SlideShare a Scribd company logo
1 of 24
Dante Augusto Galeffi                                                  13


      O QUE É ISTO — A FENOMENOLOGIA DE
                  HUSSERL?



                                                    Dante Augusto Galeffi
                Professor Adjunto do Departamento II da FACED - UFBA
                                            Doutor em Educação - UFBA
                                                     dgaleff@uol.com.br




    RESUMO: Trata-se de uma leitura da concepção fenomenológica
de Husserl, um exercício de compreensão do alcance do que ele
propõe como Filosofia Transcendental. A visada é interrogante
e perplexiva, em momento algum conclusiva. Procura-se pensar
com Husserl e não contra ele. Releva-se, assim, o campo posi-
tivo da aquisição da atitude fenomenológica, no sentido do
fundamento de uma ciência do homem e para o homem, na
abertura de suas possibilidades livres e responsavelmente deter-
minadas.

   PALAVRAS-CHAVE: Filosofia Transcendental, Fenomenologia,
Consciência Constituinte.

     ABSTRACT: This is a reading of Husserl’s phenomenology
conception, a comprehension exercise of significance on what
he proposes as Transcendental Philosophy. This focus is something
interrogative and perplexed, never against him. So that, it’s
emphasized the positive zone of acquisition of phenomenological
attitude, in the meaning of science reason of human being, in
the opening of his free and determined responsable possibilities.

   KEY-WORDS: Transcendental Philosophy, Fenomenology,
Constituent Consciousness.



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
14                                                        Dante Augusto Galeffi


     Com a pergunta, o que é isto — a fenomenologia?, somos
convidados a tomar parte em um jogo que tem como fim a
elucidação da verdade fenomenológica. Mas, podemos nós
esclarecer o sentido e o significado do que venha a ser uma
“verdade elucidada fenomenologicamente”? Sabemos nós, de
modo claro, o que é isto — a fenomenologia? Sabemos a sua
origem, o seu meio, o seu fim? E se algo sabemos, o que somos
capazes de dizer sobre sua gênese, seu processo, seu projeto,
e sobre qual “ponto de vista” gnosiológico a compreendemos?

     Desde o início, a pergunta pela fenomenologia guia os
nossos passos, enfatizando a necessidade de um procedimento
de rigor para a apresentação da questão. Um tal procedimento
diz respeito à própria fenomenologia compreendida como método
da crítica do conhecimento universal das essências, segun-
do Edmund Husserl (1859-1938), método que é a própria ci-
ência da essência do conhecimento, ou doutrina universal
das essências. (Husserl, 1990: 22)

     Segundo essa breve definição, a fenomenologia é um
método, o que significa dizer que ela é o “caminho” da crítica
do conhecimento universal das essências. Assim, para Husserl,
a fenomenologia é o "caminho” (método) que tem por “meta”
a constituição da ciência da essência do conhecimento ou
doutrina universal das essências. Mas, o que isto significa —
uma doutrina universal das essências — e qual é a sua serventia?

     De imediato, a pergunta sobre a fenomenologia está sendo
feita a Edmund Husserl. Em outras palavras, colocamos-nos
no “caminho” da Fenomenologia por ele concebida, a partir da
leitura e esforço de interpretação da sua obra A Idéia da Fenomenologia,
texto resultante de Cinco Lições proferidas em Gotinga, no pe-
ríodo de 26 de abril a 2 de maio de 1907. Esse texto já apresenta
a perspectiva madura da Fenomenologia de Husserl, o momento
em que ele decide por uma “crítica da razão” (em todas as suas



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                           15


dimensões), configurando, assim, uma “nova Fenomenologia
Transcendental” (ou pelo menos uma renovação-continuação
da atitude radical), o que nos permite ir direto ao assunto, i. é,
falar da Fenomenologia segundo a visada inovadora do seu
inventor.

     De acordo com o próprio rigor da atitude filosófica, por-
tanto, de acordo com a interrogação sistemática que analisa as
condições, os limites e as possibilidades de um conhecimento
das coisas mesmas, a nossa atitude frente às idéias de Husserl
procura ser a mais radical possível, o que põe em jogo um
esclarecimento “para nós mesmos” do alcance e do significado
essencial de uma investigação fenomenológica.

    Nesse sentido, permanecemos na pergunta: Que é Fenomenologia?
A pergunta nos lança em um “caminho” que interroga a própria
“razão constituinte”; a pergunta institui a “crítica da razão”: a
ciência da essência do conhecimento, ou melhor, a Fenomenologia
Transcendental.

     Assim, perguntar pela fenomenologia significa percorrer
um caminho de “crítica da razão fenomenológica”, ou seja,
crítica da ciência do conhecimento a priori, o conhecimento
transcendental (puro). Mas, uma vez admitida esta definição,
qual seria a diferença entre a Fenomenologia de Husserl e a
Filosofia Transcendental de Kant?

     O texto sobre o qual exercitamos esta compreensão inicial
e provisória de “fenomenologia” — A Idéia da Fenomenologia —
apresenta, como dissemos, as principais teses que deram início
à fase transcendental da filosofia de Husserl, precisamente aquela
do     método fenomenológico que tanto influiu nos mais
importantes movimentos do pensamento do século XX. Através
das Cinco Lições que deram origem ao texto em questão, Husserl
expõe os fundamentos de uma Crítica da Razão, ao modo



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
16                                                        Dante Augusto Galeffi


kantiano, o que dificulta qualquer pretensão de se poder encon-
trar diferenças essenciais entre os dois fenomenólogos, sobre-
tudo em relação à idéia básica da «constituição» do conhecimen-
to crítico — conhecimento puro a priori.

     Desde 1907, Husserl começa a assumir uma nova posição
gnosiológica, tomando distância de uma “fenomenologia psico-
lógica descritiva”, concernente à simples esfera das vivências,
e isto segundo o conteúdo incluso de tais “vivências”, ou seja,
segundo as vivências do “eu que vive”, referindo-se empiricamente,
assim, às “objetividades da natureza”. Para ele, agora impor-
tava distinguir essa forma de “fenomenologia empírica” da
fenomenologia transcendental.

    Essa passagem de uma fenomenologia empírica para uma
fenomenologia transcendental vai firmar a nova posição de
Husserl em relação as suas Investigações Lógicas (1900-1901). Em
um manuscrito de setembro de 1907 (B II 1), ele apresenta os
motivos e as intenções dessa mudança:

     « As “Investigações Lógicas” fazem passar a fenomenologia
por psicologia descritiva (embora fosse nelas determinante o
interesse teórico-cognoscitivo). Importa, porém, distinguir esta
psicologia descritiva, e, claro, entendida como fenomenologia
empírica da fenomenologia transcendental...

     O que nas minhas “Investigações Lógicas” se designava
como fenomenologia psicológica descritiva concerne à simples
esfera das vivências, segundo o seu conteúdo incluso. As
vivências são vivências do eu que vive, e nessa medida referem-
se empiricamente às objetividades da natureza. Mas, para uma
fenomenologia que pretende ser gnosiológica, para uma dou-
trina da essência do conhecimento (a priori), fica desligada a
referência empírica. Surge, assim, uma fenomenologia transcendental
que foi efetivamente aquela que se expôs em fragmentos nas



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                            17


“Investigações Lógicas”.

     Nesta fenomenologia transcendental não nos havemos com
ontologia apriórica, nem com lógica formal e matemática for-
mal, nem com geometria como doutrina apriórica do espaço,
nem com cromometria e foronomia apriórica, nem com ontologia
real apriórica de qualquer espécie (coisa, mudança, etc.).

     A fenomenologia transcendental é fenomenologia da cons-
ciência constituinte e, portanto, não lhe pertence sequer um único
axioma objetivo (referente a objetos que não são consciên-
cia...).

     O interesse gnosiológico, transcendental, não se dirige ao
ser objetivo e ao estabelecimento de verdades para o ser obje-
tivo, nem, por conseguinte, para a ciência objetiva. O elemento
objetivo pertence justamente às ciências objetivas, e é afazer
delas e exclusivamente delas apenas alcançar o que aqui falta
em perfeição à ciência objetiva. O interesse transcendental, o
interesse da fenomenologia transcendental dirige-se para a consci-
ência, enquanto consciência, vai somente para os fenômenos,
fenômenos em duplo sentido: 1) no sentido da aparência
(Erscheinung) em que a objetividade aparece; 2) por outro lado,
no sentido da objetividade (Objektität) tão só considerada, en-
quanto justamente aparece nas aparências e, claro está,
«transcendentalmente», na desconexão de todas as posições
empíricas...

     Dilucidar estes nexos entre verdadeiro ser e conhecer e, deste
modo, investigar em geral as correlações entre acto, significação
e objeto, é a tarefa da fenomenologia transcendental (ou da
filosofia transcendental)». (Husserl, 1990: 13-14)

    Essas observações de Husserl não deixam dúvida do que ele
está chamando de fenomenologia transcendental. E é nessa ótica



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
18                                                        Dante Augusto Galeffi


que aqui tratamos de interrogar a Fenomenologia. Portanto,
a fenomenologia da qual discorremos é uma gnosiologia da cons-
ciência, enquanto consciência; uma Filosofia Transcendental, isto é,
uma Crítica da Razão, enquanto fenômeno da consciência constitu-
inte. Neste sentido, desde 1907, a Fenomenologia de Husserl
já se aproxima do formato de um idealismo transcendental, fato
que se consolida, em 1913, com a publicação de Idéias para uma
Fenomenologia Pura.

     Entretanto, para que se tenha presente a grande dificuldade
e o esforço depreendido, necessário para que Husserl pudesse
formular uma “nova fenomenologia”, citaremos algumas passa-
gens de anotações feitas em seu diário, em 25/11/1906, em que
fica claro o grande desafio e a grande decisão tomada por ele,
de modo a justificar a sua própria prática filosófica como tarefa
radical:

     «Em primeiro lugar, menciono a tarefa geral que tenho de
resolver para mim mesmo, se é que pretendo chamar-me filó-
sofo. Refiro-me a uma crítica da razão. Uma crítica da razão
lógica, da razão prática e da razão valorativa em geral. Sem
clarificar, em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos,
os pontos de vista capitais de uma ciência da razão; sem dela
ter pensado, esboçado, estabelecido e demonstrado um projeto
geral, não posso verdadeiramente e sinceramente viver. Os
tormentos da obscuridade, da dúvida, que vacila de um para o
outro lado, já bastante os provei. Tenho de chegar a uma íntima
firmeza. Sei que se trata de algo grande e imenso; sei que grandes
gênios aí fracassaram; e, se quisesse com eles comparar-me,
deveria de antemão desesperar...» (Husserl, 1990: 12)

    Como se pode ver e ouvir, a elucidação fenomenológica do
conhecimento era uma questão de “vida ou morte” para Husserl.
Desesperadamente, ele também buscava a “certeza certa”, o
fundamento sólido de uma clarificante “crítica da razão”. Em



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                              19


outras palavras, Husserl acreditava na edificação de uma ciência
transcendental dos fenômenos da consciência enquanto consciência, to-
mando distância do ceticismo reinante no ambiente intelectual
da sua época.

     Diante da “crise da razão gnosiológica” do seu tempo, que
vinha solapando qualquer pretensão de se dar seguimento a uma
ciência da “constituição” do conhecimento puro (a priori),
Husserl restaura a atitude transcendental como “retorno às coisas
mesmas”, provocando, assim, profundas mudanças no horizon-
te teórico do fazer filosófico do século XX. Reclamando,
renovadamente, uma nova tarefa para a Filosofia do Sujeito,
precisamente aquela capaz de superar o amadorismo empírico
ou o transcendentalismo ingênuo (ou realista) das épocas ante-
riores, Husserl projeta para a Filosofia a possibilidade de
desfazer-se dos “tormentos da obscuridade”, e isto através do
método fenomenológico (ou redução fenomenológica) leva-
do às suas extremas consequências, a saber: o retorno à consci-
ência.

