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Introdução
A intenção desta zine é providenciar um recurso útil
e raro (ou mesmo inexistente) no contexto português:
um que sirva de meio de informação e reflexão em
torno de questões trans, das dimensões mais médicas
e pragmáticas dos processos de transição às múltiplas
reflexões e discussões políticas que os discursos de resistência e afirmação trans têm construído nos últimos
anos. Vivemos numa sociedade profundamente cissexista e transfóbica, que nega e reprime o direito de cada
um* à vivência do seu corpo nos seus próprios termos,
de acordo com os seus desejos, afectos, necessidades
e visões. Antes, determina-se que somos homens ou
mulheres, incontornável e inquestionavelmente, e que
sujeito nenhum poderá interrogar ou transformar o seu
encaixe num ou noutro – e que, desejando-o, será um
sujeito doente e transtornado, que só a patologia e a desordem explicarão. Queremos opor-nos clara e sistematicamente a todas essas opressões materiais e simbólicas, legais e quotidianas, a que vemos submetidos os
nossos corpos. Formulámos este documento para lhes
resistirmos e para tornar claro que vivem (e vivem bem)
outros entendimentos do género e da identidade. Urge
abrir espaços a outros corpos e outros modos de os viver e é isso mesmo que achamos que a informação e o
pensamento crítico possibilitam. Acreditamos que trabalho como o que aqui tentamos pode ser determinante
em esculpir alternativas de vida e de sentido, alternativas que energizem todas as pessoas que se sintam sufocadas, silenciadas e suprimidas pela gestão normativa
dos corpos que esta sociedade exerce tão prepotente e
violentamente.
Compilamos aqui uma série de artigos internacionais que traduzimos para português, de modo a tornar
acessíveis discursos que circulam já com maior grau de
consolidação no estrangeiro a tod*s *s que talvez não
saibam navegar os recursos existentes autonomamente
ou que pura e simplesmente não compreendam as suas
línguas de origem (Castelhano e Inglês). Pretendíamos
oferecer uma visão de conjunto, mas nesta primeira
experiência acabámos por dar particular atenção a dois
eixos centrais. Por um lado, este número inaugural da
zine surge como uma iniciativa das Panteras Rosa e da
campanha internacional Stop Trans Pathologization,
cujo tópico deste ano foi a identidade de género na infância; incluímos por isso na zine uma série de imagens
produzidas para a campanha, que direta e indiretamente
refletem sobre esta temática. Por outro lado, esta zine
partiu da urgência pessoal de um dos organizadores em
encontrar e partilhar recursos especificamente referentes à experiência FTM (“Female-to-Male”); segue-se
que salientamos informação sobre a sexualidade FTM e

2

a identidade social e política contemporânea enquanto
FTM. Esperamos que compreendam as nossas escolhas
e que ninguém se sinta excluíd*; comprometemo-nos
a expandir o nosso trabalho futuro para que abranja o
máximo de identidades e experiências.
Os grandes catálogos médicos internacionais designam a transsexualidade como uma patologia mental
e exigem ao sujeito trans passividade em relação a
uma série de minuciosos protocolos médicos e psicoterapêuticos, processos esses que impingem uma
noção de género normativa de forma coerciva. São pouquíssimos os centros de atendimento clínico e cirúrgico em Portugal. Os bebés intersexo são submetidos a
cirurgias ditas corretivas que os forçam a habitar um
ou outro género normativo, sem qualquer preocupação
com o consentimento por parte do corpo que assim se
transforma violentamente. As crianças trans têm pouca ou nenhuma voz e capacidade de determinação da
sua identidade e dos tratamentos a que têm direito.
A lei não protege as pessoas trans, não reconhecendo
apropriadamente as discriminações que lhes são específicas. O próprio direito ao nome é posto em causa por
uma barreira de burocracias impeditivas da autodeterminação. O acesso ao trabalho é altamente fragilizado,
sem legislação que combata o profundo preconceito
das entidades empregadoras... E nisto não fazemos mais
do que apontar somente alguns dos pontos da luta que
urge fazer pelos direitos trans, de entre as múltiplas e
tremendas discriminações que observamos. Só podemos esperar que este nosso pequeno passo ajude no processo de construir outro discurso e de possibilitar outra
consciência da luta que temos pela frente.

NOTA IMPORTANTE
A linguagem desta zine tenta ser inclusiva e nãobinária. O que quer isto dizer? Que evitamos masculinizar e/ou feminizar os pronomes e as palavras.
Escolhemos utilizar o * (asterisco) porque sabemos
que existem múltiplas identidades e pronomes pelos
quais preferimos que nos tratem. Desejamos que
toda a gente sinta que a sua identidade e pronome
escolhido são igualmente visíveis e valorizados
(quer sejam enquanto “ele”, “ela” ou qualquer outra
opção). Acreditamos, ainda, que esta interrogação
da linguagem é uma parte importante de uma prática trans crítica.
Ficha técnica
Selecção de textos:
Daniel Lourenço
Mi Guerreiro
Tradução:
Daniel lourenço
Sérgio Vitorino
Revisão:
Isidro sousa
Mi Guerreiro
Design e paginação:
Tiago Braga

panterasrosa.blogspot.com
panteraslisboa@gmail.com
panterasporto@gmail.com

	
  

// imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço.

o bicho-criança tem papá e mamã para lhe explicarem o
mundo. mentira: o bicho-criança tem papá e mamã para
lhe fazerem o mundo, precisamente no que não é explicado,
não é justificado: no que não tem nem lógica, nem argumentação, nem espaço de manobra. e se o bicho-criança é menina, menos espaço de manobra ainda. o bicho-criança grita;
o papá e mamã agrilhoam. que forças temos para protestar,
para proteger esse ser, quer bicho-criança quer bicho-adulto, de todas as violentas imposições que vive?

