ab-
tir em uma limitação definida de espa-         sorver os participantes de uma ma-
ço e tempo: ele cria um espaço e um            neira intensa, criando uma tensão que
tempo próprios e durante esse espa-            “transportaria” os jogadores a um
ço-tempo tudo é movimento, mudan-              espaço-tempo diferenciado, extra-co-
ça, associação e separação; entretan-          tidiano.
to, o jogo cria ordem e é ordem, pois               No espaço-tempo não-cotidiano
dentro de seus domínios a ordem                do jogo desenvolvem-se sentimentos


5
 Segundo Orozco (2000), uma entrevista semi-dirigida caracteriza-se por ter alguns
núcleos temáticos de assuntos a serem discutidos elaborados anteriormente pelo pes-
quisador, o que não significa que as perguntas a serem feitas serão estanques e definidas.
Há mobilidade nas perguntas e respostas, contudo estas serão conduzidas pelo pesqui-
sador dentro de eixos temáticos pré-estabelecidos.
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                                     55
“genuínos”, como a sensação que ex-        coleta de dados junto às crianças es-
 perimentam os jogadores de estar “se-      pectadoras, posso dizer que desde o
 paradamente juntos” (HUIZINGA,             início da elaboração do trabalho mi-
 2000), em uma situação excepcional,        nhas idéias encaminhavam-se no sen-
 partilhando algo importante. Logo, pen-    tido de não somente ouvir as falas das
 so que no caso específico do teatro tam-   crianças, ou seja, não me ater somente
 bém aquilo que denomino neste tra-         às informações que poderia obter atra-
 balho de “comunhão teatral”, ou o          vés da linguagem verbal ou escrita. Ora,
 estar junto que vivenciam atores e         se o teatro apresenta-se marcadamente
 espectadores, atores e atores e ato-       ligado a diversas linguagens, entre elas
 res e personagens, possa ser signifi-      e talvez com mais força, pela linguagem
 cado por seus participantes enquan-        dos movimentos e gestos dos atores
 to algo que os arrebata e provoca          em cena, por que não possibilitar às cri-
 sensações        semelhantes          ao   anças que se expressem e expressem
 envolvimento em um jogo coletivo.          aquilo que sentem e pensam sobre a
 Portanto, o público deve ser seduzi-       linguagem teatral através de seus cor-
 do e convencido a aceitar o jogo pro-      pos, da tonicidade e ritmo de seus mo-
 posto pelos atores em cena e pela          vimentos, da plasticidade de seus ges-
 estética da encenação e seus elemen-       tos? Além disso, sendo eu uma
 tos, e a partir daí compartilhar das       professoratriz, parecia-me óbvio que
 regras e (des)prazeres possíveis.          abordasse aquelas crianças e tentasse
     Após essas considerações inici-        construir uma relação com elas através
 ais que tiveram o intuito de               da linguagem com a qual estou familia-
 contextualizar a analogia possível         rizada e que, enfim, era/é o objeto cen-
 entre a linguagem teatral e o jogo,        tral de minhas vontades de pesquisa.
 julgo ser pertinente ressaltar que a            Dessa forma, ofertei às crianças,
 prática de jogos dramáticos e teatrais     desde nosso primeiro encontro, a pos-
 é amplamente utilizada tanto na for-       sibilidade de realizarmos uma série de
 mação de atores como na de platéi-         jogos teatrais, inspirados principalmen-
 as, bem como enquanto estímulo para        te no sistema de Spolin (1987), que, se-
 a iniciação de crianças e adultos com      gundo Desgranges, “está calcado em
 a linguagem teatral e algumas de suas      jogos de improvisação e tem o intuito
 especificidades técnicas, formais e        de estimular o participante a construir o
 estéticas. Diversos autores, profes-       próprio conhecimento acerca da lingua-
 sores, diretores, atores de teóricos       gem tetral, em um método em que o alu-
 formularam suas metodologias da            no, junto com o grupo, aprende fazen-
 abordagem teatral através de jogos.        do, experimentando, e pensando cri-
     Trazendo agora para este espaço        ticamente acerca daquilo que foi
 a justificativa do uso de jogos tea-       realizado”(DESGRANGES, s/d, p. 5).
 trais como uma das metodologias de         De sua parte, as crianças acolheram

56   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
a proposta e mostraram-se sempre                 Assim, não tive a intenção, com o
muito entusiasmadas na realização            uso dos jogos teatrais, de realizar algo
das atividades que envolviam jogos           que se assemelhasse aos que
teatrais e atividades lúdicas de cará-       Desgranges (2003) nomeia de “anima-
ter corporal e cinestésico.                  ção teatral”, ou seja, atividades com a
    No primeiro encontro, jogamos            finalidade de otimizar a recepção do es-
jogos de atenção, disponibilidade,           petáculo por parte dos espectadores.
confiança, ritmo, desinibição e res-         Simplesmente tentei possibilitar às cri-
peito pelo corpo do colega, sempre           anças que expressassem seus sentires
pensando na relação palco-platéia,           e construíssem significados acerca do
sendo que enquanto um grupo reali-           teatro através da linguagem corporal,
zava o jogo, o outro observava; pos-         propiciada então pelos jogos.
teriormente, comentava-se a percep-              Durante o Encontro 3, que suce-
ção e as impressões dos jogadores e          deu a assistência ao espetáculo teatral
observadores. Jogos de mimese                A Terrível Viseira do Dr. Chip, propus
corpórea também foram realizados,            vários jogos de mimese corpórea de
sempre encaminhando o foco na di-            caráter livre, em grupos, nos quais as
reção de meu objetivo central, que           crianças poderiam ou não reproduzir
era o de obter dados que indicassem          cenas, situações e personagens do es-
como acontecem as experiências das           petáculo assistido. Diversas relações
crianças com a linguagem teatral; tí-        que as crianças construíram com o es-
nhamos como temática o próprio te-           petáculo em questão surgiram nesses
atro.                                        jogos, bem como algumas concepções
                                             advindas de seu repertório cultural
                                             anterior também se fizeram presentes.




Figura 1 - Encontro 1 - Jogo das partes do
corpo grudadas com deslocamento: jogo de
atenção, confiança e disponibilidade.



                                             Figura 3 - Encontro 3 - Jogo da estátua em
                                             duplas, livre: os escultores montam suas es-
                                             tátuas.

Figura 2 - Encontro 1 - Hipnose em du-       4. DESENHANDO E REPRESEN-
plas: jogo de concentração, corporeidade,    TANDO O TEATRO - REGISTROS
confiança, ritmo.

    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                                    57
GRÁFICOS                                    Educação Física. Alguma inse-
                                             gurança em relação a suas habi-
     Dia 4, Bento Gonçalves, 22 de           lidades em desenhar, reproduzir
     setembro de 2003                        cenas através do desenho. Tentei
     Neste dia, programei-me para            aclamá-los e incentivá-los. Ao
     que as crianças realizassem uma         acabarem suas produções, volta-
     produção gráfica (desenho, pin-         ram às respectivas salas de aula.
     tura, colagem) acerca de suas           Pois bem: as crianças desenharam
     experiências ou expectativas com    o teatro. Houve algumas inseguranças
     o teatro. Após o horário do re-     em relação às suas capacidades de re-
     creio, encontramo-nos todos no      produzir graficamente da forma (as for-
     refeitório da escola, que conta     mas) almejada(s), que tentei amenizar
     com mesas coletivas amplas,         incentivando-as, dizendo-lhes das
     brancas, com bancos acoplados.      possibilidades únicas de cada um ex-
     Quando disse a eles que naquele     pressar-se também através do desenho.
     encontro iríamos desenhar, não      Durante a meia tarde barulhenta no lim-
     gostaram muito da idéia. Queri-     po e branco refeitório da escola, con-
     am fazer outras atividades, como    taram-me um pouco daquilo que dese-
     jogos e brincadeiras, com movi-     nhavam: histórias de amor novelescas,
     mento e ação. Mesmo assim, aca-     causos engraçados, de bichos, de tea-
     taram minha solicitação e divi-     tros a que haviam assistido no passa-
     diram-se nas duas mesas, com lá-    do e que (re)construíam agora na me-
     pis de cor e material escolar va-   mória, de carros e motos que pareciam
     riado. Propus que fizessem um       saídos de filmes hollywoodianos, dos
     desenho ‘sobre teatro’. Poderia     personagens e elementos do espetá-
     ser sobre a peça que haviam as-     culo assistido no dia anterior, de histó-
     sistido, sobre outro espetáculo     rias vistas e ouvidas, de outras inven-
     que tivessem visto, ou também       tadas, “o teatro que gostariam de ver”.
     sobre como gostariam que fosse          Pillar (1996a) argumenta que “en-
     uma peça, inventada por eles. Os    tende-se por desenho o trabalho gráfi-
     desenhos foram os mais variados:    co da criança que não é resultado de
     do espetáculo do dia anterior, de   cópia, mas da construção e da inter-
     outros ‘teatros’ a que haviam as-   pretação do objeto pelo sujeito”
     sistido ou dos quais tinham par-    (PILLAR, 1996a, p. 33). Pensando em
     ticipado, sobre temáticas de suas   sentido homólogo ao dessa autora,
     preferências etc. Durante todo      escolho como uma das estratégias para
     tempo conversamos bastante, cri-    a construção (junto às crianças) de
     anças narravam a mim seus dese-     dados a serem analisados a proposta
     nhos. Barulho e agitação. Alguns    de desenharem aquilo que pensam,
     meninos queriam ir à aula de        lembram e sentem em relação ao tea-

58   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
tro. Fiz isso de forma a possibilitar cer-   tuição dos seus autores e de suas iden-
ta liberdade de escolha às crianças,         tidades de crianças espectadoras. Con-
procedendo de forma idêntica à que fiz       sidero, assim, tanto os desenhos quan-
com os jogos teatrais: propus-lhes que       to as narrativas das crianças sobre
desenhassem qualquer coisa que lhes          eles, potenciais materiais a serem ana-
aprouvesse e que tivesse alguma liga-        lisados e refletidos. Há necessidade de
ção com o teatro, de forma a incitar que     problematizar não somente a análise
construíssem alguma relação com suas         dos desenhos, mas o contexto em que
experiências com a linguagem teatral.        foram produzidos, os esforços de seus
    Quanto à qualidade dos dados re-         produtores e as narrativas infantis so-
presentados por desenhos, registros          bre eles, ou seja, os sentidos que as
gráficos das impressões e experiênci-        crianças conferem àquilo que represen-
as de referido grupo de crianças com o       taram graficamente.
teatro infantil, posso perceber, além da         Saliento, no entanto, que os mo-
presença das relações com o teatral,         dos de olhar tais desenhos que busco
diversas e diferenciadas mediações que       desenvolver aqui não se aliam a teori-
compõem o repertório anterior dessas         as desenvolvimentistas e/ou
crianças enquanto espectadoras e su-         cognitivistas, nem mesmo intento pro-
jeitos atravessados e constituídos atra-     curar qualquer reprodução realista nos
vés de determinada cultura. Então,           traços das crianças. Pretendo, sim,
pressuponho que “o olhar de cada um          percebê-los como “( . . . ) documentos
está impregnado com experiências an-         históricos aos quais podemos recorrer
teriores, associações, lembranças, fan-      ao necessitarmos saber mais e melhor
tasias, interpretações, etc” e, portan-      acerca de seu mundo vivido, imagina-
to, penso que nos desenhos das cri-          do, construído, numa atitude
anças, em seus registros gráficos, “o        investigativa que procure contemplar a
que se vê não é o dado real, mas aquilo      necessidade de conhecer parte da His-
que se consegue captar e interpretar         tória e de suas histórias segundo seus
acerca do visto, o que nos é significa-      próprios olhares” (GOBBI, 2002, p. 73).
tivo.” (PILLAR, 1996, p. 36).
    Assim sendo, considero esses ar-
tefatos que são os desenhos como
importantes registros das experiênci-
as infantis com o teatro, ou seja, das
experiências de construção de senti-
dos em relação à linguagem teatral que
também se produziu no momento mes-
mo da elaboração desses desenhos,
também eles “técnicas de si” que pos-
sibilitaram, de alguma forma, a consti-      Figura 4 - Desenho de Mariana, 5 anos.