     Segundo Husserl, a chamada redução fenomenológica propor-
ciona o acesso ao “modo de consideração transcendental”, ou
seja, o “retorno à «consciência»”. Assim, através da “redução
fenomenológica” os objetos se revelam na sua constituição.
Retornando à «consciência», os objetos aparecem na sua
constituição, ou seja, como correlatos da consciência. O retor-
no, portanto, permite «dissolver o ser na consciência», isto é,
permite que o ser (ou ente, ou melhor, o “ser do ente”) se torne
«consciência».

    O «retorno à consciência», eis a pedra fundamental da
Fenomenologia de Husserl. Mas, em que sentido devemos
entender “este retorno à consciência”? O que é que Husserl
entende por «consciência»? E em que medida a sua “definição”
fenomenológica é capaz de alcançar a essência da ciência dos



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
20                                                        Dante Augusto Galeffi


fenômenos da consciência?

     No caso, esse «retorno» pressupõe a «redução fenomenológica».
Trata-se, portanto, de um pôr-se no caminho das próprias coi-
sas, isto é, de “retornar” a elas. Neste sentido, a “redução” se
confundiria com o próprio método fenomenológico, pois seria
um “caminho” para se alcançar e clarificar filosoficamente a
essência universal do conhecimento absoluto. Entretanto, na
“atitude fenomenológica” a “atitude natural” é posta em ques-
tão, o que significa o exercício crítico do próprio conhecimento.
Assim, uma das grandes tarefas da “redução fenomenológica”
é a superação do próprio horizonte do “conhecimento natural”,
o que implica no aparecimento de complexas tensões e obscuros
problemas gnosiológicos.

     Nessa visada, a tarefa da Fenomenologia Transcendental seria
justamente a de preparar o terreno para o aparecimento de uma
compreensão mais apurada (e menos turbulenta) dos atos inten-
cionais que constituem a consciência, e isto de tal modo a se
poder instituir um conhecimento filosófico independente do
conhecimento produzido pelas ciências da natureza. Trata-se,
no caso, de um projeto transcendental capaz de validar uma autên-
tica ciência filosófica, ciência ocupada com a “crítica da própria
consciência”, que se impõe a tarefa de esclarecer cada vez mais
e melhor a própria consciência dos objetos na sua constituição
fenomenal.

     Como se vê, a tarefa que Husserl se impõe a levar adiante
possui uma grandeza extraordinária. Simplesmente ela se põe no
caminho da “crítica da razão” capaz de liberar o fluxo do próprio
“retorno à consciência”. Deste modo, ao provocar o retorno
radical à «consciência pura», a “redução fenomenológica” ins-
titui a suspeição de todos os dados da consciência empírica
(consciência psicológica, existencial, ôntica), e isto de tal forma
que a própria consciência supere a sua identificação com o



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                               21


conhecimento natural, mostrando-se como consciência de coisas,
de fatos, de ideações, de afetos, etc., podendo, assim, ser
rigorosamente investigada na sua «constituição», ou melhor, no
modo como constitui os objetos e é constituída por eles, segun-
do uma indissolúvel relação dialética.

    Nessa visada, a diferença entre “conhecimento natural” e
“conhecimento filosófico” se dá como consequência da “dúvi-
da” interrogante. Trata-se de uma saída do curso natural dos
acontecimentos por meio da construção de um “conhecimento
transcendental”, isto é, um conhecimento capaz de pôr em
suspeição o seu próprio modo de conhecer. Portanto, um conhe-
cimento capaz de duvidar de si mesmo e de tornar-se o lugar de
alcance das formas a priori da sua constituição, através da
“suspensão” de todos os dados empíricos que, então, se mos-
tram fenômenos da consciência, mas não a própria consciência.

     Pela “redução fenomenológica” retorna-se à própria cons-
ciência. E a consciência se mostra consciência de objetos constituídos
no próprio ato cognoscente. Deste modo, o retorno à «consciência» é
o mesmo que o retorno às próprias coisas, retorno que permite,
segundo Husserl, a construção de uma ciência da essência do
conhecimento. Assim, se o conhecimento é sempre “conhe-
cimento de coisas”, ele será sempre um «conhecer» de aconte-
cimentos conscientemente dados. Ora, se a consciência é
igualmente “consciência de...”, como pode ela ser concebida
fora do seu acontecimento fenomenal, ou melhor, como pode
ela transcender a esfera psicológica do chamado “sujeito con-
creto”?

    De modo inequívoco, a fenomenologia pregada por Husserl
procura tomar distância da dúvida em relação à possibilidade
de uma ciência absoluta, ou melhor, de uma ciência universal
das essências, uma ciência transcendental, portanto, ocupa-
da em dilucidar os vários aspectos, níveis e graus da constitui-



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
22                                                        Dante Augusto Galeffi


ção da consciência dos objetos, isto é, da razão nas suas mais
diversas modalidades.

     Entretanto, a Fenomenologia Transcendental não pode ser
confundida com um sistema de pensamento acabado, no qual
todas as leis e princípios do mundo e da consciência encontra-
riam uma resposta imediata e imutável. Pelo contrário, a
questão fenomenológica ,levantada por Husserl, procura tomar
distância da pretensão de explicar as “essências”, segundo um
determinado modelo generalizador, baseado em intuições inte-
lectuais fundadas na aporia entre imanente e transcendente. Se-
gundo esta concepção ingênua e determinista, o imanente perten-
ceria à esfera da subjetividade (seria, no caso, “interior ao
sujeito”), e o transcendente seria tudo aquilo que “ultrapassa” a
subjetividade, tudo aquilo que é “exterior ao sujeito”. Ora, uma
tal concepção não se sustenta diante de uma “crítica da razão”
rigorosamente exercitada.

     Como afirma Husserl, no estágio inicial da consideração
sobre o conhecimento, o estágio da ingenuidade, tudo se passa
em uma captação direta das coisas e dos nexos. Aqui a evidência
confunde-se com o simples ver, o olhar do espírito desprovido
de essência, em todos os casos um só e o mesmo e em si
indiferenciado: o ver divisa simplesmente as coisas; as coisas
simplesmente existem e, no intuir verdadeiramente evidente,
existem na consciência, e o ver centra-se simplesmente nelas.
No caso, tratar-se-ia de uma captação direta, em que o pegar
ou apontar para algo significa uma ação sobre algo que já se
encontra “aí”, já está evidentemente dado. Assim, toda dife-
rença “está”, pois, nas próprias coisas, segundo suas diferentes
ipseidades (identidades). (Husserl, 1990: 32)

     Entretanto, deixando-se de lado essa atitude natural, uma
análise mais precisa acaba revelando a enorme problematicidade
do ver as coisas. Como elucida Husserl:



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                                23


     Se bem que se conserve sob o nome de “atenção” o olhar
em si indescritível e indiferenciado, mostra-se, porém, que
efetivamente não tem sentido algum falar de coisas que simples-
mente existem e apenas precisam de ser vistas; mas que esse
«meramente existir» são certas vivências da estrutura específica
e mutável; que existem a percepção, a fantasia, a recordação,
a predicação, etc., e que as coisas não estão nelas como num
invólucro ou num recipiente, mas se constituem nelas as coisas,
as quais não podem de modo algum encontrar-se como ingre-
dientes naquelas vivências. O «estar dado das coisas» é exibir-
se (ser representadas) de tal e tal modo em tais fenômenos. E
aí as coisas não existem para si mesmas e «enviam para dentro
da consciência» os seus representantes. Algo deste gênero não
nos pode ocorrer no interior da esfera da redução fenomenológica,
mas as coisas são e estão dadas em si mesmas no fenômeno
(Erscheinung) e em virtude do fenômeno; são ou valem, claro
está, como individualmente separáveis do fenômeno, na medida
em que não importa este fenômeno singular (a consciência de
estar dadas), mas, essencialmente são dele inseparáveis.

    Mostra-se, pois, por toda a parte, esta admirável correlação
entre fenômeno do conhecimento e o objeto de conhecimento. (Husserl,
1990: 32-33)

      Tudo isso nos mostra o quanto é árdua e complicada a tarefa
da Fenomenologia Transcendental de Husserl, fato atestado por
suas próprias palavras: Advertimos agora que a tarefa da fenomenologia,
ou antes, o campo das suas tarefas e investigações, não é uma coisa tão
trivial como se apenas houvesse que olhar, simplesmente abrir os olhos.
(Husserl, 1990:33)

     Estamos diante de uma “tarefa” que toma distância da
“atitude natural” (ingênua) e instaura uma “atitude filosófica”
(problemática). Como vimos, na “atitude natural” a dicotomia
entre o que é imanente e o que é transcendente se mostra como



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
24                                                        Dante Augusto Galeffi


imediatamente evidente para o conhecimento. Deste modo, o
próprio conhecimento não é nunca analisado, segundo a sua
própria estrutura fenomenal, o que impede o desenvolvimento
de uma investigação crítica sobre as condições essenciais em
que se dá o conhecer fenomênico. Neste sentido, a tarefa da
Fenomenologia Transcendental seria a de tornar evidente, por
meio do esforço elucidativo da estrutura fenomenal da cons-
ciência, o próprio modo de ser dos objetos que constituem a
consciência humana.

     Assim, a tarefa da Fenomenologia seria a de rastrear todas
as formas do dar-se e todas as correlações, e isto dentro do âmbito
da própria evidência pura do dar-se em si mesmo (Selbstgegebenheit),
exercendo, sobre todas elas, a análise esclarecedora da própria
estrutura dos fenômenos da consciência. No caso, a análise
fenomenológica procura abarcar não apenas os atos da consci-
ência dos objetos, como também os seus nexos e correlatos, e
isto segundo uma compreensão unívoca da estrutura do fenô-
meno. Nesta medida, o “fenômeno”, enquanto “dar-se em si
mesmo”, é algo incontestável. Entretanto, no dar-se não está
inclusa a “análise esclarecedora” que a fenomenologia toma
como tarefa. Em outras palavras, isto significa que a simples
percepção consciente de um dado fenômeno não pressupõe a
análise dos seus “atos” e “correlatos”, suas “complexões” e os
seus “nexos” (discordantes ou concordantes), suas “teleologias”
e “configurações”.

     Portanto, a tarefa da Fenomenologia Transcendental é a de
elucidar e rastrear gradualmente todos os possíveis dados da
consciência, segundo as suas modalidades e possíveis modifi-
cações de comportamento. Trata-se da construção de uma
ciência das essências, construção edificada “passo a passo”;
uma ciência das essências capaz de “descrever” a estrutura
dos fenômenos da consciência; uma ciência dos fenômenos
cognoscitivos em duplo sentido:



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                               25


     Ciência dos conhecimentos como fenômenos (Erscheinungen),
manifestações, atos da consciência em que se exibem, se tornam
conscientes, passiva ou ativamente, estas e aquelas objetivida-
des; e, por outro lado, ciência destas objetividades enquanto a
si mesmas se exibem deste modo. (Husserl, 1990: 34-35)

     Fenomenologia, o nome denuncia tratar-se de uma “ciên-
cia do fenômeno”. Entretanto, como haveremos de compreen-
der o sentido fenomenológico da palavra “fenômeno”?

     ‘Fenômeno’, do grego phainómenon, significa “aquilo que
aparece”. A palavra deriva do verbo grego phainomenai: “eu
apareço”. O que “aparece” é aquilo que se mostra à luz, o
“brilhante” (phaino).

     Entretanto, apesar da palavra “fenômeno” designar o que
aparece, ela é usada preferencialmente para designar o próprio
aparecer, isto é, o fenômeno da consciência ou, usando o que Husserl
considerava uma “expressão grosseiramente psicológica”, o
fenômeno subjetivo. Em virtude deste uso ambíguo, a palavra
“fenômeno” favorece a formação de equívocos, pois o próprio
aparecer torna-se objeto de investigação, ou seja, o próprio
sujeito do conhecimento é investigado na sua estrutura de
comportamento, em virtude da correlação essencial entre o seu
aparecer e o que aparece.      Trata-se, no caso, de uma relação
interdependente entre o aparecer e o que aparece, entre o sujeito do
conhecimento e o mundo conhecido, entre a consciência que conhece e
o mundo ou objeto que aparece ou se mostra cognoscível.