3
Perspectivas Trans

O MANIFESTO DO PODER TRANS
por Asher Bauer

Tenho tanto na cabeça. Tenho carregado este fardo de
raiva durante semanas. Provavelmente já o carrego há
meses, ou até há um ano, mas só recentemente consegui articulá-lo. Só nos últimos dias é que, finalmente,
aceitei a minha raiva e decidi dar-lhe um nome – estou a
chamá-la de “poder trans”.
Desde que decidi não afastar os meus sentimentos
quanto a viver num mundo cis e aceitar a minha raiva
como válida, dignificando-a com um nome, sinto-me
reenergizado. Estas duas pequenas palavras carregam
possibilidades infinitas. Estou entusiasmado com o que
elas podem significar.
A minha raiva, como dizia, não é nova. Apresento-me
frequentemente como um “transexual zangado”, fazendo rir as pessoas. E sim, se calhar quero dizê-lo como
piada, pelo menos em parte – mas é uma piada com
dentes. É uma piada pensada para informar as pessoas
de que não se safam com merda à minha frente. Só agora me apercebo de que se calhar fui demasiado subtil.
Alguns dos meus textos são para pessoas cis e pretendem explicar coisas que a maior parte das pessoas trans
já compreende. Este é para pessoas trans. As pessoas
cis podem escutar, com a consciência de que parte disto
lhes pode voar sobre a cabeça. Tenho algo a dizer, algo
que sinto ser importante dizer especificamente à comunidade trans, e não me quero alongar em explicações.
Por isso, eis o que tenho a dizer.
Olá, pessoas trans. É um mundo fodido, não é? Temos
tod*s bastantes problemas. Como pessoas trans, sofremos com a pobreza, a violência, a falta de emprego, a falta de educação, o preconceito, o desprezo e o constante
escrutínio público hostil. Estamos desesperad*s e não
temos para onde nos virar.
Desde cedo, descobrimos que não podíamos contar
com a família e amig*s. Depois, aprendemos que não
podíamos usar uma casa-de-banho pública com confiança, sem sofrermos assédio ou coisas piores. Até as
partes mais básicas de nós – nomes, pronomes e géner4

os que sabemos serem os apropriados para nós – são
discutidos e contestados pel*s outros. Outr*s no universo académico. Outr*s na TV. Outr*s nas nossas escolas, nos nossos locais de trabalho, nas nossas casas.
A roupa que usamos foi declarada inapropriada para
nós. As maneiras como falamos e nos movemos foram
intensamente monitorizadas e denunciadas como inaceitáveis.
Depois, talvez nos tenhamos apercebido de que não
podíamos contar com a ajuda da polícia quando éramos
atacad*s, raptad*s, violad*s, assaltad*s. Aprendemos
que os media, quando nos virávamos para eles, relatavam a nossa estória apenas com sensacionalismo pueril
e crueldade mesquinha. Aprendemos que seria ainda
mais difícil conseguir trabalho e o mesmo aconteceria
(e muito) em relação a encontrar casa. Se conseguíamos
aguentar até ao fim da universidade, encontrávamos
frequentemente os nomes errados nos nossos diplomas.
Alguns/algumas de nós fomos parad*s pela polícia
por “andarmos enquanto trans”, tratad*s como trabalhador*s do sexo. Alguns/algumas de nós fomos trabalhador*s do sexo, só para sobreviver. Alguns/algumas
de nós fomos pres*s por diversos motivos, e acabámos
em prisões que não correspondiam ao nosso género.
Alguns/algumas de nós ficámos doentes e descobrimos
que não podemos contar com os serviços de saúde.
Alguns/algumas de nós fomos vítimas de violência na
escola e descobrimos que ninguém quer saber. Tod*s
aprendemos que a comunidade LGBT cisgénero não
quer ter nada a ver connosco. O T está lá como uma formalidade. O T é irrisório.
Foi-nos dito, várias vezes, que não “nascemos” transgénero. O termo “identidade de género” foi apropriado pelos condescendentes para significar “ilusão de
género” («Bem, não faz mal, podes identificar-te como
queiras», disseram, fazendo-nos a vontade). Fomos constantemente assediad*s quanto aos nossos corpos. As
pessoas cis, mesmo aquelas que alegavam com
preensão, procuravam imparavelmente definir-nos em
função da nossa biologia.
Quando finalmente surgiu legislação que supostamente
serviria os nossos interesses, veio com farpas instaladas
nela. (...)
Perante tudo isto, é esperado de nós que enfrentemos
a violência com martírio pacifista, a intolerância com
tolerância, a ignorância com esclarecimento. É-nos dito
que temos de agradecer pelo avanço que se vai fazendo,
que as coisas melhoram e que devíamos estar grat*s a
tod*s cujas intenções em relação a nós não sejam assassinas. Não podemos dar-nos ao luxo de perder a paciência, pois perderemos a nossa delicada causa se nos
zangarmos. Acima de tudo, não devemos em quaisquer
circunstâncias deixar os nossos ditos aliados, ou mesmo
os nossos opressores, de modo algum desconfortáveis.
O poder trans, para mim, é a atitude que diz «Que se
foda isso». O poder trans é recusarmos dar a outra face
e sermos civilizados com quem nos é violentamente
ofensiv*, providenciando educação grátis a pessoas que
não conseguem dar-se ao trabalho de se educarem a si
próprias (ou mesmo de aderirem ao senso-comum e à
etiqueta, mantendo a boca calada quando não sabem
de que raio falam). O poder trans é rejeitar o martírio a
favor da sobrevivência.

