Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Miudos 09 10-11 big bang
1. miúdos
SUSANA PAiVA
Viagem sonora
num festival
sem palavras
A
Falta pouco para o Big palavra dificulta
a percepção da
espaços. O Projecto Nómadas,
com a Orquestra Geração, uma
Bang, Festival Europeu música, “faz muito
barulho”. Esta é
ideia importada da América do
Sul, “trabalha com crianças de
de Música e Aventura uma convicção ambientes sociais complicados e
de Madalena há-de ter resultados fantásticos
para Crianças, no Wallenstein, que desafiou nas suas vidas”. Paul Griffiths vem
vários artistas para a criação de tocar com esses jovens, dia 15, às
Centro Cultural de Belém espectáculos para miúdos. “Algo 14h e às 18h, no Grande Auditório.
(14 e 15 de Outubro). que ajude a perceber como é
que as crianças ouvem melhor.
Músicos no Espaço, a várias horas,
juntará Etienne Lamaison e a
A Pública falou com Envolvê-las num espectáculo
musical com espaço cénico,
Orquestra Metropolitana. “Vão
invadir os corredores, obrigar-nos
Madalena Wallenstein, com uma série de estímulos. a interromper o festival, numa
Sensibilizar os artistas para o dinâmica e surpresa fora do
da Fábrica das Artes, e balanço do que são os momentos comum.” Quartos dos Músicos,
de passagem e o momento certo em que os artistas são desafiados
com Fernando Mota, o na captação da atenção de uma a mostrar os seus quartos, criados
músico que abrirá os dois criança. E levá-los a fazer essas
mutações de forma sensível”,
nas salas Daciano da Costa,
Amadeo de Souza-Cardoso e
dias de um festival sem explica à Pública a coordenadora
da Fábrica das Artes.
Cottinelli. Convidaram Manuela
Azevedo (Clã), Katharine Rawdon
palavras. Motofonia é a Um dos objectivos do Festival e Elizabeth Davis (Machina
Europeu de Música e Aventura Mundi) e Simão Costa. Ouçam o
viagem sonora que quer para Crianças, que se realiza Silêncio, sobre o universo de John
em Lisboa pela segunda vez, é Cage. “Ele mudou o foco e fez-
partilhar com todos. o de “reforçar a comunicação nos pensar como o que se passa
A idade não importa. performática dos artistas”, diz a
educadora. “Porque queremos
na sala tem uma importância
enorme. Todos estes artistas são,
que seja uma experiência de alguma maneira, herdeiros de
Texto Rita Pimenta profundamente artística. Nada John Cage.” Fernando Mota,
de didáctico, ninguém a explicar no espectáculo
coisíssima nenhuma. Daí a palavra Um solo poético “Motofonia”,
‘aventura’. Queremos dar-lhes um Alguns dos músicos “nunca tocando um
imaginário interessante, com um pensaram em tocar para instrumento por
lado interactivo forte.” crianças”. Caso do contrabaixista ele criado a partir
Por isso há uma grande Carlos Bica, que se fará de uma tábua de
diversidade no programa, acompanhar por Mário Laginha, passar a ferro de
com espectáculos musicais João Paulo Esteves da Silva, José madeira: “tabula
simplesmente para escutar Salgueiro e Mário Delgado no rasa”
ou com performances, em que espectáculo de encerramento,
os miúdos interagem com os no Planetário de Lisboa, Quantas
músicos e mergulham inteiros nos Estrelas Cabem Num Som? (dia 15,
imaginários propostos. às 19h). “Será a música a provocar
“Há esculturas sonoras para a aparição do céu estrelado”, lê-se
ver e mexer, instrumentos que se no texto de divulgação.
podem tocar, workshops e música Mais familiarizado com o
na rua”, enumera Madalena público infantil está Fernando
Wallenstein, e revela feliz alguns Mota, que abre o festival com
2. Motofonia — Um Solo Poético para
Todos (dia 14, às 10h30, Pequeno
pensamos num espectáculo para
seis, oito ou até 12 anos, temos de
criança não vê, como a ver o filho
desfrutar de algo com qualidade.”
“Não há razão
Auditório, repete às 16h30), mas ter isso em conta. Mas não implica Portugal, de entre os cinco para uma pessoa
não acredita em espectáculos “só” que façamos um filtro ou um países que compõem o projecto,
para crianças. “Nem gosto que as zoom para aquelas idades. Não há é o que mantém maior ligação de 65 anos não
crianças estejam delirantes nas
dez filas da frente e, nas detrás,
razão para uma pessoa de 65 anos
não usufruir da Motofonia. Aliás,
com as escolas, reservando-lhes
os espectáculos do primeiro
usufruir do
estejam os educadores (que me qualquer pessoa de qualquer dia. “Não só pela tradição do espectáculo
perdoem…) a dormir ou desejosos idade pode assistir ao Big Bang e CCB e por ser um público nosso
de se ir embora, ou os pais a ver sair de lá satisfeita.” muito importante, mas porque Motofonia”, diz
mensagens no telemóvel”, diz o
músico à Pública.
