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Camelos e beija-flores Rubem Alves
“ A REVISORA informou delicadamente que era norma do jornal que todas as  "estórias"  deveriam ser grafadas como  "histórias".  É assim que os gramáticos decidiram e escreveram nos dicionários. Respondi também delicadamente:  "Comigo não. Quando escrevo  "estória"  eu quero dizer " estória".  Quando escrevo " história"  eu quero dizer  "história".   Estória  e  história  são tão diferentes quanto camelos e beija-flores..."
Escrevi um livro baseado na diferença entre  "história"  e  "estória".  O revisor, obediente ao dicionário, corrigiu minhas  "estórias"  para  "histórias".   Confiando no rigor do revisor, não li o texto corrigido. Aí, um livro que era para falar de camelos e beija-flores só falou de camelos. Foram-se os beija-flores, engolidos pelo camelo...
Escoro-me no Guimarães Rosa. Ele começa o Tutaméia com esta afirmação:   "A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a história".  Qual é a diferença? É simples. Quando minha filha era pequena eu lhe inventava estórias. Ela, ao final, me perguntava: "Papai, isso aconteceu de verdade?" E eu ficava sem lhe poder responder porque a resposta seria de difícil compreensão para ela.
A resposta que lhe daria seria:  "Essa estória não aconteceu nunca para que aconteça sempre...“ A história é o reino das coisas que aconteceram de verdade, no tempo, e que estão definitivamente enterradas no passado. Mortas para sempre.  Ler a história é caminhar por um cemitério. Ali os mortos nos contam suas lições.  É importante ouvir os relatos dos mortos para aprender dos seus equívocos e não repeti-los no futuro.
Mas as estórias não aconteceram nunca. São invenções, mentiras.  O mito de Narciso é uma invenção. O jovem que se apaixonou por sua própria imagem nunca existiu.  Aí, ao ler o mito que nunca existiu eu me vejo hoje debruçado sobre a fonte que me reflete nos olhos dos outros. Toda estória é um espelho.
A estória da Bela Adormecida nunca aconteceu. Mas aí eu leio o poema do Fernando Pessoa Eros e Psique.  E quando eu o faço a estória sai do espaço imaginário e entra dentro do meu corpo.  E essa é a razão porque as estórias pedem para serem repetidas. Nem sei quantas vezes já li o poema Eros e Psique.
E toda vez que o leio é como se fosse a primeira vez, como se eu já não o soubesse de cor. A estória de Romeu e Julieta nunca aconteceu. Mas toda vez que é lida ela ressuscita dos mortos e toma posse do corpo da pessoa que o lê. Os relatos históricos são informações que levamos num embornal pendurado no ombro da memória. As estórias, ao contrário, nós as levamos dentro da nossa própria carne.  Reinterpreto o evangelho:  "E as estórias se fazem carne..."
Não é outra a razão por que as crianças desejam que as estórias sejam sempre repetidas, do exato jeito como são conhecidas.  As estórias fazem acontecer...   A história nos leva para o tempo do  "nunca mais",  tempo da morte. As estórias nos levam para o tempo da ressurreição. Se elas sempre começam como o  "era uma vez, há muito tempo"  é só para nos arrancar da banalidade do presente e nos levar para o tempo mágico da alma.
Assim, por favor, revisora: quando eu escrever  "estória"  não corrija para  "história".  Não quero confundir camelos e beija-flores... “ Rubem Alves
Quando comecei a escrever estórias para minhas netas, todo mundo me corrigia:  “Mima, não é estória... É história...”  Aí, muito contrariada... Mudava para  história ... Mas, como Rubem Alves, o que eu invento não são  histórias , mas  estórias ... Nelas uma estrela chora porque está triste, um girassol tem suas vontades, seus sonhos e até a ratinha é intelectual... E, como isso tudo pode ser  história ??? Faço a vocês o mesmo pedido de Rubem Alves: por favor, amigos: quando eu escrever  "estória"  não corrijam para  "história".   Vovó Mima agradece...
FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) Badan [email_address] MÚSICA: Yellow bird (Repasse com os devidos créditos)

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  • 2. “ A REVISORA informou delicadamente que era norma do jornal que todas as "estórias" deveriam ser grafadas como "histórias". É assim que os gramáticos decidiram e escreveram nos dicionários. Respondi também delicadamente: "Comigo não. Quando escrevo "estória" eu quero dizer " estória". Quando escrevo " história" eu quero dizer "história". Estória e história são tão diferentes quanto camelos e beija-flores..."
  • 3. Escrevi um livro baseado na diferença entre "história" e "estória". O revisor, obediente ao dicionário, corrigiu minhas "estórias" para "histórias". Confiando no rigor do revisor, não li o texto corrigido. Aí, um livro que era para falar de camelos e beija-flores só falou de camelos. Foram-se os beija-flores, engolidos pelo camelo...
  • 4. Escoro-me no Guimarães Rosa. Ele começa o Tutaméia com esta afirmação: "A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a história". Qual é a diferença? É simples. Quando minha filha era pequena eu lhe inventava estórias. Ela, ao final, me perguntava: "Papai, isso aconteceu de verdade?" E eu ficava sem lhe poder responder porque a resposta seria de difícil compreensão para ela.
  • 5. A resposta que lhe daria seria: "Essa estória não aconteceu nunca para que aconteça sempre...“ A história é o reino das coisas que aconteceram de verdade, no tempo, e que estão definitivamente enterradas no passado. Mortas para sempre. Ler a história é caminhar por um cemitério. Ali os mortos nos contam suas lições. É importante ouvir os relatos dos mortos para aprender dos seus equívocos e não repeti-los no futuro.
  • 6. Mas as estórias não aconteceram nunca. São invenções, mentiras. O mito de Narciso é uma invenção. O jovem que se apaixonou por sua própria imagem nunca existiu. Aí, ao ler o mito que nunca existiu eu me vejo hoje debruçado sobre a fonte que me reflete nos olhos dos outros. Toda estória é um espelho.
  • 7. A estória da Bela Adormecida nunca aconteceu. Mas aí eu leio o poema do Fernando Pessoa Eros e Psique. E quando eu o faço a estória sai do espaço imaginário e entra dentro do meu corpo. E essa é a razão porque as estórias pedem para serem repetidas. Nem sei quantas vezes já li o poema Eros e Psique.
  • 8. E toda vez que o leio é como se fosse a primeira vez, como se eu já não o soubesse de cor. A estória de Romeu e Julieta nunca aconteceu. Mas toda vez que é lida ela ressuscita dos mortos e toma posse do corpo da pessoa que o lê. Os relatos históricos são informações que levamos num embornal pendurado no ombro da memória. As estórias, ao contrário, nós as levamos dentro da nossa própria carne. Reinterpreto o evangelho: "E as estórias se fazem carne..."
  • 9. Não é outra a razão por que as crianças desejam que as estórias sejam sempre repetidas, do exato jeito como são conhecidas. As estórias fazem acontecer... A história nos leva para o tempo do "nunca mais", tempo da morte. As estórias nos levam para o tempo da ressurreição. Se elas sempre começam como o "era uma vez, há muito tempo" é só para nos arrancar da banalidade do presente e nos levar para o tempo mágico da alma.
  • 10. Assim, por favor, revisora: quando eu escrever "estória" não corrija para "história". Não quero confundir camelos e beija-flores... “ Rubem Alves
  • 11. Quando comecei a escrever estórias para minhas netas, todo mundo me corrigia: “Mima, não é estória... É história...” Aí, muito contrariada... Mudava para história ... Mas, como Rubem Alves, o que eu invento não são histórias , mas estórias ... Nelas uma estrela chora porque está triste, um girassol tem suas vontades, seus sonhos e até a ratinha é intelectual... E, como isso tudo pode ser história ??? Faço a vocês o mesmo pedido de Rubem Alves: por favor, amigos: quando eu escrever "estória" não corrijam para "história". Vovó Mima agradece...
  • 12. FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) Badan [email_address] MÚSICA: Yellow bird (Repasse com os devidos créditos)