ra; situações em que podes perder um emprego, uma
casa ou até a tua vida. Reconhecer que estamos em
minoria a maior parte das vezes é outra face do poder
trans, porque o poder trans passa por nunca minimizar
o que nos está a acontecer a tod*s, o tempo todo. Temos de encontrar formas de construir redes e de nos
organizarmos e darmos apoio uns/umas aos/às outr*s.
É difícil quando temos tão poucos recursos, mas possuímos um recurso em abundância: a nossa raiva. Acho
que a raiva pode ser a nossa força, a nossa reserva de
emergência, o nosso shot de energia de cinco horas.
Porém, nunca poderá ajudar-nos se continuarmos a
canalizá-la contra nós própri*s em vez de permitir aos/
às noss*s atacantes que a sintam.
Estou a fazer sentido? Estarei louco? A exagerar? Ou
será esta estória a tua estória, e esta verdade a tua verdade também?
“Poder trans” dá nome à raiva que sentes hoje?

O poder trans não é tanto o que pedimos, como a forma
como o exigimos. Não é uma lista limpinha de objectivos, mas o nosso compromisso absoluto com esses
objectivos. É acreditarmos ferozmente na nossa dignidade enquanto pessoas trans em todas as situações. É
recusarmos aceitar ser identificad*s com o género errado com a desculpa débil de que “as pessoas cometem
erros” e responder ao ofensor com a verdade ruidosa:
«Pessoas como tu sofreram uma lavagem cerebral.»
O poder trans é recusarmos pedir desculpa pelas nossas emoções, necessidades ou a nossa existência.
Pessoas trans, ouçam! Eu sei que muit*s de vocês já
sabem isto... mas recebemos tão pouca e tão preciosa
validação por esta verdade nas nossas vidas quotidianas
que é fácil começar a pensar.: «Estarei louc*? Estarei a
exagerar? Estarei a “armar-me em vítima”?» Vocês não
são louc*s e não estão a exagerar – de facto, se forem
como eu, ou como a maioria das pessoas trans que já
observei, cerca de 99% das vezes vocês estão a reagir a
menos – e a melhor maneira de deixarem de se sentirem
vítimas é atacando quando são atacad*s e respondendo
a qualquer ofensa verbal com um ruidoso «Fode-te!».
Uma pequena dose de realidade: não interessa o quão
bom tudo isto soe, eu apercebo-me, claro, que há situações nas quais a retaliação simplesmente não é segu5

	
  

//imagem por Joana Sousa & texto por Daniel
Lourenço.

um, dois, um, dois, um, dois, menino, menina, isto,
aquilo, é, não é, um, dois. ele que faça e seja isto
e ela que faça e seja aquilo e nunca nada mais,
nunca o outro e nunca além. até ao dia em que se
esgote, em que a raiva e mágoa da escolha forçada
virem resistência e um fazer diferente e de mais:
hoje eu sou outra coisa qualquer: o gozo é meu.
A ARCA DOS CORPOS ERRADOS

por Miguel Missé

O discurso de vida das pessoas trans está repleto de
metáforas relacionadas com a ideia do corpo errado.
E talvez o meu esteja também impregnado dessa ideia.
Após a operação diz-se que se “renasceu”; para explicar
o porquê da mudança de género e/ou sexo diz-se que
se “nasceu no corpo errado” ou que se “está preso num
corpo que não é o seu”. Vive-se o corpo como um fatídico erro de cálculo por parte da natureza, uma injustiça
inexplicável que nos levou a nascer num corpo incorrecto. Segue-se que é também fatídico o encontro a sós
com o espelho, com a nudez e, inclusive, com a sexualidade. Como está errado, deve ser mudado. E na espera
da mudança pode-se maltratar, censurar, esconder e
punir esse corpo até que se atinja o desejado.
Quando parece que tudo está perdido e não vale a pena
viver neste sítio, chega Noé, atravessando mares em
que não saibamos banhar-nos e convidando-nos a subir
à sua arca, com a promessa de nos levar a um destino
melhor. A arca está cheia de outras silhuetas, também
elas ensaios falhados de corpos que não funcionam, que
estão de alguma forma quebrados e não servem para
este mundo. Quanto mais a arca se aproxima, mais desejamos entrar nela, para embarcarmos na viagem rumo
a uma nova Ítaca, onde possamos ser outr*s sem que
ninguém conheça a estória da nossa travessia. Podemos subir à arca com uma única condição: reconhecer o
nosso sofrimento e a nossa diferença, saber dizer que
houve um problema nas maquinarias, que chegámos ao
mundo inacabados. Noé é generoso e abre-nos a sua
arca para nos transportar a algum lugar em que nos devolverá um corpo habitável.
A arca dos corpos errados chegará algures e, mais cedo
ou mais tarde, algumas/alguns poderão descer à terra,
deixando nela essas carcaças pesadas, para viverem
por fim num corpo normal. Os corpos errados serão
fotografados e analisados e escrever-se-ão livros para
descrever tais anomalias. Uma imensa literatura para *s
que sofrem do mesmo mal, o de nascer no corpo errado.
Aparentemente, o problema fica resolvido assim que,
finalmente, conseguimos construir o nosso corpo verdadeiro. Mas na verdade há um pequeno detalhe na
história da arca que é importante. Para aceder à arca, há
que reconhecer primeiro que o nosso corpo está errado
e realmente acreditar nisso. Para subir, é necessário ter
concluído que existem corpos correctos e incorrectos, e
que sofremos a desgraça de nascer num dos defeituo6

