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Redalyc
                                   Sistema de Información Científica
Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal




                                                          Ferreira, Taís


                          Teatro de rua, recepção e identidades: Oigalê, tchê!
           Estudios sobre las Culturas Contemporaneas, vol. XVI, núm. 32, 2010, pp. 107-126
                                         Universidad de Colima
                                            Colima, México

                    Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=31615577005




                                                                  Estudios sobre las Culturas Contemporaneas
                                                                  ISSN (Versión impresa): 1405-2210
                                                                  pcultura@cgic.ucol.mx
                                                                  Universidad de Colima
                                                                  México




                  ¿Cómo citar?        Número completo          Más información del artículo   Página de la revista


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                  Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto
Teatro de rua,
        recepção e identidades:
             Oigalê, tchê!
                                                                                 Taís Ferreira
        Resumo
           Este ensaio trata de questões relativas à recepção do teatro de rua a partir
           de experiências da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). Para tanto,
           discutem-se técnicas e estratégias de encenação voltadas à recepção desen-
           volvidas no espetáculos de teatro de rua do grupo. O debate volta-se à ressig-
           nificação efetuada pela Oigalê na criação de seus personagens gaudérios em
           detrimento à construção da identidade do gaúcho promovida pelo Movimento
           Tradicionalista Gaúcho (MTG) e pelos meios de comunicação.
           Palavras-chave: Teatro de rua, Recepção, Identidade, Brasil. Gaúchos
        Resumen – Teatro de calle, recepción e identidades
           Este artículo está dedicado a la recepción de las experiencias del Teatro de
           calle de la Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). En ese sentido, se
           discuten las técnicas y las estrategias dirigidas a las audiencias de sus obras
           en la vía pública. Se discute asimismo, el debate sobre la resignification de
           Oigalê en la creación de sus personajes en relación con la construcción de la
           identidad del gaucho promovido por el Movimento Tradicionalista Gaúcho
           (MTG) y porlos medios de comunicación.
           Palabras clave: Teatro de calle, Recepción, Identidad, Brasil, Gauchos
        Abstract – Street Theater, Reception & Identities
           This paper is about street theater’s reception from the experiences of Coo-
           perativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). Accordingly, the techniques and
           performing’ strategies for the audience developed in their works of street
           theater will be discussed. As well, the debate about the ressignification carried
           out by Oigalê in the creation of their characters –gaudérios– in relation to
           the construction of the identity of the gaucho promoted by the Movimento
           Tradicionalista Gaúcho (MTG) and the media.
           Key words: Street Theater, Reception, Identity

        Estudios sobre las Culturas Contemporáneas
        Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126
                                                                                           107




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Taís Ferreira


                   Taís Ferreira. Brasileira. Bacharel em Artes Cênicas e Mestre em Educação
                   pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Instituto de
                   Artes e Design Universidade Federal de Pelotas. Teatro e estudos culturais. A
                   escola no teatro e o teatro na escola (livro, Editora Mediação, Porto Alegre,
                   Brasil), Representações de infâncias nos palcos gaúchos ou Como são os
                   personagens-criança que apresentamos às crianças espectadoras (artigo,
                   Revista Expressão, Santa Maria, Brasil). Rua Alberto Rosa, 62 (DMAC)
                   sala 311 Centro/ Porto 96010-770 - Pelotas, RS – Brasil. (053) 3284 5517;
                   http://iad.ufpel.edu.br/dmac/index.html ;taisferreirars@yahoo.com.br



                Oigalê, tchê!
                                                                             “Oigalê-tchê, eh-cuê!
                                                                         Se aprochegue pra escutar
                                                                               Oigalê-tchê, eh-cuê!
                                                                    Mais um causo eu vou contar...”
                                                                 Refrão da música Causo Farrapo,
                                                            do CD Ramilonga, 1997, de Vitor Ramil



                O    s versos escolhidos para dar abertura a estes escritos encerram em si
                     algumas das temáticas que serão debatidas: o convite ao espectador/
                ouvinte por um ator/narrador, ou seja, a recepção de artefatos artísticos, e,
                obviamente, a exclamação vocativa que dá nome ao grupo que será objeto
                e sujeito do estudo aqui apresentado. Portanto, julgo pertinente explanar o
                significado do termo “oigalê” a partir de versos de uma das canções mais
                conhecidas do repertório da música popular brasileira contemporânea
                concebida no estado do Rio Grande do Sul. Pois, ainda que o cantor, com-
                positor e escritor Vitor Ramil postule sua Estética do Frio como um ethos
                próprio do artista gaúcho, assistimos com os espetáculos da Cooperativa de
                Artistas Teatrais Oigalê à (re)configuração de uma identidade gaúcha outra,
                esta muito menos bravia e refinada, muito mais ligada à exploração dos
                estereótipos do tipo gaúcho, que forneceria à construção de uma linguagem
                de teatro de rua elementos cômicos e empáticos para com as platéias.

                   Gostaria de esclarecer que não aprofundarei neste artigo temas tão em
                voga como o gauchismo e o movimento tradicionalista gaúcho (MTG).
                Estes já estão sendo devidamente esmiuçados e estudados por importantes
                historiadores e teóricos da cultura. Assim, cumpre notar que aqui farei
                referência ao uso que o grupo de teatro do qual estou tratando faz desta
                possível “identidade gaudéria” como um recurso da linguagem de teatro
                de rua e as conseqüências disto na construção da recepção destes artefatos
                teatrais.

               108                                       Estudios sobre las Culturas Contemporáneas




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Teatro de rua, recepção e identidades


           Assim, voltando à explicação/tradução necessária do termo “oigalê”,
        pode-se definir que “oigalê” é um modo de evocar alguém típico dos
        pampas gaúchos/gauchos (fronteiriços entre Brasil, Uruguai e Argentina),
        cumprimentar e chamar para si a atenção, algo próximo de: “Escute-me!
        Ouça o que vou contar!”. E este é o convite que faz o grupo teatral Oigalê
        ao ocupar ruas, praças, avenidas e espaços públicos com seus espetáculos
        teatrais. O mesmo convite que o velho gaúcho contador de causos faz ao
        ouvinte nos versos de Ramil, que não por acaso intitula a canção de Causo
        Farrapo.

           Neste ano de 2009 a Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais completa
        10 anos de existência. Parece lugar comum introduzir um artigo com esta
        afirmação, mas nela estão contidos alguns dos motivos que aqui devem
        ser expostos a fim de justificar a escolha deste grupo e, conseqüentemente,
        de seus trabalhos e da relação destes com o público, como objeto deste
        estudo.

           O grupo fundado por seis artistas gaúchos no ano de 1999, nasceu da
        vontade de construção de um coletivo que desenvolvesse pesquisa, pro-
        dução e disseminação da arte teatral, mais especificamente, do teatro de rua.
        Segundo Hamilton Leite (2008), em entrevista concedida a mim, pareceu
        ao coletivo que o teatro de rua seria a forma mais viável, econômica e
        politicamente, de colocar “na roda” seu trabalho.
           Todos os artistas do grupo vinham de experiências passadas com a lin-
        guagem do teatro de rua, tanto no Brasil como no exterior, e julgaram que
        dar continuidade a estas vivências tendo em vista um formato de produção
        coletivo e cooperativado poderia ser profícuo tanto ao desenvolvimento
        dos artistas, como à construção de mecanismos de subsistência através do
        teatro, já que se tratavam todos de profissionais da área, com formação su-
        perior (todos freqüentaram o Departamento de Arte Dramática da UFRGS)
        e alguns anos de carreira profissional.

           A estréia aconteceu com o espetáculo Deus e o Diabo na Terra de
        Miséria, adaptação do tradicional conto platino O Ferreiro e o Diabo, em
        que elementos como a música ao vivo, o uso de recursos como pernas de
        pau e a transposição do universo gaúcho para a comicidade direta própria
        do teatro popular já estavam presentes. Tive a oportunidade de assistir à
        estréia deste espetáculo e a proximidade do personagem Miséria, que viria
        a fazer parte de outro espetáculo da Oigalê, com os zanni da commedia
        dell’arte já estava posta.



        Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126                     109




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Taís Ferreira


                   Nestes 10 anos de existência, a Oigalê constituiu-se como um dos
                principais grupos do estado do RS, tanto pela importância e qualidade dos
                artefatos que cria como pelo sistema de produção cultural que empreende
                de forma efetiva, através da criação e venda de espetáculos, da circulação
                destes por praticamente todo território nacional, da pesquisa desenvolvi-
                da acerca de uma linguagem própria do teatro de rua e, principalmente,
                aquilo que caracteriza o grupo e tornou-o muito conhecido, e reconhecido:
                sua investigação acerca dos referenciais da “cultura gaudéria”. A trupe já
                participou das principais mostras e festivais de teatro do país, bem como
                já atuou em todas as regiões do Brasil.1
                   As montagens de cinco espetáculos de teatro de rua e três para sala
                aconteceram graças ao recebimento de prêmios e incentivos financeiros de
                mecanismos como Prêmio Miriam Muniz, Caravana Funarte, FUMPROAR-
                TE (fundo de cultura do município de Porto Alegre) e leis de incentivo
                fiscal estadual e federal (estas últimas somente para espetáculos de sala).
                No entanto, deve-se mencionar que, além da eficiência demonstrada em
                aprovar projetos de montagem, produção e circulação, comercialmente a
                Oigalê é uma empresa cultural promissora, que mantém atualmente em
                seu elenco doze profissionais do teatro, além de já ter realizado parcerias
                criativas com grande parte dos principais diretores, cenógrafos, figurinistas,
                compositores, musicistas, bonequeiros, dramaturgos e atores que atuam no
                campo teatral porto-alegrense.
                   Esta breve explanação sobre o histórico do grupo serve para introduzir
                as duas questões que nortearão o debate a ser desenvolvido a seguir: a
                recepção do teatro de rua e a identidade gaúcha apresentada pela Oigalê
                em seus espetáculos. Por si só, cada um destes assuntos já suscitaria lon-
                gas discussões, no entanto, ao analisar tanto a produção, como as falas
                dos integrantes do grupo e ao acompanhar apresentações em “observação
                participante” junto aos espectadores, percebi que estas duas questões, ou
                temáticas de debate, estão intrinsecamente ligadas no caso da Oigalê. A
                produção, a circulação e a recepção (consumo) dos espetáculos de teatro
                de rua da Oigalê estão diretamente relacionadas à apresentação, paródia,
                satirização e uso de elementos do que aqui denomino “cultura gaudéria”,
                ou seja, os elementos e traços referenciais da figura típica do estado do
                RS, o gaúcho, homem livre que vive nos pampas, que tem no cavalo seu
                melhor amigo, que historicamente apresenta caráter brutalizado por seu
                passado de lutas, guerras e batalhas, mas que em linhas de fuga determi-
                nadas apresenta-se nobre, valoroso e até sentimental.
                1. Para dados mais detalhados sobre o grupo, sua trajetória, os espetáculos e os atores,
                consultar: http://www.oigale.com.br/index.htm. Todas as fotografias utilizadas neste ensaio
                estão disponíveis no site do grupo


