O documento discute o papel da experimentação na construção do conhecimento científico e sua relevância no processo de ensino-aprendizagem. A experimentação desempenhou um papel essencial no desenvolvimento do pensamento científico ao longo da história, desde Aristóteles até os métodos indutivo e dedutivo propostos por Bacon e Descartes. No ensino de ciências, a experimentação é importante para envolver os alunos nos temas e desenvolver suas habilidades cognitivas.
1. PESQUISA NO ENSINO DE QUÍMICA
O papel da
no ensino de ciências
Marcelo Giordan
A presente seção inclui estudos e investigações sobre problemas no experiência, e conheça o universal
ensino de química, com explicitação dos fundamentos teóricos e ignorando o particular nele contido,
procedimentos metodológicos adotados na análise de resultado. enganar-se-á muitas vezes no trata-
Este artigo discute o papel da experimentação na construção do mento” (Aristóteles, 1979). Naquele
conhecimento científico e sua relevância no processo de ensino- tempo, já se reconhecia o caráter par-
aprendizagem, pautando-se em contribuições filosóficas, ticular da experiência, sua natureza fac-
epistemológicas e psicológicas. tual como elemento imprescindível pa-
ra se atingir um conhecimento uni-
conhecimento científico, ensino de ciências, experimentação, simulação versal. Ter a noção sem a experiência
resgata, em certa medida, a temática
de se discutir as causas sem se tomar
contato com os fenômenos empíricos,
...entendo que nossa linguagem ordinária está repleta de teorias; que a o que significa ignorar o particular e
observação sempre é observação à luz das teorias, e que é somente o correr o risco de formular explicações
prejuízo indutivista que leva as pessoas a pensar que poderia existir uma equivocadas. 43
linguagem fenomênica, livre das teorias e diferente de uma ‘linguagem O pensamento aristotélico marcou
teórica’... (K.R. Popper, em Lógica da investigação científica, p. 61, nota presença por toda a Idade Média entre
adicionada em 1968.) aqueles que se propunham exercitar o
entendimento sobre os fenômenos da
natureza. Esse exercício desenvolvia-se
principalmente num plano além da
É
de conhecimento dos profes- pensamento científico, apoiando-nos concretude do mundo físico, estabe-
sores de ciências o fato de a nos estudos de alguns filósofos da lecido como estava na lógica, um
experimentação despertar um ciência, sem a pretensão de defender poderoso instrumento de pensamento
forte interesse entre alunos de diversos uma idéia de evolução para a experi- já conhecido dos gregos. O acesso ao
níveis de escolarização. Em seus de- mentação e seu posicionamento den- plano dos fenômenos ocorria através
poimentos, os alunos tam- tro das ciências dos sentidos elementares do ser huma-
bém costumam atribuir à Aliada à lógica — numa naturais ou hu- no, que orientavam seu pensamento por
experimentação um caráter dimensão teórica —, a manas, mas ape- meio de uma relação natural com o
motivador, lúdico, essen- observação natural nas apontar os fenômeno particular. Na ausência de
cialmente vinculado aos sustentou na sua base principais apoios instrumentos inanimados de medição,
sentidos. Por outro lado, empírica a metafísica da teoria do co- a observação — numa dimensão
não é incomum ouvir de no exercício de nhecimento que empírica — era o principal mediador
professores a afirmativa de compreensão da sustentam essa entre o sujeito e o fenômeno. Aliada à
que a experimentação natureza discussão. Por lógica — numa dimensão teórica —, a
aumenta a capacidade de fim, discutimos observação natural sustentou na sua
aprendizado, pois funciona como meio as implicações da teoria de modelos base empírica a metafísica no exercício
de envolver o aluno nos temas em mentais para a experimentação e sua de compreensão da natureza.
pauta. relevância para o ensino de ciências, Passados 23 séculos e guardadas
Nossa proposta aqui é discutir o pa- utilizando o conceito de simulação. as particularidades do contexto a que
pel da experimentação nos processos se aplica a fala de Aristóteles, notamos
de elaboração do pensamento cientí- Primórdios do racionalismo: que muitas propostas de ensino de
fico, elevando-a à categoria de pro- a observação natural ciências ainda desafiam a contribuição
cesso de natureza social, técnica e Há mais de 2 300 anos, Aristóteles dos empiristas para a elaboração do
cognitiva. Queremos identificar as ca- defendia a experiência quando afirma- conhecimento, ignorando a experi-
racterísticas mais fundamentais do va que “quem possua a noção sem a mentação ainda como uma espécie de
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2. observação natural, como um dos acúmulo de observações e dados, am- com os enunciados genéricos.