sos. Já não se trata apenas de outrem poder pensar que
temos um problema, mas sim de nós própri*s também
estarmos convencid*s disso mesmo. E por mais que
consigamos obter o corpo correcto, há algo que nunca poderemos mudar: a experiência de nos sentirmos
diferentes e estranh*s em relação ao resto. O facto de
sabermos que um dia não fomos normais. E às vezes,
mesmo mudando completamente o corpo, o estigma e
a frustração de termos nascido anormais podem acompanhar-nos para sempre.
Acumulam-se as perguntas: está certo que os nossos
corpos estejam errados? É possível viver sem modificá-los? É possível modificá-los sem aceitar a ideia de
que estão errados?
Na minha opinião, diz-se que os corpos estão errados
porque não se ajustam ao que se espera deles socialmente. Não se passa nada com eles instrinsecamente;
de facto, todos os órgãos estão sãos e funcionam. Mas
é a forma de viver nesse corpo o que achamos errado. E
o olhar d*s outr*s sobre ele, a imensa literatura da qual
falamos, o olhar do cinema, das estórias, dos passageiros do metro: tudo nos relembra que os nossos corpos
estão errados. Esses olhares provavelmente não desaparecerão durante muito tempo, mas cada vez mais
surgem outros. Às vezes pergunto-me como seria se, ao
pé da arca, encontrássemos livros, cinema, estórias, nos
quais os nossos corpos aparecessem rodeados de ideias
positivas. Se as nossas famílias, amig*s, professor*s, enfermeir*s e vizinh*s nos dissessem que gostam da nossa
diferença. Se chegassem pessoas que nos desejam nestes mesmos corpos, sem alterar absolutamente nada.
Este caleidoscópio de olhares já existe. Muit*s de nós
já os conhecemos, e, apesar disso, é-nos muito difícil
deixar de sonhar com outros corpos e não pensar, na
rotina quotidiana, que nos aconteceu algo de injusto.
No entanto e apesar de tudo, continuo convencido de
que podemos ressignificá-los, livrá-los deste lastro de
serem incorrectos, reconquistá-los. E vai dar ao mesmo
se no processo foi preciso modificá-los. Não importa o
que contámos a Noé para subir à arca. Importa apenas
que não tenhamos acabado por acreditar tanto nisso
que acabámos por odiar a nossa própria história.
São possíveis outras formas de navegar o mar.
ENCONTRARES-TE A TI PRÓPRI*
por Micah
original em // http://neutrois.me/2013/09/05/finding-yourself
Encontrei o teu blog e identifiquei-me muito com ele e fez-me muito sentido – mais alguém sentia-se como eu! Não estava
sozinh*! Dei o salto e cortei o cabelo muito, muito curto, comprei um binder e roupas de homem. Assumi-me como nãobinári* e simplesmente pedi às pessoas que o aceitassem. Nenhum dos meus amigos sequer piscou os olhos, e sinto que a
sensação de erro que tinha foi corrigida.
Mas ainda tenho este sentido incómodo de que me falta alguma coisa – algo simples. Se toda esta sensação de erro tivesse
sido corrigida, então eu não me sentiria assim. Sinto que se consigo viver como eu própri*, então eu não devia voltar constantemente à questão do meu género, como um cão que insiste em voltar em roer um osso no qual já não resta qualquer
nutrição. Algo me está a escapar. Não sou um rapaz por dentro, não quero viver como homem, mas vivo constantemente as
tensões da minha auto-identidade em relação a ser mulher. Principalmente, eu pergunto-me como certas pessoas conseguem sentir-se tão certas quanto a este tipo de coisa. Sinto-me estranh*, porque não sou de género binário, mas continuo a
sentir que não encaixo em lado nenhum.
A Identidade não é Estática

do em alguns aspectos em particular, “homem” faz-me
retorcer-me, “rapariga” faz o meu coração explodir com
raiva e as minhas entranhas gritar, e “mulher” é algo
com o qual eu simplesmente não conseguiria viver.

Vou começar por citar-me a mim própri*:
As pessoas estão em fluxo constante. Nós envelhecemos,
crescemos, compramos roupas, mudamos de emprego,
mudamos de casa, fazemos famílias – nunca sabemos realmente o que vem aí.
Tod*s temos muitas identidades – sendo o género apenas uma delas – que estão em constante desenvolvimento.
Nem toda a gente está certa da sua identidade, nem
agora nem nunca – mesmo aquel*s com identidades de
género binárias. Frequentemente, trata-se mais de uma
questão de desaprender todas as coisas que cresceste
a acreditar toda a tua vida e construir algo de novo e
assustador e desconhecido.
O meu género tem mudado de alguma forma – pelo
menos na forma como eu o expresso no mundo. Por
vezes, sinto que não encaixo em lado nenhum; o comboio do “mas que raio estou a fazer?” ainda me atropela. Nenhumas das minhas decisões aconteceram do
dia para a noite, ou simplesmente porque sim. Levou
muita instrospecção e análise de prós- e contras- para
percorrer mentalmente cada situação e “e se?” até que
as minhas opções estavam completamente esgostadas.
Mesmo aí, não tive sempre a certeza, mas simplesmente continuei por causa de uma vaga noção de que
seria pior não o fazer. Eventualmente, soube-me melhor tê-lo feito.
Encontrar o Encaixe Certo,
Encontrares-te a Ti Própri*
“Rapaz” é complicado porque não me incomoda tiran7