     Nesse sentido, a palavra “fenômeno” é para a fenomenologia
algo que compreende, simultaneamente, tanto o aparecer quanto
aquilo que aparece: a relação indissociável entre o sujeito e o mundo,
a consciência e seus objetos.

    A fenomenologia, portanto, ocupa-se do “fenômeno” em
duplo sentido: na sua estrutura e no seu aspecto (aparência). E


Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
26                                                        Dante Augusto Galeffi


esta ocupação se refere exclusivamente, como ensina Heidegger,
ao modo como se de-monstra e se trata o que nesta ciência deve
ser tratado. Como ciência dos “fenômenos”, a fenomenologia
apreende os objetos de tal maneira que acaba por tratar de tudo
que se põe em discussão, segundo uma de-monstração e proce-
dimento diretos. (Heidegger, 1988: 64)

    Como se vê, há um conceito fenomenológico de “fenôme-
no” operado pela fenomenologia. Trata-se de um conceito não
vulgar, portanto, filosófico. Um conceito que é, em si mesmo,
uma de-monstração sobre “aquilo que se mostra”. Segundo essa
perspectiva, “aquilo que se mostra” para o olhar fenomenológico
é, com palavras de Heidegger:

    Justo o que não se mostra diretamente e na maioria das
vezes e sim se mantém velado frente ao que se mostra diretamen-
te e na maioria das vezes, mas, ao mesmo tempo, pertence
essencialmente ao que se mostra diretamente e na maioria das
vezes a ponto de constituir o seu sentido e fundamento.
(Heidegger, 1988: 66).

     Então, podemos dizer precisamente que aquilo que na
maioria das vezes “não se mostra e sim se mantém velado...”
é o único “fenômeno” que interessa à investigação fenomenológica.
Trata-se, para Husserl, do “retorno à consciência”; retorno que
é uma determinação do sentido do ser-do-homem enquanto ser-no-
mundo. No caso, o problema do retorno à consciência encontra
expressão suficientemente clara no modo como a mesma é
compreendida pela fenomenologia, a saber: a consciência é sempre
consciência de alguma coisa. Em outras palavras, segundo esta
máxima fenomenológica, não existe uma consciência em si,
portanto, um ser em si, pois a consciência só se apreende como
“relação”, isto é, ela existe enquanto relação de eventos vivos
e concatenados: a consciência é sempre consciência de um ser-no-
mundo, portanto, um “existencial concreto”.



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                              27


        Assim, quando a fenomenologia de Husserl propõe o
“retorno à consciência”, de modo algum devemos compreender
tratar-se de uma espécie de consciência em si. Muito pelo contrá-
rio, longe desta abstração ingênua, este “retorno” significa
investigar o próprio acontecimento da consciência, segundo o
“aparecer do ser das coisas mesmas”, isto é, segundo o modo
como os objetos “aparecem” na nossa percepção, compreensão
e entendimento.

    Como enfatizava Husserl, definindo o sentido do conheci-
mento fenomenológico: O conhecimento é, pois, apenas conheci-
mento humano , ligado às formas intelectuais humana s, in-
capaz de atingir a natureza das próprias coisas, as coisas em si.
(Husserl, 1990: 44)

     De modo análogo, a consciência é apenas consciência humana,
isto é, um modo de ser-no-mundo, portanto, um existir feno-
menal. Entretanto, a consciência consiste justamente em ser
aquilo que transcende e, como tal, não se deve confundi-la com
os entes em estado natural. A consciência, no caso, não é mais
aquela figura associada ao “sujeito transcendental” de Kant, e
sim muito mais o próprio ser-do-homem-no-mundo, o que descortina
uma perspectiva completamente “nova” para a filosofia transcendental.
No caso, o transcendental permanece sendo a capacidade de
“descrever” a própria estrutura do fenômeno, isto é, a de-
monstração fenomenológica do “fenômeno”. E este “fenôme-
no” tem a ver, em primeira instância, com o ser-do-homem. E
sendo para a fenomenologia o ser-do-homem o seu próprio
objeto de investigação, inevitavelmente o interesse fenomenológico
tem a ver com a “consciência filosófica”, a “consciência críti-
ca”. Essa “consciência crítica” é, entretanto, uma sofisticada
construção da inteligência humana.

    Para que se evite ambigüidade nessa definição de “consci-
ência”, a nossa última afirmação intenciona apenas enfatizar



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
28                                                        Dante Augusto Galeffi


que, para a fenomenologia, a consciência é compreendida como
o próprio ser-do-homem-no-mundo, sendo, portanto, necessá-
rio se esclarecer a essencial diferença entre “consciência natural
(naturalmente ingênua) e “consciência filosófica” (construtiva-
mente crítica). No caso, no âmbito da análise fenomenológica
o que importa é o “descobrimento” dialógico da própria estru-
tura do fenômeno humano, o que também significa “saber
inventar” e “saber decidir” o próprio modo de acesso ao ser das
coisas mesmas.

     Trata-se, consequentemente, de compreender a fenomenologia
transcendental como filosofia crítica para a reorientação (res-
tauração) do sentido do ser-do-homem-no-mundo. Como tal, a
sua tarefa é também tomar distância das ciências naturais e
instituir as possibilidades e os contornos do conhecimento
propriamente humano, conhecimento radicalmente transcendental,
posto que funda as suas raízes no próprio ser capaz de enten-
dimento: o ser-no-mundo, o homem e sua humanidade ou
desumanidade.

    Para que se possa melhor compreender a intenção fenomenológica
de Husserl de constituir um método rigoroso de acesso ao “ser
das próprias coisas”, onde, então, se pode compreender de uma
maneira menos ingênua e deslocada a alçada gnosiológica da
sua fenomenologia transcendental, inscrevendo-se na perspectiva
do desenvolvimento das “ciências do espírito”, transcrevere-
mos, a seguir, algumas passagens muito elucidativas que, uma
vez recolhidas na devida conta, podem abrir amplas perspecti-
vas de acesso fenomenológico ao “ser das coisas” — os fenô-
menos de uma fenomenologia genética (construtiva)

    Só, pois, a reflexão gnosiológica origina a separação de
ciência natural e filosófica. Unicamente se torna patente que as
ciências naturais do ser não são ciências definitivas do ser. É
necessário uma ciência do ente em sentido absoluto. Esta



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                               29


ciência, que chamamos metafísica, brota de uma «crítica» do
conhecimento natural nas ciências singulares com base na intelecção,
adquirida na crítica geral do conhecimento, da essência e da
objetividade do conhecimento segundo as suas diferentes con-
figurações fundamentais, e com base na intelecção do sentido
das diversas correlações fundamentais entre conhecimento e
objetividade do conhecimento.

     Se abstrairmos das metas metafísicas da crítica do conhe-
cimento, atendo-nos apenas à sua tarefa de elucidar a essência do
conhecimento e da objetividade cognitiva, ela é então fenomenologia do
conhecimento e da objetividade cognitiva e constitui o fragmento
primeiro e básico da fenomenologia em geral.

     ‘Fenomenologia’ — designa uma ciência, uma conexão de
disciplinas científicas; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo,
‘fenomenologia’ designa um método e uma atitude intelectual:
a atitude intelectual especificamente filosófica, o método especi-
ficamente filosófico. (Husserl, 1990: 46)

     Tomando distância de uma “esfera natural de investiga-
ção”, Husserl compreende o método fenomenológico como
radicalmente diverso do método das ciências naturais. Com
isso, ele apresenta um projeto de construção filosófica que
declara independência em relação ao modelo gnosiológico cons-
tituído em base às ciências exatas (matemática, geometria,
física, etc.). Trata-se, claramente, de uma abertura de possibi-
lidades que se apresenta apropriada ao conhecimento humano,
na perspectiva da sua formatividade e pela superação de suas
“realidades já configuradas”.

    Desse modo, por radicar-se no próprio ser-do-homem-no-
mundo, o conhecimento filosófico é o único capaz de realizar
uma crítica das ciências da natureza, isto é, uma compreensão
apurada e “absoluta” dos limites e determinações de todas as



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
30                                                        Dante Augusto Galeffi


possíveis ciências particulares. Portanto, o papel da filosofia
seria precisamente o de propiciar ao homem o conhecimento de
sua essência, enquanto existe, instituindo, assim, uma ciência
dos fenômenos que dizem respeito ao ser-no-mundo, o ser-do-
homem na história do mundo. Como afirma Husserl:

     Na esfera natural da investigação, uma ciência pode, sem
mais, edificar-se sobre outra e uma pode servir à outra de
modelo metódico, se bem que só em certa medida, determinada
e definida pela natureza do respectivo campo de investigação.
A filosofia, porém, encontra-se numa dimensão completamente nova.
Precisa de pontos de partida inteiramente novos e de um método
totalmente novo, que a distingue por princípio de toda ciência
«natural». (Husserl, 1990: 47)

    A filosofia, repito, situa-se, perante todo o conhecimento
natural, numa dimensão nova, e a esta nova dimensão, por mais
que tenha — como já transparece no modo figurativo do falar
— conexões essenciais com as antigas dimensões, corresponde
um método novo — novo desde o seu fundamento —, que se
contrapõe ao «natural». Quem isto negar nada compreendeu do
genuíno estrato de problemas da crítica do conhecimento e, por
conseguinte, também não entendeu o que a filosofia realmente
quer e deve ser, nem o que lhe confere a especificidade e a sua
própria justificação, perante todo o conhecimento e a ciência
naturais. (Husserl, 1990: 49)

     Portanto, segundo a clareza abissal de Husserl, o conheci-
mento humano não é da mesma ordem do mundo natural. Neste
sentido, somente uma investigação dos modos de ser e das
estruturas em que se dá o conhecimento permite a construção
de uma ciência dos fenômenos, no qual o homem é o único
sentido essencial. Neste caso, logra-se fazer filosofia, e só deste
modo é possível se constituir uma ciência da essência do
conhecimento. Ao que tudo indica, esta parece ser a direção



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                              31


em que a fenomenologia transcendental de Husserl apresenta-
se inequívoca, cabendo apenas verificar em que medida esta
posição nos toca e é capaz de fazer-nos pensar no nosso próprio
ser-no-mundo em uma perspectiva genuinamente filosófica —
problemática.

     De alguma forma, acabamos de “responder” provisoriamen-
te a pergunta-guia do nosso exercício elucidativo. Desde o
início perguntávamos pela fenomenologia. Agora, de algum
modo, configurou-se um novo horizonte compreensivo para a
coisa fenomenológica. E, pelo menos, essa nova configuração se
compreende como método e como atitude intelectual: a
atitude especificamente filosófica, a filosofia como método
de elucidação do próprio ser que é o homem-no-mundo.

    Como modo de finalizar esta consideração provisória sobre
a fenomenologia, encontramos ampla ressonância em algumas
passagens de Heidegger, aqui evocadas, com o específico intui-
to de deixar e fazer aparecer o sentido mais radical e ainda não
descoberto da atitude filosófica genuína, o sentido fenomenológico
do ser-no-mundo, o ser-do-homem:

     A fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação
para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A
ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico
de fenômeno propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o
seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se
não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma manifesta-
ção. O ser dos entes nunca pode ser uma coisa “atrás” da qual
esteja outra coisa “que não se manifesta”.

    “Atrás” dos fenômenos da fenomenologia não há absoluta-
mente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se
fenômeno pode-se velar. A fenomenologia é necessária justa-
mente porque, de início e na maioria das vezes, os fenômenos



Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
32                                                        Dante Augusto Galeffi


não se dão. O conceito oposto de “fenômeno” é o conceito de
encobrimento.

     [...] O ser é o transcendens pura e simplesmente. A transcendência
do ser da pre-sença (Da-sein) é privilegiada porque nela reside
a possibilidade e a necessidade da individuação mais radical.
Toda e qualquer abertura do ser enquanto transcendens é co-
nhecimento transcendental. A verdade fenomenológica (abertura do
ser) é veritas transcendentalis.

