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“ IRACEMA”,  de  José de Alencar Prof.ª Aline Bicudo [email_address] www.literaline.blogspot.com (Contribuição do Prof. Edvaldo Rofatto)
O  AUTOR Principal prosador do Romantismo nacional Bases criativas:   o predomínio da ação sobre os caracteres, o nacionalismo  ufanista e a visão idealizada da existência  Obras principais   (= perfil de regiões, história, costumes  e  mitos) : -  romances urbanos:   Cinco minutos  (1856);  A viuvinha  (1857);  Lucíola   (1862);  Diva  (1864);  A pata da gazela  (1870);  Senhora  (1875) etc.   -   romances regionalistas ou sertanistas:   O gaúcho  (1870);  O tronco  do ipê  (1871);  Til  (1872);  O  sertanejo  (1875);   -   romances históricos:   As minas de prata  (1862);  Alfarrábios  (1873);  A  guerra dos mascates  (1873) -   romances indianistas:   O guarani  (1857);  Iracema  (1865);  Ubirajara  (1874)
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO AUTOR  Projeto estético-ideológico :   temas nacionais e luta por uma linguagem brasileira  (= processo de emancipação definitiva da literatura portuguesa) Produção literária:   um painel da diversidade físico-geográfica, dos aspectos  sócio-culturais, das origens históricas gloriosas e dos mitos dos heróis  fundadores da nacionalidade Intenção nacionalista:   revelar o Brasil em seu espaço físico-geográfico   (romances  urbanos e regionalistas) ,  em seu passado histórico   (romances históricos)   e em  sua dimensão lendária/mítica   (romances indianistas) .   Linguagem   com   adjetivação   farta, de grande teor metafórico, tendente ao poético.    Aspectos pré-realistas   nos romances “ Lucíola”  e “ Senhora”  (análise psicológica mais  complexa, ênfase no peso da sociedade sobre o indivíduo e temas  relativamente  proibidos: o casamento por interesse e as complicações resultantes do amor entre dois  grupos sociais distintos).      Vitória final da moral conservadora
SINOPSE:   “Iracema” narra a história de amor entre Martim, que se perdeu na mata, e a índia tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel. O guerreiro branco é acolhido pela tribo de Iracema. Apaixonada pelo rapaz, no entanto, por ser filha do pajé e guardar o segredo da jurema ela não poderia se entregar a nenhum homem. Enquanto ela toma conta do seu hóspede, os índios tabajaras se preparam para a guerra contra os pitiguaras. Assim, Poti, índio que se unira aos portugueses e amigo de Martim, aparece para levá-lo e evitar uma luta entre as tribos rivais. Eles combinam que Martim sairá na mudança da lua, ocasião em que os tabajaras estariam em festa e ficaria mais fácil evitar o encontro com o guerreiro Irapuã, que é apaixonado por Iracema. Enquanto esperava o momento de partir, Martim provou o licor da jurema e, durante o sono, chamou pela índia que lhe atendeu o pedido. Quando Martim acordou, achou que tudo fora um sonho... Chega o dia de ele partir. Iracema o acompanha até os limites de sua tribo. Quando ele manda que ela fique, a índia diz que não pode ficar, pois já é sua esposa. Os tabajaras os perseguiram e houve o confronto entre as duas tribos. Iracema chorou pela morte de seus irmãos, mas passou a viver feliz com Martim. Depois de tempos felizes, Martim deixa Iracema para ajudar os pitiguaras na luta contra a tribo dela. Grávida, Iracema é deixada e vai se consumindo de tristeza e saudade de seu marido. Após um longo período de lutas, Martim e Poti planejam outro ataque: escondem os guerreiros e atacam de surpresa, vencendo o inimigo. Nesse tempo, Iracema dá à luz o seu filho, a quem chama Moacir. Deprimida, ela perde o apetite e as forças. Quando volta do combate, Martim a encontra fraca, à beira da morte. Ela apenas apresenta o filho ao marido e morre, sendo enterrada aos pés do coqueiro de que ela tanto gostava. Após enterrá-la, Martim pega o filho e parte para a Europa.
“ Iracema ”,  de José de Alencar “ Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenai, verdes mares,  e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano? (...) A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: –  Iracema!”
“ Iracema ”,  de José de Alencar “ Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como o seu sorriso;nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava a sua guerreira tribo da grande nação tabajara. O pé gracioso e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que se vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. (...)”