A coisa mais clara para mim – o meu farol, a luz que me
conduz – tem sido sempre o meu desconforto. Eu não
sou nem nunca claramente me senti como do género
feminino.
Provavelmente também não sou do género masculino,
apesar de me considerar trans-masculin*. Talvez eu fosse um rapaz outrora mas tenha entretanto perdido o
rumo. Talvez eu tenha crescido e ultrapassado isso Ou
talvez eu cresça para me tornar num mais tarde. Mas
tudo isso é secundário.
Por isso segui o que soube ser verdade, e deixei que o
resto se fosse resolvendo. O meu único objectivo ao
começar foi uma mastectomia. Depois disso, o género
continuou a voltar para me roer a cabeça. Lentamente
desempacotei e deconstruí tudo, tentando perceber
o que me deixa mais confortável. Enfio um dedo na
água até estar satisfeit* com a temperatura antes de
prosseguir. Até agora, esta provou ser uma estratégia
bem-sucedida.
Ainda luto com definir qual será o próximo passo correcto a dar. Já passaram mais de 3 anos, e sei agora que
nunca acabarei o processo. Mas gradualmente abandonei o desconforto e passei a conhecer o conforto na
minha própria pele.
É um processo lento, mas vais olhar para trás de aqui
a alguns meses ou anos e perceber o quão longe chegaste. Simplesmente continua a empurrar-te em frente
e eventualmente vais ver a resposta, acompanhada de
muitas mais novas questões.
 

// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

nasce-se e o primeiro momento de se ser feito sujeito, de
começar a construção da pessoa através da sua diferenciação, é o da inscrição de uma de duas categorias: é rapaz,
é rapariga. a palavra faz tudo: marca esse sujeito incontornavelmente, arranca o fazer-pessoa num “ele”, num “ela”. o
discurso reveste o corpo de uma fala da diferença, mas é
uma diferença de fala estrita e espectro curto: ou um ou o
outro e nunca mais além. que outra fala de fazer o corpo
imaginamos nós?
8
ONDE FORAM PARAR AS BUTCHES TODAS?
por Roey Thorpe
original em http://www.shewired.com/lifestyle/2013/09/05/op-ed-where-have-all-butches-gone?page=full

Na companhia de lésbicas da minha geração e de outras mais velhas, ouço frequentemente conversas sobre
como as coisas mudaram desde que éramos novas. E,
invariavelmente, alguém pergunta: «Onde foram parar
as mulheres butch?»
A pergunta é motivada em parte pela nostalgia e em
parte pelo desconforto com o que parece ser uma transformação no modo como as jovens lésbicas pensam o
género. E a primeira pergunta leva muitas vezes a outras questões: Porque estão (todas) as mulheres butch a
tornarem-se homens? Porque não compreendem que o
género é uma construção social e que as mulheres não
têm de se confinar a um ideal feminino? Não é por isso
mesmo que estávamos a lutar – por um mundo no qual
as mulheres pudessem usar cintos de ferramentas e
gravatas e fazer tudo o que lhes desse na cabeça, sem os
constrangimentos do género? No seu núcleo, era esta
a visão do movimento feminista, e as lésbicas, mais do
que ninguém, perceberam o quão transformativo isto
poderia ser.
Há anos, eu coloquei as mesmas questões, mas hoje em
dia esta conversa deixa-me desconfortável. Como sou
de uma geração mais velha, já vi muitas coisas mudarem - e não mudarem - ao longo de um longo período de
tempo.
Na minha vida, amei muitas mulheres butch. As minhas
relações e casos têm sido quase sempre com mulheres
masculinas e, mais recentemente, também com homens
trans. Desde que me encontrei em circunstâncias íntimas com butches/machos/mulheres de identificação
masculina – desde há muito, quando era demasiado
nova para frequentar os bares onde conhecia estas
pessoas e de onde ia para casa com elas –, aconteceu
sempre uma coisa curiosa. Sempre que se estabelece
confiança suficiente, torno-me testemunha de um momento de confissão... qualquer coisa como «Não sei
como explicar isto, mas não sinto que seja bem uma
mulher. Quer dizer, sou butch, e isso está perto, mas
honestamente, não tenho a certeza do que sou».
Não me interpretem mal, há muitas, muitas mulheres
butch orgulhosas que são exactamente isso: mulheres.
Na terminologia actual, a sua expressão de género é
masculina e a sua identidade de género é feminina.
Usam os seus cintos de ferramentas orgulhosamente,
e eu observo o espectáculo com agrado. Para elas, uma
identidade butch resolve o assunto – se as pessoas ti9