               110                                          Estudios sobre las Culturas Contemporáneas




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Teatro de rua, recepção e identidades


        A recepção no teatro de rua:
        “espectadores nômades e sem-teto”

        Se pensarmos em nossa herança, podemos citar inúmeros momentos em que
        o espectador de teatro foi espectador em espaços abertos, nas ruas, feiras
        e praças. Se a hipótese de que o teatro ocidental deriva dos rituais gregos
        em homenagem ao deus Dionísio é pertinente, temos a rua como palco.
        Se as bacantes seguidoras de Dionísio sobem aos montes e realizam seus
        rituais em bosques, os coreutas ditirâmbicos efetuam seus cantos, danças
        e evoluções pelas ruas da pólis ateniense, assistidos pelos transeuntes.
        Assim, se há espectadores, e estes estão nas ruas, acompanham a passagem
        sem lugar pré-definido, em cortejos móveis que transcorrem ocupando o
        espaço público. Porém, com a instituição do teatro como forma oficial de
        manifestação da cultura e do ethos gregos, faz-se a necessidade de existir
        um espaço próprio para esta arte. O edifício teatral proposto pelos gregos,
        o theatron, lugar para se ver, ganha outros usos e finalidades na Roma
        Antiga, que prefere espetáculos ligados às variedades circenses, bélicas e
        desportivas. E o teatro volta para as ruas, através de mimos, pantomimos,
        jograis, bufões, trovadores e ambulantes.

           No medievo, a arte teatral misturava-se ao povo, imiscuía-se ao popu-
        lacho dos feudos e migrava constantemente. Nos nascentes burgos da Alta
        Idade Média, vemos mais uma vez as ruas sendo tomadas pelas enormes e
        suntuosas representações dos mistérios, dos autos e das moralidades, em
        festas de caráter litúrgico e profano que envolviam todas as vilas crescentes.
        A rua é palco, mais uma vez. Palco e platéia, já que espaço em que os que
        assistem também participam como atores das encenações.
           A renascença vê surgir o gênero que por excelência ligou os atores a
        sua qualidade mambembe: a commedia dell’arte italiana que se espalhou
        pelos quatro cantos da Europa, tornando-se o gênero mais popular e bem-
        quisto nos séculos XVII e XVIII. Em seus carroções, misto de casa e de
        palco, atores e atrizes virtuosos, que cantavam, dançavam, manejavam
        espadas, tocavam instrumentos, realizavam acrobacias e possuíam um
        extenso repertório de textos e gags cômicas, encantavam o povo nas ruas
        e os nobres nos salões de seus castelos com as máscaras e personagens
        tipos fixos que eram elemento fundamental da composição da commedia.
        Sua popularidade é substituída pelos melodramas no século XVIII e XIX,
        que antes de migrarem aos teatros de boulevard, tinham lugar nas ruas e
        nos palcos de feiras.



        Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126                     111




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Taís Ferreira


                   E o público nômade? E as platéias sem-teto? E os espectadores erran-
                tes? Que lugar ocupam na construção destes períodos da história do teatro
                ocidental? Como participam na construção ativa de sentidos e significados
                destes espetáculos? Como legitimam gêneros e tradições teatrais?

                   Estas perguntas suscitariam uma ou mais teses, mas atenho-me agora
                a pensar em sua produtividade ao propor a discussão que é motivo deste
                artigo, ou seja, a recepção do teatro de rua contemporâneo.

                   O teatro sempre esteve atrelado ao espaço público. Ainda que muitos de
                seus períodos e de seus gêneros tenham se desenvolvido em salas de espe-
                táculo próprias para este uso, ou seja, para o acontecimento teatral, sempre
                existiram e existirão momentos em que a linguagem teatral toma o espaço
                das ruas, invade o espaço que é público impondo a ele um espaço-tempo
                outros, diferenciados do atual, aquele que está ligado à arte, a intenções
                estéticas e fruição.


                As estratégias de encenação da Oigalê
                na relação com as “platéias sem-teto”

                A fim de colocar em relevo e refletir acerca de algumas estratégias que
                a Oigalê coloca em prática em seus espetáculos de rua e que têm a clara
                função de criar uma relação direta com o público, de atraí-lo, de seduzi-
                lo e mantê-lo “fiel” e atento ao espetáculo do início ao fim, escolhi tratar
                de seu mais recente espetáculo de teatro de rua, Miséria, servidor de dois
                estancieiros, em que se pode observar muitas das estratégias desenvolvidas
                pelo grupo em seus 10 anos de carreira com o teatro de rua. Utilizo-me de
                imagens e de exemplos oriundos de outros espetáculos do grupo, mas terei
                como foco principal de análise os procedimentos e escolhas empreendidos
                em Miséria.

                   Miséria, servidor de dois estancieiros é baseado em uma adaptação do
                texto do século XVIII do italiano Carlo Goldoni, que formalizou dramatur-
                gicamente personagens e gags da commedia dell’arte, Arlequim, servidor
                de dois amos. A direção é de Hamilton Leite e o elenco composto por seis
                atores/atrizes, a produção é do grupo.
                   Foram utilizados como elementos da montagem a formação do ator em
                algumas técnicas básicas de atuação dos commicos dell’arte, bem como
                houve uma preocupação estética em inserir alguns elementos visuais como
                os figurinos inspirados nas imagens que temos das trupes de commediantes

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Teatro de rua, recepção e identidades


        dell’arte. No entanto, o diretor lança mão, como parte constitutiva de uma
        pesquisa estética em elementos do teatro de rua, de músicas, sonoridades,
        cenografia e uso do espaço cênico ligados às tradições construídas pelo
        próprio grupo em sua trajetória. Entre elas podemos citar algumas como
        o uso intenso da música de cena, executada pelos próprios atores. Estes
        cantam, dançam e possuem algum treinamento acrobático, além de anda-
        rem em pernas de pau. O ator dos espetáculos de rua da Oigalê deve ter
        um considerável domínio técnico dos instrumentos de corpo e voz para
        que “dê conta” das exigências da encenação, que geralmente são muito
        ágeis, repletas de quiprocós e peripécias, além de serem todas elas reali-
        zadas sem uso de nenhum aparelho de projeção sonora como microfones
        ou caixas de som. Na imagem abaixo, temos exemplo de cena de ação e
        movimentação vigorosa.




        A fala a seguir, recolhida em entrevista com o diretor, produtor e ator do
        grupo Hamilton Leite, levanta uma série destes recursos que constituem
        um arsenal de estratégias que a Oigalê tem colocado em cena na tentativa
        de criar empatia com o eclético público das ruas e praças do Brasil:
             A gente nunca pensa em como prender o público, mas a gente sabe
             como prender o público. Eu penso nisso. Na realidade, tu podes fazer
             um espetáculo como? Com música ao vivo, isso já prende o público.
             Tu vais fazer um espetáculo dinâmico, que conte alguma história ou
             que tenha recursos que sejam diferentes: ou perna de pau, ou acrobacia,


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                     ou máscara... Várias coisas que dêem interesse, que busquem alguma
                     coisa. E não é porque a pessoa é popular que ela não tem interesse nisso
                     (Hamilton Leite, 2008).
                Assim, percebe-se que o apelo ao extracotidiano e ao “ator virtuoso”
                permanece presente no discurso do diretor e nas encenações do grupo, da
                mesma forma que eram elemento fundamental ao teatro popular medieval
                e renascentista, incitando o interesse de espectadores tão diversos como
                reis e mendigos, doutos e comerciantes, homens e mulheres, adultos e
                crianças.
                   Outro recurso recorrente, que podemos compreender como estratégia
                típica do teatro de rua, é a exploração de diferentes planos espaciais na
                encenação. O uso de pernas de pau, bem como estruturas cenográficas que
                ocupam os planos alto, médio e baixo são um fator de aproximação das
                platéias com os espaços de encenação construídos em ruas e praças para as
                apresentações do grupo. Essas estruturas também apresentam mobilidade
                espacial, podendo, com seu deslocamento dentro da arena (que pode ser
                circular, triangular ou em formato de losango, entre outros) de encenação,
                formar novos cenários, com novos planos e novas possibilidade de relação
                com o público. O teatro em formato de cortejo, levantado em obras sobre
                o teatro de rua (como em Cruciani e Falletti (1999) e em Carreira (2003))
                não é uma prática utilizada comumente pela Oigalê. Eles constroem seu
                local de representação nos espaços públicos e, só então, convidam o pú-
                blico a se aproximar, como nos versos de Ramil: “Oigalê-tchê, eh-cuê!