Da mesma opinião é a
coordenadora dos serviços
queremos contribuir para a
música na educação no nosso
Fernando Mota,
Mas os códigos são os mesmos? educativos do CCB: “As propostas país.” Os outros parceiros são que abre o Big
“Acredito em espectáculos têm é de ter qualidade musical. E Bélgica, França, Hungria e
que incluam várias idades, os pais divertem-se imenso. Não Noruega. Juntos apresentaram Bang
que pensem a criança, claro, há elementos de ‘criancismo’. recentemente nova candidatura
porque há referências, códigos, Quando há várias camadas de ao financiamento da Comissão
ritmos que aos seis anos não leitura possível, o adulto tanto Europeia, por mais cinco anos.
se adquiriram ainda. Quando se diverte a ver o que uma Porquê Big Bang? “Porque é c
3. miúdos
parto para influências no Chapitô, “a gostar da
de outras culturas. A comunicação” e a desenvolver
intenção é a de partirmos “o lado de brincar”. E não tem
juntos, partilharmos dúvidas: “O público só pode sentir
momentos e códigos. uma energia positiva, pulsante
O crioulo é para que ou vibrante se eu a sentir. Não se
escutem uma língua que consegue enganar o público.”
não é a deles, para que até os Nos seus projectos, há um
mais pequenos possam partilhar tema de partida. “Como trabalhei
uma multiplicidade de códigos sempre com teatro e cinema,
culturais. Partilhar mundos com as minhas ideias nunca são só
as crianças é para mim muito sonoras. Na Motofonia, em que
importante.” tenho saladeiras transparentes
Durante dois um universo novo, para o público e Este “músico, artista e berlindes, penso também
dias (o primeiro para a comunidade artística. Foge sonoro e aprendiz de inventor no efeito cénico e físico que
para escolas e aos parâmetros comuns, provoca, de instrumentos musicais eu próprio tenho de ter. Se
o segundo para escapa ao que se está habituado na experimentais” fica surpreendido as disponho em círculo e me
famílias), o arte para crianças, cheia de clichés (mas satisfeito) quando se lhe diz predisponho a estar de cócoras
Centro Cultural do ponto de vista da imagem e que remete para Emir Kusturica. no centro delas, isso dá uma
de Belém (Lisboa) do ponto de vista sonoro. Dá um “Procuro o lúdico nas coisas, dinâmica física e musical muito
vai realizar a ricochete em termos temporais. tenho de estar estimulado por diferente do que se estiver
segunda edição Depois da primeira edição, já aquilo.” Já a semelhança com sentado num piano a tocar. isso
do Big Bang, vi consequências. Abre-se uma Charlie Chaplin (que “assistiu” à vai determinar o ambiente.” Diz
“uma experiência janela para repensar no que é uma conversa num quadro pendurado ser “muito organizadinho”, faz o
profundamente criança hoje.” na parede) não o surpreende. esqueleto de todo o espectáculo,
artística” E diz, divertido, uma frase “uma grelha, antes e durante a
A música dos objectos “roubada”: “Mas ele é um génio concepção”. E funciona.
Fernando Mota quer partilhar morto e eu sou um idiota vivo.” Antes de nos despedirmos,
mundos com as crianças, por O espectáculo: “O espaço umas declarações sobre as artes
isso as convida a embarcar cénico é um mecanismo, em Portugal: “Quando as pessoas
na Motofonia: “É uma viagem são vários instrumentos que pensam nas artes, pensam
sonora, uma aventura por entre compõem um instrumento maior. em subsídio e, quando falam
objectos do quotidiano, com os Jogo com formas circulares e noutras áreas, como justiça,
quais faço música. Uma aventura utilizo uma técnica cíclica de educação, etc., não pensam. Ora
sensorial que parte de Lisboa (em trabalhar com loops, que gravo o Estado, que somos nós porque
termos temáticos, embora não em tempo real e que ‘disparo’ descontamos, também subsidia
tenha uma narrativa), de alguns através de uma maquineta — loop as outras áreas. O que as artes
signos sonoros e visuais desta sampler (um jargão tecnóide…). precisam, mais do que dinheiro, é
cidade para outras paragens e Embora esteja sozinho em cena, de política. Pensar politicamente
sonoridades, outras comunidades. há muitos sons que sobreponho a cultura. Pensar numa expressão
As únicas palavras que se ouvem em tempo real.” artística para o país, numa
são em crioulo de Cabo Verde. E Aprendeu com John Mowat, comunicação entre a criação
contemporânea e o património
SUSANA PAiVA
cultural que temos e as pessoas.
Criar vínculo. Esse intermediário
é que pode ser o Estado, que pode
ajudar bastante aí.”
Até porque Fernando Mota
acredita que as artes permitem
que as crianças se “transformem
em pessoas completas, seres
pensantes e sensíveis que
consigam decidir o seu futuro”.
Sem desprezar os outros saberes:
“Há um lado da instrução que
é importante, a matemática,
a física, saber ler e escrever,
comunicar, mas há outras coisas
de que as pessoas necessitam. Não
é estar a criar violinistas virtuosos
ou grandes pintores, mas dar a
possibilidade a todos de poderem
usufruir de tudo o que nós
somos.” Um Big Bang cultural.
rpimenta@publico.pt