    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                               59
O desenho acima nos traz um claro
 exemplo de como pode acontecer a          5.   NARRANDO(SE)        E
 ressiginificação e a construção de sen-   CONSTRUINDO(SE) ESPECTA-
 tidos a partir das práticas do desenhar   DOR/A - ENTREVISTAS E CON-
 e narrar a produção gráfica em contex-    VERSAS
 tos e situações determinados.
     Mariana, uma esperta menina de 5        Dia 5, Bento Gonçalves, 23 de
 anos, aluna do Jardim B, desenhava          setembro de 2003
 compenetrada as formas que                  Este foi o último dia em que esti-
 comumente aparecem nos desenhos             vemos juntos. Entrevistei-os em
 das crianças dessa idade: um sol com        grupos: dividi as crianças pelas
 nuvens arredondadas, uma flor, duas         séries que freqüentavam. Os gru-
 árvores, um lago com peixes colori-         pos das quartas, terceiras e se-
 dos. Aproximo-me dela e pergunto:           gundas séries com quatro crian-
     - Mariana, este é o teatro que tu       ças cada, o último grupo contou
     imaginou?                               com seis alunos/as: quatro da
     Surpreendida pela minha per-            primeira série e dois do Jardim
     gunta, responde prontamente:            B. Cada entrevista durou, em
     - É!                                    média, 1 hora. A entrevista com o
     - E onde estão os personagens? -        Grupo 1, das quartas séries,
     Insisto.                                transcorreu tranqüilamente. Vi e
     - Aqui ó, são os atores vestidos -      Em estavam um pouco retraídos,
     Responde ela desenhando rapi-           ou não muito atraídos pelas per-
     damente bocas e olhos em nuvens,        guntas. No entanto, todas as ques-
     sol e árvores. - O sol fala com as      tões foram respondidas e comen-
     nuvens que falam com as árvo-           tadas. No Grupo 2, formado pe-
     res, são os atores vestidos...          los/ as alunos/ as das terceiras
     - Ah, tá.... é que eu não tinha en-     séries, a entrevista foi uma ativi-
     tendido...                              dade muito producente: eram to-
     Resigno-me, então, a não desafi-        dos falantes e tinham muita von-
     ar mais a imaginação da                 tade de participar, respondendo
     Mariana. Desenhava pelo prazer          às perguntas e elaborando ou-
     de desenhar e, interpelada pela         tras, interagindo entre si, como
     “outra”, adulta e professora que        em uma ‘conversa orientada’ ou
     era eu naquele momento, astuta-         ‘temática’, concordando e dis-
     mente ressignificou aquilo que          cordando uns dos outros, em um
     desenhava para agradar a mim e          exercício de livre expressão. Já
     a meus anseios de pesquisadora          com o Grupo 3 (segundas séri-
     que queria saber sobre o teatro e       es), foi bastante difícil realizar a
     as crianças.                            entrevista: todos muito agitados

60   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
e dispersos, eu também já estava     logicamente a antecederam) de nos-
    cansada e impaciente por ter fei-    sas “identidades narrativas”.
    to outras duas entrevistas, sem          Acerca desse conceito, Carvalho
    pausa. Durante muitos momentos       afirma: “A noção de identidade narra-
    implicaram e brigaram uns com        tiva supõe um processo estrutural
    os outros, dispersando-se. Fomos     formador do que Ricoeur denomina
    interrompidos pelo recreio. Con-     ipseidade - compreendida como a
    tinuamos por um curto tempo          identidade de um si mesmo relacional
    após o término do recreio. As cri-   e, portanto, marcado pela abertura de
    anças do Grupo 4 (primeiras sé-      um ser afetado pelo mundo, em con-
    ries e jardim B) responderam às      traste com uma identidade fixa do
    perguntas com muita desenvoltu-      mesmo” (CARVALHO, 2003, p. 6).
    ra,      principalmente         no   Sobre as questões relativas à polifonia
    concernente à televisão e aos        percebida nas “narrativas do eu” (en-
    desenhos animados. Falavam to-       tre as quais encontram-se os relatos
    dos ao mesmo tempo, tumultua-        provenientes de entrevistas, como as
    dos e alegres, mas conseguimos       que realizei com as crianças), essa
    nos organizar de forma a todos       mesma autora argumenta: “Nesse
    ouvirmos e falarmos.                 jogo polifônico, o sentido não está
    Ao optar por realizar entrevistas    nunca aprisionado numa intenção ou
semi-dirigidas4 com as crianças com      significado prévio, mas é efeito
as quem estive junto, inclui dentro da   imprevisível de um encontro de
estratégia de pesquisa que me pro-       alteridades, portanto somente acon-
pus a desenvolver um importante          tece numa situação de comunicação
mecanismo de constituição e              e está fadado às vicissitudes da recri-
(re)invenção de si, que é a narrativa    ação permanente” (id ibid, p.10).
da experiência. Em uma relação               Assim sendo, reitero que relações
polifônica (entre as várias vozes das    de força atravessaram e perpassaram
crianças que participaram de cada gru-   tanto as crianças como eu, bem como
po entrevistado e os diversos discur-    o pacto que, de forma efêmera, cons-
sos que teceram relações intertextuais   truímos juntos e também nos consti-
em seus enunciados) e dialógica (ha-     tuiu em sua produtividade, pois, “o
via dois “tipos” de vozes diferentes     relato autobiográfico não representa
envolvidas:       a     minha,      de   o sujeito, mas o produz. Daí a nature-
professoratriz; “outra”, adulta e pes-   za de auto-invenção do relato autobi-
quisadora; e as das crianças, sujei-     ográfico” (id ibid, p.11). Em conso-
tos-personagens da pesquisa), que        nância com essas proposições, ainda
caracteriza o gênero entrevista, demos   podemos pensar que “Essa auto-in-
continuidade à construção (já inicia-    venção, por sua vez, traz consigo a
da nas outras atividades que crono-      invenção do Outro, das relações de
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                           61
alteridade e, portanto, da identidade     Alguns - Tudo.
 narrativa de um campo intersubjetivo      (Saio da sala para pegar água
 e cultural em questão. É nesse senti-     enquanto as outras crianças vão
 do que a auto-invenção dos sujeitos       chegando, eles falam para o gra-
 é simultaneamente posicionada num         vador, ameaçam desligar, etc,
 campo social e demarcadora desse          volto para sala, eles continuam
 mesmo campo” (id ibid, p. 11).            às voltas com o gravador)
     Portanto, todo enunciado é mo-        Eu - Qual é o problema que tá
 dulado pela presença do outro, dos        gravando? Vocês querem ouvir
 destinatários ou interlocutores. Não      um pouquinho?
 posso perder isso de vista ao manu-       Juliana - Sim!!!!!
 sear o material fruto de minhas experi-   (Volto a fita e deixo que escutem.
 ências empíricas com as crianças, in-     Quando todos chegam, sentamos
 clusive as transcrições de conversas      no chão, em um círculo)
 e entrevistas. Algumas questões pro-      Andressa - Profe, quando é que a
 postas por James Clifford e               gente vai poder ver a gravação
 reelaboradas por Arfuch (2002) devem      de ontem e do outro dia que o
 ser levadas em conta: “O que fazer        Marcelinho gravou?
 com a palavra do outro? Como trans-       Eu - Quando eu conseguir pas-
 crever o registrado? Que signos res-      sar para a outra fita normal de
 peitar e recolocar, como analisá-la e     vídeo eu trago pra vocês verem.
 expô-la, a sua vez, à leitura pública     Tem vídeo aqui na escola?
 (acadêmica, editorial, midiática)?”       Juliana - Tem. Na biblioteca e na
 (ARFUCH, 2002, p. 192).                   sala do Jardim.
     Abordo neste espaço um excerto        Eu - Pessoal, tudo bem com
 de conversa com o grupo de crian-         vocês? Antes da gente iniciar as
 ças, no qual elas próprias levantam       atividades, a gente vai fazer ou-
 aspectos da relação dialógica que es-     tros jogos hoje, diferentes dos do
 tabelecemos, da existência de um gra-     outro dia...
 vador e outros mecanismos naquele         Andressa (interrompendo) -
 espaço-tempo em que estivemos jun-        Profe, tu vai perguntar alguma
 tos, bem como se evidenciam algumas       coisa do teatro?
 relações de força entre nós               Eu - Vou, é o que eu ia dizer, an-
 estabelecidas, a forma como conduzo       tes da gente começar trabalhar,
 e medeio nossas conversas sobre te-       eu queria que, um por vez, deva-
 atro de acordo com meus interesses        garinho, falasse o que quisesse:
 de pesquisadora.                          o que gostou, o que não gostou...
     Juliana - Pessoal, ela tá gravando.   Porque tem coisa que a gente não
     Paula - É. Ela tá gravando.           gosta, ninguém é obrigado a gos-
     Eu - Tudo bom com vocês?              tar de tudo, como é que foi ir até