“ Iracema ”,  de José de Alencar Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e de todo contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é um guerreiro e não um mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.  O sentimento que ele pos nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
“ Iracema ”,  de José de Alencar A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.  O guerreiro falou:  —  Quebras comigo a flecha da paz?  —  Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?  —  Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.  —  Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
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Elementos épicos de “Iracema” Texto épico =   relação fatos-autor-narrador no cap. I;   narração dos feitos heróicos dos portugueses (= Martim) e da grandeza do índio (= Iracema), com a presença do "maravilhoso“ (= o vinho de Tupã que permite a posse de Iracema e a presença dos deuses indígenas representando as forças da natureza). Elementos líricos de “Iracema” O amor de Iracema por Martim =   é a  heroína típica do Romantismo: sofre as saudades do amante, que partiu, e da pátria que deixou ( =  representante de uma corrente luso-brasileira cujo início data das cantigas medievais). Martim Soares Moreno e Filipe Camarão =   vultos da história do Brasil, lutaram contra a invasão holandesa. O 1º é considerado, realmente, o fundador do Ceará, e o 2º recebeu a comenda de Cristo e o cargo de capitão-mor dos índios pelos seus méritos .  Estrutura em "flash back“ ( rever 1º e  32º cap.): o texto se abre pelo fim. Iracema, no 1o. capítulo, já está morta, e Martim, Moacir e o cachorrinho Japi vão embora na jangada. O 32º cap. narra a morte de Iracema, e o 33º conta o retorno de Martim para fundar o Ceará.
Valores simbólicos Iracema:  objeto proibido do desejo: posse do objeto = transgressão. ( o licor de Jurema   +   postura de Martim   +  postura de Iracema ) Há proibição de se tocar o corpo de Iracema. O gesto transgressor seria punido com a morte. Martim só procura Iracema sob os efeitos da droga:ele não tem o corpo dela em seus braços, tem apenas a sua imagem – sonho . A virgindade de Iracema é justificada pela sua situação dentro da taba: é sacerdotisa de Tupã. Qualquer atitude dela para unir-se a Martim transgride os valores tabajaras. Mas o amor se revela mais forte e a postura de Iracema é, desde o início, de desobediência. O licor de Jurema é a droga que servirá como intermediário, isto é, que servirá para derrubar as barreiras entre os dois, remetendo a relação para o nível do inconsciente. Moacir:  duas vezes filho da dor de Iracema: dela nascido e, também, dela nutrido. Tal mescla de vida e morte, de dor e de alegria, acha-se tematizada pelo leite branco, ainda rubro do sangue de que se formou:  "Nisto seu filho chorou. Iracema correu à cabana. A jovem mãe suspendeu o filho à teta... mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito. Então ela dissolveu a alva carimã e preparou ao fogo o mingau para nutrir o filho. A jovem mãe sabe que, se nada fizer, seu filho morrerá de fome. Então, levando ao colo a criança adormecida , vai ao bosque em busca dos filhos da irara. Pega-os e faz com que chupem seus avaros seios até que intumesçam e esguichem o leite escorrido. Ele é agora duas vezes filho de sua dor, nascido dela e também nutrido." (Cap. XXXI) “ Iracema”
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Realidade histórica metaforizada ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],“ Iracema ”,  de José de Alencar
Romance = alegoria da colonização brasileira ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],“ Iracema ”,  de José de Alencar
“ Dizer que a língua falada no Brasil é somente “português” implica um esquecimento sério e perigoso: o esquecimento de que tem muita coisa nesta língua que é caracteristicamente nossa, de que esta língua é parte integrante da nossa identidade nacional, construída a duras penas, com o extermínio de centenas de nações indígenas, com o monstruoso massacre físico e espiritual de milhões de negros africanos trazidos para cá como escravos, e com todas as lutas que o povo brasileiro enfrentou e continua enfrentando para se constituir como nação.” Marcos Bagno
XXVI    Caminhando, caminhando, chegaram os guerreiros à margem de um lago, que havia nos tabuleiros.  O cristão parou de repente e voltou o rosto para as bandas do mar: a tristeza saiu de seu coração e subiu à fronte.  —  Meu irmão, disse o chefe, teu pé criou raiz na terra do amor; fica. Poti voltará breve.  —  Teu irmão te acompanha; ele disse, e sua palavra é como a seta de teu arco: quando soa, é chegada.  —  Queres tu que Iracema te acompanhe às margens do Acaracu?  —  Nós vamos combater seus irmãos. A taba dos pitiguaras não terá para ela mais que tristeza e dor. A filha dos tabajaras deve ficar.  —  Que esperas então?  —  Teu irmão se aflige porque a filha dos tabajaras pode ficar triste e abandonar a cabana, sem esperar por sua volta. Antes de partir ele queria sossegar o espírito da esposa.  Poti refletiu:  —  As lágrimas da mulher amolecem o coração do guerreiro, como o orvalho da manhã amolece a terra.  —  Meu irmão é um grande sabedor. O esposo deve partir sem ver Iracema.  O cristão avançou, Poti mandou-lhe que esperasse: da aliava de setas que Iracema emplumara de penas vermelhas e pretas e suspendera aos ombros do esposo, tirou uma.  O chefe pitiguara vibrou o arco; a seta rápida atravessou um goiamum que discorria pelas margens do lago; só parou onde a pluma não a deixou mais entrar.  Fincou o guerreiro no chão a flecha, com a presa atravessada, e tornou para Coatiabo:  —  Podes partir. Iracema seguirá teu rasto; chegando aqui, verá tua seta, e obedecerá à tua vontade.  Martim sorriu; e quebrando um ramo do maracujá, a flor da lembrança, o entrelaçou na haste da seta, e partiu enfim seguido por Poti.  Breve desapareceram os dois guerreiros entre as árvores. O calor do sol já tinha secado seus passos na beira do lago. Iracema inquieta veio pela várzea, seguindo o rasto do esposo até o tabuleiro. As sombras doces vestiam os campos quando ela chegou à beira do lago.