     [...] As explicitações do conceito preliminar de fenomenologia
de-monstram que o que ela possui de essencial não é ser uma
“corrente” filosófica real. Mais elevada do que a realidade está
a possibilidade. A compreensão da fenomenologia depende uni-
camente de se apreendê-la como possibilidade. (Heidegger,
1988: 66-70)

     Como se pode ver, a nossa intenção de elucidação fenomenológica
alcançou um ponto limite, o que nos permite ter a certeza de
que o método fenomenológico confunde-se com a própria
filosofia. E esta filosofia deve ser capaz de libertar o ser-do-
homem-no-mundo do julgo da sua imbecilização deliberada ou
da tirania individual e coletiva, mas isso sempre e a partir de
uma decisão radical: o querer-ser livre e responsável pelo ser-
no-mundo na abrangência da construção da humanidade huma-
na.

    Como assinalou Heidegger, “a verdadeira fenomenologia —
compreendida como abertura do ser — é verdade transcendental”,
o que significa dizer que ela é uma ciência da essência do
conhecimento, como já havíamos enfatizado no início deste
exercício. Neste sentido, pode-se compreendê-la de fato como
uma nova possibilidade capaz de iluminar a abertura do projeto
do ser-do-homem-no-mundo na abrangência do processo de
suas efetividades vividas. E sendo apenas uma possibilidade, a
fenomenologia libera-se do intelectualismo monológico de um


Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                          33


“sujeito do conhecimento” dado para sempre, instaurando, em
seu lugar, o próprio acontecimento-apropriação do que sempre
permanece aberto às possibilidades: o próprio ser-do-homem, en-
quanto lançado na temporalidade do mundo; mundo que não cessa de
tornar-se fenômeno; mundo em ebulição permanente.

    Segundo esta abertura do ser-do-homem-no-mundo, a
fenomenologia lança luzes sobre o projeto histórico da humanida-
de do homem, o que abre a possibilidade de reconfiguração do
seu estatuto de liberdade.

     A construção humana autônoma, então, passa a ser uma
questão fenomenológica, isto é, uma questão de compreensão
prévia do próprio ser-no-mundo. E é esta “compreensão” que
descortina as possibilidades do ser-do-homem poder assumir as
responsabilidades da sua própria história. Contudo, é também
preciso saber de antemão que o futuro é sempre um existencial
presente-passado, assim como ter bem claro que o mundo vivido
é a única morada a ser plasmada pelo ser-do-homem. E para o
mundo vivido só o “inesperado” é bem vindo, pois se o ser-do-
homem não fosse capaz de transcendência tudo estaria fadado a
ser uma mera e monótona “repetição do igual”, onde, eviden-
temente, não poder-se-ia falar em “transformação social do
mundo”, como algo além de qualquer programação previsível,
o que obrigatoriamente nos jogaria para dentro de um confor-
mismo insano e um determinismo incompatível com a abertura
de possibilidades da própria grandeza hominal.

     É nessa perspectiva de projeto que a fenomenologia se
mostra na sua mais concreta força, o que permite, enfim, con-
cluir que não deveríamos tratá-la como algo do passado — como
mais um dos múltiplos movimentos do pensamento construtivo
do homem na história —, pois se assim agíssemos estaríamos
abrindo mão do usufruto das nossas reais possibilidades de
construção de uma cultura pessoal amplamente inserida no seu meio
social, o que implicaria na aceitação da condição obtusa de seres


Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
34                                                        Dante Augusto Galeffi


impotentes, incapazes de tomar decisões radicais e de viver em
plenitude.

     O caso é que a fenomenologia é um método para o próprio
esclarecimento do ser humano na história. E isto significa que
ela, além de ter que levar em conta o já instituído de forma
ampla e criteriosa, deve também saber investigar as condições
de possibilidade do ser que, independente das vontades alheias,
permanece sendo o instituinte de todo o vir-a-ser, isto é, o
sentido e a finalidade permanentemente presentes na própria
ausência de acabamento do ser-do-homem-no-mundo.

     Na condição de abertura de possibilidades para a investi-
gação rigorosa do ser-do-homem, a fenomenologia permanece
sendo apenas uma possibilidade. E isso enquanto se apresente
interrogante, ou melhor, metassistêmica, não pretendendo, por-
tanto, ensinar a “verdade” acabada, e muito menos as leis
perenes do ser-no-mundo, mas apenas tornar-se o meio descri-
tivo do acontecimento do sentido fenomeno-lógico.

     Nessa perspectiva, a fenomenologia permanece sendo um
exercício transcendental, o que inevitavelmente pressupõe e exige
uma Ética da mais ampla envergadura, requisitando de quem se
põe a investigar o homem uma efetiva atitude radical diante do
próprio ser-consciente do eu-outro-mundo. A responsabilidade
diante de um projeto de tamanha ordem é a única condição de
possibilidade para que se possa fazer do homem um ser dotado
de liberdade inventiva e partilhada.

    De qualquer modo, enquanto projeto, a fenomenologia tor-
na-se um concreto e eficaz instrumento de ação para a trans-
formação do processo humano, o que apenas enfatiza a grande
possibilidade que se descortina quando assumimos a nossa
própria condição de liberdade partilhada. Isso afirma a nossa
peculiar transcendência, o que na verdade apenas confirma
nossa condição histórica de seres mundanos. Tudo o mais só


Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
Dante Augusto Galeffi                                           35


depende da capacidade de compreender a transcendência como
o próprio modo do ser-do-homem.

     Somente o ser humano pode decidir de que forma pretende
estar-no-mundo, sobretudo quando aprender a se dar conta de
que ele está aberto no mundo, e de que o “mundo” são todas
as possibilidades. E é diante delas que os seres humanos são ou
deixam de ser, se tornam e se transformam, exercem seus sonhos
e desejos, vivem ou desistem de viver, se fazem dignos ou
simplesmente rastejam como animais invertebrados.

    Entretanto, a decisão por uma dignidade de ser é coisa que
só se pode decidir diante da liberdade do ser. E o ser parece
não tolerar a insensatez e a indignidade, a bestificação e a
fragmentação alienante. Este ser é perpetuamente algo que só
se dá além das coisas. Mas as coisas são para este ser a sua única
morada, a sua existência: saber habitá-las é sempre uma questão
de ser, é ser-no-mundo uma jocosa espera do “inesperado”. E
o inesperado-esperado é sempre aquilo que nos mantém em
estado de dignidade permanente.

     Procurando uma imagem para encerrar essa nossa fala sem-
pre provisória, apresentou-se um dizer, ao modo de Heráclito,
que muito bem pode exprimir o sentido de perplexidade dialógica
aberto nesta compreensão fenomenológica: — Pois, quando dor-
mimos, não dormimos, e quando estamos acordados, não estamos acor-
dados; mas quando dormimos, dormimos, e quando estamos acordados,
estamos acordados.

    De qualquer modo, resta sempre a cada um decidir se quer
ou não pensar com liberdade e altivez, superando as antinomias
do ser e do aparecer, da essência e da aparência — continuar
no caminho interrogante: meditação infinita.




Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
36                                                        Dante Augusto Galeffi




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Tradução:Márcia
  de Sá Cavalcante. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

HUSSERL, Edmund. A Idéia da Fenomenologia. Tradução: Artur
  Morão. Lisboa: Edições 70, 1990.




Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.

More Related Content

What's hot

Psicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialPsicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialSara Campagnaro
 
Fenomenologia de Husserl
Fenomenologia de HusserlFenomenologia de Husserl
Fenomenologia de Husserlprofadnilson
 
Fenomenologia - uma breve introdução
Fenomenologia - uma breve introduçãoFenomenologia - uma breve introdução
Fenomenologia - uma breve introduçãoBruno Carrasco
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoSilvia Cintra
 
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...Érika Renata
 
Fenomenologia para filosofia
Fenomenologia para filosofiaFenomenologia para filosofia
Fenomenologia para filosofiaufmt
 
Ser e Conhecer por Olavo de Carvalho
Ser e Conhecer por Olavo de CarvalhoSer e Conhecer por Olavo de Carvalho
Ser e Conhecer por Olavo de CarvalhoSandro Boschetti
 
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciência
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciênciaReflexões em torno das novas retóricas sobre a ciência
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciênciaCilmara Cristina Dos Santos
 
Psicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialPsicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialÉrika Renata
 
Hfc aula 004
Hfc aula 004Hfc aula 004
Hfc aula 004Luiz
 

What's hot (20)

A fenomelogia
A fenomelogiaA fenomelogia
A fenomelogia
 
Fenomenologia
FenomenologiaFenomenologia
Fenomenologia
 
fenomenologia husserl
fenomenologia husserlfenomenologia husserl
fenomenologia husserl
 
Fenomenologia e a psicologia
Fenomenologia e a psicologiaFenomenologia e a psicologia
Fenomenologia e a psicologia
 
Psicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialPsicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-Existencial
 
Fenomenologia de Husserl
Fenomenologia de HusserlFenomenologia de Husserl
Fenomenologia de Husserl
 
Filosofia 9ºano Fenomenologia de Husserl
Filosofia 9ºano  Fenomenologia de HusserlFilosofia 9ºano  Fenomenologia de Husserl
Filosofia 9ºano Fenomenologia de Husserl
 
Fenomenologia
FenomenologiaFenomenologia
Fenomenologia
 
Fenomenologia - uma breve introdução
Fenomenologia - uma breve introduçãoFenomenologia - uma breve introdução
Fenomenologia - uma breve introdução
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimo
 
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...
Moreira, virginia. possíveis contribuições de husserl e heidegger para a clín...
 
Fenomenologia
FenomenologiaFenomenologia
Fenomenologia
 
Fenomenologia para filosofia
Fenomenologia para filosofiaFenomenologia para filosofia
Fenomenologia para filosofia
 
A nocao classica de episteme
A nocao classica de epistemeA nocao classica de episteme
A nocao classica de episteme
 
Ser e Conhecer por Olavo de Carvalho
Ser e Conhecer por Olavo de CarvalhoSer e Conhecer por Olavo de Carvalho
Ser e Conhecer por Olavo de Carvalho
 
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciência
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciênciaReflexões em torno das novas retóricas sobre a ciência
Reflexões em torno das novas retóricas sobre a ciência
 
Psicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialPsicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencial
 
Nomotética e ideografica
Nomotética e ideograficaNomotética e ideografica
Nomotética e ideografica
 
Psicologia.fenomenologia
Psicologia.fenomenologiaPsicologia.fenomenologia
Psicologia.fenomenologia
 
Hfc aula 004
Hfc aula 004Hfc aula 004
Hfc aula 004
 

Viewers also liked

Musicoterapia e Parkinson
Musicoterapia e ParkinsonMusicoterapia e Parkinson
Musicoterapia e ParkinsonHilara Crestana
 
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciais
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciaisAlguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciais
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciaisThaís de Sá Oliveira
 
Apresentação Colóquio-Dulce Critelli
Apresentação Colóquio-Dulce CritelliApresentação Colóquio-Dulce Critelli
Apresentação Colóquio-Dulce CritelliCenpec
 
Musicoterapia E O Bem Q A Musica Faz
Musicoterapia E O Bem Q A Musica FazMusicoterapia E O Bem Q A Musica Faz
Musicoterapia E O Bem Q A Musica FazHOME
 
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_Casa
 
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...Érika Renata
 
Segunda aula cuidar abordagem para além das técnicas
Segunda aula  cuidar abordagem para além das técnicasSegunda aula  cuidar abordagem para além das técnicas
Segunda aula cuidar abordagem para além das técnicasLeticia Roncati
 
A percepção do corpo proprio e o ser surdo
A percepção do corpo proprio e o ser surdoA percepção do corpo proprio e o ser surdo
A percepção do corpo proprio e o ser surdoPriscila Macedo
 
Comentário Sobre a Origem Etimológica da Hermenêutica
Comentário Sobre a Origem Etimológica da HermenêuticaComentário Sobre a Origem Etimológica da Hermenêutica
Comentário Sobre a Origem Etimológica da HermenêuticaSebastiana Inácio Lima
 
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na Velhice
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na VelhiceA ContribuiçãO Da Musicoterapia Na Velhice
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na VelhiceHOME
 