62   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
lá, voltar, se quiserem falar de          Andressa - E tu já teve vontade
    outros teatros que já assistiram          de fazer outra coisa?
    podem falar... O que vocês quise-         Paula - Quando tu começou a fa-
    rem falar! Certo? [grifo meu]             zer teatro tu tinha certeza que tu
    Como havíamos assistido ao es-            ia ser professora de teatro e fazer
petáculo teatral na tarde anterior, a         teatro?
menina Andressa em sua fala já ante-          Eu - Olha, certeza, certeza eu não
cipa e prevê que eu perguntaria algo          tinha, porque eu era muito pe-
sobre essa experiência; afinal, havia         quena, mas eu sempre gostei mui-
esclarecido a eles porque eu estava           to de fazer teatro, e sempre fiz. Aí
na escola e porque realizávamos aque-         quando chegou na época de fa-
las atividades todas, qual era meu pro-       zer vestibular... Vocês sabem o
pósito com isso. Depois de algum              que é vestibular? É antes de en-
tempo de conversa, paulatinamente             trar na faculdade, a gente faz uma
inverteram-se as posições e então as          prova.
crianças começaram a me entrevistar,          Juliana - Um teste!
perguntaram sobre minhas experiên-            Andressa - Agora é a gente que
cias teatrais, mostraram-se curiosas          tá te entrevistando!
sobre a minha relação com o teatro.           Vicente - O primeiro teatro que
Esse deslocamento de nossas posi-             tu fez tu não ficou assim, um pou-
ções de pesquisadora e sujeitos de            co com vergonha?
pesquisa me pareceu um profícuo               Eu - Fiquei... Até hoje dá um medo
momento de troca e de confiança que           antes de começar.
conseguimos estabelecer. Reproduzo            Seguindo as reflexões sobre as
aqui parte dessa “inversão de papéis”,    entrevistas, saliento que para Arfuch
explícita na fala surpresa de Andressa:   (1995), uma das intelectuais latino-
“Agora é a gente que tá te entrevis-      americanas que tem desenvolvido tra-
tando!”.                                  balhos acerca das entrevistas e nar-
    Andressa - Profe, quando tu de-       rativas autobiográficas como gêneros
    cidiu que queria fazer teatro?        discursivos, a entrevista pode pare-
    Eu - Quando eu era bem peque-         cer uma simples conversação, contu-
    na, assim do tamanho de vocês...      do, tem seus limites bem claros, como
    (Continuam fazendo uma série de       o lugar ocupado por entrevistados e
    perguntas acerca de minha vida        entrevistador e a temática
    com o teatro)                         estabelecida, em alguns casos. Essa
    Karina - Tu não teve vontade de       mesma autora ressalta o caráter de
    trabalhar na TV?                      narrativa que as entrevistas podem
    Eu - Não, Karina, eu nunca tive       assumir, conferindo-lhes característi-
    vontade de fazer TV. Eu gosto         cas como a fragmentação, a incerteza
    mesmo é de fazer teatro.              e a incompletude.
    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                             63
No mesmo sentido das coloca-              Ainda que haja uma série de me-
 ções de Arfuch (1995), é Larrosa (1995)   diações que interpolam o espaço en-
 quem discorre acerca dos processos        tre as experiências e os significados
 de narrar-se enquanto uma tecnologia      que conferimos a elas através de nos-
 da constituição de si: “o narrador é o    sos discursos e narrativas, esses sig-
 que expressa, no sentido de               nificados não são prévios ou antece-
 exteriorizar, o rastro que aquilo que     dem o momento mesmo de sua
 viu deixou em sua memória”, sendo         enunciação. Mesmo que os discursos
 que “a recordação não é apenas a pre-     e as narrativas possam ser considera-
 sença do passado”, mas ela “implica       dos polifônicos e portadores de di-
 a imaginação e a composição, implica      versas       vozes,        de      uma
 um certo sentido do que somos, im-        intertextualidade inerente, ainda que
 plica      habilidade      narrativa”     cada uma das crianças estivesse
 (LARROSA, 1995, p. 68). Compartilho       implicada em uma relação eminente-
 com esse autor a idéia de que: “é con-    mente dialógica (comigo e também
 tando histórias, nossas próprias his-     com seus colegas, já que as entrevis-
 tórias, o que nos acontece e o senti-     tas e conversas realizaram-se em gru-
 do que damos ao que nos acontece,         pos), elas produziram sentidos e pro-
 que nos damos a nós próprios uma          duziram-se enquanto sujeitos em re-
 identidade no tempo” (Id ibid, p. 69).    lação ao teatro, ou seja, constituíram-
 Logo, posso inferir que as conversa-      se espectadoras. Tais sentidos e
 ções e entrevistas realizadas com as      posicionalidades assumidas foram
 crianças foram exercícios de narração     sempre permeados pelas múltiplas
 e auto-narração que constituíram tam-     mediações que atuaram e atuam na
 bém suas identidades de espectado-        constituição desse grupo de crianças
 res de teatro (além de me constituírem    em relação com a linguagem teatral.
 professoratriz de teatro). Durante o
 lembrar, narrar e (re)inventar suas ex-   6. BREVES CONSIDERAÇÕES A
 periências com o teatro, construíamos     TÍTULO DE FINALIZAÇÃO
 sentidos e significados que eram con-
 feridos à relação das crianças com a          A título de encerramento destes
 linguagem teatral, articulando-as às      escritos, mas não das possibilidades
 suas diversas experiências como es-       investigativas que se apresentam,
 pectadores          híbridos         na   valho-me das palavras de Quinteiro a
 contemporaneidade. Saliento que du-       fim de justificar essa estratégia
 rante as atividades com os jogos tea-     multimetodológica utilizada, ainda que
 trais e os desenhos também constru-       pense que sua justificativa encontra-
 ímos narrativas através de duas lin-      se no fazer mesmo das práticas que
 guagens que não a verbal: a corporal      propus às crianças e que elas gentil-
 e a gráfica.                              mente acolheram, hospedaram e

64   Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
reinventaram, construindo-se assim a        titui-se, agora, em encontrar, criar, con-
si próprias. Para essa autora, “falta por   ferir significados e sentidos a esse
parte dos estudos etnográficos, da          material.
pesquisa participante, do inventário
dos artefatos, das produções cultu-
rais, das histórias de vida e das entre-                   REFERÊNCIAS
vistas biográficas propiciar um con-
junto integrado de métodos e técni-         ARFUCH, L. La entrevista, una
cas que possa subsidiar as pesqui-          invención dialógica. Barcelona: Paidos,
sas relativas à criança e à infância no     1995.
campo educacional” (QUINTEIRO,              ______. El espacio biografico: dilemas
2002, p. 41). Apresentei, portanto, nes-    de la subjetividad contemporanea. Buenos
te trabalho, a tentativa de concretizar     Aires: FCE de la Argentina, 2002.
empiricamente algo semelhante ao            CARVALHO, I. C. M. Biografia, identi-
que se refere a autora acima citada.        dade e narrativa: elementos para uma aná-
     A partir dos momentos vividos          lise hermenêutica. Horizontes antropo-
com as crianças, possuo agora, além         lógicos, Porto Alegre, UFRGS, v. 9, n.
das intangíveis e inenarráveis sensa-       19, jul. 2003.
ções e sentimentos, algum material          CLIFFORD, J. Sobre la autoridad
palpável e visível em sua concretude.       etnográfica. The Predicament of
E é esse mesmo material que preten-         Culture, Cambridge, Harvard University
                                            Press, p. 21-54, 1988.
do ampliar, fazendo com que seus sen-
tidos e significados dilatem-se, exer-      DERRIDA, J. Torres de babel. Belo
çam-se, (re)vivam, através das análi-       Horizonte: UFMG, 2002.
ses e reflexões que farei acerca deles.     DESGRANGES, F. A pedagogia do es-
Logo, “[...] a entrevista utilizada na      pectador. São Paulo: HUCITEC, 2003a.
investigação acadêmica [...] será um        ______. O jogo teatral de Viola Spolin.
passo para ir ‘mais adiante’, até a ela-    (Texto digitado para fins didáticos), [s/d].
boração de um produto outro [...]”          FISCHER, R. M. B. A análise do discur-
(ARFUCH, 2002, p. 179) pelo pesqui-         so: para além de palavras e coisas. Educa-
sador. Arfuch refere-se especifica-         ção e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n.
mente às entrevistas, mas posso am-         2, p. 18-37, jul./dez. 1995.
pliar essa referência à variabilidade de    GEERTZ, C. Estar lá, escrever aqui. Diá-
dados construídos através da estra-         logo, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 58-63, 1989.
tégia multimetodológica de pesquisa
                                            GOBBI, M. Desenho infantil e oralidade:
empírica que aqui propus, através do        instrumentos para pesquisas com crian-
uso de registros gráficos, jogos tea-       ças pequenas. In: FARIA, A. L. G. et al
trais, conversações e entrevistas, ins-     (Orgs.). Por uma cultura da infância:
pirada nas etnografias pós-modernas.        metodologias de pesquisa com crianças.
Meu trabalho de pesquisadora cons-          Campinas: Autores Associados, 2002.

    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.                                    65
GOTTSCHALK, S. Postmodern
 sensibilities and ethnographic possibilities.
 In: BANKS, A.; BANKS, S. (Ed.). Fiction
 and social research: by ice or fire.
 London: Altamira Press, 1998. p. 205-233
 HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo
 como elemento da cultura. São Paulo: Pers-
 pectiva, 2000.
 LARROSA, J. Tecnologias do eu e educa-
 ção. In: SILVA, T. T. O sujeito da educa-
 ção: estudos foucaultianos. Petrópolis:
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 OROZCO         GÓMEZ,         G.      La
 investigación en comunicación desde
 la perspectiva cualitativa. La Plata, Ar:
 UNLaPlata, 2000.
 PILLAR, A. D. Desenho e construção
 de conhecimento na criança. Porto Ale-
 gre: Artes Médicas, 1996.
 ______. Desenho e escrita como siste-
 mas de representação. Porto Alegre:
 Artes Médicas, 1996a.
 QUINTEIRO, J. Infância e educação no
 Brasil: um campo de estudos em constru-
 ção. In: FARIA, A. L. G. et al (Orgs.). Por
 uma cultura da infância: metodologias
 de pesquisa com crianças. Campinas: Au-
 tores Associados, 2002.
 SARMENTO, M. J. O estudo de caso
 etnográfico em educação. In: ZAGO, N.
 et al (Orgs.). Itinerários de pesquisa:
 perspectivas qualitativas em sociologia da
 educação. Rio de janeiro: DP&A, 2003.
 p. 137-179
 SPOLIN, V. Improvisação para o tea-
 tro. São Paulo: Perspectiva, 1987.
 VEIGA NETO, A. Cultura, culturas e edu-
 cação. Revista Brasileira de Educação,
 n. 23, p. 5-15, mai.-ago. 2003.




66    Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.

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Problematizando uma estratégia multimetodológica...