eixos estruturadores das práticas esco- bos derivados do estágio de experi- Ainda preocupado em formular
lares. A elaboração do conhecimento mentação, permite a formulação de uma metodologia científica precisa,
científico apresenta-se dependente de enunciados mais genéricos que po- René Descartes impôs à experimen-
uma abordagem experimental, não dem adquirir a força de leis ou teorias, tação um novo papel, diverso do pro-
tanto pelos temas de seu objeto de dependendo do grau de abrangência posto por seu contemporâneo Bacon.
estudo, os fenômenos naturais, mas do problema em estudo e do número Descartes considerava que o processo
fundamentalmente porque a orga- de experimentos concordantes. Esse dedutivo —reconhecer a influência
nização desse conhecimento ocorre processo de formular enunciados ge- causal de pelo menos um enunciado
preferencialmente nos entremeios da rais à custa de observações e coleta geral sobre um evento particular —
investigação. Tomar a experimentação de dados sobre o particular, contextua- ganharia mais força na medida em que
como parte de um processo pleno de lizado no experimento, é conhecido o percurso entre o enunciado geral e
investigacão é uma necessidade, re- como indução. O método descrito por o evento particular fosse preenchido
conhecida entre aqueles que pensam Francis Bacon fundamenta a chamada por eventos experimentais:
e fazem o ensino de ciências, pois a ciência indutivista, que em suas pala-
Percebi (...), no que concerne
formação do pensamento e das atitu- vras se resume a:
às experiências, que estas são
des do sujeito deve se dar preferen-
Só há e só pode haver duas tanto mais necessárias quanto
cialmente nos entremeios de ativida-
vias para a investigação e para mais adiantado se está em co-
des investigativas.
a descoberta da verdade. Uma nhecimentos. (...) Primeiramen-
Contribuições positivistas: a que consiste em saltar das sen- te, tentei descobrir, em geral, os
experimentação como um fim sações e das coisas particulares princípios ou causas primitivas
em si mesma aos axiomas mais gerais e, a de tudo o que é ou que pode
seguir, em se descobrirem os ser no mundo .(...) Depois, exa-
A experimentação ocupou um pa- axiomas intermediários a partir minei quais eram os primeiros e
pel essencial na consolidação das desses princípios e de sua ina- mais comuns efeitos que po-
44 ciências naturais a partir do século XVII, movível verdade. E outra, que diam ser deduzidos de tais cau-
na medida em que as leis formuladas recolhe os axiomas dos dados sas. (...) Após isso, quis descer
deveriam passar pelo crivo das situa- dos sentidos e particulares, às mais particulares.
ções empíricas propostas, dentro de ascendendo contínua e gradual-
uma lógica seqüencial de formulação Desse trecho retirado da sexta parte
mente até alcançar, em último
de hipóteses e verificação de — “Que coisas são requeridas para
lugar, os princípios de máxima
consistência. Ocorreu naquele período avançar na pesquisa da natureza” —
generalidade. Esse é o verdadei-
uma ruptura com as práticas de inves- do livro Discurso do método, percebe-
ro caminho, porém ainda não
tigação vigentes, que consideravam se que há uma inversão na proposta
instaurado. (BACON, 1989, p. 16.)
ainda uma estreita relação da natureza de Descartes (1980) para o fazer ciên-
e do homem com o divino, e que esta- Um exemplo simples de aplicação cia, comparando-se com aquela feita
vam fortemente impregnadas pelo do método indutivo em situações de por Bacon, pois não é mais o acúmulo
senso comum. A experimentação ocu- ensino pode ser analisado numa de evidências particulares que forta-
pou um lugar privilegiado na pro- atividade de laboratório na qual se lece o enunciado geral, a lei, a teoria.