Seus olhos viram a seta do esposo fincada no chão, o goiamum trespassado, o ramo partido, e encheram-se de pranto.  —  Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum, e guarde sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor todo o tempo até morrer.  A filha dos tabajaras retraiu os passos lentamente, sem volver o corpo, nem tirar os olhos da seta de seu esposo; depois tornou à cabana. Aí sentada à soleira, com a fronte nos joelhos esperou, até que o sono acalentou a dor em seu peito.  Apenas alvorou o dia, ela moveu o passo rápido para a lagoa, e chegou à margem. A flecha lá estava como na véspera: o esposo não tinha voltado.  Desde então à hora do banho, em vez de buscar a lagoa da beleza, onde outrora tanto gostara de nadar, caminhava para aquela, que vira seu esposo abandoná-la. Sentava-se junto à flecha, até que descia a noite; então recolhia à cabana.  Tão rápida partia de manhã, como lenta voltava à tarde. Os mesmos guerreiros que a tinham visto alegre nas águas da Porangaba, agora encontrando-a triste e só, como a garça viúva, na margem do rio, chamavam aquele sítio da Mecejana, que significa a abandonada.  Uma vez que a formosa filha de Araquém se lamentava à beira da lagoa da Mecejana, uma voz estridente gritou seu nome do alto da carnaúba:  —  Iracema! Iracema!...  Ergueu ela os olhos e viu entre as folhas da palmeira sua linda jandaia, que batia as asas, e arrufava as penas com o prazer de vê-la.    A lembrança da pátria, apagada pelo amor, ressurgiu em seu pensamento. Viu os formosos campos do Ipu, as encostas da serra onde nascera, a cabana de Araquém, e teve saudades; mas naquele instante, ainda não se arrependeu de os ter abandonado.  (...) A jandaia abrindo as asas, esvoaçou-Ihe em torno e pousou no ombro. Alongando fagueira o colo, com o negro bico alisou-lhe os cabelos e beliscou a boca mimosa e vermelha como a pitanga. (...) A linda ave não deixou mais sua senhora; ou porque depois da longa ausência não se fartasse de a ver, ou porque adivinhasse que ela tinha necessidade de quem a acompanhasse em sua triste solidão.
Aculturação romântica: Índios  =  dóceis e hospitaleiros, não há confrontos entre colonizador e colonizados, a não ser os que resultaram na quebra de confiança de Martim ao fugir com Iracema, mas apenas o domínio do índio pelo branco como se a colonização fosse um ato de heroísmo. Alencar quis que a colonização fosse lembrada como parte desse Brasil e o indígena como um povo dócil e amoroso, e não, como uma raça que foi retirada e dizimada de suas terras. Lembrar que a cerimônia do batismo de Martim é episódica e superficial, não havendo nenhuma transformação básica em Martim, o que não ocorre com Poti. "Bem-vindo sejas. O estrangeiro é o senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo."  "Iracema acendeu o fogo da hospitalidade , trouxe o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede." (Cap. III)
"Podes partir, Iracema seguirá o teu rastro, chegando aqui verá tua seta e obedecerá a tua vontade." (Cap. XXVI) A mulher já era criada para obedecer o marido pois era ele que possuía o poder, e, na citação acima verifica-se que a mulher consegue até reconhecer o rastro do homem, configurando assim uma relação quase de patrão e serviçal. "O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida. A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva e sangue que gotejava." (Cap. II) Para Martim, o conceito de mulher é uma visão romantizada e européia da época, ela é idealizada, em sua beleza e na sua alma pura, sem lhe incutir as malícias do mundo, apenas uma mulher transparente e natural como o meio em que ela vive.