  • 1. Olhar de Professor Universidade Estadual de Ponta Grossa olhardeprofessor@uepg.br ISSN (Versión impresa): 1518-5648 BRASIL 2004 Taís Ferreira PROBLEMATIZANDO UMA ESTRATÉGIA MULTIMETODOLÓGICA DE PESQUISA EM TEATRO E EDUCAÇÃO Olhar de Professor, año/vol. 7, número 001 Universidade Estadual de Ponta Grossa Ponta Grossa, Brasil pp. 43-66 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México http://redalyc.uaemex.mx
  • 2. Problematizando uma Estratégia Multimetodológica de Pesquisa em Teatro e Educação1 Problematizing A multimethodological Research’s Strategy In Theater And Education Taís Ferreira* RESUMO Neste artigo, que se caracteriza como um recorte de minha dissertação de mestrado, reflito acerca das escolhas metodológicas que compuseram o estudo empírico de recep- ção que propus junto a um grupo de crianças espectadoras de teatro infantil. Subdivido a escrita em quatro seções que contemplem alguns dos procedimentos metodológicos implicados na construção da estratégia multimetodológica traçada. Na primeira, discor- ro sobre a inspiração de cunho etnográfico que baliza alguns fazeres em campo junto às crianças e também os olhares constituídos por mim junto a elas. Também descrevo os sujeitos e contextos envolvidos na pesquisa de campo. Na seguinte, falo do lugar que considero como meu, enquanto professoratriz de teatro: do uso dos jogos teatrais como metodologia que possibilitaria, a partir de uma linguagem que não a oral, e sim a gestual e cisnestésica, a invenção de dados e materialidade empírica profícuos à pesquisadora e ao tema-objeto centrado no teatral. A proposta de coletar desenhos e registros gráficos das crianças, considerados forma de expressão construtora de significados e sentidos, é problematizada na terceira seção. Na última parte, dedico-me a refletir acerca das impli- cações das entrevistas e do formato escolhido para realizá-las junto às crianças especta- doras, das relações de força que atravessaram nosso estar junto, do narrar-se e rememorar enquanto mecanismos e técnicas de si, que constituem as posições ocupadas pelos sujeitos. Palavras-chave: metodologias - teatro - educação - pesquisa empírica. 1 Este texto é fruto das reflexões e discussões que tenho realizado como mestranda do PPGEdu/UFRGS, na linha Estudos Culturais em Educação, sob orientação da Professora Dra. Elisabete Maria Garbin, na qual tenho pesquisado acerca das experiências das crianças espectadoras com o teatro infantil. *Bacharel em Artes Cênicas pela UFRGS. E-mail: taisferreirars@yahoo.com.br Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 43
  • 3. ABSTRACT In this article, which is part from my master degree dissertation, I reflect on the methodological choices that formed the empiric study reception that I proposed along a group of children expectators of childish theater. I subdivide this writing in four sections that point to some methodological procedures linked to the construction of the multimethodological strategy traced. Firstly I explain about the inspiration of ethnographic perspective, which mark some doings in field along children and also the observations constituted by me on them. I also describe the subjects and the contexts involved in the field research. Secondly, I expose the place I consider mine, as theater’s ‘acting teacher’: the use of the theater’s plays as methodology that would enable by a non oral but a gesture and kinesthetically language, the invention of data and empiric materiality concerning to the researcher and to the subject-theme centered in the theatric way. The proposal of collecting drawings children’s graphic registration, considered as a form of expression of composed of meanings and senses, is problematized on third section. The last part, I present the reflections about the implications of the interviews and the chosen format to accomplish them close the children spectators, the power relations those marked our being together, of narrating and remembrancing while strategies and techniques of itself, those constitute subjects’ positions. Word key: methodologies - theater - education - empiric research. A um ponto - não determinável - professoratriz que garimpa nos e com dos percursos que percorri e percor- seus alunos o teatral, a estudante a ro, quis compreender a(s) quem move a vontade de saber... experiência(s) que envolviam o tea- Obstáculos: permeada e constitu- tro, seus fazeres, suas possibilidades ída que estou /sou pelos discursos e estéticas e sensíveis e as crianças. No práticas que de mim fizeram o outro, entendimento da total impossibilida- assumo a intransponibilidade entre de da compreensão e de qualquer elas - crianças - e eu - adulta, o que modo absoluto ou essencial de apre- não me faz desistir e sim valorizar os ender o(s) infantil(is) em sua relação instantes em que não olho para as cri- com o teatro, propus-me a estar jun- anças, nem sobre seus olhares, mas to. Olhar junto com o público infan- junto delas. Movimento de assalto, til. Até agora tinha estado junto com no qual a busca pela outridade assu- crianças em várias posições de sujei- me o caráter de sua impossibilidade to que ocupei e ocupo em relação ao inerente, desejando correr os riscos teatral: a atriz jogando, a espectadora da proximidade, surpreender-me com assídua e crítica que me constituí atra- o banal, ver de outros modos o já vis- vés das experiências com e no teatro to tantas vezes: crianças em relação e em outras instâncias, a com o teatro. 44 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 4. Na tentativa de contemplar as os textos (verbais, escritos, visuais, vontades (por vezes pretensiosas) de corporais, cinestésicos) que criamos pesquisa que me mobilizavam e mobi- e construímos, as crianças especta- lizam, arrisquei-me a traçar algo que doras e eu, durante o estar junto do denomino aqui como uma estratégia trabalho de pesquisa. multimetodológica de construção de Há de se pensar, também, as impli- dados. Sarmento (2003) reflete sobre cações que determinados caminhos a questão da coleta de dados e da “in- que compuseram o traçado da menci- venção dos dados” pelo pesquisador onada estratégia multimetodológica que se vale de metodologias de pes- acarretaram, pois as escolhas e sua quisa qualitativa de cunho etnográfico feitura nelas mesmas encerram de uma forma muito esclarecedora: potencialidades que poderiam, ou A recolha desse material não, vir a ser “ou isto ou aquilo”; ou, lingüístico (dados) é quase sem- ainda, nem isto nem aquilo... Portan- pre realizada num contexto co- to, problematizo as escolhas que o municativo, no qual o investiga- compuseram (o caminho e seu traça- dor conversa, pergunta, entrevis- do) e a conseqüente construção da ta, realiza a interação verbal que materialidade de meu percurso pes- lhe permite apreender e interro- quisa. Trago a expressão estratégia gar os múltiplos sentidos que se multimetodológica por julgar que me cruzam nas escolas. Deste modo, valho de diferentes procedimentos e o investigador etnográfico não instrumentos metodológicos, prove- ‘colhe dados’, como por vezes a nientes de diferentes campos e áreas urgência da frase-feita convida do saber, para compor uma estratégia a dizer ou escrever. O investiga- que tem a finalidade de construir dor produz muitos dos seus mate- materialidades e sensações para as riais - as palavras das entrevis- quais voltar-se-ão os olhares da pes- tas, por exemplo - na interação quisadora. social com os atores do terreno: Assim, dou seqüência à escrita ‘Eles não são dados, mas cria- subdividindo-a em quatro seções que dos’. De modo semelhante, as si- contemplam alguns dos procedimen- tuações observadas são tos metodológicos implicados na textualizadas sob a forma de no- construção da estratégia traçada. Na tas de campo: mais próprio en- primeira, discorro acerca da inspira- tão chamar estes (não) dados de ção de cunho etnográfico que baliza ‘cenas’ do ‘teatro da vida’. alguns fazeres em campo junto às cri- (SARMENTO, 2003, p. 167). anças e também os olhares constituí- [grifos, aspas e parênteses do dos por mim junto a elas. Na seguin- autor]. te, falo do lugar que considero como É dessa mesma forma que encaro meu, enquanto professoratriz de tea- Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 45
  • 5. tro: do uso dos jogos teatrais como as crianças e eu, no momento mesmo metodologia que possibilitaria, a par- de nosso estar juntos. tir de uma linguagem que não a oral, e Quando jogávamos, conversáva- sim a gestual e cisnestésica, a inven- mos e desenhávamos sobre teatro, ção de dados e materialidade empírica narrando nossas experiências, nossos profícuos à pesquisadora e ao tema- quereres, gostares e desgostares, es- objeto centrado no teatral. A propos- távamos também nos constituindo em ta de coletar desenhos e registros grá- relação ao teatro, tema central de nos- ficos das crianças, considerados for- sos debates e embates no curto espa- ma de expressão2 legítima e constru- ço-tempo em que estivemos juntos. tora de significados e sentidos, é Lembrando Larrosa (1995), ao referir- problematizada na terceira seção. Na se ao pensamento de Foucault em seu última parte, dedico-me a refletir so- estudo, posso inferir que as práticas bre as implicações das entrevistas e que realizamos - com base nessa es- do formato escolhido para realizá-las tratégia multimetodológica de cons- junto às crianças espectadoras, das trução de dados - podem ser conside- relações de força que atravessaram radas “tecnologias do eu”. Através nosso estar junto, do narrar-se e delas as crianças constituíram-se, no rememorar enquanto mecanismos e momento mesmo em que as realizáva- técnicas de si, que constituem as po- mos, enquanto sujeitos espectadores sições ocupadas pelos sujeitos. de teatro. Ao brincar, contar, desenhar, Entretanto, antes de iniciar essas perguntar, jogar, responder e criar, in- problematizações mais pontuais e re- ventavam-se e percebiam-se também ferentes à prática junto às crianças como os espectadores que estão a ser, sujeitos e personagens desta histó- que (des)constroem-se a cada dia de ria, gostaria de levantar um aspecto suas vidas, nas mais diferentes ins- que me parece ser de grande impor- tâncias e em relação a artefatos de tância ao entendimento que tenho do naturezas diversas. trabalho e de como constituímo-nos, Através das atividades que 2 Em relação ao controverso termo expressão, principalmente no campo da arte-educação, posiciono-me junto ao caráter que Larrosa confere ao conceito e sua operatividade, quando nos diz que “Seria possível, pois, considerar a estrutura geral do expressar-se como a dobradura reflexiva, sobre si próprio, dos procedimentos discursivos que constituem os dispositivos de construção e mediação da experiência de si. ( . . . ) O que ocorre, antes, é que, ao aprender o discurso legítimo e suas regras em cada um dos casos, ao aprender a gramática para auto-expressão, constitui-se ao mesmo tempo o sujeito que fala e sua experiência de si. Não se trata que a experiência de si seja expressada pelo meio da linguagem, mas, antes, de que o discurso mesmo é um operador que constitui ou modifica tanto o sujeito quanto o objeto da enunciação, neste caso o que conta como experiência de si.” (LARROSA, 1995, p. 67-8). 46 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 6. vivenciamos juntos, criamo-nos: eu outro espaço que não a aula co- pesquisadora, professoratriz; as cri- tidiana e todos os dispositivos de anças assumindo posições de sujei- disciplinamento e regulação que tos espectadores. Constituímo-nos, a constituem. Mesmo que estivés- através dos citados “mecanismos de semos dentro da escola, vigiados produção da experiência de si”, sujei- e observados, e que tenhamos tos junto à linguagem teatral, em rela- desenvolvido nestes poucos dias ção (com) a ela. “A criança produz tex- mecanismos próprios de tos. Mas, ao mesmo tempo, os textos disciplinamento e regulação (di- produzem a criança” (LARROSA, ferentes dos da sala de aula), as 1995, p. 46). E suas identidades e sub- atividades que realizávamos nes- jetividades como espectadores pro- te espaço-tempo eram lúdicas, duzem-se concomitantemente à pro- não evocavam conteúdos traba- dução dos gestos, sons, falas, riscos lhados pelas professoras nas sa- e rabiscos, movimentos decorrentes las de aula. Enfim, para as crian- das práticas que brincamos juntos. ças, o que fazíamos ali, ocupan- do um tempo em que deveriam 1. OBSERVANDO E estar debruçados em suas clas- (RE)CONTANDO - OLHARES ses, definitivamente, não era ETNOGRÁFICOS PÓS-MODERNOS aula. Por isso, ‘matávamos aula’. Propus os jogos previstos no pla- Dia 1, Bento Gonçalves, 17 de no de ação, que foram acolhidos setembro de 2003 pela grande maioria das crian- Após um mês, encontrávamos no- ças sem resistência alguma e até vamente. Iniciamos as atividades com bastante entusiasmo. Os dois com uma conversa, em que fiz per- meninos da quarta série mostra- guntas e também fui questiona- ram-se um pouco menos dispos- da, na qual trocamos experiênci- tos que os outros colegas. Sem- as e vivências, narrando uns aos pre realizei os jogos em dois gru- outros nossas histórias e inven- pos, em que um faria e outro esta- tando a nós mesmos. Ao pergun- ria observando, na posição de tar se sabiam porque estávamos platéia. Em determinado momen- ali, as respostas foram variadas: to, em que as crianças todas fala- para brincar, para ‘matar aula’, vam ao mesmo tempo, gritavam e para fazer entrevista, para jogar agitavam-se, a Coordenadora do jogos, para fazer teatro. Muitas turno, que por ali passava, inter- vezes, durante os cinco dias de veio. Sentou-se em uma cadeira e atividades, ouvi de várias crian- ficou observando-os com um ças que estávamos ali ‘matando olhar repressor. Todos se mostra- aula’, ou seja, este espaço era um ram temerosos e, no mesmo ins- Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 47