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Teatro de rua, recepção e identidades




        Se aprochegue pra escutar!”. Pode-se perceber nas fotos abaixo como se
        estrutura esse uso da cenografia e do espaço de representação em Deus e o
        Diabo na terra de Miséria (1999) e Miséria, servidor de dois estancieiros
        (2008), respectivamente.
           No caso da Oigalê, ainda pode-se perceber o movimento de triangu-
        lação típico da commedia dell’arte (em que os atores dirigem as falas não
        somente para seus partners como para os espectadores), assim como os
        apartes (em que o personagem dirige um comentário a algum espectador
        específico, quebrando a quarta parede), técnica básica dos melodramas
        do século XVIII e XIX, como recursos efetivos e constantes. Ademais,
        os atores também costumam deixar o espaço da representação tomando
        lugar junto ao público, onde os personagens tecem comentários sobre as
        cenas, envolvendo os espectadores na trama e gerando alguma empatia
        cômica. O convite à participação ativa do espectador na ação dramática
        também acontece em alguns momentos do espetáculo, criando efeitos
        cômicos provenientes da timidez e do constrangimento dos espectadores
        “escolhidos” para participar da cena auxiliando o personagem que conduz
        a ação. Nas fotos abaixo vemos os atores entre o público e a escolha de
        um “espectador-colaborador”, neste caso um menino que cuida do cavalo
        do personagem.
           Cumpre notar o papel que a música executada ao vivo em cena pelos
        atores exerce na estética promovida pela Oigalê em seus espetáculos de


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                sala e de rua. Os instrumentos são elementos cênicos sempre presentes nos
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                e sonoridades diversas que vão de um trem em movimento aos sons de uma
                floresta, assim como músicas com forte inspiração no cancioneiro tradi-
                cional gauchesco. Sobre isso, julguei pertinente incluir aqui a explicação
                de Hamilton Leite sobre o surgimento de um recurso que a Oigalê vem
                utilizando em todos seus espetáculos de teatro de rua como estratégia de
                cooptação dos transeuntes (possíveis espectadores, desde que devidamente
                aliciados): incitar o público a escolher entre duas músicas para dar início ao
                “show de teatro”. Segue narrativa do diretor sobre este procedimento:
                     A gente sempre chega num lugar, tanto no Negrinho (do Pastoreio) como
                     no Deus e o Diabo (na terra de Miséria) quanto no Miséria (servidor
                     de dois estancieiros), e nós sabemos cantar duas músicas, ‘Aquela’ e ‘A
                     outra’. O que já é um chavão e responde como tu traz o público, como tu
                     aconchega o público para chegar. Quando tu começas um espetáculo, às
                     vezes não tem ninguém próximo, aí começamos a bater pratos, chamar
                     para o ‘show de teatro de rua’, aí começa a chegar gente, e quando tem
                     um público mínimo, nós vamos cantar ‘Aquela’ ou ‘A outra’, fazemos
                     uma votação e quem ganha é ‘A outra’ ou ‘Aquela’, para nós pouco
                     importa. Isso é só uma brincadeira: primeiro cantamos ‘Aquela’, que
                     é a música do grupo, e depois cantamos ‘A outra’, que é ‘A mesma’. E


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Teatro de rua, recepção e identidades


             alguém sempre diz: – É a mesma! Então vamos cantar ‘A mesma’, que
             é a música que dá abertura ao espetáculo. Isto é, já é a terceira vez que
             cantamos a música do grupo... a gente achou num determinado momento,
             não foi no começo, que deveríamos ter uma música de abertura, para
             chamar as pessoas para o teatro de rua também. A gente usa em todos os
             espetáculos de rua, que é essa brincadeira de que vamos cantar só duas
             músicas e aí a terceira, que é ‘A mesma’, que é o início do espetáculo.
             E as pessoas já se surpreendem naquilo. E isso foi “uma sacação” que
             não foi de um diretor, foi da experiência de rua, este formato. E desde
             que a gente descobriu este formato a gente faz ele há mais da metade do
             tempo do grupo (Hamilton Leite, 2008).




        As técnicas de interpretação, recursos cenográficos e de encenação aqui
        levantados não são de uso e desenvolvimento exclusivo da Oigalê. Outros
        grupos e artistas que desenvolvem trabalhos de teatro de rua no Brasil e
        exterior têm se utilizado destes meios como forma de aproximação e relação
        com o público das ruas, praças e espaços abertos ou não convencionais
        de atuação. No entanto, julguei pertinente apontá-los antes de discorrer
        acerca daquilo que considero fundamental ao entendimento do trabalho
        da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê com teatro de rua e da relação
        travada pelos espectadores com estes espetáculos: a (des)construção de
        uma identidade gaudéria específica e a subversão da figura do gaúcho como
        forte, viril, corajoso, valoroso e carrancudo.




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                A identidade como elemento de empatia:
                o gaúcho ressignificado

                A questão das identidades (múltiplas, mutáveis, inconstantes e em eterno
                devir) está no centro de debates e discussões que interpolam os mais di-
                versos campos na contemporaneidade: a história, a educação, as ciências
                sociais, a filosofia, as artes, o direito, a medicina, a psicologia. Enfim,
                praticamente todos os ditos “campos do saber” estão sendo permeados
                pela discussão acerca das identidades.
                   Em um mundo globalizado e, no entanto, repleto de sociedades com-
                postas por tribos (urbanas ou não), como se constroem as identidades? Ao
                que nos filiamos, quais os discursos e práticas que nos constituem e que
                assumimos como fazendo parte daquilo que somos/estamos? Uma série
                de questões muito em voga, mas que se fazem pertinentes também neste
                artigo, no qual discuto acerca do teatro de rua e de sua recepção.

                   No centro dos trabalhos desenvolvidos pela Oigalê, como eixo temático
                transversal que permeia praticamente todos eles, está a figura do gaúcho.
                Este tipo brasileiro, primo-irmão do gaucho platino (uruguaio e argenti-
                no), é a representação de sul-riograndense (os que aqui nascem podem ser
                chamados de gaúchos ou de sul-riograndenses) mais comum e aceita tanto
                em outros estados do Brasil como no restante do mundo. E essa foi uma la-

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Teatro de rua, recepção e identidades


        boriosa construção, meticulosamente planejada e abrigada hoje muito além
        dos pampas e estâncias nos quais supostamente nasceu, dentro de “pequenos
        templos” desta presumida cultura campeira, agropastoril, filha das tantas
        guerras às quais se submeteu bravamente o povo gaúcho em sua história:
        os CTGs (Centro de Tradições Gaúchas). Dentro destes “templos”, um
        gaúcho (acompanhado de sua prenda) trajando indumentária típica dança
        bailados tradicionais ao som de músicas gauchescas, toma chimarrão, come
        churrasco e arroz de carreteiro, venera um passado de glórias e feitos viris
        que é apregoado pela “mitologia do gauchismo”. O mito fundador (hoje
        amparado não só pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), como
        pela mídia e pelos governantes) dignifica e glorifica a figura do homem a
        cavalo, o homem indomável, viril, forte, justo, valente, bom, guerreiro e
        apegado às tradições da terra.

           Mas esta introdução serve, primordialmente, para ilustrar aos que não
        estão familiarizados com as culturas presentes no Rio Grande do Sul (estado
        múltiplo, aliás, que jamais poderia ser designado por “uma” representação
        somente, aquela dita “verdadeira”, sendo que multiétnico e multicultural
        por excelência) como se dá, dentro deste estado, o mais sulino do Brasil,
        a construção de uma identidade que representa há quase um século todos
        os que aqui nascem e habitam perante o mundo.
           Muitos dos cidadãos nascidos ou residentes no estado do RS escolhem
        adotar estes discursos em sua constituição identitária, usando vestimentas
        e exercitando hábitos cotidianos que estariam ligados ao “ser gaúcho”
        promovido pelos discursos do MTG. Assim, naturaliza-se no estado e
        fora dele que todo o gaúcho veste-se, porta-se, come, diverte-se e pensa
        de determinada maneira, intrinsecamente ligada a esta figura do “gaúcho
        mitológico”. Ignora-se o fato de que a maior parte da população do estado
        é urbana e nunca teve contato com zonas rurais, que grande parte dos
        gaúchos é descendente direta de colonos alemães, poloneses e italianos,
        que o litoral recebe forte influência açoriana e que existem comunidades
        negras e todo o estado, mais fortemente nas regiões sul e metropolitana,
        onde religiões afrodescendentes dividem espaço igualitariamente com a
        igreja católica, as igrejas evangélicas e as casas espíritas.

           Bom, devem estar se perguntado os que lêem a este artigo: e o que isto
        tem a ver com o teatro de rua e a recepção teatral? Neste caso, a chave
        para o entendimento de algumas escolhas que determinam a recepção dos
        espetáculos da Oigalê está justamente vinculada à representação de gaúcho
        veiculada e legitimada pelo MTG, pela mídia, pelos livros escolares, pelos
        discursos governamentais, pela literatura, entre outros.

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                   Como exemplo, podemos tomar a transposição do personagem Arlequim
                para Miséria, o andarilho, esfarrapado, faminto e, por vezes, servidor de
                estancieiros (os senhores dos pampas gaúchos). O que faz a Oigalê ao
                transformar um personagem cômico, forjado nos moldes do que já Aris-
                tóteles nos apresenta como cômico (de baixa nobreza, ligado aos instintos,
                mundano), em um gaúcho dos pampas (homem sério, corajoso, viril)?

                   Frente a frente, em um mesmo personagem, estão os defeitos que carac-
                terizam o personagem como cômico e as virtudes que este almeja estando
                inserido dentro de um ethos social específico que é o do gauchismo: desta
                forma, ele tenta ser valoroso, íntegro, forte e corajoso; porém, não obtém
                sucesso em sua empreitada.

                    E assim, Miséria subverte a lógica da representação típica do gaúcho,
                oferecendo ao espectador, tanto sul-riograndense como de qualquer outra
                naturalidade, uma série de situações cômicas e absurdas. A coragem é subs-
                tituída pela covardia, ainda que o personagem tente se justificar e aparentar
                valentia diante dos outros. Ele falha em suas investidas, demonstrando ser
                covarde. Ele não é hábil e astuto como o homem campeiro em suas lidas
                com o laço e a doma: ele atrapalha-se, engana-se, em uma série de quiprocós
                que nos entregam um personagem que não domina seu ofício de criado,
                sendo que este nem é especificamente seu ofício, pois ele eventualmente
                cumpre tarefas em busca de subsistência.