"... um jovem estrangeiro, de estranha raça e longes terras." “ – Sou dos guerreiros brancos, que levantavam as tabas nas margens do Jaguaribe, perto do mar, onde habitavam os pitiguaras, inimigos de tua Nação. Meu nome é Martim,que na tua língua quer dizer filho de guerreiro. Meu sangue, o do grande povo que primeiro viu as terras da tua pátria." (Cap. III)  “... tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas, ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo." (Cap. II) Martim é o colonizador e guerreiro branco e é caracterizado por Alencar de forma tão romântica quanto a protagonista Iracema, pois ele é belo e sensível, ou seja, tem todos os atributos de um herói do Romantismo. Ele é um herói , mas, ao mesmo tempo que se encanta com Iracema num repente de paixão, não consegue esquecer da moça que o espera em Portugal. É a valorização do eu pessoal. Há momentos no livro em que Martim não sabe decidir se ama ou não Iracema, ele parece estar fugindo da realidade, uma característica do Romantismo. "Teu corpo está aqui, mas a tua alma voa à terra de teus pais e busca a virgem branca, que te espera." (Cap. XXVIII) "Geminou a palavra de Deus verdadeiro na terra selvagem, e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá." (Cap.XXXIII)
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“ –  A felicidade do mancebo é a esposa e o amigo; a primeira dá alegria o segundo dá força. Amado de Tupã é o guerreiro que tem uma esposa, um amigo e muitos filhos." (Cap. XXIII) Para o índio,  felicidade = formar uma família e ter amigos fiéis. O índio pensa em sua velhice com seus filhos. "O cristão amou a filha do sertão como nos primeiros dias. Mas breves sóis bastaram para murchar aquelas flores de uma alma exilada da pátria. A amizade e o amor acompanharam e fortaleceram o coração do guerreiro branco durante algum tempo, mas agora, longe de sua casa e de seus irmãos, sentia-se no ermo. O amigo e a esposa não bastavam mais à sua existência, cheia de grandes desejos e nobres ambições." (Cap. XXVII) Para o colonizador, na visão de Alencar, a família havia ficado em sua pátria, mesmo amando Iracema, não lhe bastava esta condição, ele sonhava com os entes que ficaram na sua terra natal. O índio era mais convicto em suas tradições, dando mais valor às opções que temos que fazer durante a vida, ao passo que o colonizador não se apegava a esta terra com raça e vontade, visando apenas seus interesses materiais.
Indianismo de Alencar  X  Indianismo de Oswald de Andrade   I. Relações colonizador X nativo Para Alencar, esta relação que se processou por permissão do índio, provocou o surgimento do povo brasileiro. Para Oswald de Andrade, a relação foi de antropofagia e aculturação: o português aproveitou-se da fragilidade do índio para a dominação. II. Valor simbólico do índio: nacionalismo X primitivismo O índio, para Alencar, era a possibilidade de despertar, no povo brasileiro recém-independente, o amor pela pátria (nacionalismo ufanista). Para Oswald de Andrade, é a forma de criticar o absurdo da dominação portuguesa, a aculturação e a destruição de um povo (nacionalismo crítico).
Visão crítica de Machado de Assis:  "O espírito de Alencar percorreu as diversas partes de nossa terra, o Norte e o Sul, a cidade e o sertão, a mata e o pampa, fixando-as em suas páginas, compondo assim com as diferenças da vida, das zonas e dos tempos a unidade nacional da sua obra.“ Visão crítica de Raquel de Queirós:  "Peri, Ceci, Iracema, são parentes, são amigos, são figuras vivas. Com toda a falsidade do seu indianismo romântico, o fato é que o povo não as acha falsas, ama-as e as aceita como perfeitas. Aparecem nas toadas sertanejas, nas canções de carnaval, nas anedotas, na coreografia, estão definitivamente incorporadas ao folclore, são fantasmas permanentes nos sítios onde passaram a suposta vida. Mormente Iracema. Porangaba ainda é hoje a 'lagoa onde Iracema se banhava'; e a praia onde a tabajara penou e morreu é a 'praia de Iracema'. Ninguém fala nas praias do Ceará sem citar os 'verdes mares bravios'....'Rápida como a ema selvagem'... 'cabelo negro como a asa da graúna'... Não, não há que negar a imortalidade dos tipos que Alencar inventou."  Visão crítica de Ronald de Carvalho:  "...seus índios não se exprimem como doutores de Coimbra, falam qual a natureza os ensinou, amam, vivem e morrem como as plantas e os animais inferiores da terra. Suas paixões têm a espontaneidade e a violência dos temporais, são incêndios rápidos que lavram um instante, brilham, refulgem e desaparecem.“
 ” O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará, levando no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora.  O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?  Poti levantava a taba de seus guerreiros na margem do rio e esperava o irmão que lhe prometera voltar. Todas as manhãs subia ao morro das areias e volvia os olhos ao mar, para ver se branqueava ao longe a vela amiga.  Afinal volta Martim de novo às terras, que foram de sua felicidade, e são agora de amarga saudade. Quando seu pé sentiu o calor das brancas areias, em seu coração derramou-se um fogo que o requeimou: era o fogo das recordações que ardiam como a centelha sob as cinzas.  Só aplacou essa chama quando ele tocou a terra, onde dormia sua esposa; porque nesse instante seu coração transudou, como o tronco do jataí nos ardentes calores, e orvalhou sua tristeza de lágrimas abundantes.  Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos. Veio também um sacerdote de sua religião, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem.  Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão branco. Deviam ter ambos um só deus, como tinham um só coração.  Ele recebeu com o batismo o nome do santo, cujo era o dia; e o do rei, a quem ia servir, e sobre os dous o seu, na língua dos novos irmãos. Sua fama cresceu e ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele primeiro viu a luz.  A mairi que Martim erguera à-margem do rio, nas praias do Ceará, medrou. Germinou a palavra do Deus verdadeiro na terra selvagem; e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá.  Jacaúna veio habitar nos campos da Porangaba para estar perto de seu amigo branco; Camarão erguera a taba de seus guerreiros nas margens da Mecejana. (...)  Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz, e as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara.  Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra saudade.  A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema.  Tudo passa sobre a terra.”  (último capítulo de “Iracema”)