  • 7. tante, pararam de rir, falar, etc. A trabalho, “inspirar-me livremente nas disciplina mantida pela escola etnografias pós-modernas”, em al- parece-me bastante rígida. Ape- guns escritos de Gottshalk (1998), sar de serem agitados (solicitei Clifford (1995) e Geertz (1989), impor- colaboração e silêncio diversas tantes nomes que respondem pelo vezes), são extremamente discipli- que poder-se-ia chamar de “traços nados e acostumados a respeitar etnográficos pós-modernos” no cam- a ‘autoridade’. As crianças são po da Antropologia. Entretanto, as muito participativas, disponíveis metodologias etnográficas ultrapas- e empolgadas. O único momento sam as barreiras do campo que assu- em que ficaram caladas e para- me sua paternidade para compor es- das foi quando propus que pre- tudos nos campos da Psicologia, da enchessem suas fichas, durante o Arte, da Educação, da Medicina, da último jogo. Parece-me que se Comunicação, entre tantos outros. divertiram com as atividades re- Fundamentada nesses autores, alizadas. O último jogo proposto entendo que as etnografias pós-mo- (jogo das fichas com mímese) foi dernas distanciam-se das etnografias muito revelador dos significados clássicas, ainda que tenham surgido primeiros atribuídos pelas crian- baseadas em vários de seus precei- ças ao teatro, suas manifestações tos e princípios metodológicos de e linguagem. pesquisa, principalmente aqueles Empolgada pelas possibilidades, concernentes aos trabalhos de cam- pelos prazeres e anseios que de mi- po. Todavia, nos estudos nhas escolhas poderiam ser frutos, etnográficos clássicos, a observação aventurei-me por processos não vin- prolongada e uma pressuposta neu- culados estritamente a uma tralidade do antropólogo/ pesquisa- metodologia específica de pesquisa, dor ao narrar as “experiências do ou- permiti-me apropriar-me de práticas e tro” lhe conferem um caráter métodos que me pareciam, naquele essencialista que, posteriormente, momento, os que melhor serviriam às será contestado e rearticulado nos minhas vontades de pesquisa. Assim chamados estudos etnográficos pós- sendo, busquei inspiração nas modernos. Estes, por sua vez, permi- etnografias pós-modernas, que per- tem ao pesquisador trabalhar com di- mitem ao pesquisador estar junto de versas metodologias de pesquisa seu objeto de pesquisa, de certa for- qualitativa articuladas, tais como a ma confundindo-se com ele, dissol- observação (participante ou não), a vendo a dicotomia “sujeito-objeto”, entrevista em profundidade, o relato borrando as fronteiras (ainda que es- autobiográfico, a análise de dados e tas continuem a existir aliadas à materiais textuais. Outro pressupos- alteridade do humano). Busco, neste to das etnografias pós-modernas é 48 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 8. distanciar-se de uma suposta neutra- poral, as vicissitudes da tradução” lidade do pesquisador, que passa a (CLIFFORD, 1995, p. 41). colocar-se também enquanto sujeito Dessa forma, interpenetram-se a de pesquisa, na medida em que inter- experiência e a interpretação como fere nas próprias relações que está qualidades constituintes do estudando; sua voz faz-se ouvir no etnógrafo. Mais tarde, unindo-se a texto etnográfico, contudo, não é mais elas, a reflexividade. Há, nas ativida- a única como nas etnografias clássi- des de observação participante do cas, em que o etnógrafo é unívoco e etnógrafo, uma oscilação contínua possui a autoridade para falar pelos entre “o dentro” e “o fora”, “uma sujeitos. Dessa forma, não há mais um dialética entre a experiência e a inter- olhar universal e transcendental, mas pretação” (id ibid, p. 53). Além dos um olhar pessoal, em que o etnógrafo modos ditos “experiencial” e assume a especificidade de sua auto- “interpretativo” da “autoridade ria e “do lugar de onde fala”, abrindo etnográfica”, dos quais nos fala espaço para que também as vozes dos Clifford (1995), podemos encontrar sujeitos se façam presentes nas nar- também as autoridades “dialógica” e rativas e estudos etnográficos pós- “polifônica”, metáforas lingüísticas modernos, além das outras vozes so- ou paradigmas discursivos que vão ciais que atuam como mediadoras das ao encontro do que anteriormente foi vozes dos sujeitos e do pesquisador: tratado: a presença de vozes que não a mídia, os contextos políticos e eco- só a do etnógrafo enquanto autorida- nômicos, os artefatos e as práticas de absoluta da “escritura culturais, os discursos, as linguagens, etnográfica”. Entretanto, não se apre- entre outras. goa a essencialidade de cada um des- Tendo em vista o exposto, situo- ses paradigmas, sendo o próprio me enquanto pesquisadora, no espa- Clifford quem expõe esta potencial ço (mal)dito da tradução. Da dívida hibridação: “os modos de autoridade permanente que a tradução nos im- [...] - experiencial, interpretativo, põe para com o outro, já que da sua dialógico e polifônico - estão dispo- impossibilidade absoluta nos consti- níveis a todos os escritores de textos tuímos: a linguagem como a impossi- etnográficos [...]. Nenhum está obso- bilidade permanente da tradução leto, nenhum é puro; há espaço para (DERRIDA, 2002), que, mesmo impos- a invenção dentro de cada paradigma” sível, faz-se e vem a ser, constituin- (id ibid, p. 74). do-nos em seu fazer-se, na relação Dando continuidade às reflexões com o outro. Coloca Clifford que “a que teço, inspirada pelos referencias observação participante obriga a seus das etnografias pós-modernas, apre- participantes a experimentar, em um sento na seção seguinte as crianças nível tanto experimental quanto cor- espectadoras, sujeitos desta pesqui- Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 49
  • 9. sa, personagens da história que aqui explorando suas especificidades e (re)conto, e os contextos em que esta particularidades. aconteceu e se construiu. A escola, como já salientei anteri- ormente, apresenta-se como a “comu- 2. OS SUJEITOS E O CONTEXTO nidade de apropriação” privilegiada do teatro pelas crianças. Os proces- “De que sujeito falar?”, esta é a sos de recepção, que antecedem e pergunta que dá título a uma das se- extrapolam o momento do contato ções de artigo de Fischer (1995) e que com os artefatos, passam por diver- também norteou uma importante es- sos cenários em seu movimento de colha na prática que envolve este tra- construção de sentidos e significados. balho: de que infância falar, tendo em De acordo com Orozco, que é quem vista a multiplicidade e a volatilidade levanta os conceitos de “comunida- assumidas pelo infantil na pós- de de apropriação” e de “comunida- modernidade? Na completa impossi- de de interpretação”: “Em cada cená- bilidade de tentar demonstrar a rela- rio se está negociando a mensagem e ção das crianças com o teatro para talvez produzindo novos significados elas realizado abrangendo uma gran- ou confirmando os anteriores. Os ce- de variabilidade de “situações/ cons- nários são todos aqueles lugares truções de infância”, optei por traba- onde se produz sentido àquilo que se lhar em um contexto específico de re- obtém dos meios de comunicação” cepção: a escola. (OROZCO GÓMEZ, 2000, p. 118). Tendo em vista as complexas rela- Esse mesmo autor diferencia os ções travadas entre a instituição es- termos comunidade de apropriação e colar, seus dispositivos de comunidade de interpretação, referin- disciplinamento, regulação e normali- do-se ao primeiro como os espaços, zação (VEIGA-NETO, 2003)3 e o cam- grupos ou lugares nos quais aconte- po do teatro infantil, e também o fato ce a recepção em si. Podemos de ser esse o único contexto em que exemplificar dizendo que, no caso do grande parte das crianças de classes público infantil, a família é a principal desfavorecidas, da periferia de gran- comunidade de apropriação da tele- des centros urbanos e dos municípi- visão, enquanto que a escola é a prin- os do interior tem acesso à produção cipal comunidade de apropriação do teatral considerada “profissional”, teatro. julguei que seria profícuo limitar-me, Assim sendo, nos discursos e neste momento investigativo, a esse práticas (indissociáveis) das crianças contexto de recepção determinado, espectadoras, busca pistas e Anotações feitas em palestra proferida pelo Prof. Dr. Alfredo Veiga-Neto junto ao PPGEdu/ 3 UFRGS, em 2003/01. 50 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 10. intertextos que me conduzam a inves- de solicitar permissão para realizar o tigar, além da relação da construção trabalho com as crianças em suas de- das crianças enquanto espectadoras, pendências e horários de aula, em qual a contribuição dos discursos e acompanhar a ida delas da escola até práticas escolares como mediadores o teatro, etc. desses complexos processos de re- A Escola Estadual de Ensino Fun- cepção e da formação das identida- damental Irmão Egídio Fabris, locali- des desses sujeitos enquanto espec- za-se em um bairro de classe média, tadores híbridos. próximo ao centro da cidade e tem tur- Portanto, essa escolha orientava- mas da Educação Infantil e do Ensino me a realizar meu plano de ação com Fundamental: Jardim B à quarta-série crianças que assistissem a espetácu- no turno da tarde, 9 turmas, em um lo teatral infantil através de suas es- total de 109 alunos; quinta a oitava colas, ou em um edifício teatral, ou séries no turno da manhã, além de uma nas próprias dependências da insti- turma de Jardim A, perfazendo um to- tuição escolar. tal de 210 alunos. Ao todo, são 391 Assim, nesta pequena narrativa, alunos regulares freqüentando a ins- os cenários são a escola (pátio, refei- tituição no ano letivo de 2003. tório, sala dos professores, sala de- As primeiras impressões sobre o baixo da sala dos professores), a rua ambiente, registradas em meu Diário e o salão de um Centro de Tradições de Trabalho, são as seguintes: Gaúchas. O tempo é setembro de 2003, A escola é pequena, limpa, orga- ensolarado, quase primavera, quase nizada, paredes bem pintadas (de calor. O local é Bento Gonçalves, ci- bege claro e escuro). Tem uma dade da região Nordeste do estado quadra ao ar livre e uma ‘área do Rio Grande do Sul, com mais ou coberta’. Uma biblioteca e uma menos 100.000 habitantes, segundo parte nova, onde fica a ‘sala dos o último senso do IBGE, fundada pela professores’. As salas são dispos- colonização italiana, industrializada, tas ao redor da área coberta, ten- com amplas redes de ensino público do no centro a ‘sala da direção’. e privado, em que todas as crianças No horário em que estive lá, não em idade escolar freqüentam a esco- havia crianças no pátio, nem cir- la. culando pelos corredores. Apa- Cheguei até essa instituição de rentemente, todos estavam em ensino através de contatos travados suas salas de aula. Ordem e lim- com um grupo teatral da cidade que peza. Lembra-me um pouco a épo- faria apresentação de um espetáculo ca em que eu cursava as séries teatral infantil para os alunos da es- iniciais. cola, no mês de setembro de 2003. Quanto ao quadro docente, as Dessa forma, contatei a escola a fim turmas de jardim à quarta-série con- Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 51