Arendt, hannah. a vida do espírito
Arendt, hannah. a vida do espíritoArendt, hannah. a vida do espírito
Arendt, hannah. a vida do espíritoNivaldo Freitas
 
Heidegger, m. a questao da tecnica
Heidegger, m. a questao da tecnicaHeidegger, m. a questao da tecnica
Heidegger, m. a questao da tecnicaÉrika Renata
 
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg Azevedo
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg AzevedoBiosofia Nº28 Musicoterapia Marg Azevedo
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg AzevedoMoriae
 
A exi stência como “cuidado”
A exi stência como “cuidado”A exi stência como “cuidado”
A exi stência como “cuidado”Rízia Cariri
 
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...Érika Renata
 
Livro signos merleau ponty
Livro signos merleau pontyLivro signos merleau ponty
Livro signos merleau pontyJOAO AURELIANO
 
Powerpoint 2010 mono_marcelo
Powerpoint 2010 mono_marceloPowerpoint 2010 mono_marcelo
Powerpoint 2010 mono_marceloMarceloPerestrelo
 

Viewers also liked (20)

Musicoterapia e Parkinson
Musicoterapia e ParkinsonMusicoterapia e Parkinson
Musicoterapia e Parkinson
 
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciais
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciaisAlguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciais
Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico existenciais
 
Musicoterapia
MusicoterapiaMusicoterapia
Musicoterapia
 
Apresentação Colóquio-Dulce Critelli
Apresentação Colóquio-Dulce CritelliApresentação Colóquio-Dulce Critelli
Apresentação Colóquio-Dulce Critelli
 
Musicoterapia E O Bem Q A Musica Faz
Musicoterapia E O Bem Q A Musica FazMusicoterapia E O Bem Q A Musica Faz
Musicoterapia E O Bem Q A Musica Faz
 
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_
Fundamentos para uma_an_lise_fenomenologica__revisado_
 
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...
Pereira, m.e.c. sobre os fundamentos da psicoterapia de base analitico existe...
 
Segunda aula cuidar abordagem para além das técnicas
Segunda aula  cuidar abordagem para além das técnicasSegunda aula  cuidar abordagem para além das técnicas
Segunda aula cuidar abordagem para além das técnicas
 
A percepção do corpo proprio e o ser surdo
A percepção do corpo proprio e o ser surdoA percepção do corpo proprio e o ser surdo
A percepção do corpo proprio e o ser surdo
 
Comentário Sobre a Origem Etimológica da Hermenêutica
Comentário Sobre a Origem Etimológica da HermenêuticaComentário Sobre a Origem Etimológica da Hermenêutica
Comentário Sobre a Origem Etimológica da Hermenêutica
 
Anderson balbinot
Anderson balbinotAnderson balbinot
Anderson balbinot
 
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na Velhice
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na VelhiceA ContribuiçãO Da Musicoterapia Na Velhice
A ContribuiçãO Da Musicoterapia Na Velhice
 
Arendt, hannah. a vida do espírito
Arendt, hannah. a vida do espíritoArendt, hannah. a vida do espírito
Arendt, hannah. a vida do espírito
 
Se-Movimentar
Se-MovimentarSe-Movimentar
Se-Movimentar
 
Heidegger, m. a questao da tecnica
Heidegger, m. a questao da tecnicaHeidegger, m. a questao da tecnica
Heidegger, m. a questao da tecnica
 
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg Azevedo
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg AzevedoBiosofia Nº28 Musicoterapia Marg Azevedo
Biosofia Nº28 Musicoterapia Marg Azevedo
 
A exi stência como “cuidado”
A exi stência como “cuidado”A exi stência como “cuidado”
A exi stência como “cuidado”
 
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...
Evangelista,p. a interpretação fenomenológica de heidegger da primeira epísto...
 
Livro signos merleau ponty
Livro signos merleau pontyLivro signos merleau ponty
Livro signos merleau ponty
 
Powerpoint 2010 mono_marcelo
Powerpoint 2010 mono_marceloPowerpoint 2010 mono_marcelo
Powerpoint 2010 mono_marcelo
 

Similar to Fenomenologia

Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.
Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.
Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.CarynaMaximina
 
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdf
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdfTexto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdf
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdfKarlianaArruda1
 
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaNascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaÉrika Renata
 
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfvascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfguilhermeadv17278
 
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfvasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfguilhermeadv17278
 
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfIntrodução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfFelipe Pinho
 
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswanger
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswangerFreire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswanger
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswangerÉrika Renata
 
Phainomenon e lógos
Phainomenon e lógosPhainomenon e lógos
Phainomenon e lógos1Ale7
 
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaRacionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaCarson Souza
 
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1Bruno Carrasco
 
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)Joaquim Melro
 
O empirismo de David Hume (Doc. 2)
O empirismo de David Hume (Doc. 2)O empirismo de David Hume (Doc. 2)
O empirismo de David Hume (Doc. 2)Joaquim Melro
 

Similar to Fenomenologia (17)

Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.
Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.
Fenomenologia Hurssel, contexto histórico e início do pensamento.
 
A10v26n1
A10v26n1A10v26n1
A10v26n1
 
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdf
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdfTexto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdf
Texto 01 - O que é fenomêno. A fenomenologia como método.pdf
 
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaNascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
 
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfvascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vascoa+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
 
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdfvasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
vasconcelosroberta,+Gerente+da+revista,+oliveirafurlan01 (1).pdf
 
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfIntrodução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
 
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswanger
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswangerFreire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswanger
Freire, j.c. o lugar do outro na daseinsanalise de binswanger
 
Phainomenon e lógos
Phainomenon e lógosPhainomenon e lógos
Phainomenon e lógos
 
Empirismo de Hume
Empirismo de HumeEmpirismo de Hume
Empirismo de Hume
 
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdfANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
ANGUSTIA E EXISTENCIA.pdf
 
Apriorismo Lazaro.docx
Apriorismo Lazaro.docxApriorismo Lazaro.docx
Apriorismo Lazaro.docx
 
Fronteiras do Corpo [1999-2015].pdf
Fronteiras do Corpo [1999-2015].pdfFronteiras do Corpo [1999-2015].pdf
Fronteiras do Corpo [1999-2015].pdf
 
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaRacionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
 
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1
 
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)
O empirismo e o racionalismo (Doc. 2)
 
O empirismo de David Hume (Doc. 2)
O empirismo de David Hume (Doc. 2)O empirismo de David Hume (Doc. 2)
O empirismo de David Hume (Doc. 2)
 

Recently uploaded

Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSilvana Silva
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.silves15
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasCassio Meira Jr.
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMVanessaCavalcante37
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasillucasp132400
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptxthaisamaral9365923
 
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaJúlio Sandes
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdfJorge Andrade
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBAline Santana
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividadeMary Alvarenga
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxRonys4
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalJacqueline Cerqueira
 
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...ArianeLima50
 

Recently uploaded (20)

Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
 
Em tempo de Quaresma .
Em tempo de Quaresma                            .Em tempo de Quaresma                            .
Em tempo de Quaresma .
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
 
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
02. Informática - Windows 10 apostila completa.pdf
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
 