Fim

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Iracema

  • 1. “ IRACEMA”, de José de Alencar Prof.ª Aline Bicudo [email_address] www.literaline.blogspot.com (Contribuição do Prof. Edvaldo Rofatto)
  • 2. O AUTOR Principal prosador do Romantismo nacional Bases criativas: o predomínio da ação sobre os caracteres, o nacionalismo ufanista e a visão idealizada da existência Obras principais (= perfil de regiões, história, costumes e mitos) : - romances urbanos: Cinco minutos (1856); A viuvinha (1857); Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Senhora (1875) etc. - romances regionalistas ou sertanistas: O gaúcho (1870); O tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875); - romances históricos: As minas de prata (1862); Alfarrábios (1873); A guerra dos mascates (1873) - romances indianistas: O guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara (1874)
  • 3. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO AUTOR Projeto estético-ideológico : temas nacionais e luta por uma linguagem brasileira (= processo de emancipação definitiva da literatura portuguesa) Produção literária: um painel da diversidade físico-geográfica, dos aspectos sócio-culturais, das origens históricas gloriosas e dos mitos dos heróis fundadores da nacionalidade Intenção nacionalista: revelar o Brasil em seu espaço físico-geográfico (romances urbanos e regionalistas) , em seu passado histórico (romances históricos) e em sua dimensão lendária/mítica (romances indianistas) .   Linguagem com adjetivação farta, de grande teor metafórico, tendente ao poético.   Aspectos pré-realistas nos romances “ Lucíola” e “ Senhora” (análise psicológica mais complexa, ênfase no peso da sociedade sobre o indivíduo e temas relativamente proibidos: o casamento por interesse e as complicações resultantes do amor entre dois grupos sociais distintos).   Vitória final da moral conservadora
  • 4. SINOPSE: “Iracema” narra a história de amor entre Martim, que se perdeu na mata, e a índia tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel. O guerreiro branco é acolhido pela tribo de Iracema. Apaixonada pelo rapaz, no entanto, por ser filha do pajé e guardar o segredo da jurema ela não poderia se entregar a nenhum homem. Enquanto ela toma conta do seu hóspede, os índios tabajaras se preparam para a guerra contra os pitiguaras. Assim, Poti, índio que se unira aos portugueses e amigo de Martim, aparece para levá-lo e evitar uma luta entre as tribos rivais. Eles combinam que Martim sairá na mudança da lua, ocasião em que os tabajaras estariam em festa e ficaria mais fácil evitar o encontro com o guerreiro Irapuã, que é apaixonado por Iracema. Enquanto esperava o momento de partir, Martim provou o licor da jurema e, durante o sono, chamou pela índia que lhe atendeu o pedido. Quando Martim acordou, achou que tudo fora um sonho... Chega o dia de ele partir. Iracema o acompanha até os limites de sua tribo. Quando ele manda que ela fique, a índia diz que não pode ficar, pois já é sua esposa. Os tabajaras os perseguiram e houve o confronto entre as duas tribos. Iracema chorou pela morte de seus irmãos, mas passou a viver feliz com Martim. Depois de tempos felizes, Martim deixa Iracema para ajudar os pitiguaras na luta contra a tribo dela. Grávida, Iracema é deixada e vai se consumindo de tristeza e saudade de seu marido. Após um longo período de lutas, Martim e Poti planejam outro ataque: escondem os guerreiros e atacam de surpresa, vencendo o inimigo. Nesse tempo, Iracema dá à luz o seu filho, a quem chama Moacir. Deprimida, ela perde o apetite e as forças. Quando volta do combate, Martim a encontra fraca, à beira da morte. Ela apenas apresenta o filho ao marido e morre, sendo enterrada aos pés do coqueiro de que ela tanto gostava. Após enterrá-la, Martim pega o filho e parte para a Europa.
  • 5. “ Iracema ”, de José de Alencar “ Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano? (...) A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: – Iracema!”
  • 6. “ Iracema ”, de José de Alencar “ Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como o seu sorriso;nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava a sua guerreira tribo da grande nação tabajara. O pé gracioso e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que se vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. (...)”
  • 7. “ Iracema ”, de José de Alencar Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e de todo contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é um guerreiro e não um mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida. O sentimento que ele pos nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
  • 8. “ Iracema ”, de José de Alencar A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. O guerreiro falou: — Quebras comigo a flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu? — Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus. — Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
  • 9.