verem problemas com isso, é o seu sexismo ou homofobia a vir à tona.
Mas esta não é a experiência de toda a gente, nem nunca foi. Mulheres butch podem parecer similares externamente, mas não são todas iguais por dentro.
Em meados dos anos 90, quando fazia uma pós-graduação, escrevi sobre a história lésbica de Detroit. Entrevistei 48 mulheres, maioritariamente entre sessenta
e setenta anos, que tinham vivido como lésbicas entre
1930 e 1970. Dessas 48 mulheres, quatro – quase 10%
– disseram que se fossem ainda jovens fariam a transição de género e tornar-se-iam homens.
Na verdade, isto não me surpreendeu, por causa de
todas essas confissões que já ouvira em noites tardias.
Sabia que para muitas pessoas butch era o mais próximo que conseguiam chegar de uma palavra que descrevesse a experiência de ser um sujeito masculino no
corpo de uma mulher. Para estas pessoas, embora butch
fosse melhor do que “mulher” ou “lésbica”, não chegava.
Provavelmente já ouviram falar de butches que diziam
não usar o termo “lésbica butch”, mas sim butch. Isto não
é uma negação da sua orientação sexual, mas sim o reclamar de uma identidade de género complicada.
Um dos erros que cometemos enquanto feministas lésbicas é combinar a orientação sexual e a expressão de
género num ideal fufo andrógino: cabelo curto, nada de
maquilhagem, capaz de consertar um carro ou fazer pão
com igual facilidade, frequentemente acusada de estar
na casa-de-banho pública errada (para nossa grande indignação).
Como sabias que eras lésbica? Foste expulsa das guias
e detestavas a Barbie, e nunca te sentiste confortável
com um vestido e saltos altos. Por mais bem-intencionadas que possamos ter sido, muitas lésbicas nunca
corresponderam a esse ideal. Não só homens trans
mas também lésbicas como eu, que se deliciavam com
a revista Glamour e adoravam tudo o que brilhasse. A
orientação encaixava, mas as minhas tentativas de comportamento fufo correcto eram um fracasso miserável.
Sucintamente, o género de quem amamos sempre foi
uma questão distinta da nossa própria expressão de
género, e a nossa tentativa de consolidar a identidade e
expressão de género com a orientação sexual levou-nos
a um equívoco fundamental quanto à experiência trans.
Quando as lésbicas perguntam para onde foram as
butches, o que estamos a dizer é que não compreendemos os homens trans. Estamos presas a três crenças
nucleares:
- Para muitas de nós, particularmente de uma geração
mais velha, viver fora do armário enquanto lésbicas e
feministas tem sido a viagem da nossa vida – e a muito
custo. As comunidades que construímos como abrigo
da tormenta de uma cultura misógina são-nos particularmente caras. Como uma amiga próxima me disse,
«Gosto tanto de ser mulher que não consigo imaginar
abrir mão disso». E a ideia de tornar-se homem – com
todo o privilégio sem mérito e sem análise que a ideia sugere – é especialmente incompreensível: é uma
traição de confiança.
- Outras acreditam que escolher fazer a transição de
butch para homem mostra uma falta de coragem ou imaginação, que de algum modo a pessoa não foi corajosa
o suficiente para ser uma mulher butch.
- E há ainda outras que pensam que falhámos, enquanto comunidade, na criação de um espaço onde
qualquer mulher se possa vestir e comportar como bem
lhe agrade. Esta foi a minha primeira reacção àquelas
butches e machos de Detroit: que os tempos eram tão
duros que as conduziam a desejar um escape. Questionei-me se, caso tivessem nascido numa geração mais
tardia, teriam encontrado apoio nas comunidades lésbicas feministas de que careciam na caótica cultura de bar
que era o seu único refúgio.
Mas, desde então, aprendi que a transição não é uma
traição, uma falta de coragem ou um desejo de escapar
a uma comunidade pouco receptiva. É isso que estas
butches e studs de Detroit me ensinaram. Viveram as
suas próprias vidas com imenso coração e contra todas
as probabilidades. Foram as pessoas mais corajosas que
eu conheci. Eram sobreviventes, tão astutas e orgulhosas como qualquer pessoa que eu tivesse conhecido
em círculos lésbicos feministas. Eu simplesmente não
conseguia acreditar que não tivessem a coragem ou a
visão necessárias para viver plenamente os seus modos
de ser.
Por isso, cheguei a um entendimento diferente. Agora
acredito que todas as batalhas que travámos e todo o
trabalho que fizemos criou uma comunidade na qual
as mulheres podem ser quem realmente são a um grau
muito maior, em todos os aspectos das nossas vidas. E,
ao fazer isso, criámos um espaço onde não faz mal experimentar diferentes formas de expressão de género,
de super-femme a andrógina ou butch. Isto foi incrivelmente libertador para muitas de nós.

10

No entanto, para alguns, o espaço e liberdade pelos
quais lutámos para experimentar formas diferentes de
expressão de género confirmaram o que sabiam lá no
fundo: que, fundamentalmente, não são de todo mulheres. E sabem isso porque tiveram espaço e liberdade
para serem butch, e mesmo assim não estava certo.
A maioria dos homens trans que conheço assumiram-se
como lésbicas, posteriormente reclamaram uma identidade butch e depois realizaram a transição. Alguns
aperceberam-se de que nunca se sentiram de todo
atraídos por mulheres e são hoje homens gays – isto
não é tão estranho como possa soar, se aceitarmos que
a comunidade lésbica é o único espaço seguro para explorar o género e, por isso mesmo, onde muitos homens
trans começam a sua viagem. Talvez seja por isso que as
lésbicas sentem tê-los perdido: porque acreditávamos
que eles eram nossos.
As pessoas transgénero estão a tentar perceber como
mudar o que é, possivelmente, a identidade mais profunda de uma pessoa, aquela com a qual mais somos
identificad*s desde a nascença. Os desafios, quer em
termos de navegar o próprio corpo em mudança, quer
no mundo exterior, são impressionantes, inclusive nas
comunidades que mais os apoiam. Tomar uma decisão
destas é como saltar de um penhasco com pouca ideia
do que haja lá em baixo, mas sabendo que recusar o salto é outro tipo de agonia. Esta coragem merece o nosso
respeito e o nosso apoio.
Onde foram, afinal, todas as mulheres butch parar?
Ainda andam por aí, apesar de algumas viverem com
outros nomes. Parte delas ainda são butches e machos
orgulhosas; outras, particularmente entre a malta mais
nova, preferem o termo genderqueer, com subcategorias infinitas a sublinharem que a identidade e expressão
de género podem intersectar com a orientação sexual
mas não lhe são totalmente equivalentes. Chegaram ao
entendimento de que as pessoas dissidentes de género
podem posicionar-se ao longo de um largo espectro de
feminilidade e masculinidade, mas que o que têm em comum é a experiência de caírem fora das expectativas da
sociedade sobre o seu género.
No foco desta experiência está uma enorme criatividade e uma análise de género enquanto construção
social que teve as suas origens no feminismo lésbico e
no movimento pela liberação gay. O nosso trabalho não
está esquecido; foi continuado e expandido por uma
nova geração que procura ser leal a si mesma, tal como
nós sonhámos que o poderíamos ser.
DE E PARA TRANS
Alguns links úteis
Grupos de e para trans em Portugal
Fórum FTM Portugal:
http://ftm-forum-pt.heliohost.org
GTP (Grupo Transexual Portugal):
https://www.facebook.com/pages/Transexual-Portugal
Campanha Stop Patologização Trans:
https://www.facebook.com/pages/STOP-PATOLOGIZAÇÃO-TRANS-2012
GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção Transexual):
http://grit-ilga.blogspot.pt