posição de uma metodologia científica, pede para vários alunos registrarem Partindo-se de um enunciado geral,
que se pautava pela racionalização de independentemente a temperatura de como “a temperatura de ebulição dos
procedimentos, tendo assimilado ebulição da água. Supondo que esses líquidos é função da pressão ambien-
formas de pensamento características, alunos façam seus experimentos numa te” e tendo como fato que ao nível do
como a indução e a cidade litorânea e que mar a água ferve a 100 °C e numa certa
dedução. O acúmulo de todos eles tenham cidade serrana a 96,5 °C, podemos for-
Estabelecido um observações e dados, registrado a tempera- mular a hipótese de que a temperatura
problema, o cientista ambos derivados do tura de ebulição em de ebulição da água em uma panela
ocupa-se em efetuar estágio de 100 °C, pode-se levá- de pressão será maior que 100 °C. Co-
alguns experimentos experimentação, los à conclusão, pelo mo o enunciado apela para a variação
que o levem a fazer permite a formulação método indutivo ba- da temperatura em função da pressão
observações cuida- de enunciados mais seado no acúmulo de e os dados revelam que essa taxa é
dosas, coletar dados, genéricos que podem evidências experimen- positiva (maior pressão, maior tempe-
registrá-los e divulgá- adquirir a força de leis tais, que a tempera- ratura), deduzimos que em um sistema
los entre outros mem- ou teorias tura de ebulição da semi-aberto como a panela de pressão
bros de sua comuni- água é 100 °C. No a pressão ambiente será maior e,
dade, numa tentativa de refinar as pensamento indutivista, não há lugar portanto, também será maior a tem-
explicações para os fenômenos subja- para a contradição, ou seja, as evidên- peratura de ebulição. Qual é o papel
centes ao problema em estudo. O cias empíricas devem todas concordar da experimentação aqui? Confirmar
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3. nossa hipótese, uma espécie de carim- fenômenos, controlar e prever seus normal, tal proposta pode ser defen-
bo atestando a força do enunciado efeitos sobre os eventos experimentais, sável, principalmente porque se sus-
geral. encadear logicamente seqüências de tentam no pragmatismo ingênuo dos
Cumpre destacar a característica dados extraídos de experimentos são acertos e desprezam o erro como
de controle que a experimentação pas- consideradas, na visão positivista, estágio inerente do fazer ciência. Para
sa a exercer com a transformação do competências de extremo valor para a a educação científica, a tese positivista
pensamento científico. Esse controle, educação científica do aluno. A expe- carece de fundamentação científica,
exercido sobre as variáveis inerentes rimentação exerce a função não só de por desconsiderar que para o aprendiz
ao fenômeno em estudo, subsidia a instrumento para o desenvolvimento a ciência é uma representação do
prática empírica de adotar a precisão dessas competências, mas também mundo, entre outras tantas, que se
da medida da variável como critério de veículo legitimador do conhe- revelam de maneira espontânea ou
mais adequado de julgamento do cimento científico, na medida em que dirigida por uma práxis cultural distinta
fenômeno, que durante o advento da os dados extraídos dos experimentos daquela legitimada pela comunidade
fase racionalista da ciência passa a constituíam a palavra final sobre o científica2.