  • 10. Elementos épicos de “Iracema” Texto épico = relação fatos-autor-narrador no cap. I; narração dos feitos heróicos dos portugueses (= Martim) e da grandeza do índio (= Iracema), com a presença do "maravilhoso“ (= o vinho de Tupã que permite a posse de Iracema e a presença dos deuses indígenas representando as forças da natureza). Elementos líricos de “Iracema” O amor de Iracema por Martim = é a heroína típica do Romantismo: sofre as saudades do amante, que partiu, e da pátria que deixou ( = representante de uma corrente luso-brasileira cujo início data das cantigas medievais). Martim Soares Moreno e Filipe Camarão = vultos da história do Brasil, lutaram contra a invasão holandesa. O 1º é considerado, realmente, o fundador do Ceará, e o 2º recebeu a comenda de Cristo e o cargo de capitão-mor dos índios pelos seus méritos . Estrutura em "flash back“ ( rever 1º e 32º cap.): o texto se abre pelo fim. Iracema, no 1o. capítulo, já está morta, e Martim, Moacir e o cachorrinho Japi vão embora na jangada. O 32º cap. narra a morte de Iracema, e o 33º conta o retorno de Martim para fundar o Ceará.
  • 11. Valores simbólicos Iracema: objeto proibido do desejo: posse do objeto = transgressão. ( o licor de Jurema +   postura de Martim + postura de Iracema ) Há proibição de se tocar o corpo de Iracema. O gesto transgressor seria punido com a morte. Martim só procura Iracema sob os efeitos da droga:ele não tem o corpo dela em seus braços, tem apenas a sua imagem – sonho . A virgindade de Iracema é justificada pela sua situação dentro da taba: é sacerdotisa de Tupã. Qualquer atitude dela para unir-se a Martim transgride os valores tabajaras. Mas o amor se revela mais forte e a postura de Iracema é, desde o início, de desobediência. O licor de Jurema é a droga que servirá como intermediário, isto é, que servirá para derrubar as barreiras entre os dois, remetendo a relação para o nível do inconsciente. Moacir: duas vezes filho da dor de Iracema: dela nascido e, também, dela nutrido. Tal mescla de vida e morte, de dor e de alegria, acha-se tematizada pelo leite branco, ainda rubro do sangue de que se formou: "Nisto seu filho chorou. Iracema correu à cabana. A jovem mãe suspendeu o filho à teta... mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito. Então ela dissolveu a alva carimã e preparou ao fogo o mingau para nutrir o filho. A jovem mãe sabe que, se nada fizer, seu filho morrerá de fome. Então, levando ao colo a criança adormecida , vai ao bosque em busca dos filhos da irara. Pega-os e faz com que chupem seus avaros seios até que intumesçam e esguichem o leite escorrido. Ele é agora duas vezes filho de sua dor, nascido dela e também nutrido." (Cap. XXXI) “ Iracema”
  • 12.
  • 13.
  • 14.
  • 15.
  • 16. “ Dizer que a língua falada no Brasil é somente “português” implica um esquecimento sério e perigoso: o esquecimento de que tem muita coisa nesta língua que é caracteristicamente nossa, de que esta língua é parte integrante da nossa identidade nacional, construída a duras penas, com o extermínio de centenas de nações indígenas, com o monstruoso massacre físico e espiritual de milhões de negros africanos trazidos para cá como escravos, e com todas as lutas que o povo brasileiro enfrentou e continua enfrentando para se constituir como nação.” Marcos Bagno
  • 17. XXVI   Caminhando, caminhando, chegaram os guerreiros à margem de um lago, que havia nos tabuleiros. O cristão parou de repente e voltou o rosto para as bandas do mar: a tristeza saiu de seu coração e subiu à fronte. — Meu irmão, disse o chefe, teu pé criou raiz na terra do amor; fica. Poti voltará breve. — Teu irmão te acompanha; ele disse, e sua palavra é como a seta de teu arco: quando soa, é chegada. — Queres tu que Iracema te acompanhe às margens do Acaracu? — Nós vamos combater seus irmãos. A taba dos pitiguaras não terá para ela mais que tristeza e dor. A filha dos tabajaras deve ficar. — Que esperas então? — Teu irmão se aflige porque a filha dos tabajaras pode ficar triste e abandonar a cabana, sem esperar por sua volta. Antes de partir ele queria sossegar o espírito da esposa. Poti refletiu: — As lágrimas da mulher amolecem o coração do guerreiro, como o orvalho da manhã amolece a terra. — Meu irmão é um grande sabedor. O esposo deve partir sem ver Iracema. O cristão avançou, Poti mandou-lhe que esperasse: da aliava de setas que Iracema emplumara de penas vermelhas e pretas e suspendera aos ombros do esposo, tirou uma. O chefe pitiguara vibrou o arco; a seta rápida atravessou um goiamum que discorria pelas margens do lago; só parou onde a pluma não a deixou mais entrar. Fincou o guerreiro no chão a flecha, com a presa atravessada, e tornou para Coatiabo: — Podes partir. Iracema seguirá teu rasto; chegando aqui, verá tua seta, e obedecerá à tua vontade. Martim sorriu; e quebrando um ramo do maracujá, a flor da lembrança, o entrelaçou na haste da seta, e partiu enfim seguido por Poti. Breve desapareceram os dois guerreiros entre as árvores. O calor do sol já tinha secado seus passos na beira do lago. Iracema inquieta veio pela várzea, seguindo o rasto do esposo até o tabuleiro. As sombras doces vestiam os campos quando ela chegou à beira do lago.