                   Outras figuras de gaudérios permeiam os espetáculos da Oigalê: o
                Coronel Picucha, em Uma Aventura Farroupilha, cria o contraponto
                cômico dentro da história trágica do menino imigrante alemão em busca
                do irmão em meio à Guerra dos Farrapos. Ele é bom e valoroso, auxilia o
                protagonista, mas seus modos rudes e simplórios são motivo de empatia
                pelo público, bem como sua relação os peões (empregados da estância).
                Na encenação, elementos como uma enorme cuia de chimarrão, um bigode
                desproporcional e uma égua de madeira simbolizam o caráter cômico (e
                icônico) conferido ao personagem.
                   Em Negrinho do Pastoreio, o Patrão e seu filho, o Patrãozinho, “donos”
                do protagonista, denotam toda a crueldade e as relações de poder exerci-
                das entre patrões e empregados, senhores e escravos, brancos e negros,
                no extremo sul do país. Relação historicamente silenciada em um estado
                que demorou alguns séculos para assumir que possuiu um cruel sistema
                escravagista ligado principalmente às charqueadas da região sul do estado.
                No entanto, mais uma vez estes defeitos são exacerbados de forma a se
                tornarem cômicos, já que distantes de uma possível realidade, ou desloca-


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Teatro de rua, recepção e identidades


        dos desta. Nas fotografias abaixo, exemplos de gaudérios de encenações
        da trupe: 1) O personagem Miséria; 2) Coronel Picucha e sua égua; 3) O
        patrão do Negrinho; e 4) Um dos patrões de Miséria.




        Destarte, o gaudério da Oigalê torna-se simpático não por ser valoroso e
        pleno de coragem, mas, pelo contrário, por conter características de tipos
        populares cômicos, e tal como os zanni da commedia dell’arte, o Mateus
        nordestino ou o caipira paulista, mostrarem sua fragilidade, exporem-se
        em sua inocência e em suas tentativas (quase sempre frustradas) de es-
        perteza.

        Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126                     121




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Taís Ferreira




                Acerca desta escolha tão fortemente marcada de desenvolver uma linha de
                trabalho voltada para o cômico, o popular e o tipicamente local (gaúcho,
                no caso), explica Hamilton Leite:
                     Não existe a preocupação de se o público vai entender, existe sim a
                     preocupação de contar histórias populares. Existe já um entendimento
                     do público neste sentido. Pode até ser o folhetim, a literatura de cordel
                     no nordeste; para nós são as lendas e contos, que a gente pega muito.
                     Por mais que as pessoas não saibam o que está acontecendo, o que vai
                     acontecer, a gente está trabalhando com a figura do gaúcho, então isso
                     tem uma empatia aqui, mas tem uma empatia em outros lugares, porque
                     tu pode ter na figura do gaúcho, a figura do cara do interior paulista, do
                     cara do interior de Minas, do nordestino, do interior do norte. Então isso
                     causa uma empatia muito forte (Hamilton Leite, 2008).

               122                                        Estudios sobre las Culturas Contemporáneas




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Teatro de rua, recepção e identidades


        E sobre a questão da identidade gaúcha e de sua ressignificação na ampla
        circulação que estes espetáculos têm pelo Brasil, comenta o diretor:
             A gente já apresentou em 16 estados... O regional é universal. O Misé-
             ria, ele pode ser o nordestino, mas ele é o gaúcho. A trova é o repente.
             Então há uma identificação muito forte em várias coisas. Não existe uma
             negação disso (por pessoas de outros estados). Eu acredito numa coisa
             muito legal, isso do intercâmbio pelo Brasil. Eu também não quero fazer
             uma coisa que seja totalmente legível, ou o que eles já vêem todo dia
             (Hamilton Leite, 2008).

        Portanto, podemos inferir que uma série de ressignificações são proces-
        sadas em diferentes âmbitos: ao subverter-se a figura do “gaúcho mitoló-
        gico”, abre-se a possibilidade de criar o “gaúcho popular”, o “gaudério”,
        personagem-tipo que tem reflexo em outros já citados e encontra acolhida
        entre os mais diversos públicos e platéias deste país e possivelmente de
        alhures. Justifica-se aí a escolha da Oigalê em esteticizar e ressignificar
        uma representação já desgastada de gaúcho, a fim de “colocar (literalmen-
        te) na roda” personagens que criem empatia para com os mais diferentes
        “espectadores errantes”, as mais diversas “platéias sem-teto” que estarão
        compondo o acontecimento teatral do espetáculo de rua.


        Conclusões
        Mais um causo eu vou contar...

             Tem vezes em que eu fico olhando o público, como ele reage perante
             tais coisas. Porque isso é o interessante de se ver, este é o teu material de
             trabalho. Como eu falei antes: a gente faz teatro PARA o público, não tem
             que fazer teatro para quem faz teatro e sim para o público... Na rua não
             tem como fazer teatro só para quem faz teatro (Hamilton Leite, 2008).

        Ao ocupar o espaço das ruas, espaço público, espaço de passagem, os atores
        assumem o desafio de inserir-se no cotidiano das pessoas sem que haja o
        consentimento prévio destas, colocando-se em risco ao tomarem para si
        a tarefa de convencer, persuadir e seduzir um público que, na maior parte
        das vezes, não transita pelos locais públicos com intuito de relacionar-se
        com a linguagem teatral. Assim, pessoas que não iriam ao teatro, por va-
        riados motivos, seja pela falta de hábito, ou pela inacessibilidade imposta
        pelas barreiras sociais e econômicas, são atraídas pelo teatro de rua; de
        forma acentuada, aqueles espectadores que não costumam contatar com
        linguagens artísticas e vêem o teatro com olhos curiosos e, ousaria dizer,

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Taís Ferreira


                gulosos. O momento de quebra com o cotidiano, através de corpos que
                ocupam o espaço do dia-a-dia transformando-o em um outro espaço, es-
                paço simbólico e extracotidiano, passa a ser uma linha de fuga, ainda que
                efêmera, da realidade destes espectadores.

                   Crianças e adultos que vivem nas ruas, vendedores ambulantes, trabal-
                hadores a caminho de seus labores, estudantes, idosos e crianças (muitas
                crianças!), são espectadores assíduos nas platéias de teatro de rua. Estas
                platéias tornam-se híbridas, já que limitações (que definem o modo de ende-
                reçamento dos espetáculos) como a faixa etária, a classe social, a profissão,
                a etnia, a orientação sexual, o gênero, o capital simbólico e a escolaridade
                perdem sua importância, colocando debaixo do mesmo “sem-teto”, ou seja,
                debaixo do firmamento, espectadores com os mais diversos horizontes de
                expectativas e repertórios anteriores, que compartilharão, juntamente com
                os atores, o tempo-espaço do evento teatral. Como no teatro elizabetano, no
                teatro barroco espanhol e na commedia dell’arte, o céu passa a ser o limite,
                em um ato que democratiza e populariza o acesso à arte teatral, propiciando
                a proximidade física e concreta entre espectadores e atores.

                   A fim de cooptar, seduzir e prender a atenção destas “platéias sem-teto”,
                compostas pelos mais diferentes espectadores, que esperam do espetáculo
                e dos artistas nele envolvidos uma enorme diversidade de respostas e pro-
                postas, podemos reconhecer uma série de artifícios e estratégias, que, para
                além de compor a estética do espetáculo, levam à construção de uma relação
                direta com o espectador, sendo este interpelado a participar ativamente do
                espetáculo em muitas das cenas, conforme pode observar-se em Miséria,
                servidor de dois estancieiros.
                   A platéia assume um desenho móvel, em constante transformação, que
                agrega e perde espectadores ao longo de toda a apresentação. Figura cons-
                tante a alguém que se propõe a observar o contínuo fluxo destas platéias que
                são organismos vivos (ao contrário das platéias de salas com palco italiano
                que, no escuro, mantêm-se praticamente imóveis durante toda a duração
                do espetáculo) é o “espectador errante”: aquele que, a exemplo do flâneur
                de Benjamin, vaga pelas ruas e praças, assistindo a pequenos trechos do
                espetáculo, partindo e retornando, de acordo com seu interesse (e prazer
                decorrente) naquilo que lhe é apresentado. E é a este “espectador errante”,
                quase um espectador idealizado pelos produtores de espetáculos de teatro
                de rua, que se endereçam muitas das estratégias de cooptação do teatro
                de rua, a fim de prender-lhe a atenção a ponto de merecer sua presença
                durante o tempo integral de duração da peça ou ao longo do cortejo ou da
                intervenção pela cidade.

               124                                    Estudios sobre las Culturas Contemporáneas




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Teatro de rua, recepção e identidades


           Fluxo, mobilidade, hibridismo, convivência entre as diferenças: são estas
        algumas das constantes percebidas a partir da observação inicial de platéias
        de teatro de rua, que podem ainda apresentar-se de formas diferenciadas
        dependendo da localidade e da contingência em que acontecerá o evento
        teatral. Para além desta conformação híbrida e móvel, podemos pensar
        nas inúmeras individualidades que compõem platéias tão heterogêneas,
        incitando os artistas que para ela produzem a lançarem mão de recursos de
        encenação, de dramaturgia e de atuação voltados diretamente ao aliciamento
        deste público que escolhe e acolhe a arte que perpetra o espaço que é de
        todos, através de um teatro que como base de sua existência, endereça-se
        a “todo o mundo” e a “ninguém”, remetendo-nos às grandes, festivas e
        espetaculares moralidades medievais.




        Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126                     125




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Taís Ferreira


                Bibliografia
                Bauman, Z. (2005). Identidade. Rio de Janeiro: Zahar.
                Carreira, A. 2003El teatro callejero em la Argentina y em e Brasil democráticos de
                      la década del 80. Buenos Aires: Editorial Nueva Generación.
                Cruciani, F.; Falletti, C. (1999). Teatro de rua. São Paulo: Hucitec.
                Hall, S. (1997). “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso
                      tempo” in: Educação e Realidade, v. 22, n. 2. Porto Alegre:. p. 15-46.
                Hall, S. (1997a). “The Spetacle of the ‘Other’ ”, in: Representation. Cultural Re-
                      presentations and Signifying Practices. London/ Thousand Oaks/ New Delhi:
                      Sage/ Open University Press, p. 225-287.
                Hall, S. (1997b). “The Work of Representation”, in: Representation. Cultural
                      Representations and Signifying Practices. London/ Thousand Oaks/ New
                      Delhi: Sage/ Open University Press, p. 01-73.
                Hall, S. (2000). “Quem precisa da identidade?”, in: Silva, Tomaz Tadeu da (org.).
                      Identidade e Diferença – A perpectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis:
                      Vozes, p. 103-133.
                Hall, S. (2002). A identidade cultural na pós-modernidade. 7ed. Rio de Janeiro:
                      DP&A.
                Hall, S. (2003). Da Diáspora – Identidades e mediações culturais. Organização
                      Liv Sovik. Belo Horizonte: Ed. UFMG/ Brasília: UNESCO.
                Hall, Stuart; Du Gay, Paul (orgs.) (1997). Questions of Cultural Identity. London/
                      Thousand Oaks/ New Delhi: Sage.
                Ferreira, Taís. (no prelo). Teatro de rua, recepção e identidades: Oigalê, tchê!, in:
                      Revista Fênix, Uberlândia.
                Oigalê (2009). Disponível em http://www.oigale.com.br/. Acesso em
                      25/05/2009.
                Sampaio, Shaula M. V (2005). “Estilhaços depois da tempestade: divagações sobre
                      identidade, escrita, pesquisa...”, in: Skliar, Carlos (org.). Derrida e a educação.
                      Belo Horizonte: Autêntica.
                Silva, Tomaz Tadeu (2007). Documentos de identidade – uma introdução às teorias
                      do currículo. Belo Horizonte: Autêntica. 2ª ed..




                  Recibido: 29 de junio de 2009            Aprobado: 20 de octubre de 2009


               126                                         Estudios sobre las Culturas Contemporáneas




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Teatro de rua, recepção e identidades