  • 11. tam com professores unidocentes; as Durante alguns minutos de um demais séries, com um professor para recreio, expus minhas intenções de cada área de ensino. Há uma diretora trabalho também às professoras, so- e duas vice-diretoras. Também há uma licitando que indicassem um aluno coordenadora para cada turno. O úni- por turma para participar do grupo co homem no quadro funcional da com o qual realizaria as atividades de escola, no turno da tarde, é o jovem coleta de dados. Formaria um grupo porteiro. misto de alunos/as, com o intuito de Transcrevo aqui algumas anota- realizar as atividades de coleta. Seri- ções sobre o primeiro encontro com a am duas crianças por turma, um me- coordenadora e a vice-diretora do tur- nino e uma menina, sendo uma das no da tarde, de como as expectativas crianças indicada pela professora da recíprocas não se corresponderam ime- turma e outra escolhida por sorteio, diatamente, ainda que meu ingresso na aleatoriamente. Por idéia da coorde- escola tenha sido bastante tranqüilo: nadora, as professoras indicaram as Fui à escola. Fui recebida pela meninas; eu sorteei, através das lis- vice-diretora do turno da tarde e tas de chamada, os meninos. Mesmo pela coordenadora do turno. Ex- assim, submeti os nomes às respec- pliquei-lhes o projeto. Elas ouvi- tivas professoras. Alguns deles fo- ram-me e consentiram que eu re- ram “vetados”, pois, segundo elas, alizasse o trabalho na escola, com “iriam se prejudicar faltando às au- as crianças. As expectativas de- las”. As professoras indicaram-me las em relação ao meu trabalho, outros meninos. como professora de teatro, pare- O grupo, então, foi composto por ciam ser outras. A vice-diretora 18 alunos, sendo 9 meninas e 9 meni- logo comentou comigo, assim que nos, com idades entre 5 a 11 anos; cheguei, que se eu fosse fazer um os alunos que freqüentam a escola trabalho a longo prazo, elas gos- em questão pertencem, eminentemen- tariam de uma ‘pecinha’ para as te, à classe média. No segundo dia apresentações de Natal. em que estive na escola, mais ou Depreendo desta fala que elas menos um mês antes da data previs- pensaram que eu formaria um ta para apresentação do espetáculo grupo de teatro com as crianças, teatral, conversei com as professo- daria aulas, montaria peças. A ras no horário do recreio e solicitei imagem do teatro na escola cos- 15 minutos para me apresentar às cri- tuma ser esta: uma visão anças e explicar-lhes o projeto: o que utilitarista, o ‘teatrinho’ que as eu pretendia fazer, saber se estavam crianças fazem para mostrar aos interessados em participar, informá- pais e colegas em datas / come- las dos objetivos do projeto, escla- morações cívicas. recer as dúvidas que possivelmente 52 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 12. surgiriam. brincar de carrinho, jogar fute- Assim, após o término do recreio, bol (os meninos). Percebe-se que esperei pelos alunos na sala que fi- são crianças ativas, gostam de cava no andar debaixo da sala dos atividades desportivas, de movi- professores. Em alguns minutos, ali mento. São também falantes e estavam. comunicativas. As crianças vão chegando, em Durante esse primeiro encontro, duplas (um menino e uma meni- além de apresentar-nos, de explicar e na). Olham-me desconfiados. Ten- esclarecer dúvidas acerca das ativi- to descontrair, digo oi, convido- dades que desenvolveremos juntos, os a sentar no chão comigo, em entrego-lhes um Termo de Consenti- roda. Esperamos os que faltam mento Informado, documento esse chegar. Eles me perguntam o que que deve ser lido e assinado pelos estamos fazendo ali. Conversamos responsáveis de cada criança, autori- sobre coisas banais enquanto os zando-me a realizar o trabalho de pes- outros não chegam. Todos, apa- quisa e a utilizar os dados coletados rentemente, se conhecem, a esco- nesta proposta de dissertação. Alguns la é pequena. (...) Usam unifor- pais e mães telefonaram-me a fim de mes: calças pretas, moletons e blu- obter alguns esclarecimentos depois sões decote v vermelhos, camise- de receberem o termo. Todos consen- tas brancas, alguns casacos de tiram com a participação de seus fi- abrigo. Logo percebo: foram es- lhos nas atividades que propunha. colhidos a dedo pelas professoras! No geral, as crianças pareceram São ativos, falantes, agitados. empolgadas com a idéia de realizarem Fazem perguntas, estão curiosos. atividades diferentes das cotidianas, Conversamos, proponho uma principalmente com os jogos e as en- apresentação em roda, em que cada trevistas; ficaram muito excitados ao um fale de si e do que gosta de fazer. saber que suas falas seriam gravadas. Dois meninos da quarta-série mos- Prometi-lhes que escutaríamos juntos, tram-se irrequietos: estão “perdendo” depois, aquilo que fosse gravado. a aula de Educação Física! Nesse Naquele momento travávamos momento, reproduzo parte de minhas uma espécie de pacto, no qual eu me anotações sobre essa conversa, na comprometia a oferecer-lhes alguns qual as crianças falam de suas prefe- momentos lúdicos e prazerosos e eles rências: comprometiam-se a colaborar pronta- As idades variam dos 6 aos 11 mente comigo, desde que lhes fosse anos. Dentre suas preferências dada a oportunidade de, juntos, defi- estão: jogar vôlei, espirobol, ler, nirmos como efetuar praticamente o estudar, nadar, assistir teatro (as que eu propunha. E esse foi o início meninas), jogar no computador, da construção de uma relação efêmera Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 53
  • 13. e produtiva, em que o estar junto ren- deu, além de muitas dúvidas, risos, Dia 3, Bento Gonçalves, 19 de gritos, cochichos, pensares e viveres, setembro de 2003 um riquíssimo material de trabalho. Este encontro, no dia após a ida Material palpável e material intangí- ao teatro, foi muito produtivo. vel, pois além dos registros, grava- Conversamos longamente sobre ções, anotações, fotos, desenhos,há a peça, sobre outras peças que a experiência juntos. Ou seja, aquele assistiram, sobre suas preferên- entre nós que me constituiu e consti- cias, entrevistaram-me, interes- tui-as, que fez de nós algo único e sados por minha história com o efêmero, naquela conformação espa- teatro, contaram-me suas histó- ço-temporal que dividimos, que jun- rias com o teatro. Após esta con- tos construímos e pela qual passaram versa, propus que fizéssemos três afetos, dissabores, sons, rancores, jogos teatrais: estátua em du- odores, toques, sensações, expres- plas, jogo do quadro/ fotografia sões, enfim, tudo aquilo que não cabe sobre a peça e jogo Quem eu sou? no espaço do papel e que, por mais livre. Muitas relações, significa- esforço descritivo que se faça, sem- dos e sentidos conferidos pelos pre estará indisponível a uma repre- alunos ao (e através do) espetá- sentação fidedigna. Ou seja; estará culo que assistiram no dia ante- muito próximo daquilo a que tenho rior surgiram durante os jogos, referido-me como essencialmente te- com seus gestos, ações, movi- atral: o inenarrável estar junto. mentos e falas. Corpos (re)produzindo e (re)criando a 3. BRINCANDO E INVENTANDO experiência do dia anterior, com COM CORPOS VIVOS - JOGOS o artefato teatral e sua lingua- TEATRAIS gem peculiar. Corpos vivos brin- 4 Talvez possamos pensar no teatro enquanto o encontro de várias linguagens em um mesmo artefato, que seria o espetáculo cênico. Seriam elas: ·Linguagem visual ou plástica (cenários, figurinos, maquiagem, iluminação, elementos cênicos, etc.); ·Linguagem sonora e musical (vozes, entonações, ruídos, sons, músicas, trilhas sonoras, etc.); ·Linguagem cinestésica ou dos movimentos, ações e gestos (ritmos, amplitude, tamanho, força, etc.); ·Linguagem dramática (o texto dramático, as falas ou as indicações de ações, a fábula, a narrativa, a história contada, etc.). É importante salientar que para que ocorra o evento teatral, necessita-se, minimamente, de um ator que represente algo com alguma intenção estética diante de um espectador. A presença física e a troca, a comunhão efêmera entre um ator e um espectador, estas são as únicas características intrínsecas daquilo que chamamos linguagem teatral. 54 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 14. cando e inventando. deve ser específica e absoluta. A linguagem teatral5 (com todas Após essa longa listagem de ca- as implicações que advêm do uso des- racterísticas abordadas por Huizinga se termo) pode ser pensada como uma (2000) como sendo necessárias a uma forma de jogo inexoravelmente ligada atividade lúdica ou jogo, posso infe- à espécie humana. Segundo as carac- rir que há uma forte e marcada analo- terísticas que Huizinga (2000) levanta gia entre as práticas teatrais e o jogo como sendo próprias das atividades ou as atividades lúdicas. Tal como no lúdicas, o teatro apresenta-se como jogo, no teatro busca-se uma espécie uma modalidade de jogo por excelên- de evasão da vida prosaica na qual se cia. constrói uma nova situação galgada Conforme esse autor, o jogo não é em elementos retirados do contexto “vida corrente”, é um intervalo na vida cultural e de seus sujeitos, reorgani- cotidiana e prosaica; contudo, é par- zados de forma estético-poética; a te integrante de uma suposta “vida efemeridade e a limitação espacial do real” e utiliza-se de elementos e influ- teatro são idênticas as do jogo (e ab- ências desta para sua posterior nega- solutamente necessárias à existência ção e reorganização no universo pró- de ambos); as regras do jogo são prio do jogo. Tem sempre uma finali- homólogas às convenções estéticas dade autônoma e se realiza tendo em e éticas que seguimos na elaboração vista uma satisfação que consiste no e reconhecimento de uma linguagem próprio ato de jogar, sendo uma ativi- teatral (produtores e receptores de- dade livre e voluntária, mesmo que siga vem conhecer e respeitar as mesmas regras internas rígidas, as quais de- regras no teatro). Assim sendo, mes- vem ser aceitas e conhecidas por to- mo que sejam atividades exteriores à dos os jogadores para que ele suceda vida cotidiana e habitual, tanto o tea- com êxito pleno. O jogo só pode exis- tro como o jogo são capazes de ab- tir em uma limitação definida de espa- sorver os participantes de uma ma- ço e tempo: ele cria um espaço e um neira intensa, criando uma tensão que tempo próprios e durante esse espa- “transportaria” os jogadores a um ço-tempo tudo é movimento, mudan- espaço-tempo diferenciado, extra-co- ça, associação e separação; entretan- tidiano. to, o jogo cria ordem e é ordem, pois No espaço-tempo não-cotidiano dentro de seus domínios a ordem do jogo desenvolvem-se sentimentos 5 Segundo Orozco (2000), uma entrevista semi-dirigida caracteriza-se por ter alguns núcleos temáticos de assuntos a serem discutidos elaborados anteriormente pelo pes- quisador, o que não significa que as perguntas a serem feitas serão estanques e definidas. Há mobilidade nas perguntas e respostas, contudo estas serão conduzidas pelo pesqui- sador dentro de eixos temáticos pré-estabelecidos. Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 55
  • 15. “genuínos”, como a sensação que ex- coleta de dados junto às crianças es- perimentam os jogadores de estar “se- pectadoras, posso dizer que desde o paradamente juntos” (HUIZINGA, início da elaboração do trabalho mi- 2000), em uma situação excepcional, nhas idéias encaminhavam-se no sen- partilhando algo importante. Logo, pen- tido de não somente ouvir as falas das so que no caso específico do teatro tam- crianças, ou seja, não me ater somente bém aquilo que denomino neste tra- às informações que poderia obter atra- balho de “comunhão teatral”, ou o vés da linguagem verbal ou escrita. Ora, estar junto que vivenciam atores e se o teatro apresenta-se marcadamente espectadores, atores e atores e ato- ligado a diversas linguagens, entre elas res e personagens, possa ser signifi- e talvez com mais força, pela linguagem cado por seus participantes enquan- dos movimentos e gestos dos atores to algo que os arrebata e provoca em cena, por que não possibilitar às cri- sensações semelhantes ao anças que se expressem e expressem envolvimento em um jogo coletivo. aquilo que sentem e pensam sobre a Portanto, o público deve ser seduzi- linguagem teatral através de seus cor- do e convencido a aceitar o jogo pro- pos, da tonicidade e ritmo de seus mo- posto pelos atores em cena e pela vimentos, da plasticidade de seus ges- estética da encenação e seus elemen- tos? Além disso, sendo eu uma tos, e a partir daí compartilhar das professoratriz, parecia-me óbvio que regras e (des)prazeres possíveis. abordasse aquelas crianças e tentasse Após essas considerações inici- construir uma relação com elas através ais que tiveram o intuito de da linguagem com a qual estou familia- contextualizar a analogia possível rizada e que, enfim, era/é o objeto cen- entre a linguagem teatral e o jogo, tral de minhas vontades de pesquisa. julgo ser pertinente ressaltar que a Dessa forma, ofertei às crianças, prática de jogos dramáticos e teatrais desde nosso primeiro encontro, a pos- é amplamente utilizada tanto na for- sibilidade de realizarmos uma série de mação de atores como na de platéi- jogos teatrais, inspirados principalmen- as, bem como enquanto estímulo para te no sistema de Spolin (1987), que, se- a iniciação de crianças e adultos com gundo Desgranges, “está calcado em a linguagem teatral e algumas de suas jogos de improvisação e tem o intuito