  • 18. Seus olhos viram a seta do esposo fincada no chão, o goiamum trespassado, o ramo partido, e encheram-se de pranto. — Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum, e guarde sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor todo o tempo até morrer. A filha dos tabajaras retraiu os passos lentamente, sem volver o corpo, nem tirar os olhos da seta de seu esposo; depois tornou à cabana. Aí sentada à soleira, com a fronte nos joelhos esperou, até que o sono acalentou a dor em seu peito. Apenas alvorou o dia, ela moveu o passo rápido para a lagoa, e chegou à margem. A flecha lá estava como na véspera: o esposo não tinha voltado. Desde então à hora do banho, em vez de buscar a lagoa da beleza, onde outrora tanto gostara de nadar, caminhava para aquela, que vira seu esposo abandoná-la. Sentava-se junto à flecha, até que descia a noite; então recolhia à cabana. Tão rápida partia de manhã, como lenta voltava à tarde. Os mesmos guerreiros que a tinham visto alegre nas águas da Porangaba, agora encontrando-a triste e só, como a garça viúva, na margem do rio, chamavam aquele sítio da Mecejana, que significa a abandonada. Uma vez que a formosa filha de Araquém se lamentava à beira da lagoa da Mecejana, uma voz estridente gritou seu nome do alto da carnaúba: — Iracema! Iracema!... Ergueu ela os olhos e viu entre as folhas da palmeira sua linda jandaia, que batia as asas, e arrufava as penas com o prazer de vê-la.   A lembrança da pátria, apagada pelo amor, ressurgiu em seu pensamento. Viu os formosos campos do Ipu, as encostas da serra onde nascera, a cabana de Araquém, e teve saudades; mas naquele instante, ainda não se arrependeu de os ter abandonado. (...) A jandaia abrindo as asas, esvoaçou-Ihe em torno e pousou no ombro. Alongando fagueira o colo, com o negro bico alisou-lhe os cabelos e beliscou a boca mimosa e vermelha como a pitanga. (...) A linda ave não deixou mais sua senhora; ou porque depois da longa ausência não se fartasse de a ver, ou porque adivinhasse que ela tinha necessidade de quem a acompanhasse em sua triste solidão.
  • 19. Aculturação romântica: Índios = dóceis e hospitaleiros, não há confrontos entre colonizador e colonizados, a não ser os que resultaram na quebra de confiança de Martim ao fugir com Iracema, mas apenas o domínio do índio pelo branco como se a colonização fosse um ato de heroísmo. Alencar quis que a colonização fosse lembrada como parte desse Brasil e o indígena como um povo dócil e amoroso, e não, como uma raça que foi retirada e dizimada de suas terras. Lembrar que a cerimônia do batismo de Martim é episódica e superficial, não havendo nenhuma transformação básica em Martim, o que não ocorre com Poti. "Bem-vindo sejas. O estrangeiro é o senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo." "Iracema acendeu o fogo da hospitalidade , trouxe o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede." (Cap. III)
  • 20. "Podes partir, Iracema seguirá o teu rastro, chegando aqui verá tua seta e obedecerá a tua vontade." (Cap. XXVI) A mulher já era criada para obedecer o marido pois era ele que possuía o poder, e, na citação acima verifica-se que a mulher consegue até reconhecer o rastro do homem, configurando assim uma relação quase de patrão e serviçal. "O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida. A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva e sangue que gotejava." (Cap. II) Para Martim, o conceito de mulher é uma visão romantizada e européia da época, ela é idealizada, em sua beleza e na sua alma pura, sem lhe incutir as malícias do mundo, apenas uma mulher transparente e natural como o meio em que ela vive.
  • 21. "... um jovem estrangeiro, de estranha raça e longes terras." “ – Sou dos guerreiros brancos, que levantavam as tabas nas margens do Jaguaribe, perto do mar, onde habitavam os pitiguaras, inimigos de tua Nação. Meu nome é Martim,que na tua língua quer dizer filho de guerreiro. Meu sangue, o do grande povo que primeiro viu as terras da tua pátria." (Cap. III) “... tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas, ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo." (Cap. II) Martim é o colonizador e guerreiro branco e é caracterizado por Alencar de forma tão romântica quanto a protagonista Iracema, pois ele é belo e sensível, ou seja, tem todos os atributos de um herói do Romantismo. Ele é um herói , mas, ao mesmo tempo que se encanta com Iracema num repente de paixão, não consegue esquecer da moça que o espera em Portugal. É a valorização do eu pessoal. Há momentos no livro em que Martim não sabe decidir se ama ou não Iracema, ele parece estar fugindo da realidade, uma característica do Romantismo. "Teu corpo está aqui, mas a tua alma voa à terra de teus pais e busca a virgem branca, que te espera." (Cap. XXVIII) "Geminou a palavra de Deus verdadeiro na terra selvagem, e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá." (Cap.XXXIII)
  • 22.