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
 

Fenomenologia

  • 1. Dante Augusto Galeffi 13 O QUE É ISTO — A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL? Dante Augusto Galeffi Professor Adjunto do Departamento II da FACED - UFBA Doutor em Educação - UFBA dgaleff@uol.com.br RESUMO: Trata-se de uma leitura da concepção fenomenológica de Husserl, um exercício de compreensão do alcance do que ele propõe como Filosofia Transcendental. A visada é interrogante e perplexiva, em momento algum conclusiva. Procura-se pensar com Husserl e não contra ele. Releva-se, assim, o campo posi- tivo da aquisição da atitude fenomenológica, no sentido do fundamento de uma ciência do homem e para o homem, na abertura de suas possibilidades livres e responsavelmente deter- minadas. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia Transcendental, Fenomenologia, Consciência Constituinte. ABSTRACT: This is a reading of Husserl’s phenomenology conception, a comprehension exercise of significance on what he proposes as Transcendental Philosophy. This focus is something interrogative and perplexed, never against him. So that, it’s emphasized the positive zone of acquisition of phenomenological attitude, in the meaning of science reason of human being, in the opening of his free and determined responsable possibilities. KEY-WORDS: Transcendental Philosophy, Fenomenology, Constituent Consciousness. Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 2. 14 Dante Augusto Galeffi Com a pergunta, o que é isto — a fenomenologia?, somos convidados a tomar parte em um jogo que tem como fim a elucidação da verdade fenomenológica. Mas, podemos nós esclarecer o sentido e o significado do que venha a ser uma “verdade elucidada fenomenologicamente”? Sabemos nós, de modo claro, o que é isto — a fenomenologia? Sabemos a sua origem, o seu meio, o seu fim? E se algo sabemos, o que somos capazes de dizer sobre sua gênese, seu processo, seu projeto, e sobre qual “ponto de vista” gnosiológico a compreendemos? Desde o início, a pergunta pela fenomenologia guia os nossos passos, enfatizando a necessidade de um procedimento de rigor para a apresentação da questão. Um tal procedimento diz respeito à própria fenomenologia compreendida como método da crítica do conhecimento universal das essências, segun- do Edmund Husserl (1859-1938), método que é a própria ci- ência da essência do conhecimento, ou doutrina universal das essências. (Husserl, 1990: 22) Segundo essa breve definição, a fenomenologia é um método, o que significa dizer que ela é o “caminho” da crítica do conhecimento universal das essências. Assim, para Husserl, a fenomenologia é o "caminho” (método) que tem por “meta” a constituição da ciência da essência do conhecimento ou doutrina universal das essências. Mas, o que isto significa — uma doutrina universal das essências — e qual é a sua serventia? De imediato, a pergunta sobre a fenomenologia está sendo feita a Edmund Husserl. Em outras palavras, colocamos-nos no “caminho” da Fenomenologia por ele concebida, a partir da leitura e esforço de interpretação da sua obra A Idéia da Fenomenologia, texto resultante de Cinco Lições proferidas em Gotinga, no pe- ríodo de 26 de abril a 2 de maio de 1907. Esse texto já apresenta a perspectiva madura da Fenomenologia de Husserl, o momento em que ele decide por uma “crítica da razão” (em todas as suas Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 3. Dante Augusto Galeffi 15 dimensões), configurando, assim, uma “nova Fenomenologia Transcendental” (ou pelo menos uma renovação-continuação da atitude radical), o que nos permite ir direto ao assunto, i. é, falar da Fenomenologia segundo a visada inovadora do seu inventor. De acordo com o próprio rigor da atitude filosófica, por- tanto, de acordo com a interrogação sistemática que analisa as condições, os limites e as possibilidades de um conhecimento das coisas mesmas, a nossa atitude frente às idéias de Husserl procura ser a mais radical possível, o que põe em jogo um esclarecimento “para nós mesmos” do alcance e do significado essencial de uma investigação fenomenológica. Nesse sentido, permanecemos na pergunta: Que é Fenomenologia? A pergunta nos lança em um “caminho” que interroga a própria “razão constituinte”; a pergunta institui a “crítica da razão”: a ciência da essência do conhecimento, ou melhor, a Fenomenologia Transcendental. Assim, perguntar pela fenomenologia significa percorrer um caminho de “crítica da razão fenomenológica”, ou seja, crítica da ciência do conhecimento a priori, o conhecimento transcendental (puro). Mas, uma vez admitida esta definição, qual seria a diferença entre a Fenomenologia de Husserl e a Filosofia Transcendental de Kant? O texto sobre o qual exercitamos esta compreensão inicial e provisória de “fenomenologia” — A Idéia da Fenomenologia — apresenta, como dissemos, as principais teses que deram início à fase transcendental da filosofia de Husserl, precisamente aquela do método fenomenológico que tanto influiu nos mais importantes movimentos do pensamento do século XX. Através das Cinco Lições que deram origem ao texto em questão, Husserl expõe os fundamentos de uma Crítica da Razão, ao modo Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 4. 16 Dante Augusto Galeffi kantiano, o que dificulta qualquer pretensão de se poder encon- trar diferenças essenciais entre os dois fenomenólogos, sobre- tudo em relação à idéia básica da «constituição» do conhecimen- to crítico — conhecimento puro a priori. Desde 1907, Husserl começa a assumir uma nova posição gnosiológica, tomando distância de uma “fenomenologia psico- lógica descritiva”, concernente à simples esfera das vivências, e isto segundo o conteúdo incluso de tais “vivências”, ou seja, segundo as vivências do “eu que vive”, referindo-se empiricamente, assim, às “objetividades da natureza”. Para ele, agora impor- tava distinguir essa forma de “fenomenologia empírica” da fenomenologia transcendental. Essa passagem de uma fenomenologia empírica para uma fenomenologia transcendental vai firmar a nova posição de Husserl em relação as suas Investigações Lógicas (1900-1901). Em um manuscrito de setembro de 1907 (B II 1), ele apresenta os motivos e as intenções dessa mudança: « As “Investigações Lógicas” fazem passar a fenomenologia por psicologia descritiva (embora fosse nelas determinante o interesse teórico-cognoscitivo). Importa, porém, distinguir esta psicologia descritiva, e, claro, entendida como fenomenologia empírica da fenomenologia transcendental... O que nas minhas “Investigações Lógicas” se designava como fenomenologia psicológica descritiva concerne à simples esfera das vivências, segundo o seu conteúdo incluso. As vivências são vivências do eu que vive, e nessa medida referem- se empiricamente às objetividades da natureza. Mas, para uma fenomenologia que pretende ser gnosiológica, para uma dou- trina da essência do conhecimento (a priori), fica desligada a referência empírica. Surge, assim, uma fenomenologia transcendental que foi efetivamente aquela que se expôs em fragmentos nas Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 5. Dante Augusto Galeffi 17 “Investigações Lógicas”. Nesta fenomenologia transcendental não nos havemos com ontologia apriórica, nem com lógica formal e matemática for- mal, nem com geometria como doutrina apriórica do espaço, nem com cromometria e foronomia apriórica, nem com ontologia real apriórica de qualquer espécie (coisa, mudança, etc.). A fenomenologia transcendental é fenomenologia da cons- ciência constituinte e, portanto, não lhe pertence sequer um único axioma objetivo (referente a objetos que não são consciên- cia...). O interesse gnosiológico, transcendental, não se dirige ao ser objetivo e ao estabelecimento de verdades para o ser obje- tivo, nem, por conseguinte, para a ciência objetiva. O elemento objetivo pertence justamente às ciências objetivas, e é afazer delas e exclusivamente delas apenas alcançar o que aqui falta em perfeição à ciência objetiva. O interesse transcendental, o interesse da fenomenologia transcendental dirige-se para a consci- ência, enquanto consciência, vai somente para os fenômenos, fenômenos em duplo sentido: 1) no sentido da aparência (Erscheinung) em que a objetividade aparece; 2) por outro lado, no sentido da objetividade (Objektität) tão só considerada, en- quanto justamente aparece nas aparências e, claro está, «transcendentalmente», na desconexão de todas as posições empíricas... Dilucidar estes nexos entre verdadeiro ser e conhecer e, deste modo, investigar em geral as correlações entre acto, significação e objeto, é a tarefa da fenomenologia transcendental (ou da filosofia transcendental)». (Husserl, 1990: 13-14) Essas observações de Husserl não deixam dúvida do que ele está chamando de fenomenologia transcendental. E é nessa ótica Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 6. 18 Dante Augusto Galeffi que aqui tratamos de interrogar a Fenomenologia. Portanto, a fenomenologia da qual discorremos é uma gnosiologia da cons- ciência, enquanto consciência; uma Filosofia Transcendental, isto é, uma Crítica da Razão, enquanto fenômeno da consciência constitu- inte. Neste sentido, desde 1907, a Fenomenologia de Husserl já se aproxima do formato de um idealismo transcendental, fato que se consolida, em 1913, com a publicação de Idéias para uma Fenomenologia Pura. Entretanto, para que se tenha presente a grande dificuldade e o esforço depreendido, necessário para que Husserl pudesse formular uma “nova fenomenologia”, citaremos algumas passa- gens de anotações feitas em seu diário, em 25/11/1906, em que fica claro o grande desafio e a grande decisão tomada por ele, de modo a justificar a sua própria prática filosófica como tarefa radical: «Em primeiro lugar, menciono a tarefa geral que tenho de resolver para mim mesmo, se é que pretendo chamar-me filó- sofo. Refiro-me a uma crítica da razão. Uma crítica da razão lógica, da razão prática e da razão valorativa em geral. Sem clarificar, em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos, os pontos de vista capitais de uma ciência da razão; sem dela ter pensado, esboçado, estabelecido e demonstrado um projeto geral, não posso verdadeiramente e sinceramente viver. Os tormentos da obscuridade, da dúvida, que vacila de um para o outro lado, já bastante os provei. Tenho de chegar a uma íntima firmeza. Sei que se trata de algo grande e imenso; sei que grandes gênios aí fracassaram; e, se quisesse com eles comparar-me, deveria de antemão desesperar...» (Husserl, 1990: 12) Como se pode ver e ouvir, a elucidação fenomenológica do conhecimento era uma questão de “vida ou morte” para Husserl. Desesperadamente, ele também buscava a “certeza certa”, o fundamento sólido de uma clarificante “crítica da razão”. Em Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 7. Dante Augusto Galeffi 19 outras palavras, Husserl acreditava na edificação de uma ciência transcendental dos fenômenos da consciência enquanto consciência, to- mando distância do ceticismo reinante no ambiente intelectual da sua época. Diante da “crise da razão gnosiológica” do seu tempo, que vinha solapando qualquer pretensão de se dar seguimento a uma ciência da “constituição” do conhecimento puro (a priori), Husserl restaura a atitude transcendental como “retorno às coisas mesmas”, provocando, assim, profundas mudanças no horizon- te teórico do fazer filosófico do século XX. Reclamando, renovadamente, uma nova tarefa para a Filosofia do Sujeito, precisamente aquela capaz de superar o amadorismo empírico ou o transcendentalismo ingênuo (ou realista) das épocas ante- riores, Husserl projeta para a Filosofia a possibilidade de desfazer-se dos “tormentos da obscuridade”, e isto através do método fenomenológico (ou redução fenomenológica) leva- do às suas extremas consequências, a saber: o retorno à consci- ência. Segundo Husserl, a chamada redução fenomenológica propor- ciona o acesso ao “modo de consideração transcendental”, ou seja, o “retorno à «consciência»”. Assim, através da “redução fenomenológica” os objetos se revelam na sua constituição. Retornando à «consciência», os objetos aparecem na sua constituição, ou seja, como correlatos da consciência. O retor- no, portanto, permite «dissolver o ser na consciência», isto é, permite que o ser (ou ente, ou melhor, o “ser do ente”) se torne «consciência». O «retorno à consciência», eis a pedra fundamental da Fenomenologia de Husserl. Mas, em que sentido devemos entender “este retorno à consciência”? O que é que Husserl entende por «consciência»? E em que medida a sua “definição” fenomenológica é capaz de alcançar a essência da ciência dos Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 8. 