ocupar o lugar da prática aristotélica entendimento do fenômeno em causa. A partir da década de 60, os pro-
de privilegiar os sentidos na aborda- Parece ter sido o desenvolvimento des- gramas de educação científica passa-
gem do fenômeno. O empírico avança sas competências o principal objetivo ram a ser influenciados por uma cultura
para a compreensão do fenômeno à da experimentação no ensino de ciên- de pesquisa nessa área (Schnetzler e
medida que abstrai os sentidos e se cias, e de química em particular, até o Aragão, 1995; Krasilchik, 1987),
apóia em medidas instrumentais mais final da década de 60, quando os recebendo influência da psicologia
precisas, passíveis de reprodução programas de educação científica cognitiva e da epistemologia estrutu-
extemporânea. O ataque à filosofia recebiam uma forte influência do ralista, entre outras áreas do conheci-
aristotélica no século XVII é comple- pensamento lógico-positivista e mento. As atividades de ensino
tado por Galileu, que atribui à experi- comportamentalista. Tratava-se de deixaram de ser encaradas como
mentação um papel central no fazer aplicar as etapas su- transposições diretas
ciência, o de legitimadora1. postas do método O empírico avança do trabalho de cien- 45
Esses três pensadores são consi- científico nas salas de para a compreensão tistas e o desenvol-
derados fundadores da ciência moder- aula, confiando que a do fenômeno à medida vimento cognitivo do
na, fundamentalmente por terem com- aprendizagem ocor- que abstrai os ser humano foi to-
batido o pensamento aristotélico, no reria pela transmissão sentidos e se apóia em mado como um parâ-
qual a experiência tinha base na obser- dessas etapas ao medidas instrumentais metro essencial para
vação natural, mas também por terem aluno, que indutiva- mais precisas, a proposição de
contribuído para a estruturação do que mente assimilaria o passíveis de estratégias de ensi-
ficou conhecido como método cientí- conhecimento subja- reprodução no. Nesses termos,
fico, pelo qual a experiência é planifi- cente. extemporânea os estágios de evo-
cada com base num estratagema À parte a polêmica lução do pensamen-
racional. Suas idéias fundamentais fo- sobre o processo de evolução do to e as idéias prévias do indivíduo
ram retomadas por Augusto Comte pensamento científico, podemos iden- arquitetadas num ambiente sociocul-
(1983, p.8) em seu Curso de filosofia tificar, ainda no pensamento de Comte, tural e histórico foram tomados como
positiva: os prejuízos que a transposição cega, elementos fundamentadores da apren-
irrefletida, do método científico e o pa- dizagem (Mortimer e Carvalho, 1996).
“...indicarei a data do grande
pel atribuído à experimentação nesse A linearidade do método científico de
movimento impresso ao espírito
tratamento reservam às práticas da matriz lógico-positivista foi desafiada
humano (...), pela ação combi- e assim os elementos organizadores
educação científica. Comte, ao despre-
nada dos preceitos de Bacon, do método foram reavaliados e seus
zar a teologia e a metafísica, refuta o
das concepções de Descartes lugares redefinidos.
exercício da busca das causas gera-
e das descobertas de Galileu, Tendo por base a influência dos
doras dos fenômenos, por acreditar
como o momento em que o programas de pesquisa da educação
que somente a experimentação pode
espírito da filosofia positiva em ciências desenvolvidos a partir da
oferecer a medida de força para as
começou a pronunciar-se no década de 60, passaremos a analisar
explicações positivas. Priorizando ana-
mundo.” o papel que cabe à experimentação no
lisar com exatidão as circunstâncias da
As idéias positivistas influenciaram produção de explicações positivas, ensino de ciências na escola básica.
e ainda influenciam práticas pedagó- Comte adota o rigor empírico como
Dimensões psicológica e
gicas na área de ensino de ciências, fundamento da prática científica e pro-
sustentadas pela aplicação do método põe vincular essas explicações, me-
sociológica da
científico. Saber selecionar e hierar- diante relações normais de sucessão experimentação
quizar variáveis segundo critérios de e similitude (Comte, 1983, p. 7). Para Em seu livro Formação do espírito
pertinência para a compreensão dos os afeitos à cotidianidade da ciência científico, Gaston Bachelard aponta os
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4. obstáculos que se apresentam ao mas estaríamos nesse caso fadados deia-se um processo pautado na inter-
sujeito (o autor fala do espírito) quando a permanecer em discussões tecnicis- subjetividade do coletivo, cujo aprimo-
em contato com o conhecimento cien- tas sobre a medida experimental. ramento fundamenta o conhecimento
tífico, seja por meio de fenômenos, seja Importa, neste momento, desvelar a objetivo. O processo de objetivação do
no exercício da compreensão. Ao pro- noção de representação do conheci- conhecimento, por ser uma necessi-
por que a primeira experiência exigente mento para os processos de aprendi- dade social, deve ser um eixo central
é a experiência que ‘falha’ (itálico e zagem. Em primeiro plano, sendo a da prática educativa e aqui a experi-
aspas do autor), Bachelard destaca o ciência uma construção humana, de- mentação desempenha um papel de
papel do erro no progresso da ciência, ve-se reconhecer que no fazer ciência fórum para o desenvolvimento dessa
tanto por se exigir um se desenvolve um pro- prática.