Grupos e eventos de e para trans no mundo
Campanha No + Transfobia en Chile:
http://nomastransfobia.tumblr.com
Festival Anormales?:
http://festival-anormales-stef.blogspot.pt
Venir Al Sur:
http://veniralsur.org
Cultura Trans:
http://culturatrans.org
Espai Obert Trans/Intersex:
http://espaitransintersex.blogspot.pt
Grupo Trans Maribolheras da Galiza
Colectivo Tabú:
http://maribolheras.blog.com
Transfeminismo:
http://transfeminismo.com

11
Grupos LGBT portugueses com trabalho feito sobre questões trans
Panteras Rosa (frente de combate contra a lesbigaytransfobia):
http://panterasrosa.blogspot.pt
PATH (Plataforma anti-Transfobia e Homofobia):
http://marchadecoimbra.blogspot.pt/p/path.html
MOL (Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa):
https://www.facebook.com/marchalgbtlx
MOP (Marcha do Orgulho LGBT do Porto):
https://www.facebook.com/OrgulhoPorto
https://www.orgulhoporto.org
Caleidoscópio LGBT:
http://www.caleidoscopiolgbt.org
Clube Safo:
http://www.clubesafo.com
APF (Associação pelo Planeamento Familiar):
http://www.apf.pt
Rede ex-aequo (rede de jovens LGBT):
www.rea.pt

Recursos online
Sites de partilha de informação
Trans Bucket:
http://www.transbucket.com
Trans Body Pride:
http://transbodypride.tumblr.com
Laura’s Playground:
http://www.lauras-playground.com

12
Grupos de redes sociais
Grupo de Notícias Trans:
https://www.facebook.com/groups/189409992692/?ref=ts&fref=ts

Sinfonias Genderqueer:
Genderqueer:
http://genderqueer.tumblr.com
Genderfork:
http://genderfork.tumblr.com

13
Saúde & Sexualidade

SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA DE NOME & SEXO EM PORTUGAL
por Mi Guerreiro
O processo oficial de mudança de sexo inclui acompanhamento psicológico e cirúrgico, obrigatórios. Este
procedimento é comparticipado pelo Serviço Nacional
de Saúde (SNS) e * paciente fica isent* de pagar taxas
moderadoras, exames ou cirurgias. O processo tem natureza secreta e dura, em média, quatro a cinco anos
(dependendo de cada caso).
Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo
7º/2011), qualquer pessoa de nacionalidade portuguesa, maior de idade, que “não se mostre(m) interdita(s)
ou inabilitada(s) por anomalia psíquica” e a quem seja diagnosticada perturbação de identidade de género, tem
legitimidade de requerer o início do processo.
O Estado Português reconhece a alteração de registo
de sexo efetuada por pessoa de nacionalidade portuguesa que, tendo outra nacionalidade, tenha modificado o seu registo de sexo perante as autoridades desse
mesmo Estado
Alteração legal do nome e sexo nos documentos de
identificação:
Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo
7º/2011), a Conservatória Civil exige a apresentação
de:
	
• ”Requerimento de alteração de sexo com indicação do número de identificação civil e do nome próprio
pelo qual o requerente pretende vir a ser identificado, podendo, desde logo, ser solicitada a realização de novo assento de nascimento;
	
• Relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como
transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro.” Este relatório deve
ser subscrito pelo menos por um médico e um psicólogo.
No prazo de oito dias a partir da apresentação do pedido, o conservador decide favoravelmente, pede aperfeiçoamento do pedido ou rejeita o pedido quando este
não se coaduna com as normas acima expressas.
De forma alternativa, é possível alterar o nome legal,
sem mudar o sexo presente nos documentos de identificação. Existem alguns nomes permitidos cujo género é
14

ambíguo. Para isso, é necessário fazer um requerimento
no qual se justifica a escolha do nome (sem ser justificado pelo facto de se ser trans*). É possível consultar documentos escritos por outras pessoas que requereram a
alteração do seu nome, mesmo sendo cisgénero. Existe
uma lista de nomes permitidos, publicada online pelo
Conservatório Civil.
Passos necessários no processo médico/hospitalar de
“mudança de sexo”:
1) Contactar o médico de família, para que este passe
uma credencial e relatório a ser entregue num hospital
público, com equipas especializadas em transsexualidade. Alternativamente, pode-se ir ao centro de saúde
da área de residência e pedir a atribuição de um novo
médico;
2) Ir a um hospital e marcar uma consulta de triagem no
serviço de sexologia. Os hospitais portugueses que têm
serviço de sexologia e acompanhamento transexual são:
Lisboa: Hospital Santa Maria, Hospital Júlio de Matos
Porto: Hospital de São João
Coimbra: Hospital de Coimbra
3) Segue-se o processo de confirmação de diagnóstico,
que inclui:
	

•Acompanhamento psicológico;	