  • 23. “ – A felicidade do mancebo é a esposa e o amigo; a primeira dá alegria o segundo dá força. Amado de Tupã é o guerreiro que tem uma esposa, um amigo e muitos filhos." (Cap. XXIII) Para o índio, felicidade = formar uma família e ter amigos fiéis. O índio pensa em sua velhice com seus filhos. "O cristão amou a filha do sertão como nos primeiros dias. Mas breves sóis bastaram para murchar aquelas flores de uma alma exilada da pátria. A amizade e o amor acompanharam e fortaleceram o coração do guerreiro branco durante algum tempo, mas agora, longe de sua casa e de seus irmãos, sentia-se no ermo. O amigo e a esposa não bastavam mais à sua existência, cheia de grandes desejos e nobres ambições." (Cap. XXVII) Para o colonizador, na visão de Alencar, a família havia ficado em sua pátria, mesmo amando Iracema, não lhe bastava esta condição, ele sonhava com os entes que ficaram na sua terra natal. O índio era mais convicto em suas tradições, dando mais valor às opções que temos que fazer durante a vida, ao passo que o colonizador não se apegava a esta terra com raça e vontade, visando apenas seus interesses materiais.
  • 24. Indianismo de Alencar X Indianismo de Oswald de Andrade   I. Relações colonizador X nativo Para Alencar, esta relação que se processou por permissão do índio, provocou o surgimento do povo brasileiro. Para Oswald de Andrade, a relação foi de antropofagia e aculturação: o português aproveitou-se da fragilidade do índio para a dominação. II. Valor simbólico do índio: nacionalismo X primitivismo O índio, para Alencar, era a possibilidade de despertar, no povo brasileiro recém-independente, o amor pela pátria (nacionalismo ufanista). Para Oswald de Andrade, é a forma de criticar o absurdo da dominação portuguesa, a aculturação e a destruição de um povo (nacionalismo crítico).
  • 25. Visão crítica de Machado de Assis: "O espírito de Alencar percorreu as diversas partes de nossa terra, o Norte e o Sul, a cidade e o sertão, a mata e o pampa, fixando-as em suas páginas, compondo assim com as diferenças da vida, das zonas e dos tempos a unidade nacional da sua obra.“ Visão crítica de Raquel de Queirós: "Peri, Ceci, Iracema, são parentes, são amigos, são figuras vivas. Com toda a falsidade do seu indianismo romântico, o fato é que o povo não as acha falsas, ama-as e as aceita como perfeitas. Aparecem nas toadas sertanejas, nas canções de carnaval, nas anedotas, na coreografia, estão definitivamente incorporadas ao folclore, são fantasmas permanentes nos sítios onde passaram a suposta vida. Mormente Iracema. Porangaba ainda é hoje a 'lagoa onde Iracema se banhava'; e a praia onde a tabajara penou e morreu é a 'praia de Iracema'. Ninguém fala nas praias do Ceará sem citar os 'verdes mares bravios'....'Rápida como a ema selvagem'... 'cabelo negro como a asa da graúna'... Não, não há que negar a imortalidade dos tipos que Alencar inventou." Visão crítica de Ronald de Carvalho: "...seus índios não se exprimem como doutores de Coimbra, falam qual a natureza os ensinou, amam, vivem e morrem como as plantas e os animais inferiores da terra. Suas paixões têm a espontaneidade e a violência dos temporais, são incêndios rápidos que lavram um instante, brilham, refulgem e desaparecem.“
  • 26.  ” O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará, levando no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora. O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça? Poti levantava a taba de seus guerreiros na margem do rio e esperava o irmão que lhe prometera voltar. Todas as manhãs subia ao morro das areias e volvia os olhos ao mar, para ver se branqueava ao longe a vela amiga. Afinal volta Martim de novo às terras, que foram de sua felicidade, e são agora de amarga saudade. Quando seu pé sentiu o calor das brancas areias, em seu coração derramou-se um fogo que o requeimou: era o fogo das recordações que ardiam como a centelha sob as cinzas. Só aplacou essa chama quando ele tocou a terra, onde dormia sua esposa; porque nesse instante seu coração transudou, como o tronco do jataí nos ardentes calores, e orvalhou sua tristeza de lágrimas abundantes. Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos. Veio também um sacerdote de sua religião, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem. Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão branco. Deviam ter ambos um só deus, como tinham um só coração. Ele recebeu com o batismo o nome do santo, cujo era o dia; e o do rei, a quem ia servir, e sobre os dous o seu, na língua dos novos irmãos. Sua fama cresceu e ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele primeiro viu a luz. A mairi que Martim erguera à-margem do rio, nas praias do Ceará, medrou. Germinou a palavra do Deus verdadeiro na terra selvagem; e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá. Jacaúna veio habitar nos campos da Porangaba para estar perto de seu amigo branco; Camarão erguera a taba de seus guerreiros nas margens da Mecejana. (...) Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz, e as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara. Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra saudade. A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra.” (último capítulo de “Iracema”)
  • 27. Fim