processo de freagem Uma experiência imune cesso de represen- Mais recentemente, o tema apren-
do estímulo, o que a falhas mimetiza a tação da realidade em dizagem colaborativa vem sendo
acalmaria os impul- adesão do pensamento que predominam acor- amplamente debatido na literatura de
sos do sensível, como do sujeito dos simbólicos e lin- ensino de ciências (Nurrenbern e
também por impulsio- sensibilizado ao que güísticos num exercí- Robinson, 1997), a partir do que pode-
nar o cientista à pre- supõe ser a causa cio continuado de dis- mos depreender que é necessário criar
cisão discursiva e so- explicativa do cursos mentais, ínti- oportunidades não somente para a
cial, subsidiando o fenômeno, em lugar de mos ao sujeito, e realização de experimentos em equipe,
desenvolvimento de promover uma reflexão discursos sociais, mas também para a colaboração en-
técnicas e teorias racionalizada propriedade do coleti- tre equipes. A formação de um espírito
(Bachelard, 1996, p. vo. A falha do experi- colaborativo de equipe pressupõe uma
295-297). mento alimenta esse contextualização socialmente signi-
Uma experiência imune a falhas exercício, por mobilizar os esforços do ficativa para a aprendizagem, do ponto
mimetiza a adesão do pensamento do grupo no sentido de corrigir as obser- de vista tanto da problematização (te-
sujeito sensibilizado ao que supõe ser vações/medições; por desencadear mas socialmente relevantes) como da
46 a causa explicativa do fenômeno, em uma sucessão de diálogos de natureza organização do conhecimento cientí-
lugar de promover uma reflexão racio- conflituosa entre o sujeito e o outro e fico (temas epistemologicamente signi-
nalizada. O erro em um experimento com seus modelos mentais, e por colo- ficativos). Novamente, ao professor é
planta o inesperado em vista de uma car em dúvida a veracidade do modelo atribuído o papel de líder e organizador
trama explicativa fortemente arraigada representativo da realidade. A decor- do coletivo, arbitrando os conflitos
no bem-estar assentado na previsibili- rência possível desse movimento é um naturalmente decorrentes da aproxi-
dade, abrindo oportunidades para o novo acordo para se ter acesso e para mação entre as problematizações
desequilíbrio afetivo frente ao novo. representar o fenômeno, que altera o socialmente relevantes e os conteúdos
Rompe-se com a linearidade da suces- quadro dialógico do sujeito com a do currículo de ciências. Estratégias
são “fenômeno corretamente observa- realidade. negociadas em torno de temáticas
do/medido ⇒ interpretação inequí- O que se busca ambientais podem vir
voca”, verdadeiro obstrutor do pensa- com o ‘experimento O que se busca com o a contentar ambas as
mento reflexivo e incentivador das exigente’, e aqui o ‘experimento exigente’, colunas reivindicató-
explicações imediatas. A chamada professor ocupa lugar e aqui o professor rias, que atuam tanto
psicanálise do erro visa dosar o grau estratégico, é um ocupa lugar em sala de aula, como
de satisfação íntima do sujeito, subs- acordo na direção do estratégico, é um nos bancos acadêmi-
trato indispensável para manter o aluno que é cientificamente acordo na direção do cos.
engajado em processos investigativos. aceito e portanto dia- que é cientificamente Apresentamos co-
Numa dimensão psicológica, a expe- logável com a comu- aceito e portanto mo exemplo o estudo
rimentação, quando aberta às possi- nidade científica. Es- dialogável com a da energética das
bilidades de erro e acerto, mantém o se exercício social de comunidade científica transformações quími-
aluno comprometido com sua apren- precisão discursiva cas. Ao se desenca-
dizagem, pois ele a reconhece como não foi priorizado pe- dear a problematiza-
estratégia para resolução de uma pro- las propostas de ensino de ciências ção dos combustíveis como fonte
blemática da qual ele toma parte dire- quando se tentou aplicar o método da importante de energia para a huma-
tamente, formulando-a inclusive. redescoberta, acreditando-se que o nidade, tem-se a oportunidade de
O segundo argumento de Bache- acesso ao fenômeno e a seus instru- examinar experimentalmente desde os
lard em favor do ‘experimento exigente’ mentos de observação/medição cum- derivados do petróleo até os combus-
é igualmente aplicável às situações de priria os objetivos do ensino, meramen- tíveis obtidos da biomassa, passando
aprendizagem: a busca de uma preci- te reprodutórios da ‘realidade positiva’. por aqueles reciclados, como o biodie-
são discursiva e social. Poderíamos Ao se incentivar os alunos a expor suas sel, obtido pela transesterificação de
nos ater às questões dos instrumentos idéias acerca do fenômeno, que estão óleos usados em cozinhas industriais.