  • 1. Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Ferreira, Taís Teatro de rua, recepção e identidades: Oigalê, tchê! Estudios sobre las Culturas Contemporaneas, vol. XVI, núm. 32, 2010, pp. 107-126 Universidad de Colima Colima, México Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=31615577005 Estudios sobre las Culturas Contemporaneas ISSN (Versión impresa): 1405-2210 pcultura@cgic.ucol.mx Universidad de Colima México ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto
  • 2. Teatro de rua, recepção e identidades: Oigalê, tchê! Taís Ferreira Resumo Este ensaio trata de questões relativas à recepção do teatro de rua a partir de experiências da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). Para tanto, discutem-se técnicas e estratégias de encenação voltadas à recepção desen- volvidas no espetáculos de teatro de rua do grupo. O debate volta-se à ressig- nificação efetuada pela Oigalê na criação de seus personagens gaudérios em detrimento à construção da identidade do gaúcho promovida pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e pelos meios de comunicação. Palavras-chave: Teatro de rua, Recepção, Identidade, Brasil. Gaúchos Resumen – Teatro de calle, recepción e identidades Este artículo está dedicado a la recepción de las experiencias del Teatro de calle de la Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). En ese sentido, se discuten las técnicas y las estrategias dirigidas a las audiencias de sus obras en la vía pública. Se discute asimismo, el debate sobre la resignification de Oigalê en la creación de sus personajes en relación con la construcción de la identidad del gaucho promovido por el Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) y porlos medios de comunicación. Palabras clave: Teatro de calle, Recepción, Identidad, Brasil, Gauchos Abstract – Street Theater, Reception & Identities This paper is about street theater’s reception from the experiences of Coo- perativa de Artistas Teatrais Oigalê (RS). Accordingly, the techniques and performing’ strategies for the audience developed in their works of street theater will be discussed. As well, the debate about the ressignification carried out by Oigalê in the creation of their characters –gaudérios– in relation to the construction of the identity of the gaucho promoted by the Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) and the media. Key words: Street Theater, Reception, Identity Estudios sobre las Culturas Contemporáneas Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 107 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 107 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 3. Taís Ferreira Taís Ferreira. Brasileira. Bacharel em Artes Cênicas e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Instituto de Artes e Design Universidade Federal de Pelotas. Teatro e estudos culturais. A escola no teatro e o teatro na escola (livro, Editora Mediação, Porto Alegre, Brasil), Representações de infâncias nos palcos gaúchos ou Como são os personagens-criança que apresentamos às crianças espectadoras (artigo, Revista Expressão, Santa Maria, Brasil). Rua Alberto Rosa, 62 (DMAC) sala 311 Centro/ Porto 96010-770 - Pelotas, RS – Brasil. (053) 3284 5517; http://iad.ufpel.edu.br/dmac/index.html ;taisferreirars@yahoo.com.br Oigalê, tchê! “Oigalê-tchê, eh-cuê! Se aprochegue pra escutar Oigalê-tchê, eh-cuê! Mais um causo eu vou contar...” Refrão da música Causo Farrapo, do CD Ramilonga, 1997, de Vitor Ramil O s versos escolhidos para dar abertura a estes escritos encerram em si algumas das temáticas que serão debatidas: o convite ao espectador/ ouvinte por um ator/narrador, ou seja, a recepção de artefatos artísticos, e, obviamente, a exclamação vocativa que dá nome ao grupo que será objeto e sujeito do estudo aqui apresentado. Portanto, julgo pertinente explanar o significado do termo “oigalê” a partir de versos de uma das canções mais conhecidas do repertório da música popular brasileira contemporânea concebida no estado do Rio Grande do Sul. Pois, ainda que o cantor, com- positor e escritor Vitor Ramil postule sua Estética do Frio como um ethos próprio do artista gaúcho, assistimos com os espetáculos da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê à (re)configuração de uma identidade gaúcha outra, esta muito menos bravia e refinada, muito mais ligada à exploração dos estereótipos do tipo gaúcho, que forneceria à construção de uma linguagem de teatro de rua elementos cômicos e empáticos para com as platéias. Gostaria de esclarecer que não aprofundarei neste artigo temas tão em voga como o gauchismo e o movimento tradicionalista gaúcho (MTG). Estes já estão sendo devidamente esmiuçados e estudados por importantes historiadores e teóricos da cultura. Assim, cumpre notar que aqui farei referência ao uso que o grupo de teatro do qual estou tratando faz desta possível “identidade gaudéria” como um recurso da linguagem de teatro de rua e as conseqüências disto na construção da recepção destes artefatos teatrais. 108 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 108 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 4. Teatro de rua, recepção e identidades Assim, voltando à explicação/tradução necessária do termo “oigalê”, pode-se definir que “oigalê” é um modo de evocar alguém típico dos pampas gaúchos/gauchos (fronteiriços entre Brasil, Uruguai e Argentina), cumprimentar e chamar para si a atenção, algo próximo de: “Escute-me! Ouça o que vou contar!”. E este é o convite que faz o grupo teatral Oigalê ao ocupar ruas, praças, avenidas e espaços públicos com seus espetáculos teatrais. O mesmo convite que o velho gaúcho contador de causos faz ao ouvinte nos versos de Ramil, que não por acaso intitula a canção de Causo Farrapo. Neste ano de 2009 a Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais completa 10 anos de existência. Parece lugar comum introduzir um artigo com esta afirmação, mas nela estão contidos alguns dos motivos que aqui devem ser expostos a fim de justificar a escolha deste grupo e, conseqüentemente, de seus trabalhos e da relação destes com o público, como objeto deste estudo. O grupo fundado por seis artistas gaúchos no ano de 1999, nasceu da vontade de construção de um coletivo que desenvolvesse pesquisa, pro- dução e disseminação da arte teatral, mais especificamente, do teatro de rua. Segundo Hamilton Leite (2008), em entrevista concedida a mim, pareceu ao coletivo que o teatro de rua seria a forma mais viável, econômica e politicamente, de colocar “na roda” seu trabalho. Todos os artistas do grupo vinham de experiências passadas com a lin- guagem do teatro de rua, tanto no Brasil como no exterior, e julgaram que dar continuidade a estas vivências tendo em vista um formato de produção coletivo e cooperativado poderia ser profícuo tanto ao desenvolvimento dos artistas, como à construção de mecanismos de subsistência através do teatro, já que se tratavam todos de profissionais da área, com formação su- perior (todos freqüentaram o Departamento de Arte Dramática da UFRGS) e alguns anos de carreira profissional. A estréia aconteceu com o espetáculo Deus e o Diabo na Terra de Miséria, adaptação do tradicional conto platino O Ferreiro e o Diabo, em que elementos como a música ao vivo, o uso de recursos como pernas de pau e a transposição do universo gaúcho para a comicidade direta própria do teatro popular já estavam presentes. Tive a oportunidade de assistir à estréia deste espetáculo e a proximidade do personagem Miséria, que viria a fazer parte de outro espetáculo da Oigalê, com os zanni da commedia dell’arte já estava posta. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 109 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 109 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 5. Taís Ferreira Nestes 10 anos de existência, a Oigalê constituiu-se como um dos principais grupos do estado do RS, tanto pela importância e qualidade dos artefatos que cria como pelo sistema de produção cultural que empreende de forma efetiva, através da criação e venda de espetáculos, da circulação destes por praticamente todo território nacional, da pesquisa desenvolvi- da acerca de uma linguagem própria do teatro de rua e, principalmente, aquilo que caracteriza o grupo e tornou-o muito conhecido, e reconhecido: sua investigação acerca dos referenciais da “cultura gaudéria”. A trupe já participou das principais mostras e festivais de teatro do país, bem como já atuou em todas as regiões do Brasil.1 As montagens de cinco espetáculos de teatro de rua e três para sala aconteceram graças ao recebimento de prêmios e incentivos financeiros de mecanismos como Prêmio Miriam Muniz, Caravana Funarte, FUMPROAR- TE (fundo de cultura do município de Porto Alegre) e leis de incentivo fiscal estadual e federal (estas últimas somente para espetáculos de sala). No entanto, deve-se mencionar que, além da eficiência demonstrada em aprovar projetos de montagem, produção e circulação, comercialmente a Oigalê é uma empresa cultural promissora, que mantém atualmente em seu elenco doze profissionais do teatro, além de já ter realizado parcerias criativas com grande parte dos principais diretores, cenógrafos, figurinistas, compositores, musicistas, bonequeiros, dramaturgos e atores que atuam no campo teatral porto-alegrense. Esta breve explanação sobre o histórico do grupo serve para introduzir as duas questões que nortearão o debate a ser desenvolvido a seguir: a recepção do teatro de rua e a identidade gaúcha apresentada pela Oigalê em seus espetáculos. Por si só, cada um destes assuntos já suscitaria lon- gas discussões, no entanto, ao analisar tanto a produção, como as falas dos integrantes do grupo e ao acompanhar apresentações em “observação participante” junto aos espectadores, percebi que estas duas questões, ou temáticas de debate, estão intrinsecamente ligadas no caso da Oigalê. A produção, a circulação e a recepção (consumo) dos espetáculos de teatro de rua da Oigalê estão diretamente relacionadas à apresentação, paródia, satirização e uso de elementos do que aqui denomino “cultura gaudéria”, ou seja, os elementos e traços referenciais da figura típica do estado do RS, o gaúcho, homem livre que vive nos pampas, que tem no cavalo seu melhor amigo, que historicamente apresenta caráter brutalizado por seu passado de lutas, guerras e batalhas, mas que em linhas de fuga determi- nadas apresenta-se nobre, valoroso e até sentimental. 1. Para dados mais detalhados sobre o grupo, sua trajetória, os espetáculos e os atores, consultar: http://www.oigale.com.br/index.htm. Todas as fotografias utilizadas neste ensaio estão disponíveis no site do grupo 110 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 110 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 6. Teatro de rua, recepção e identidades A recepção no teatro de rua: “espectadores nômades e sem-teto” Se pensarmos em nossa herança, podemos citar inúmeros momentos em que o espectador de teatro foi espectador em espaços abertos, nas ruas, feiras e praças. Se a hipótese de que o teatro ocidental deriva dos rituais gregos em homenagem ao deus Dionísio é pertinente, temos a rua como palco. Se as bacantes seguidoras de Dionísio sobem aos montes e realizam seus rituais em bosques, os coreutas ditirâmbicos efetuam seus cantos, danças e evoluções pelas ruas da pólis ateniense, assistidos pelos transeuntes. Assim, se há espectadores, e estes estão nas ruas, acompanham a passagem sem lugar pré-definido, em cortejos móveis que transcorrem ocupando o espaço público. Porém, com a instituição do teatro como forma oficial de manifestação da cultura e do ethos gregos, faz-se a necessidade de existir um espaço próprio para esta arte. O edifício teatral proposto pelos gregos, o theatron, lugar para se ver, ganha outros usos e finalidades na Roma Antiga, que prefere espetáculos ligados às variedades circenses, bélicas e desportivas. E o teatro volta para as ruas, através de mimos, pantomimos, jograis, bufões, trovadores e ambulantes. No medievo, a arte teatral misturava-se ao povo, imiscuía-se ao popu- lacho dos feudos e migrava constantemente. Nos nascentes burgos da Alta Idade Média, vemos mais uma vez as ruas sendo tomadas pelas enormes e suntuosas representações dos mistérios, dos autos e das moralidades, em festas de caráter litúrgico e profano que envolviam todas as vilas crescentes. A rua é palco, mais uma vez. Palco e platéia, já que espaço em que os que assistem também participam como atores das encenações. A renascença vê surgir o gênero que por excelência ligou os atores a sua qualidade mambembe: a commedia dell’arte italiana que se espalhou pelos quatro cantos da Europa, tornando-se o gênero mais popular e bem- quisto nos séculos XVII e XVIII. Em seus carroções, misto de casa e de palco, atores e atrizes virtuosos, que cantavam, dançavam, manejavam espadas, tocavam instrumentos, realizavam acrobacias e possuíam um extenso repertório de textos e gags cômicas, encantavam o povo nas ruas e os nobres nos salões de seus castelos com as máscaras e personagens tipos fixos que eram elemento fundamental da composição da commedia. Sua popularidade é substituída pelos melodramas no século XVIII e XIX, que antes de migrarem aos teatros de boulevard, tinham lugar nas ruas e nos palcos de feiras. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 111 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 111 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 7. Taís Ferreira E o público nômade? E as platéias sem-teto? E os espectadores erran- tes? Que lugar ocupam na construção destes períodos da história do teatro ocidental? Como participam na construção ativa de sentidos e significados destes espetáculos? Como legitimam gêneros e tradições teatrais? Estas perguntas suscitariam uma ou mais teses, mas atenho-me agora a pensar em sua produtividade ao propor a discussão que é motivo deste artigo, ou seja, a recepção do teatro de rua contemporâneo. O teatro sempre esteve atrelado ao espaço público. Ainda que muitos de seus períodos e de seus gêneros tenham se desenvolvido em salas de espe- táculo próprias para este uso, ou seja, para o acontecimento teatral, sempre existiram e existirão momentos em que a linguagem teatral toma o espaço das ruas, invade o espaço que é público impondo a ele um espaço-tempo outros, diferenciados do atual, aquele que está ligado à arte, a intenções estéticas e fruição. As estratégias de encenação da Oigalê na relação com as “platéias sem-teto” A fim de colocar em relevo e refletir acerca de algumas estratégias que a Oigalê coloca em prática em seus espetáculos de rua e que têm a clara função de criar uma relação direta com o público, de atraí-lo, de seduzi- lo e mantê-lo “fiel” e atento ao espetáculo do início ao fim, escolhi tratar de seu mais recente espetáculo de teatro de rua, Miséria, servidor de dois estancieiros, em que se pode observar muitas das estratégias desenvolvidas pelo grupo em seus 10 anos de carreira com o teatro de rua. Utilizo-me de imagens e de exemplos oriundos de outros espetáculos do grupo, mas terei como foco principal de análise os procedimentos e escolhas empreendidos em Miséria. Miséria, servidor de dois estancieiros é baseado em uma adaptação do texto do século XVIII do italiano Carlo Goldoni, que formalizou dramatur- gicamente personagens e gags da commedia dell’arte, Arlequim, servidor de dois amos. A direção é de Hamilton Leite e o elenco composto por seis atores/atrizes, a produção é do grupo. Foram utilizados como elementos da montagem a formação do ator em algumas técnicas básicas de atuação dos commicos dell’arte, bem como houve uma preocupação estética em inserir alguns elementos visuais como os figurinos inspirados nas imagens que temos das trupes de commediantes 112 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 112 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 8. Teatro de rua, recepção e identidades dell’arte. No entanto, o diretor lança mão, como parte constitutiva de uma pesquisa estética em elementos do teatro de rua, de músicas, sonoridades, cenografia e uso do espaço cênico ligados às tradições construídas pelo próprio grupo em sua trajetória. Entre elas podemos citar algumas como o uso intenso da música de cena, executada pelos próprios atores. Estes cantam, dançam e possuem algum treinamento acrobático, além de anda- rem em pernas de pau. O ator dos espetáculos de rua da Oigalê deve ter um considerável domínio técnico dos instrumentos de corpo e voz para que “dê conta” das exigências da encenação, que geralmente são muito ágeis, repletas de quiprocós e peripécias, além de serem todas elas reali- zadas sem uso de nenhum aparelho de projeção sonora como microfones ou caixas de som. Na imagem abaixo, temos exemplo de cena de ação e movimentação vigorosa. A fala a seguir, recolhida em entrevista com o diretor, produtor e ator do grupo Hamilton Leite, levanta uma série destes recursos que constituem um arsenal de estratégias que a Oigalê tem colocado em cena na tentativa de criar empatia com o eclético público das ruas e praças do Brasil: A gente nunca pensa em como prender o público, mas a gente sabe como prender o público. Eu penso nisso. Na realidade, tu podes fazer um espetáculo como? Com música ao vivo, isso já prende o público. Tu vais fazer um espetáculo dinâmico, que conte alguma história ou que tenha recursos que sejam diferentes: ou perna de pau, ou acrobacia, Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 113 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 113 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 9. Taís Ferreira ou máscara... Várias coisas que dêem interesse, que busquem alguma coisa. E não é porque a pessoa é popular que ela não tem interesse nisso (Hamilton Leite, 2008). Assim, percebe-se que o apelo ao extracotidiano e ao “ator virtuoso” permanece presente no discurso do diretor e nas encenações do grupo, da mesma forma que eram elemento fundamental ao teatro popular medieval e renascentista, incitando o interesse de espectadores tão diversos como reis e mendigos, doutos e comerciantes, homens e mulheres, adultos e crianças. Outro recurso recorrente, que podemos compreender como estratégia típica do teatro de rua, é a exploração de diferentes planos espaciais na encenação. O uso de pernas de pau, bem como estruturas cenográficas que ocupam os planos alto, médio e baixo são um fator de aproximação das platéias com os espaços de encenação construídos em ruas e praças para as apresentações do grupo. Essas estruturas também apresentam mobilidade espacial, podendo, com seu deslocamento dentro da arena (que pode ser circular, triangular ou em formato de losango, entre outros) de encenação, formar novos cenários, com novos planos e novas possibilidade de relação com o público. O teatro em formato de cortejo, levantado em obras sobre o teatro de rua (como em Cruciani e Falletti (1999) e em Carreira (2003)) não é uma prática utilizada comumente pela Oigalê. Eles constroem seu local de representação nos espaços públicos e, só então, convidam o pú- blico a se aproximar, como nos versos de Ramil: “Oigalê-tchê, eh-cuê! 114 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 114 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 10. Teatro de rua, recepção e identidades Se aprochegue pra escutar!”. Pode-se perceber nas fotos abaixo como se estrutura esse uso da cenografia e do espaço de representação em Deus e o Diabo na terra de Miséria (1999) e Miséria, servidor de dois estancieiros (2008), respectivamente. No caso da Oigalê, ainda pode-se perceber o movimento de triangu- lação típico da commedia dell’arte (em que os atores dirigem as falas não somente para seus partners como para os espectadores), assim como os apartes (em que o personagem dirige um comentário a algum espectador específico, quebrando a quarta parede), técnica básica dos melodramas do século XVIII e XIX, como recursos efetivos e constantes. Ademais, os atores também costumam deixar o espaço da representação tomando lugar junto ao público, onde os personagens tecem comentários sobre as cenas, envolvendo os espectadores na trama e gerando alguma empatia cômica. O convite à participação ativa do espectador na ação dramática também acontece em alguns momentos do espetáculo, criando efeitos cômicos provenientes da timidez e do constrangimento dos espectadores “escolhidos” para participar da cena auxiliando o personagem que conduz a ação. Nas fotos abaixo vemos os atores entre o público e a escolha de um “espectador-colaborador”, neste caso um menino que cuida do cavalo do personagem. Cumpre notar o papel que a música executada ao vivo em cena pelos atores exerce na estética promovida pela Oigalê em seus espetáculos de Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 115 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 115 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 11. Taís Ferreira sala e de rua. Os instrumentos são elementos cênicos sempre presentes nos espetáculos ao acompanhar canções cantadas pelos atores, ao realizar ruídos e sonoridades diversas que vão de um trem em movimento aos sons de uma floresta, assim como músicas com forte inspiração no cancioneiro tradi- cional gauchesco. Sobre isso, julguei pertinente incluir aqui a explicação de Hamilton Leite sobre o surgimento de um recurso que a Oigalê vem utilizando em todos seus espetáculos de teatro de rua como estratégia de cooptação dos transeuntes (possíveis espectadores, desde que devidamente aliciados): incitar o público a escolher entre duas músicas para dar início ao “show de teatro”. Segue narrativa do diretor sobre este procedimento: A gente sempre chega num lugar, tanto no Negrinho (do Pastoreio) como no Deus e o Diabo (na terra de Miséria) quanto no Miséria (servidor de dois estancieiros), e nós sabemos cantar duas músicas, ‘Aquela’ e ‘A outra’. O que já é um chavão e responde como tu traz o público, como tu aconchega o público para chegar. Quando tu começas um espetáculo, às vezes não tem ninguém próximo, aí começamos a bater pratos, chamar para o ‘show de teatro de rua’, aí começa a chegar gente, e quando tem um público mínimo, nós vamos cantar ‘Aquela’ ou ‘A outra’, fazemos uma votação e quem ganha é ‘A outra’ ou ‘Aquela’, para nós pouco importa. Isso é só uma brincadeira: primeiro cantamos ‘Aquela’, que é a música do grupo, e depois cantamos ‘A outra’, que é ‘A mesma’. E 116 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 116 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 12. Teatro de rua, recepção e identidades alguém sempre diz: – É a mesma! Então vamos cantar ‘A mesma’, que é a música que dá abertura ao espetáculo. Isto é, já é a terceira vez que cantamos a música do grupo... a gente achou num determinado momento, não foi no começo, que deveríamos ter uma música de abertura, para chamar as pessoas para o teatro de rua também. A gente usa em todos os espetáculos de rua, que é essa brincadeira de que vamos cantar só duas músicas e aí a terceira, que é ‘A mesma’, que é o início do espetáculo. E as pessoas já se surpreendem naquilo. E isso foi “uma sacação” que não foi de um diretor, foi da experiência de rua, este formato. E desde que a gente descobriu este formato a gente faz ele há mais da metade do tempo do grupo (Hamilton Leite, 2008). As técnicas de interpretação, recursos cenográficos e de encenação aqui levantados não são de uso e desenvolvimento exclusivo da Oigalê. Outros grupos e artistas que desenvolvem trabalhos de teatro de rua no Brasil e exterior têm se utilizado destes meios como forma de aproximação e relação com o público das ruas, praças e espaços abertos ou não convencionais de atuação. No entanto, julguei pertinente apontá-los antes de discorrer acerca daquilo que considero fundamental ao entendimento do trabalho da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê com teatro de rua e da relação travada pelos espectadores com estes espetáculos: a (des)construção de uma identidade gaudéria específica e a subversão da figura do gaúcho como forte, viril, corajoso, valoroso e carrancudo. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 117 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 117 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 13. Taís Ferreira A identidade como elemento de empatia: o gaúcho ressignificado A questão das identidades (múltiplas, mutáveis, inconstantes e em eterno devir) está no centro de debates e discussões que interpolam os mais di- versos campos na contemporaneidade: a história, a educação, as ciências sociais, a filosofia, as artes, o direito, a medicina, a psicologia. Enfim, praticamente todos os ditos “campos do saber” estão sendo permeados pela discussão acerca das identidades. Em um mundo globalizado e, no entanto, repleto de sociedades com- postas por tribos (urbanas ou não), como se constroem as identidades? Ao que nos filiamos, quais os discursos e práticas que nos constituem e que assumimos como fazendo parte daquilo que somos/estamos? Uma série de questões muito em voga, mas que se fazem pertinentes também neste artigo, no qual discuto acerca do teatro de rua e de sua recepção. No centro dos trabalhos desenvolvidos pela Oigalê, como eixo temático transversal que permeia praticamente todos eles, está a figura do gaúcho. Este tipo brasileiro, primo-irmão do gaucho platino (uruguaio e argenti- no), é a representação de sul-riograndense (os que aqui nascem podem ser chamados de gaúchos ou de sul-riograndenses) mais comum e aceita tanto em outros estados do Brasil como no restante do mundo. E essa foi uma la- 118 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 118 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 14. Teatro de rua, recepção e identidades boriosa construção, meticulosamente planejada e abrigada hoje muito além dos pampas e estâncias nos quais supostamente nasceu, dentro de “pequenos templos” desta presumida cultura campeira, agropastoril, filha das tantas guerras às quais se submeteu bravamente o povo gaúcho em sua história: os CTGs (Centro de Tradições Gaúchas). Dentro destes “templos”, um gaúcho (acompanhado de sua prenda) trajando indumentária típica dança bailados tradicionais ao som de músicas gauchescas, toma chimarrão, come churrasco e arroz de carreteiro, venera um passado de glórias e feitos viris que é apregoado pela “mitologia do gauchismo”. O mito fundador (hoje amparado não só pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), como pela mídia e pelos governantes) dignifica e glorifica a figura do homem a cavalo, o homem indomável, viril, forte, justo, valente, bom, guerreiro e apegado às tradições da terra. Mas esta introdução serve, primordialmente, para ilustrar aos que não estão familiarizados com as culturas presentes no Rio Grande do Sul (estado múltiplo, aliás, que jamais poderia ser designado por “uma” representação somente, aquela dita “verdadeira”, sendo que multiétnico e multicultural por excelência) como se dá, dentro deste estado, o mais sulino do Brasil, a construção de uma identidade que representa há quase um século todos os que aqui nascem e habitam perante o mundo. Muitos dos cidadãos nascidos ou residentes no estado do RS escolhem adotar estes discursos em sua constituição identitária, usando vestimentas e exercitando hábitos cotidianos que estariam ligados ao “ser gaúcho” promovido pelos discursos do MTG. Assim, naturaliza-se no estado e fora dele que todo o gaúcho veste-se, porta-se, come, diverte-se e pensa de determinada maneira, intrinsecamente ligada a esta figura do “gaúcho mitológico”. Ignora-se o fato de que a maior parte da população do estado é urbana e nunca teve contato com zonas rurais, que grande parte dos gaúchos é descendente direta de colonos alemães, poloneses e italianos, que o litoral recebe forte influência açoriana e que existem comunidades negras e todo o estado, mais fortemente nas regiões sul e metropolitana, onde religiões afrodescendentes dividem espaço igualitariamente com a igreja católica, as igrejas evangélicas e as casas espíritas. Bom, devem estar se perguntado os que lêem a este artigo: e o que isto tem a ver com o teatro de rua e a recepção teatral? Neste caso, a chave para o entendimento de algumas escolhas que determinam a recepção dos espetáculos da Oigalê está justamente vinculada à representação de gaúcho veiculada e legitimada pelo MTG, pela mídia, pelos livros escolares, pelos discursos governamentais, pela literatura, entre outros. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 119 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 119 03/12/2010 11:32:19 a.m.