especificidades técnicas, formais e de estimular o participante a construir o estéticas. Diversos autores, profes- próprio conhecimento acerca da lingua- sores, diretores, atores de teóricos gem tetral, em um método em que o alu- formularam suas metodologias da no, junto com o grupo, aprende fazen- abordagem teatral através de jogos. do, experimentando, e pensando cri- Trazendo agora para este espaço ticamente acerca daquilo que foi a justificativa do uso de jogos tea- realizado”(DESGRANGES, s/d, p. 5). trais como uma das metodologias de De sua parte, as crianças acolheram 56 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 16. a proposta e mostraram-se sempre Assim, não tive a intenção, com o muito entusiasmadas na realização uso dos jogos teatrais, de realizar algo das atividades que envolviam jogos que se assemelhasse aos que teatrais e atividades lúdicas de cará- Desgranges (2003) nomeia de “anima- ter corporal e cinestésico. ção teatral”, ou seja, atividades com a No primeiro encontro, jogamos finalidade de otimizar a recepção do es- jogos de atenção, disponibilidade, petáculo por parte dos espectadores. confiança, ritmo, desinibição e res- Simplesmente tentei possibilitar às cri- peito pelo corpo do colega, sempre anças que expressassem seus sentires pensando na relação palco-platéia, e construíssem significados acerca do sendo que enquanto um grupo reali- teatro através da linguagem corporal, zava o jogo, o outro observava; pos- propiciada então pelos jogos. teriormente, comentava-se a percep- Durante o Encontro 3, que suce- ção e as impressões dos jogadores e deu a assistência ao espetáculo teatral observadores. Jogos de mimese A Terrível Viseira do Dr. Chip, propus corpórea também foram realizados, vários jogos de mimese corpórea de sempre encaminhando o foco na di- caráter livre, em grupos, nos quais as reção de meu objetivo central, que crianças poderiam ou não reproduzir era o de obter dados que indicassem cenas, situações e personagens do es- como acontecem as experiências das petáculo assistido. Diversas relações crianças com a linguagem teatral; tí- que as crianças construíram com o es- nhamos como temática o próprio te- petáculo em questão surgiram nesses atro. jogos, bem como algumas concepções advindas de seu repertório cultural anterior também se fizeram presentes. Figura 1 - Encontro 1 - Jogo das partes do corpo grudadas com deslocamento: jogo de atenção, confiança e disponibilidade. Figura 3 - Encontro 3 - Jogo da estátua em duplas, livre: os escultores montam suas es- tátuas. Figura 2 - Encontro 1 - Hipnose em du- 4. DESENHANDO E REPRESEN- plas: jogo de concentração, corporeidade, TANDO O TEATRO - REGISTROS confiança, ritmo. Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 57
  • 17. GRÁFICOS Educação Física. Alguma inse- gurança em relação a suas habi- Dia 4, Bento Gonçalves, 22 de lidades em desenhar, reproduzir setembro de 2003 cenas através do desenho. Tentei Neste dia, programei-me para aclamá-los e incentivá-los. Ao que as crianças realizassem uma acabarem suas produções, volta- produção gráfica (desenho, pin- ram às respectivas salas de aula. tura, colagem) acerca de suas Pois bem: as crianças desenharam experiências ou expectativas com o teatro. Houve algumas inseguranças o teatro. Após o horário do re- em relação às suas capacidades de re- creio, encontramo-nos todos no produzir graficamente da forma (as for- refeitório da escola, que conta mas) almejada(s), que tentei amenizar com mesas coletivas amplas, incentivando-as, dizendo-lhes das brancas, com bancos acoplados. possibilidades únicas de cada um ex- Quando disse a eles que naquele pressar-se também através do desenho. encontro iríamos desenhar, não Durante a meia tarde barulhenta no lim- gostaram muito da idéia. Queri- po e branco refeitório da escola, con- am fazer outras atividades, como taram-me um pouco daquilo que dese- jogos e brincadeiras, com movi- nhavam: histórias de amor novelescas, mento e ação. Mesmo assim, aca- causos engraçados, de bichos, de tea- taram minha solicitação e divi- tros a que haviam assistido no passa- diram-se nas duas mesas, com lá- do e que (re)construíam agora na me- pis de cor e material escolar va- mória, de carros e motos que pareciam riado. Propus que fizessem um saídos de filmes hollywoodianos, dos desenho ‘sobre teatro’. Poderia personagens e elementos do espetá- ser sobre a peça que haviam as- culo assistido no dia anterior, de histó- sistido, sobre outro espetáculo rias vistas e ouvidas, de outras inven- que tivessem visto, ou também tadas, “o teatro que gostariam de ver”. sobre como gostariam que fosse Pillar (1996a) argumenta que “en- uma peça, inventada por eles. Os tende-se por desenho o trabalho gráfi- desenhos foram os mais variados: co da criança que não é resultado de do espetáculo do dia anterior, de cópia, mas da construção e da inter- outros ‘teatros’ a que haviam as- pretação do objeto pelo sujeito” sistido ou dos quais tinham par- (PILLAR, 1996a, p. 33). Pensando em ticipado, sobre temáticas de suas sentido homólogo ao dessa autora, preferências etc. Durante todo escolho como uma das estratégias para tempo conversamos bastante, cri- a construção (junto às crianças) de anças narravam a mim seus dese- dados a serem analisados a proposta nhos. Barulho e agitação. Alguns de desenharem aquilo que pensam, meninos queriam ir à aula de lembram e sentem em relação ao tea- 58 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 18. tro. Fiz isso de forma a possibilitar cer- tuição dos seus autores e de suas iden- ta liberdade de escolha às crianças, tidades de crianças espectadoras. Con- procedendo de forma idêntica à que fiz sidero, assim, tanto os desenhos quan- com os jogos teatrais: propus-lhes que to as narrativas das crianças sobre desenhassem qualquer coisa que lhes eles, potenciais materiais a serem ana- aprouvesse e que tivesse alguma liga- lisados e refletidos. Há necessidade de ção com o teatro, de forma a incitar que problematizar não somente a análise construíssem alguma relação com suas dos desenhos, mas o contexto em que experiências com a linguagem teatral. foram produzidos, os esforços de seus Quanto à qualidade dos dados re- produtores e as narrativas infantis so- presentados por desenhos, registros bre eles, ou seja, os sentidos que as gráficos das impressões e experiênci- crianças conferem àquilo que represen- as de referido grupo de crianças com o taram graficamente. teatro infantil, posso perceber, além da Saliento, no entanto, que os mo- presença das relações com o teatral, dos de olhar tais desenhos que busco diversas e diferenciadas mediações que desenvolver aqui não se aliam a teori- compõem o repertório anterior dessas as desenvolvimentistas e/ou crianças enquanto espectadoras e su- cognitivistas, nem mesmo intento pro- jeitos atravessados e constituídos atra- curar qualquer reprodução realista nos vés de determinada cultura. Então, traços das crianças. Pretendo, sim, pressuponho que “o olhar de cada um percebê-los como “( . . . ) documentos está impregnado com experiências an- históricos aos quais podemos recorrer teriores, associações, lembranças, fan- ao necessitarmos saber mais e melhor tasias, interpretações, etc” e, portan- acerca de seu mundo vivido, imagina- to, penso que nos desenhos das cri- do, construído, numa atitude anças, em seus registros gráficos, “o investigativa que procure contemplar a que se vê não é o dado real, mas aquilo necessidade de conhecer parte da His- que se consegue captar e interpretar tória e de suas histórias segundo seus acerca do visto, o que nos é significa- próprios olhares” (GOBBI, 2002, p. 73). tivo.” (PILLAR, 1996, p. 36). Assim sendo, considero esses ar- tefatos que são os desenhos como importantes registros das experiênci- as infantis com o teatro, ou seja, das experiências de construção de senti- dos em relação à linguagem teatral que também se produziu no momento mes- mo da elaboração desses desenhos, também eles “técnicas de si” que pos- sibilitaram, de alguma forma, a consti- Figura 4 - Desenho de Mariana, 5 anos. Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 59
  • 19. O desenho acima nos traz um claro exemplo de como pode acontecer a 5. NARRANDO(SE) E ressiginificação e a construção de sen- CONSTRUINDO(SE) ESPECTA- tidos a partir das práticas do desenhar DOR/A - ENTREVISTAS E CON- e narrar a produção gráfica em contex- VERSAS tos e situações determinados. Mariana, uma esperta menina de 5 Dia 5, Bento Gonçalves, 23 de anos, aluna do Jardim B, desenhava setembro de 2003 compenetrada as formas que Este foi o último dia em que esti- comumente aparecem nos desenhos vemos juntos. Entrevistei-os em das crianças dessa idade: um sol com grupos: dividi as crianças pelas nuvens arredondadas, uma flor, duas séries que freqüentavam. Os gru- árvores, um lago com peixes colori- pos das quartas, terceiras e se- dos. Aproximo-me dela e pergunto: gundas séries com quatro crian- - Mariana, este é o teatro que tu ças cada, o último grupo contou imaginou? com seis alunos/as: quatro da Surpreendida pela minha per- primeira série e dois do Jardim gunta, responde prontamente: B. Cada entrevista durou, em - É! média, 1 hora. A entrevista com o - E onde estão os personagens? - Grupo 1, das quartas séries, Insisto. transcorreu tranqüilamente. Vi e - Aqui ó, são os atores vestidos - Em estavam um pouco retraídos, Responde ela desenhando rapi- ou não muito atraídos pelas per- damente bocas e olhos em nuvens, guntas. No entanto, todas as ques- sol e árvores. - O sol fala com as tões foram respondidas e comen- nuvens que falam com as árvo- tadas. No Grupo 2, formado pe- res, são os atores vestidos... los/ as alunos/ as das terceiras - Ah, tá.... é que eu não tinha en- séries, a entrevista foi uma ativi- tendido... dade muito producente: eram to- Resigno-me, então, a não desafi- dos falantes e tinham muita von- ar mais a imaginação da tade de participar, respondendo Mariana. Desenhava pelo prazer às perguntas e elaborando ou- de desenhar e, interpelada pela tras, interagindo entre si, como “outra”, adulta e professora que em uma ‘conversa orientada’ ou era eu naquele momento, astuta- ‘temática’, concordando e dis- mente ressignificou aquilo que cordando uns dos outros, em um desenhava para agradar a mim e exercício de livre expressão. Já a meus anseios de pesquisadora com o Grupo 3 (segundas séri- que queria saber sobre o teatro e es), foi bastante difícil realizar a as crianças. entrevista: todos muito agitados 60 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 20. e dispersos, eu também já estava logicamente a antecederam) de nos- cansada e impaciente por ter fei- sas “identidades narrativas”. to outras duas entrevistas, sem Acerca desse conceito, Carvalho pausa. Durante muitos momentos afirma: “A noção de identidade narra- implicaram e brigaram uns com tiva supõe um processo estrutural os outros, dispersando-se. Fomos formador do que Ricoeur denomina interrompidos pelo recreio. Con- ipseidade - compreendida como a tinuamos por um curto tempo identidade de um si mesmo relacional após o término do recreio. As cri- e, portanto, marcado pela abertura de anças do Grupo 4 (primeiras sé- um ser afetado pelo mundo, em con- ries e jardim B) responderam às traste com uma identidade fixa do perguntas com muita desenvoltu- mesmo” (CARVALHO, 2003, p. 6). ra, principalmente no Sobre as questões relativas à polifonia concernente à televisão e aos percebida nas “narrativas do eu” (en- desenhos animados. Falavam to- tre as quais encontram-se os relatos dos ao mesmo tempo, tumultua- provenientes de entrevistas, como as dos e alegres, mas conseguimos que realizei com as crianças), essa nos organizar de forma a todos mesma autora argumenta: “Nesse ouvirmos e falarmos. jogo polifônico, o sentido não está Ao optar por realizar entrevistas nunca aprisionado numa intenção ou semi-dirigidas4 com as crianças com significado prévio, mas é efeito as quem estive junto, inclui dentro da imprevisível de um encontro de estratégia de pesquisa que me pro- alteridades, portanto somente acon- pus a desenvolver um importante tece numa situação de comunicação mecanismo de constituição e e está fadado às vicissitudes da recri- (re)invenção de si, que é a narrativa ação permanente” (id ibid, p.10). da experiência. Em uma relação Assim sendo, reitero que relações polifônica (entre as várias vozes das de força atravessaram e perpassaram crianças que participaram de cada gru- tanto as crianças como eu, bem como po entrevistado e os diversos discur- o pacto que, de forma efêmera, cons- sos que teceram relações intertextuais truímos juntos e também nos consti- em seus enunciados) e dialógica (ha- tuiu em sua produtividade, pois, “o via dois “tipos” de vozes diferentes relato autobiográfico não representa envolvidas: a minha, de o sujeito, mas o produz. Daí a nature- professoratriz; “outra”, adulta e pes- za de auto-invenção do relato autobi- quisadora; e as das crianças, sujei- ográfico” (id ibid, p.11). Em conso- tos-personagens da pesquisa), que nância com essas proposições, ainda caracteriza o gênero entrevista, demos podemos pensar que “Essa auto-in- continuidade à construção (já inicia- venção, por sua vez, traz consigo a da nas outras atividades que crono- invenção do Outro, das relações de Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 61