de observação/medição do fenômeno, no plano da subjetividade, desenca- Para que substâncias tão diversas
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5. sejam objetivamente comparadas, tor- lados a primeira instância de represen- são do volume da bexiga de borracha,
na-se necessário estabelecer um pro- tação analógica da realidade. Nessas sem que se aventasse o aumento da
tocolo básico de comunicação entre os situações, o sujeito se percebe diante velocidade dessas partículas (Figura
grupos e mesmo entre dados/obser- de uma representação da realidade, 1). É de se ressaltar a capacidade dos
vações extraídos dos experimentos. O obrigando-se a formular a sua própria, alunos de criar modelos explicativos
próprio planejamento dos experimen- que venha a se ajustar àquela em para o fenômeno em estudo, o que é
tos deve guardar relações de similari- simulação. Trata-se portanto de deter- sem dúvida uma competência impor-
dade, e desse acordo em torno da minar à experimen- tante a ser cultivada
resolução de uma problemática soci- tação o novo papel de Os modelos mentais em situações de en-
almente relevante pode-se arquitetar o estruturadora de uma servem de sistemas sino envolvendo expe-
conceito de entalpia, que emerge em realidade simulada, intermediários entre o rimentação.
um contexto epistemologicamente etapa intermediária mundo e sua represen- Numa proposta de
significativo, pois a organização do entre o fenômeno, que tação, uma espécie de continuação para esta
conhecimento decorre de uma atitude também é acessado filme interno cujas atividade, pode-se
cientificamente construída. pelo prisma da expe- cenas são formadas sugerir a observação
rimentação, e a repre- por imagens animadas e manipulação de
A experimentação por sentação que o sujeito e signos, cuja uma sistema fechado,
simulação lhe confere. concatenação no qual pequenas es-
Tendo exposto as dimensões psico- Um exemplo práti- expressa o estado de feras rígidas (miçan-
lógica e sociológica da experimen- co pode traduzir com coisas e dialoga com a gas de plástico)
tação, sugerimos agora uma terceira mais propriedade es- representação que o possam se movimen-
dimensão, a cognitiva3, baseada na sas idéias. Em estudo sujeito confere à tar dentro de um cilin-
concepção de modelos mentais, sobre as concepções realidade dro cujo volume varie
conforme apresentada por Moreira atomísticas de alunos, em função da posição
(1996). realizaram-se experimentos envolven- de um êmbolo móvel. Para promover
Os modelos mentais são como do o aquecimento de um tubo de o movimento das miçangas, utiliza-se 47
análogos estruturais da ‘realidade’ (o ensaio fechado por uma bexiga de bor- uma membrana vibratória, cuja intensi-
autor fala do mundo) que operam no racha, conforme descrito no primeiro dade de vibração seja função da ener-
plano mental do sujeito, portanto inter- número de Química Nova na Escola gia elétrica fornecida por diferentes
no, e tentam estabelecer uma conexão (Mortimer, 1995). Solicitou-se aos alu- quantidades de pilhas (Figura 2).
entre o fenômeno com que se tem con- nos que formulassem explicações so- Simula-se assim o sistema tubo de
tato e sua representação. Na elabora- bre o comportamento do sistema, ensaio-bexiga sob aquecimento.