  • 15. Taís Ferreira Como exemplo, podemos tomar a transposição do personagem Arlequim para Miséria, o andarilho, esfarrapado, faminto e, por vezes, servidor de estancieiros (os senhores dos pampas gaúchos). O que faz a Oigalê ao transformar um personagem cômico, forjado nos moldes do que já Aris- tóteles nos apresenta como cômico (de baixa nobreza, ligado aos instintos, mundano), em um gaúcho dos pampas (homem sério, corajoso, viril)? Frente a frente, em um mesmo personagem, estão os defeitos que carac- terizam o personagem como cômico e as virtudes que este almeja estando inserido dentro de um ethos social específico que é o do gauchismo: desta forma, ele tenta ser valoroso, íntegro, forte e corajoso; porém, não obtém sucesso em sua empreitada. E assim, Miséria subverte a lógica da representação típica do gaúcho, oferecendo ao espectador, tanto sul-riograndense como de qualquer outra naturalidade, uma série de situações cômicas e absurdas. A coragem é subs- tituída pela covardia, ainda que o personagem tente se justificar e aparentar valentia diante dos outros. Ele falha em suas investidas, demonstrando ser covarde. Ele não é hábil e astuto como o homem campeiro em suas lidas com o laço e a doma: ele atrapalha-se, engana-se, em uma série de quiprocós que nos entregam um personagem que não domina seu ofício de criado, sendo que este nem é especificamente seu ofício, pois ele eventualmente cumpre tarefas em busca de subsistência. Outras figuras de gaudérios permeiam os espetáculos da Oigalê: o Coronel Picucha, em Uma Aventura Farroupilha, cria o contraponto cômico dentro da história trágica do menino imigrante alemão em busca do irmão em meio à Guerra dos Farrapos. Ele é bom e valoroso, auxilia o protagonista, mas seus modos rudes e simplórios são motivo de empatia pelo público, bem como sua relação os peões (empregados da estância). Na encenação, elementos como uma enorme cuia de chimarrão, um bigode desproporcional e uma égua de madeira simbolizam o caráter cômico (e icônico) conferido ao personagem. Em Negrinho do Pastoreio, o Patrão e seu filho, o Patrãozinho, “donos” do protagonista, denotam toda a crueldade e as relações de poder exerci- das entre patrões e empregados, senhores e escravos, brancos e negros, no extremo sul do país. Relação historicamente silenciada em um estado que demorou alguns séculos para assumir que possuiu um cruel sistema escravagista ligado principalmente às charqueadas da região sul do estado. No entanto, mais uma vez estes defeitos são exacerbados de forma a se tornarem cômicos, já que distantes de uma possível realidade, ou desloca- 120 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 120 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 16. Teatro de rua, recepção e identidades dos desta. Nas fotografias abaixo, exemplos de gaudérios de encenações da trupe: 1) O personagem Miséria; 2) Coronel Picucha e sua égua; 3) O patrão do Negrinho; e 4) Um dos patrões de Miséria. Destarte, o gaudério da Oigalê torna-se simpático não por ser valoroso e pleno de coragem, mas, pelo contrário, por conter características de tipos populares cômicos, e tal como os zanni da commedia dell’arte, o Mateus nordestino ou o caipira paulista, mostrarem sua fragilidade, exporem-se em sua inocência e em suas tentativas (quase sempre frustradas) de es- perteza. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 121 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 121 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 17. Taís Ferreira Acerca desta escolha tão fortemente marcada de desenvolver uma linha de trabalho voltada para o cômico, o popular e o tipicamente local (gaúcho, no caso), explica Hamilton Leite: Não existe a preocupação de se o público vai entender, existe sim a preocupação de contar histórias populares. Existe já um entendimento do público neste sentido. Pode até ser o folhetim, a literatura de cordel no nordeste; para nós são as lendas e contos, que a gente pega muito. Por mais que as pessoas não saibam o que está acontecendo, o que vai acontecer, a gente está trabalhando com a figura do gaúcho, então isso tem uma empatia aqui, mas tem uma empatia em outros lugares, porque tu pode ter na figura do gaúcho, a figura do cara do interior paulista, do cara do interior de Minas, do nordestino, do interior do norte. Então isso causa uma empatia muito forte (Hamilton Leite, 2008). 122 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 122 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 18. Teatro de rua, recepção e identidades E sobre a questão da identidade gaúcha e de sua ressignificação na ampla circulação que estes espetáculos têm pelo Brasil, comenta o diretor: A gente já apresentou em 16 estados... O regional é universal. O Misé- ria, ele pode ser o nordestino, mas ele é o gaúcho. A trova é o repente. Então há uma identificação muito forte em várias coisas. Não existe uma negação disso (por pessoas de outros estados). Eu acredito numa coisa muito legal, isso do intercâmbio pelo Brasil. Eu também não quero fazer uma coisa que seja totalmente legível, ou o que eles já vêem todo dia (Hamilton Leite, 2008). Portanto, podemos inferir que uma série de ressignificações são proces- sadas em diferentes âmbitos: ao subverter-se a figura do “gaúcho mitoló- gico”, abre-se a possibilidade de criar o “gaúcho popular”, o “gaudério”, personagem-tipo que tem reflexo em outros já citados e encontra acolhida entre os mais diversos públicos e platéias deste país e possivelmente de alhures. Justifica-se aí a escolha da Oigalê em esteticizar e ressignificar uma representação já desgastada de gaúcho, a fim de “colocar (literalmen- te) na roda” personagens que criem empatia para com os mais diferentes “espectadores errantes”, as mais diversas “platéias sem-teto” que estarão compondo o acontecimento teatral do espetáculo de rua. Conclusões Mais um causo eu vou contar... Tem vezes em que eu fico olhando o público, como ele reage perante tais coisas. Porque isso é o interessante de se ver, este é o teu material de trabalho. Como eu falei antes: a gente faz teatro PARA o público, não tem que fazer teatro para quem faz teatro e sim para o público... Na rua não tem como fazer teatro só para quem faz teatro (Hamilton Leite, 2008). Ao ocupar o espaço das ruas, espaço público, espaço de passagem, os atores assumem o desafio de inserir-se no cotidiano das pessoas sem que haja o consentimento prévio destas, colocando-se em risco ao tomarem para si a tarefa de convencer, persuadir e seduzir um público que, na maior parte das vezes, não transita pelos locais públicos com intuito de relacionar-se com a linguagem teatral. Assim, pessoas que não iriam ao teatro, por va- riados motivos, seja pela falta de hábito, ou pela inacessibilidade imposta pelas barreiras sociais e econômicas, são atraídas pelo teatro de rua; de forma acentuada, aqueles espectadores que não costumam contatar com linguagens artísticas e vêem o teatro com olhos curiosos e, ousaria dizer, Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 123 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 123 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 19. Taís Ferreira gulosos. O momento de quebra com o cotidiano, através de corpos que ocupam o espaço do dia-a-dia transformando-o em um outro espaço, es- paço simbólico e extracotidiano, passa a ser uma linha de fuga, ainda que efêmera, da realidade destes espectadores. Crianças e adultos que vivem nas ruas, vendedores ambulantes, trabal- hadores a caminho de seus labores, estudantes, idosos e crianças (muitas crianças!), são espectadores assíduos nas platéias de teatro de rua. Estas platéias tornam-se híbridas, já que limitações (que definem o modo de ende- reçamento dos espetáculos) como a faixa etária, a classe social, a profissão, a etnia, a orientação sexual, o gênero, o capital simbólico e a escolaridade perdem sua importância, colocando debaixo do mesmo “sem-teto”, ou seja, debaixo do firmamento, espectadores com os mais diversos horizontes de expectativas e repertórios anteriores, que compartilharão, juntamente com os atores, o tempo-espaço do evento teatral. Como no teatro elizabetano, no teatro barroco espanhol e na commedia dell’arte, o céu passa a ser o limite, em um ato que democratiza e populariza o acesso à arte teatral, propiciando a proximidade física e concreta entre espectadores e atores. A fim de cooptar, seduzir e prender a atenção destas “platéias sem-teto”, compostas pelos mais diferentes espectadores, que esperam do espetáculo e dos artistas nele envolvidos uma enorme diversidade de respostas e pro- postas, podemos reconhecer uma série de artifícios e estratégias, que, para além de compor a estética do espetáculo, levam à construção de uma relação direta com o espectador, sendo este interpelado a participar ativamente do espetáculo em muitas das cenas, conforme pode observar-se em Miséria, servidor de dois estancieiros. A platéia assume um desenho móvel, em constante transformação, que agrega e perde espectadores ao longo de toda a apresentação. Figura cons- tante a alguém que se propõe a observar o contínuo fluxo destas platéias que são organismos vivos (ao contrário das platéias de salas com palco italiano que, no escuro, mantêm-se praticamente imóveis durante toda a duração do espetáculo) é o “espectador errante”: aquele que, a exemplo do flâneur de Benjamin, vaga pelas ruas e praças, assistindo a pequenos trechos do espetáculo, partindo e retornando, de acordo com seu interesse (e prazer decorrente) naquilo que lhe é apresentado. E é a este “espectador errante”, quase um espectador idealizado pelos produtores de espetáculos de teatro de rua, que se endereçam muitas das estratégias de cooptação do teatro de rua, a fim de prender-lhe a atenção a ponto de merecer sua presença durante o tempo integral de duração da peça ou ao longo do cortejo ou da intervenção pela cidade. 124 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 124 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 20. Teatro de rua, recepção e identidades Fluxo, mobilidade, hibridismo, convivência entre as diferenças: são estas algumas das constantes percebidas a partir da observação inicial de platéias de teatro de rua, que podem ainda apresentar-se de formas diferenciadas dependendo da localidade e da contingência em que acontecerá o evento teatral. Para além desta conformação híbrida e móvel, podemos pensar nas inúmeras individualidades que compõem platéias tão heterogêneas, incitando os artistas que para ela produzem a lançarem mão de recursos de encenação, de dramaturgia e de atuação voltados diretamente ao aliciamento deste público que escolhe e acolhe a arte que perpetra o espaço que é de todos, através de um teatro que como base de sua existência, endereça-se a “todo o mundo” e a “ninguém”, remetendo-nos às grandes, festivas e espetaculares moralidades medievais. Época II. Vol. XVI. Núm. 32, Colima, invierno 2010, pp. 107-126 125 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 125 03/12/2010 11:32:20 a.m.
  • 21. Taís Ferreira Bibliografia Bauman, Z. (2005). Identidade. Rio de Janeiro: Zahar. Carreira, A. 2003El teatro callejero em la Argentina y em e Brasil democráticos de la década del 80. Buenos Aires: Editorial Nueva Generación. Cruciani, F.; Falletti, C. (1999). Teatro de rua. São Paulo: Hucitec. Hall, S. (1997). “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo” in: Educação e Realidade, v. 22, n. 2. Porto Alegre:. p. 15-46. Hall, S. (1997a). “The Spetacle of the ‘Other’ ”, in: Representation. Cultural Re- presentations and Signifying Practices. London/ Thousand Oaks/ New Delhi: Sage/ Open University Press, p. 225-287. Hall, S. (1997b). “The Work of Representation”, in: Representation. Cultural Representations and Signifying Practices. London/ Thousand Oaks/ New Delhi: Sage/ Open University Press, p. 01-73. Hall, S. (2000). “Quem precisa da identidade?”, in: Silva, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e Diferença – A perpectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, p. 103-133. Hall, S. (2002). A identidade cultural na pós-modernidade. 7ed. Rio de Janeiro: DP&A. Hall, S. (2003). Da Diáspora – Identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik. Belo Horizonte: Ed. UFMG/ Brasília: UNESCO. Hall, Stuart; Du Gay, Paul (orgs.) (1997). Questions of Cultural Identity. London/ Thousand Oaks/ New Delhi: Sage. Ferreira, Taís. (no prelo). Teatro de rua, recepção e identidades: Oigalê, tchê!, in: Revista Fênix, Uberlândia. Oigalê (2009). Disponível em http://www.oigale.com.br/. Acesso em 25/05/2009. Sampaio, Shaula M. V (2005). “Estilhaços depois da tempestade: divagações sobre identidade, escrita, pesquisa...”, in: Skliar, Carlos (org.). Derrida e a educação. Belo Horizonte: Autêntica. Silva, Tomaz Tadeu (2007). Documentos de identidade – uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica. 2ª ed.. Recibido: 29 de junio de 2009 Aprobado: 20 de octubre de 2009 126 Estudios sobre las Culturas Contemporáneas 5 Teatro de rua pp 107-126.indd 126 03/12/2010 11:32:20 a.m.