  • 21. alteridade e, portanto, da identidade Alguns - Tudo. narrativa de um campo intersubjetivo (Saio da sala para pegar água e cultural em questão. É nesse senti- enquanto as outras crianças vão do que a auto-invenção dos sujeitos chegando, eles falam para o gra- é simultaneamente posicionada num vador, ameaçam desligar, etc, campo social e demarcadora desse volto para sala, eles continuam mesmo campo” (id ibid, p. 11). às voltas com o gravador) Portanto, todo enunciado é mo- Eu - Qual é o problema que tá dulado pela presença do outro, dos gravando? Vocês querem ouvir destinatários ou interlocutores. Não um pouquinho? posso perder isso de vista ao manu- Juliana - Sim!!!!! sear o material fruto de minhas experi- (Volto a fita e deixo que escutem. ências empíricas com as crianças, in- Quando todos chegam, sentamos clusive as transcrições de conversas no chão, em um círculo) e entrevistas. Algumas questões pro- Andressa - Profe, quando é que a postas por James Clifford e gente vai poder ver a gravação reelaboradas por Arfuch (2002) devem de ontem e do outro dia que o ser levadas em conta: “O que fazer Marcelinho gravou? com a palavra do outro? Como trans- Eu - Quando eu conseguir pas- crever o registrado? Que signos res- sar para a outra fita normal de peitar e recolocar, como analisá-la e vídeo eu trago pra vocês verem. expô-la, a sua vez, à leitura pública Tem vídeo aqui na escola? (acadêmica, editorial, midiática)?” Juliana - Tem. Na biblioteca e na (ARFUCH, 2002, p. 192). sala do Jardim. Abordo neste espaço um excerto Eu - Pessoal, tudo bem com de conversa com o grupo de crian- vocês? Antes da gente iniciar as ças, no qual elas próprias levantam atividades, a gente vai fazer ou- aspectos da relação dialógica que es- tros jogos hoje, diferentes dos do tabelecemos, da existência de um gra- outro dia... vador e outros mecanismos naquele Andressa (interrompendo) - espaço-tempo em que estivemos jun- Profe, tu vai perguntar alguma tos, bem como se evidenciam algumas coisa do teatro? relações de força entre nós Eu - Vou, é o que eu ia dizer, an- estabelecidas, a forma como conduzo tes da gente começar trabalhar, e medeio nossas conversas sobre te- eu queria que, um por vez, deva- atro de acordo com meus interesses garinho, falasse o que quisesse: de pesquisadora. o que gostou, o que não gostou... Juliana - Pessoal, ela tá gravando. Porque tem coisa que a gente não Paula - É. Ela tá gravando. gosta, ninguém é obrigado a gos- Eu - Tudo bom com vocês? tar de tudo, como é que foi ir até 62 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 22. lá, voltar, se quiserem falar de Andressa - E tu já teve vontade outros teatros que já assistiram de fazer outra coisa? podem falar... O que vocês quise- Paula - Quando tu começou a fa- rem falar! Certo? [grifo meu] zer teatro tu tinha certeza que tu Como havíamos assistido ao es- ia ser professora de teatro e fazer petáculo teatral na tarde anterior, a teatro? menina Andressa em sua fala já ante- Eu - Olha, certeza, certeza eu não cipa e prevê que eu perguntaria algo tinha, porque eu era muito pe- sobre essa experiência; afinal, havia quena, mas eu sempre gostei mui- esclarecido a eles porque eu estava to de fazer teatro, e sempre fiz. Aí na escola e porque realizávamos aque- quando chegou na época de fa- las atividades todas, qual era meu pro- zer vestibular... Vocês sabem o pósito com isso. Depois de algum que é vestibular? É antes de en- tempo de conversa, paulatinamente trar na faculdade, a gente faz uma inverteram-se as posições e então as prova. crianças começaram a me entrevistar, Juliana - Um teste! perguntaram sobre minhas experiên- Andressa - Agora é a gente que cias teatrais, mostraram-se curiosas tá te entrevistando! sobre a minha relação com o teatro. Vicente - O primeiro teatro que Esse deslocamento de nossas posi- tu fez tu não ficou assim, um pou- ções de pesquisadora e sujeitos de co com vergonha? pesquisa me pareceu um profícuo Eu - Fiquei... Até hoje dá um medo momento de troca e de confiança que antes de começar. conseguimos estabelecer. Reproduzo Seguindo as reflexões sobre as aqui parte dessa “inversão de papéis”, entrevistas, saliento que para Arfuch explícita na fala surpresa de Andressa: (1995), uma das intelectuais latino- “Agora é a gente que tá te entrevis- americanas que tem desenvolvido tra- tando!”. balhos acerca das entrevistas e nar- Andressa - Profe, quando tu de- rativas autobiográficas como gêneros cidiu que queria fazer teatro? discursivos, a entrevista pode pare- Eu - Quando eu era bem peque- cer uma simples conversação, contu- na, assim do tamanho de vocês... do, tem seus limites bem claros, como (Continuam fazendo uma série de o lugar ocupado por entrevistados e perguntas acerca de minha vida entrevistador e a temática com o teatro) estabelecida, em alguns casos. Essa Karina - Tu não teve vontade de mesma autora ressalta o caráter de trabalhar na TV? narrativa que as entrevistas podem Eu - Não, Karina, eu nunca tive assumir, conferindo-lhes característi- vontade de fazer TV. Eu gosto cas como a fragmentação, a incerteza mesmo é de fazer teatro. e a incompletude. Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 63
  • 23. No mesmo sentido das coloca- Ainda que haja uma série de me- ções de Arfuch (1995), é Larrosa (1995) diações que interpolam o espaço en- quem discorre acerca dos processos tre as experiências e os significados de narrar-se enquanto uma tecnologia que conferimos a elas através de nos- da constituição de si: “o narrador é o sos discursos e narrativas, esses sig- que expressa, no sentido de nificados não são prévios ou antece- exteriorizar, o rastro que aquilo que dem o momento mesmo de sua viu deixou em sua memória”, sendo enunciação. Mesmo que os discursos que “a recordação não é apenas a pre- e as narrativas possam ser considera- sença do passado”, mas ela “implica dos polifônicos e portadores de di- a imaginação e a composição, implica versas vozes, de uma um certo sentido do que somos, im- intertextualidade inerente, ainda que plica habilidade narrativa” cada uma das crianças estivesse (LARROSA, 1995, p. 68). Compartilho implicada em uma relação eminente- com esse autor a idéia de que: “é con- mente dialógica (comigo e também tando histórias, nossas próprias his- com seus colegas, já que as entrevis- tórias, o que nos acontece e o senti- tas e conversas realizaram-se em gru- do que damos ao que nos acontece, pos), elas produziram sentidos e pro- que nos damos a nós próprios uma duziram-se enquanto sujeitos em re- identidade no tempo” (Id ibid, p. 69). lação ao teatro, ou seja, constituíram- Logo, posso inferir que as conversa- se espectadoras. Tais sentidos e ções e entrevistas realizadas com as posicionalidades assumidas foram crianças foram exercícios de narração sempre permeados pelas múltiplas e auto-narração que constituíram tam- mediações que atuaram e atuam na bém suas identidades de espectado- constituição desse grupo de crianças res de teatro (além de me constituírem em relação com a linguagem teatral. professoratriz de teatro). Durante o lembrar, narrar e (re)inventar suas ex- 6. BREVES CONSIDERAÇÕES A periências com o teatro, construíamos TÍTULO DE FINALIZAÇÃO sentidos e significados que eram con- feridos à relação das crianças com a A título de encerramento destes linguagem teatral, articulando-as às escritos, mas não das possibilidades suas diversas experiências como es- investigativas que se apresentam, pectadores híbridos na valho-me das palavras de Quinteiro a contemporaneidade. Saliento que du- fim de justificar essa estratégia rante as atividades com os jogos tea- multimetodológica utilizada, ainda que trais e os desenhos também constru- pense que sua justificativa encontra- ímos narrativas através de duas lin- se no fazer mesmo das práticas que guagens que não a verbal: a corporal propus às crianças e que elas gentil- e a gráfica. mente acolheram, hospedaram e 64 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.
  • 24. reinventaram, construindo-se assim a titui-se, agora, em encontrar, criar, con- si próprias. Para essa autora, “falta por ferir significados e sentidos a esse parte dos estudos etnográficos, da material. pesquisa participante, do inventário dos artefatos, das produções cultu- rais, das histórias de vida e das entre- REFERÊNCIAS vistas biográficas propiciar um con- junto integrado de métodos e técni- ARFUCH, L. La entrevista, una cas que possa subsidiar as pesqui- invención dialógica. Barcelona: Paidos, sas relativas à criança e à infância no 1995. campo educacional” (QUINTEIRO, ______. El espacio biografico: dilemas 2002, p. 41). Apresentei, portanto, nes- de la subjetividad contemporanea. Buenos te trabalho, a tentativa de concretizar Aires: FCE de la Argentina, 2002. empiricamente algo semelhante ao CARVALHO, I. C. M. Biografia, identi- que se refere a autora acima citada. dade e narrativa: elementos para uma aná- A partir dos momentos vividos lise hermenêutica. Horizontes antropo- com as crianças, possuo agora, além lógicos, Porto Alegre, UFRGS, v. 9, n. das intangíveis e inenarráveis sensa- 19, jul. 2003. ções e sentimentos, algum material CLIFFORD, J. Sobre la autoridad palpável e visível em sua concretude. etnográfica. The Predicament of E é esse mesmo material que preten- Culture, Cambridge, Harvard University Press, p. 21-54, 1988. do ampliar, fazendo com que seus sen- tidos e significados dilatem-se, exer- DERRIDA, J. Torres de babel. Belo çam-se, (re)vivam, através das análi- Horizonte: UFMG, 2002. ses e reflexões que farei acerca deles. DESGRANGES, F. A pedagogia do es- Logo, “[...] a entrevista utilizada na pectador. São Paulo: HUCITEC, 2003a. investigação acadêmica [...] será um ______. O jogo teatral de Viola Spolin. passo para ir ‘mais adiante’, até a ela- (Texto digitado para fins didáticos), [s/d]. boração de um produto outro [...]” FISCHER, R. M. B. A análise do discur- (ARFUCH, 2002, p. 179) pelo pesqui- so: para além de palavras e coisas. Educa- sador. Arfuch refere-se especifica- ção e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. mente às entrevistas, mas posso am- 2, p. 18-37, jul./dez. 1995. pliar essa referência à variabilidade de GEERTZ, C. Estar lá, escrever aqui. Diá- dados construídos através da estra- logo, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 58-63, 1989. tégia multimetodológica de pesquisa GOBBI, M. Desenho infantil e oralidade: empírica que aqui propus, através do instrumentos para pesquisas com crian- uso de registros gráficos, jogos tea- ças pequenas. In: FARIA, A. L. G. et al trais, conversações e entrevistas, ins- (Orgs.). Por uma cultura da infância: pirada nas etnografias pós-modernas. metodologias de pesquisa com crianças. Meu trabalho de pesquisadora cons- Campinas: Autores Associados, 2002. Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004. 65
  • 25. GOTTSCHALK, S. Postmodern sensibilities and ethnographic possibilities. In: BANKS, A.; BANKS, S. (Ed.). Fiction and social research: by ice or fire. London: Altamira Press, 1998. p. 205-233 HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Pers- pectiva, 2000. LARROSA, J. Tecnologias do eu e educa- ção. In: SILVA, T. T. O sujeito da educa- ção: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 35-86. OROZCO GÓMEZ, G. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. La Plata, Ar: UNLaPlata, 2000. PILLAR, A. D. Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto Ale- gre: Artes Médicas, 1996. ______. Desenho e escrita como siste- mas de representação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996a. QUINTEIRO, J. Infância e educação no Brasil: um campo de estudos em constru- ção. In: FARIA, A. L. G. et al (Orgs.). Por uma cultura da infância: metodologias de pesquisa com crianças. Campinas: Au- tores Associados, 2002. SARMENTO, M. J. O estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, N. et al (Orgs.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de janeiro: DP&A, 2003. p. 137-179 SPOLIN, V. Improvisação para o tea- tro. São Paulo: Perspectiva, 1987. VEIGA NETO, A. Cultura, culturas e edu- cação. Revista Brasileira de Educação, n. 23, p. 5-15, mai.-ago. 2003. 66 Olhar de professor, Ponta Grossa, 7(1): 43-66, 2004.