ção de um modelo mental, destacam- quando o tubo de ensaio era aquecido. O modelo simulado estabelece
se dois componentes, os elementos e O modelo explicativo de um grupo de uma série de correspondências com
as relações, que representam um esta- alunos levava em conta uma relação o sistema empírico original. No plano
do de coisas específico. Os modelos direta entre a expansão do volume das dos elementos formuladores do mode-
mentais servem de sistemas interme- partículas constituintes do ar e a expan- lo destacam-se: as fontes de energia,
diários entre o mundo e sua represen- as pilhas e a chama do bico de Bun-
tação, uma espécie de filme interno sen; os volumes, os conjuntos tubo de
cujas cenas são formadas por imagens ensaio/bexiga e cilindro/êmbolo móvel;
animadas e signos, cuja concatenação as partículas, moléculas do ar e miçan-
expressa o estado de coisas e dialoga gas rígidas. No plano das relações
com a representação que o sujeito intrínsecas ao modelo, a principal cor-
confere à realidade. respondência ocorre entre o aumento
A experimentação deve também do volume do sistema cilindro/êmbolo
cumprir a função de alimentadora des- móvel em função do aumento do nú-
se processo de significação do mundo, mero de pilhas com o aumento do vol-
quando se permite operá-la no plano ume da bexiga em função do tempo
da simulação da realidade. Nas situa- de aquecimento do sistema experi-
ções de simulação, desencadeia-se mental original. De maneira mais apro-
um jogo entre os elementos e as rela- fundada, simula-se a velocidade média
ções, que devem manter correspon- das moléculas do ar, conceito central
dência com seus análogos no plano para o entendimento do fenômeno.
do fenômeno. É nesse palco de simu- Um segundo exemplo bastante
lações que podem se formar ambien- Figura 1: Representação feita por alunos mais freqüente é a utilização de mo-
tes estimuladores para a criação de do sistema tubo de ensaio/bexiga plástica, delos de estrutura molecular do tipo
modelos mentais pelo sujeito, que pas- na ausência de e sob aquecimento. bola–varetas, quando se propõe ensi-
sa a reconhecer nos modelos ora simu- Fonte: Mortimer, 1995. nar química orgânica por meio de um
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6. representação tridimensional, corre-se os de hidrogênio, estão representadas,
o risco de estagnar sua capacidade de ou ter a noção de preenchimento es-
elaborar seus próprios modelos men- pacial, próximo ao conceito de nuvem
tais. Deve-se subsidiar a transição do eletrônica, por uma outra opção (Figu-
estágio de observação ra 4b), na qual as va-
do modelo bola–vareta Não há como retas não podem
concomitante a sua fi- estabelecer mais ser percebidas
xação imagética na correspondências e as bolas passam a
memória, para um diretas entre os se sobrepor. Final-
estágio de apropriação modelos concretos de mente, a própria ca-
desse modelo, no qual estrutura molecular e pacidade de rotação
o aluno possa alterá-lo as propriedades espacial do modelo
conforme a situação- moleculares tratadas de estrutura molecu-
Figura 2: Esquema representativo do
sistema de simulação miçanga/cilindro/ problema que lhe é na educação básica; lar, simulado na tela
êmbolo móvel. apresentada. Nessa isso não significa que do computador, por-
fase de transição, po- tenhamos que nos tanto na bidimensio-
enfoque estereoquímico. Nesse caso, de-se operar com rendermos ao nalidade, confere
torna-se bastante mais difícil confrontar outra modalidade de nomenclaturismo uma interação inusi-
o aluno com uma realidade concreta- simulação, capaz de predominante nas tada com os modelos
mente observável, já que em nível incorporar outros mo- estratégias de ensino moleculares, ani-
molecular a ciência opera com mo- delos representativos dessa disciplina mando-os de acordo
delos radicalmente abstratos. Não há das estruturas molecu- com as idiossincra-
como estabelecer correspondências lares, a simulação computacional. Por sias do modelo mental do sujeito, em
diretas entre os modelos concretos de meio dessa modalidade, o aluno po- estágio inicial de elaboração.
estrutura molecular e as propriedades derá perceber que o conceito de O papel da experimentação por si-
moleculares tratadas na educação cadeia carbônica pode vir a ser repre- mulação certamente não é o de subs-
48 básica, o que não significa que tenha- sentado por uma opção ‘esqueleto’ tituir a experimentação fenomenoló-
mos que abandonar prematuramente (Figura 4a), na qual as ligações entre gica proposta originalmente. Deve-se,
essa proposta e nos rendermos ao os átomos de carbono, e entre estes e em muitos casos, respeitar inclusive a
nomenclaturismo predominante nas ordem de exposição dos grupos aos
estratégias de ensino dessa disciplina. experimentos: em primeiro lugar, o
Esta é exatamente a oportunidade de a)
preparar o aluno para instalar-se no
estágio que alguns têm insistido em
chamar de nível formal de pensa- a)
mento.