20 Dante Augusto Galeffi fenômenos da consciência? No caso, esse «retorno» pressupõe a «redução fenomenológica». Trata-se, portanto, de um pôr-se no caminho das próprias coi- sas, isto é, de “retornar” a elas. Neste sentido, a “redução” se confundiria com o próprio método fenomenológico, pois seria um “caminho” para se alcançar e clarificar filosoficamente a essência universal do conhecimento absoluto. Entretanto, na “atitude fenomenológica” a “atitude natural” é posta em ques- tão, o que significa o exercício crítico do próprio conhecimento. Assim, uma das grandes tarefas da “redução fenomenológica” é a superação do próprio horizonte do “conhecimento natural”, o que implica no aparecimento de complexas tensões e obscuros problemas gnosiológicos. Nessa visada, a tarefa da Fenomenologia Transcendental seria justamente a de preparar o terreno para o aparecimento de uma compreensão mais apurada (e menos turbulenta) dos atos inten- cionais que constituem a consciência, e isto de tal modo a se poder instituir um conhecimento filosófico independente do conhecimento produzido pelas ciências da natureza. Trata-se, no caso, de um projeto transcendental capaz de validar uma autên- tica ciência filosófica, ciência ocupada com a “crítica da própria consciência”, que se impõe a tarefa de esclarecer cada vez mais e melhor a própria consciência dos objetos na sua constituição fenomenal. Como se vê, a tarefa que Husserl se impõe a levar adiante possui uma grandeza extraordinária. Simplesmente ela se põe no caminho da “crítica da razão” capaz de liberar o fluxo do próprio “retorno à consciência”. Deste modo, ao provocar o retorno radical à «consciência pura», a “redução fenomenológica” ins- titui a suspeição de todos os dados da consciência empírica (consciência psicológica, existencial, ôntica), e isto de tal forma que a própria consciência supere a sua identificação com o Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 9. Dante Augusto Galeffi 21 conhecimento natural, mostrando-se como consciência de coisas, de fatos, de ideações, de afetos, etc., podendo, assim, ser rigorosamente investigada na sua «constituição», ou melhor, no modo como constitui os objetos e é constituída por eles, segun- do uma indissolúvel relação dialética. Nessa visada, a diferença entre “conhecimento natural” e “conhecimento filosófico” se dá como consequência da “dúvi- da” interrogante. Trata-se de uma saída do curso natural dos acontecimentos por meio da construção de um “conhecimento transcendental”, isto é, um conhecimento capaz de pôr em suspeição o seu próprio modo de conhecer. Portanto, um conhe- cimento capaz de duvidar de si mesmo e de tornar-se o lugar de alcance das formas a priori da sua constituição, através da “suspensão” de todos os dados empíricos que, então, se mos- tram fenômenos da consciência, mas não a própria consciência. Pela “redução fenomenológica” retorna-se à própria cons- ciência. E a consciência se mostra consciência de objetos constituídos no próprio ato cognoscente. Deste modo, o retorno à «consciência» é o mesmo que o retorno às próprias coisas, retorno que permite, segundo Husserl, a construção de uma ciência da essência do conhecimento. Assim, se o conhecimento é sempre “conhe- cimento de coisas”, ele será sempre um «conhecer» de aconte- cimentos conscientemente dados. Ora, se a consciência é igualmente “consciência de...”, como pode ela ser concebida fora do seu acontecimento fenomenal, ou melhor, como pode ela transcender a esfera psicológica do chamado “sujeito con- creto”? De modo inequívoco, a fenomenologia pregada por Husserl procura tomar distância da dúvida em relação à possibilidade de uma ciência absoluta, ou melhor, de uma ciência universal das essências, uma ciência transcendental, portanto, ocupa- da em dilucidar os vários aspectos, níveis e graus da constitui- Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 10. 22 Dante Augusto Galeffi ção da consciência dos objetos, isto é, da razão nas suas mais diversas modalidades. Entretanto, a Fenomenologia Transcendental não pode ser confundida com um sistema de pensamento acabado, no qual todas as leis e princípios do mundo e da consciência encontra- riam uma resposta imediata e imutável. Pelo contrário, a questão fenomenológica ,levantada por Husserl, procura tomar distância da pretensão de explicar as “essências”, segundo um determinado modelo generalizador, baseado em intuições inte- lectuais fundadas na aporia entre imanente e transcendente. Se- gundo esta concepção ingênua e determinista, o imanente perten- ceria à esfera da subjetividade (seria, no caso, “interior ao sujeito”), e o transcendente seria tudo aquilo que “ultrapassa” a subjetividade, tudo aquilo que é “exterior ao sujeito”. Ora, uma tal concepção não se sustenta diante de uma “crítica da razão” rigorosamente exercitada. Como afirma Husserl, no estágio inicial da consideração sobre o conhecimento, o estágio da ingenuidade, tudo se passa em uma captação direta das coisas e dos nexos. Aqui a evidência confunde-se com o simples ver, o olhar do espírito desprovido de essência, em todos os casos um só e o mesmo e em si indiferenciado: o ver divisa simplesmente as coisas; as coisas simplesmente existem e, no intuir verdadeiramente evidente, existem na consciência, e o ver centra-se simplesmente nelas. No caso, tratar-se-ia de uma captação direta, em que o pegar ou apontar para algo significa uma ação sobre algo que já se encontra “aí”, já está evidentemente dado. Assim, toda dife- rença “está”, pois, nas próprias coisas, segundo suas diferentes ipseidades (identidades). (Husserl, 1990: 32) Entretanto, deixando-se de lado essa atitude natural, uma análise mais precisa acaba revelando a enorme problematicidade do ver as coisas. Como elucida Husserl: Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 11. Dante Augusto Galeffi 23 Se bem que se conserve sob o nome de “atenção” o olhar em si indescritível e indiferenciado, mostra-se, porém, que efetivamente não tem sentido algum falar de coisas que simples- mente existem e apenas precisam de ser vistas; mas que esse «meramente existir» são certas vivências da estrutura específica e mutável; que existem a percepção, a fantasia, a recordação, a predicação, etc., e que as coisas não estão nelas como num invólucro ou num recipiente, mas se constituem nelas as coisas, as quais não podem de modo algum encontrar-se como ingre- dientes naquelas vivências. O «estar dado das coisas» é exibir- se (ser representadas) de tal e tal modo em tais fenômenos. E aí as coisas não existem para si mesmas e «enviam para dentro da consciência» os seus representantes. Algo deste gênero não nos pode ocorrer no interior da esfera da redução fenomenológica, mas as coisas são e estão dadas em si mesmas no fenômeno (Erscheinung) e em virtude do fenômeno; são ou valem, claro está, como individualmente separáveis do fenômeno, na medida em que não importa este fenômeno singular (a consciência de estar dadas), mas, essencialmente são dele inseparáveis. Mostra-se, pois, por toda a parte, esta admirável correlação entre fenômeno do conhecimento e o objeto de conhecimento. (Husserl, 1990: 32-33) Tudo isso nos mostra o quanto é árdua e complicada a tarefa da Fenomenologia Transcendental de Husserl, fato atestado por suas próprias palavras: Advertimos agora que a tarefa da fenomenologia, ou antes, o campo das suas tarefas e investigações, não é uma coisa tão trivial como se apenas houvesse que olhar, simplesmente abrir os olhos. (Husserl, 1990:33) Estamos diante de uma “tarefa” que toma distância da “atitude natural” (ingênua) e instaura uma “atitude filosófica” (problemática). Como vimos, na “atitude natural” a dicotomia entre o que é imanente e o que é transcendente se mostra como Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 12. 24 Dante Augusto Galeffi imediatamente evidente para o conhecimento. Deste modo, o próprio conhecimento não é nunca analisado, segundo a sua própria estrutura fenomenal, o que impede o desenvolvimento de uma investigação crítica sobre as condições essenciais em que se dá o conhecer fenomênico. Neste sentido, a tarefa da Fenomenologia Transcendental seria a de tornar evidente, por meio do esforço elucidativo da estrutura fenomenal da cons- ciência, o próprio modo de ser dos objetos que constituem a consciência humana. Assim, a tarefa da Fenomenologia seria a de rastrear todas as formas do dar-se e todas as correlações, e isto dentro do âmbito da própria evidência pura do dar-se em si mesmo (Selbstgegebenheit), exercendo, sobre todas elas, a análise esclarecedora da própria estrutura dos fenômenos da consciência. No caso, a análise fenomenológica procura abarcar não apenas os atos da consci- ência dos objetos, como também os seus nexos e correlatos, e isto segundo uma compreensão unívoca da estrutura do fenô- meno. Nesta medida, o “fenômeno”, enquanto “dar-se em si mesmo”, é algo incontestável. Entretanto, no dar-se não está inclusa a “análise esclarecedora” que a fenomenologia toma como tarefa. Em outras palavras, isto significa que a simples percepção consciente de um dado fenômeno não pressupõe a análise dos seus “atos” e “correlatos”, suas “complexões” e os seus “nexos” (discordantes ou concordantes), suas “teleologias” e “configurações”. Portanto, a tarefa da Fenomenologia Transcendental é a de elucidar e rastrear gradualmente todos os possíveis dados da consciência, segundo as suas modalidades e possíveis modifi- cações de comportamento. Trata-se da construção de uma ciência das essências, construção edificada “passo a passo”; uma ciência das essências capaz de “descrever” a estrutura dos fenômenos da consciência; uma ciência dos fenômenos cognoscitivos em duplo sentido: Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 13. Dante Augusto Galeffi 25 Ciência dos conhecimentos como fenômenos (Erscheinungen), manifestações, atos da consciência em que se exibem, se tornam conscientes, passiva ou ativamente, estas e aquelas objetivida- des; e, por outro lado, ciência destas objetividades enquanto a si mesmas se exibem deste modo. (Husserl, 1990: 34-35) Fenomenologia, o nome denuncia tratar-se de uma “ciên- cia do fenômeno”. Entretanto, como haveremos de compreen- der o sentido fenomenológico da palavra “fenômeno”? ‘Fenômeno’, do grego phainómenon, significa “aquilo que aparece”. A palavra deriva do verbo grego phainomenai: “eu apareço”. O que “aparece” é aquilo que se mostra à luz, o “brilhante” (phaino). Entretanto, apesar da palavra “fenômeno” designar o que aparece, ela é usada preferencialmente para designar o próprio aparecer, isto é, o fenômeno da consciência ou, usando o que Husserl considerava uma “expressão grosseiramente psicológica”, o fenômeno subjetivo. Em virtude deste uso ambíguo, a palavra “fenômeno” favorece a formação de equívocos, pois o próprio aparecer torna-se objeto de investigação, ou seja, o próprio sujeito do conhecimento é investigado na sua estrutura de comportamento, em virtude da correlação essencial entre o seu aparecer e o que aparece. Trata-se, no caso, de uma relação interdependente entre o aparecer e o que aparece, entre o sujeito do conhecimento e o mundo conhecido, entre a consciência que conhece e o mundo ou objeto que aparece ou se mostra cognoscível. Nesse sentido, a palavra “fenômeno” é para a fenomenologia algo que compreende, simultaneamente, tanto o aparecer quanto aquilo que aparece: a relação indissociável entre o sujeito e o mundo, a consciência e seus objetos. A fenomenologia, portanto, ocupa-se do “fenômeno” em duplo sentido: na sua estrutura e no seu aspecto (aparência). E Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 14. 26 Dante Augusto Galeffi esta ocupação se refere exclusivamente, como ensina Heidegger, ao modo como se de-monstra e se trata o que nesta ciência deve ser tratado. Como ciência dos “fenômenos”, a fenomenologia apreende os objetos de tal maneira que acaba por tratar de tudo que se põe em discussão, segundo uma de-monstração e proce- dimento diretos. (Heidegger, 1988: 64) Como se vê, há um conceito fenomenológico de “fenôme- no” operado pela fenomenologia. Trata-se de um conceito não vulgar, portanto, filosófico. Um conceito que é, em si mesmo, uma de-monstração sobre “aquilo que se mostra”. Segundo essa perspectiva, “aquilo que se mostra” para o olhar fenomenológico é, com palavras de Heidegger: Justo o que não se mostra diretamente e na maioria das vezes e sim se mantém velado frente ao que se mostra diretamen- te e na maioria das vezes, mas, ao mesmo tempo, pertence essencialmente ao que se mostra diretamente e na maioria das vezes a ponto de constituir o seu sentido e fundamento. (Heidegger, 1988: 66). Então, podemos dizer precisamente que aquilo que na maioria das vezes “não se mostra e sim se mantém velado...” é o único “fenômeno” que interessa à investigação fenomenológica. Trata-se, para Husserl, do “retorno à consciência”; retorno que é uma determinação do sentido do ser-do-homem enquanto ser-no- mundo. No caso, o problema do retorno à consciência encontra expressão suficientemente clara no modo como a mesma é compreendida pela fenomenologia, a saber: a consciência é sempre consciência de alguma coisa. Em outras palavras, segundo esta máxima fenomenológica, não existe uma consciência em si, portanto, um ser em si, pois a consciência só se apreende como “relação”, isto é, ela existe enquanto relação de eventos vivos e concatenados: a consciência é sempre consciência de um ser-no- mundo, portanto, um “existencial concreto”. Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 15. Dante Augusto Galeffi 27 Assim, quando a fenomenologia de Husserl propõe o “retorno à consciência”, de modo algum devemos compreender tratar-se de uma espécie de consciência em si. Muito pelo contrá- rio, longe desta abstração ingênua, este “retorno” significa investigar o próprio acontecimento da consciência, segundo o “aparecer do ser das coisas mesmas”, isto é, segundo o modo como os objetos “aparecem” na nossa percepção, compreensão e entendimento. Como enfatizava Husserl, definindo o sentido do conheci- mento fenomenológico: O conhecimento é, pois, apenas conheci- mento humano , ligado às formas intelectuais humana s, in- capaz de atingir a natureza das próprias coisas, as coisas em si. (Husserl, 1990: 44) De modo análogo, a consciência é apenas consciência humana, isto é, um modo de ser-no-mundo, portanto, um existir feno- menal. Entretanto, a consciência consiste justamente em ser aquilo que transcende e, como tal, não se deve confundi-la com os entes em estado natural. A consciência, no caso, não é mais aquela figura associada ao “sujeito transcendental” de Kant, e sim muito mais o próprio ser-do-homem-no-mundo, o que descortina uma perspectiva completamente “nova” para a filosofia transcendental. No caso, o transcendental permanece sendo a capacidade de “descrever” a própria estrutura do fenômeno, isto é, a de- monstração fenomenológica do “fenômeno”. E este “fenôme- no” tem a ver, em primeira instância, com o ser-do-homem. E sendo para a fenomenologia o ser-do-homem o seu próprio objeto de investigação, inevitavelmente o interesse fenomenológico tem a ver com a “consciência filosófica”, a “consciência críti- ca”. Essa “consciência crítica” é, entretanto, uma sofisticada construção da inteligência humana. Para que se evite ambigüidade nessa definição de “consci- ência”, a nossa última afirmação intenciona apenas enfatizar Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 16. 