A manipulação de modelos bola–
vareta desenvolve no aluno uma habi-
lidade cognitiva muito importante para
a compreensão dos fenômenos quí-
micos na dimensão microscópica, que
é a espacialidade das representações
moleculares. Habituados a reconhecer
as moléculas em representações de
b)
fórmulas moleculares, como CH4, rara-
mente se cria oportunidade para o
aluno ter percepção tridimensional do
b)
tetraedro (Figura 3a), figura geométrica
que constitui a base para a represen-
tação das fórmulas estruturais das
moléculas que contém átomos de car-
bono (Figura 3b). Trata-se portanto de
conferir certa concretude à represen-
tação molecular necessária ao enga-
jamento do indivíduo no processo de Figura 3: Representações do átomo de
transição de um nível concreto para o carbono. a) Figura geométrica do tetraedro. Figura 4: Representações de cadeias
nível formal de pensamento. b) Modelo bola–vareta da molécula de carbônicas da molécula de propano. a)
No entanto, ao permanecer na metano. Esqueleto. b) Espaço preenchido.
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7. experimento com o sistema da Figura do outro. A simulação deve ser incor- reconhecidas como virtuais.
1, depois o experimento de simulação porada às práticas educacionais como Acreditamos que as simulações
(Figura 2). A simulação não pode tolher uma estratégia de sugerir realizações computacionais podem ser orquestra-
a necessária tarefa de criação de mo- racionais (Bachelard, 1934), fazendo damente articuladas com atividades de
delos mentais, já verificada na interven- parte de um projeto em que as con- ensino, sendo portanto mais um instru-
ção decorrente da experimentação dições experimentais sejam condições mento de mediação entre o sujeito, seu
‘por via úmida’; deve, sim, sustentar de experimentação nas quais o embri- mundo e o conhecimento científico.
essa prática salutar camento empiria–teo- Para tanto, há que se experimentar e
com novas regras, A simulação deve ser ria seja permanente- teorizar muito sobre a educação cien-
mais próximas do pro- incorporada às mente atendido. tífica, com um olho no passado e outro
cesso de significação, práticas educacionais no futuro, mas sobretudo com a cons-
inserindo um novo como uma estratégia
Considerações ciência viva no presente.
plano de mediação de sugerir realizações finais
entre o sujeito e o Marcelo Giordan, bacharel em química e doutor
racionais, tomando Este artigo visou
em ciências pela Unicamp, é professor da Faculdade
objeto, o plano da rea- parte de um projeto em traçar um quadro ge- de Educação da USP E-mail: giordan@fe.usp.br.
.
lidade simulada ou o que as condições ral sobre a experi-
plano da representa- experimentais são mentação e seu locus Notas
ção dos modelos condições de no ensino de ciências, 1. Para um aprofundamento nesse
mentais. experimentação aproveitando algumas tema, ver Losee (1979), que discute a
Numa concepção contribuições bastan- influência dos três pensadores na
idealista, a experimentação por simu- te difundidas na área de filosofia da crítica ao aristotelismo.
lação deve permitir ao sujeito cultivar ciência. Procurou-se determinar as vá- 2. Referimo-nos aqui à extensa pes-
sua imaginação em consonância com rias fases do pensamento científico, quisa sobre concepções alternativas
um conjunto de signos socialmente ressaltando a contribuição da experi- dos alunos acerca do conhecimento
legitimados, transitando entre a crueza mentação na forma de um dispositivo científico. Para uma discussão mais
da realidade objetiva e as sombras da sociotécnico inerente a esse pensa- aprofundada desse tema ver Garnett 49
compreensão subjetivada. Nesse mento. Parece-nos que a experimen- e Hackling (1995).
sentido, a experimentação por simula- tação por simulação recupera uma im- 3. Estamos nos referindo à área do
ção deve permitir ao sujeito uma nova portante discussão sobre a demar- conhecimento chamada de ciência
oportunidade para representação do cação entre o empírico e o teórico, o cognitiva, cujos alicerces se fundam na
mundo e de seus modelos mentais que se torna essencial num momento lógica simbólica, na inteligência artifical
representativos, expondo-os ao olhar em que as realidades passam a ser e na neurociência.
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