28 Dante Augusto Galeffi que, para a fenomenologia, a consciência é compreendida como o próprio ser-do-homem-no-mundo, sendo, portanto, necessá- rio se esclarecer a essencial diferença entre “consciência natural (naturalmente ingênua) e “consciência filosófica” (construtiva- mente crítica). No caso, no âmbito da análise fenomenológica o que importa é o “descobrimento” dialógico da própria estru- tura do fenômeno humano, o que também significa “saber inventar” e “saber decidir” o próprio modo de acesso ao ser das coisas mesmas. Trata-se, consequentemente, de compreender a fenomenologia transcendental como filosofia crítica para a reorientação (res- tauração) do sentido do ser-do-homem-no-mundo. Como tal, a sua tarefa é também tomar distância das ciências naturais e instituir as possibilidades e os contornos do conhecimento propriamente humano, conhecimento radicalmente transcendental, posto que funda as suas raízes no próprio ser capaz de enten- dimento: o ser-no-mundo, o homem e sua humanidade ou desumanidade. Para que se possa melhor compreender a intenção fenomenológica de Husserl de constituir um método rigoroso de acesso ao “ser das próprias coisas”, onde, então, se pode compreender de uma maneira menos ingênua e deslocada a alçada gnosiológica da sua fenomenologia transcendental, inscrevendo-se na perspectiva do desenvolvimento das “ciências do espírito”, transcrevere- mos, a seguir, algumas passagens muito elucidativas que, uma vez recolhidas na devida conta, podem abrir amplas perspecti- vas de acesso fenomenológico ao “ser das coisas” — os fenô- menos de uma fenomenologia genética (construtiva) Só, pois, a reflexão gnosiológica origina a separação de ciência natural e filosófica. Unicamente se torna patente que as ciências naturais do ser não são ciências definitivas do ser. É necessário uma ciência do ente em sentido absoluto. Esta Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 17. Dante Augusto Galeffi 29 ciência, que chamamos metafísica, brota de uma «crítica» do conhecimento natural nas ciências singulares com base na intelecção, adquirida na crítica geral do conhecimento, da essência e da objetividade do conhecimento segundo as suas diferentes con- figurações fundamentais, e com base na intelecção do sentido das diversas correlações fundamentais entre conhecimento e objetividade do conhecimento. Se abstrairmos das metas metafísicas da crítica do conhe- cimento, atendo-nos apenas à sua tarefa de elucidar a essência do conhecimento e da objetividade cognitiva, ela é então fenomenologia do conhecimento e da objetividade cognitiva e constitui o fragmento primeiro e básico da fenomenologia em geral. ‘Fenomenologia’ — designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, ‘fenomenologia’ designa um método e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método especi- ficamente filosófico. (Husserl, 1990: 46) Tomando distância de uma “esfera natural de investiga- ção”, Husserl compreende o método fenomenológico como radicalmente diverso do método das ciências naturais. Com isso, ele apresenta um projeto de construção filosófica que declara independência em relação ao modelo gnosiológico cons- tituído em base às ciências exatas (matemática, geometria, física, etc.). Trata-se, claramente, de uma abertura de possibi- lidades que se apresenta apropriada ao conhecimento humano, na perspectiva da sua formatividade e pela superação de suas “realidades já configuradas”. Desse modo, por radicar-se no próprio ser-do-homem-no- mundo, o conhecimento filosófico é o único capaz de realizar uma crítica das ciências da natureza, isto é, uma compreensão apurada e “absoluta” dos limites e determinações de todas as Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 18. 30 Dante Augusto Galeffi possíveis ciências particulares. Portanto, o papel da filosofia seria precisamente o de propiciar ao homem o conhecimento de sua essência, enquanto existe, instituindo, assim, uma ciência dos fenômenos que dizem respeito ao ser-no-mundo, o ser-do- homem na história do mundo. Como afirma Husserl: Na esfera natural da investigação, uma ciência pode, sem mais, edificar-se sobre outra e uma pode servir à outra de modelo metódico, se bem que só em certa medida, determinada e definida pela natureza do respectivo campo de investigação. A filosofia, porém, encontra-se numa dimensão completamente nova. Precisa de pontos de partida inteiramente novos e de um método totalmente novo, que a distingue por princípio de toda ciência «natural». (Husserl, 1990: 47) A filosofia, repito, situa-se, perante todo o conhecimento natural, numa dimensão nova, e a esta nova dimensão, por mais que tenha — como já transparece no modo figurativo do falar — conexões essenciais com as antigas dimensões, corresponde um método novo — novo desde o seu fundamento —, que se contrapõe ao «natural». Quem isto negar nada compreendeu do genuíno estrato de problemas da crítica do conhecimento e, por conseguinte, também não entendeu o que a filosofia realmente quer e deve ser, nem o que lhe confere a especificidade e a sua própria justificação, perante todo o conhecimento e a ciência naturais. (Husserl, 1990: 49) Portanto, segundo a clareza abissal de Husserl, o conheci- mento humano não é da mesma ordem do mundo natural. Neste sentido, somente uma investigação dos modos de ser e das estruturas em que se dá o conhecimento permite a construção de uma ciência dos fenômenos, no qual o homem é o único sentido essencial. Neste caso, logra-se fazer filosofia, e só deste modo é possível se constituir uma ciência da essência do conhecimento. Ao que tudo indica, esta parece ser a direção Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 19. Dante Augusto Galeffi 31 em que a fenomenologia transcendental de Husserl apresenta- se inequívoca, cabendo apenas verificar em que medida esta posição nos toca e é capaz de fazer-nos pensar no nosso próprio ser-no-mundo em uma perspectiva genuinamente filosófica — problemática. De alguma forma, acabamos de “responder” provisoriamen- te a pergunta-guia do nosso exercício elucidativo. Desde o início perguntávamos pela fenomenologia. Agora, de algum modo, configurou-se um novo horizonte compreensivo para a coisa fenomenológica. E, pelo menos, essa nova configuração se compreende como método e como atitude intelectual: a atitude especificamente filosófica, a filosofia como método de elucidação do próprio ser que é o homem-no-mundo. Como modo de finalizar esta consideração provisória sobre a fenomenologia, encontramos ampla ressonância em algumas passagens de Heidegger, aqui evocadas, com o específico intui- to de deixar e fazer aparecer o sentido mais radical e ainda não descoberto da atitude filosófica genuína, o sentido fenomenológico do ser-no-mundo, o ser-do-homem: A fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma manifesta- ção. O ser dos entes nunca pode ser uma coisa “atrás” da qual esteja outra coisa “que não se manifesta”. “Atrás” dos fenômenos da fenomenologia não há absoluta- mente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno pode-se velar. A fenomenologia é necessária justa- mente porque, de início e na maioria das vezes, os fenômenos Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 20. 32 Dante Augusto Galeffi não se dão. O conceito oposto de “fenômeno” é o conceito de encobrimento. [...] O ser é o transcendens pura e simplesmente. A transcendência do ser da pre-sença (Da-sein) é privilegiada porque nela reside a possibilidade e a necessidade da individuação mais radical. Toda e qualquer abertura do ser enquanto transcendens é co- nhecimento transcendental. A verdade fenomenológica (abertura do ser) é veritas transcendentalis. [...] As explicitações do conceito preliminar de fenomenologia de-monstram que o que ela possui de essencial não é ser uma “corrente” filosófica real. Mais elevada do que a realidade está a possibilidade. A compreensão da fenomenologia depende uni- camente de se apreendê-la como possibilidade. (Heidegger, 1988: 66-70) Como se pode ver, a nossa intenção de elucidação fenomenológica alcançou um ponto limite, o que nos permite ter a certeza de que o método fenomenológico confunde-se com a própria filosofia. E esta filosofia deve ser capaz de libertar o ser-do- homem-no-mundo do julgo da sua imbecilização deliberada ou da tirania individual e coletiva, mas isso sempre e a partir de uma decisão radical: o querer-ser livre e responsável pelo ser- no-mundo na abrangência da construção da humanidade huma- na. Como assinalou Heidegger, “a verdadeira fenomenologia — compreendida como abertura do ser — é verdade transcendental”, o que significa dizer que ela é uma ciência da essência do conhecimento, como já havíamos enfatizado no início deste exercício. Neste sentido, pode-se compreendê-la de fato como uma nova possibilidade capaz de iluminar a abertura do projeto do ser-do-homem-no-mundo na abrangência do processo de suas efetividades vividas. E sendo apenas uma possibilidade, a fenomenologia libera-se do intelectualismo monológico de um Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 21. Dante Augusto Galeffi 33 “sujeito do conhecimento” dado para sempre, instaurando, em seu lugar, o próprio acontecimento-apropriação do que sempre permanece aberto às possibilidades: o próprio ser-do-homem, en- quanto lançado na temporalidade do mundo; mundo que não cessa de tornar-se fenômeno; mundo em ebulição permanente. Segundo esta abertura do ser-do-homem-no-mundo, a fenomenologia lança luzes sobre o projeto histórico da humanida- de do homem, o que abre a possibilidade de reconfiguração do seu estatuto de liberdade. A construção humana autônoma, então, passa a ser uma questão fenomenológica, isto é, uma questão de compreensão prévia do próprio ser-no-mundo. E é esta “compreensão” que descortina as possibilidades do ser-do-homem poder assumir as responsabilidades da sua própria história. Contudo, é também preciso saber de antemão que o futuro é sempre um existencial presente-passado, assim como ter bem claro que o mundo vivido é a única morada a ser plasmada pelo ser-do-homem. E para o mundo vivido só o “inesperado” é bem vindo, pois se o ser-do- homem não fosse capaz de transcendência tudo estaria fadado a ser uma mera e monótona “repetição do igual”, onde, eviden- temente, não poder-se-ia falar em “transformação social do mundo”, como algo além de qualquer programação previsível, o que obrigatoriamente nos jogaria para dentro de um confor- mismo insano e um determinismo incompatível com a abertura de possibilidades da própria grandeza hominal. É nessa perspectiva de projeto que a fenomenologia se mostra na sua mais concreta força, o que permite, enfim, con- cluir que não deveríamos tratá-la como algo do passado — como mais um dos múltiplos movimentos do pensamento construtivo do homem na história —, pois se assim agíssemos estaríamos abrindo mão do usufruto das nossas reais possibilidades de construção de uma cultura pessoal amplamente inserida no seu meio social, o que implicaria na aceitação da condição obtusa de seres Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 22. 34 Dante Augusto Galeffi impotentes, incapazes de tomar decisões radicais e de viver em plenitude. O caso é que a fenomenologia é um método para o próprio esclarecimento do ser humano na história. E isto significa que ela, além de ter que levar em conta o já instituído de forma ampla e criteriosa, deve também saber investigar as condições de possibilidade do ser que, independente das vontades alheias, permanece sendo o instituinte de todo o vir-a-ser, isto é, o sentido e a finalidade permanentemente presentes na própria ausência de acabamento do ser-do-homem-no-mundo. Na condição de abertura de possibilidades para a investi- gação rigorosa do ser-do-homem, a fenomenologia permanece sendo apenas uma possibilidade. E isso enquanto se apresente interrogante, ou melhor, metassistêmica, não pretendendo, por- tanto, ensinar a “verdade” acabada, e muito menos as leis perenes do ser-no-mundo, mas apenas tornar-se o meio descri- tivo do acontecimento do sentido fenomeno-lógico. Nessa perspectiva, a fenomenologia permanece sendo um exercício transcendental, o que inevitavelmente pressupõe e exige uma Ética da mais ampla envergadura, requisitando de quem se põe a investigar o homem uma efetiva atitude radical diante do próprio ser-consciente do eu-outro-mundo. A responsabilidade diante de um projeto de tamanha ordem é a única condição de possibilidade para que se possa fazer do homem um ser dotado de liberdade inventiva e partilhada. De qualquer modo, enquanto projeto, a fenomenologia tor- na-se um concreto e eficaz instrumento de ação para a trans- formação do processo humano, o que apenas enfatiza a grande possibilidade que se descortina quando assumimos a nossa própria condição de liberdade partilhada. Isso afirma a nossa peculiar transcendência, o que na verdade apenas confirma nossa condição histórica de seres mundanos. Tudo o mais só Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 23. Dante Augusto Galeffi 35 depende da capacidade de compreender a transcendência como o próprio modo do ser-do-homem. Somente o ser humano pode decidir de que forma pretende estar-no-mundo, sobretudo quando aprender a se dar conta de que ele está aberto no mundo, e de que o “mundo” são todas as possibilidades. E é diante delas que os seres humanos são ou deixam de ser, se tornam e se transformam, exercem seus sonhos e desejos, vivem ou desistem de viver, se fazem dignos ou simplesmente rastejam como animais invertebrados. Entretanto, a decisão por uma dignidade de ser é coisa que só se pode decidir diante da liberdade do ser. E o ser parece não tolerar a insensatez e a indignidade, a bestificação e a fragmentação alienante. Este ser é perpetuamente algo que só se dá além das coisas. Mas as coisas são para este ser a sua única morada, a sua existência: saber habitá-las é sempre uma questão de ser, é ser-no-mundo uma jocosa espera do “inesperado”. E o inesperado-esperado é sempre aquilo que nos mantém em estado de dignidade permanente. Procurando uma imagem para encerrar essa nossa fala sem- pre provisória, apresentou-se um dizer, ao modo de Heráclito, que muito bem pode exprimir o sentido de perplexidade dialógica aberto nesta compreensão fenomenológica: — Pois, quando dor- mimos, não dormimos, e quando estamos acordados, não estamos acor- dados; mas quando dormimos, dormimos, e quando estamos acordados, estamos acordados. De qualquer modo, resta sempre a cada um decidir se quer ou não pensar com liberdade e altivez, superando as antinomias do ser e do aparecer, da essência e da aparência — continuar no caminho interrogante: meditação infinita. Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
  • 24. 36 Dante Augusto Galeffi REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Tradução:Márcia de Sá Cavalcante. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1988. HUSSERL, Edmund. A Idéia da Fenomenologia. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1990. Ideação,Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.