	
•Testes e exames psicológicos para traçar o
perfil psicológico (estes testes culminam na produção
de um relatório);
	
•Exames físicos (acompanhamento feito por
um endocrinologista ou andrologista, que analisa o teu
nível hormonal e prescreve o medicamento e dose, que
poderá variar durante o processo);
	
•”Avaliação independente” (segunda avaliação feita por uma equipa médica distinta da que segue
o processo desde o início; os testes e exames psiquiátricos são repetidos e analisados por outros médicos; culmina na emissão de um relatório final);
	
•Reunião final da equipa da Ordem dos
Médicos.
4) Seguidamente, a equipa autorizará o início do tratamento hormonal e dos processos cirúrgicos (cirurgia
ao peito, cirurgia genital) (ver artigo aqui incluído sobre
tratamentos hormonais e cirurgias).
Alternativamente, algumas pessoas transsexuais,
transgénero ou demais, procuram e obtêm tratamentos
hormonais fora do âmbito médico-legal. É importante
saber que nem sempre as hormonas vendidas no “mercado negro” são seguras ou testadas. De facto, já algumas pessoas trans* faleceram devido a complicações da
toma de certos tipos de hormonas. Caso sintas que necessitas de o fazer e não tens outra alternativa boa para
ti, é essencial assegurares-te da segurança das hormonas que tomas e/ou estás consciente dos seus efeitos.
Tal como farias na toma de qualquer outro medicamento. Para além disso, algumas hormonas (testosterona e/
ou estrogénio) podem ser obtidas em farmácias banais,
sem serem requeridas receitas médicas ao paciente. Há
bulas disponíveis sobre cada medicamento, em formato eletrónico. De qualquer das formas, é necessário
estar ciente das consequências da toma de hormonas
e fazer exames físicos frequentes, tal como na toma de
qualquer outro medicamento.

ALTERAÇÕES HORMONAIS – TESTOSTERONA (CASO FTM)
por Hudson’s FTM Resource Guide

AVISO
A informação aqui contida destina-se a ser usada somente para fins educacionais. O autor não é um médico
profissional, e esta informação não deve ser considerada conselho médico. Esta informação NÃO deve ser usada para substituir consultas com/tratamento por médico profissional treinado. A lista de medicação citada não
implica a sua recomendação pelo autor.

Nota
apresentamos aqui a primeira parte da tradução
deste artigo, procurando partilhar alguns dos esclarecimentos mais urgentes que ele proporciona.
Por motivos de limite de número de páginas, não
pudemos apresentar aqui o artigo inteiro. Publicaremos a continuação do artigo (Mitos 8 a 12) no
próximo número deste boletim (versão em papel).
No entanto, o artigo integral em Português pode
ser lido em
http://panterasrosa.blogspot.pt/2013/10/alteracoes-hormonais-testosterona-caso.html

15
INTRODUÇÃO
Mitos e equívocos sobre pessoas transexuais e transgénero são demasiado comuns. Muitas pessoas, mesmo indivíduos bem intencionados, simplesmente não
sabem muito sobre questões de identidade de género, o
processo de transição, ou as opções de tratamento hormonal e cirúrgico disponíveis actualmente para pessoas
transexuais e transgénero. Esta falta de conhecimento
geral pode ser agravada por certas noções pré-concebidas sobre homens e mulheres, papéis de género, sexualidade humana e mesmo a Medicina ou a Ciência.
O resultado destes factores combinados é que parecem circular certos equívocos sobre transexuais FTM
(feminino para masculino), apesar da disponibilidade
de provas em contrário, ou mesmo do senso comum. A
seguinte secção descreve alguns dos mitos e equívocos
comuns em torno dos homens trans, incluindo mitos
sobre a testosterona e a transição. Se algumas das respostas parecem longas, trata-se apenas de um esforço
de providenciar informação e matéria crítica em torno
de áreas onde estereótipos ou lendas urbanas tendem
a obscurecer a lógica e o conhecimento.
MITOS SOBRE TESTOSTERONA
Mito #1
Tomar testosterona (“T”) para a transição tornará os
homens transexuais incontrolavelmente furiosos e
voláteis ou causará “fúria esteróide”.
Este é um dos mitos mais comuns sobre transexuais
FTM que tomam testosterona, mas não existe prova convincente para suportar uma generalização tão
abrangente. De facto, enquanto alguns homens transexuais anedoticamente relatam que se sentem mais
impacientes ou irritáveis durante um período após
começarem a tomar T, muitos outros relatam que se
sentem mais calmos e equilibrados desde que tomam T.
Contudo, vezes sem conta, homens transexuais e seus
entes próximos exprimem o temor de que, de alguma
forma, tomar testosterona irá transformar automaticamente um transexual FTM numa pessoa terrível, furiosa
ou violenta.
Provavelmente, este mito é alimentado por histórias
sobre o uso de “esteróides” causar raiva ou volatilidade
(frequentemente chamada “fúria esteróide”) em culturistas e outros atletas que tomam drogas potenciadoras
da performance. De forma a compreender as diferenças entre uso atlético de “esteróides” e terapia com
testosterona tal como é seguida pelos homens transexuais, compensa explorar exactamente o que significa
“esteróides” em cada contexto. (...)

16

O objectivo da terapia com testosterona num homem
transexual é trazer o nível de T no seu corpo para o que
é considerada uma gama masculina saudável, de forma
a induzir e manter características sexuais secundárias
masculinas tais como o baixar do tom de voz, um padrão masculino de distribuição de gordura e muscular,
crescimento de pêlo facial e corporal, e por aí fora. Habitualmente, um regime de hormonas de um homem
trans também se destina a manter um nível estável e
saudável de T no seu sistema ao longo da sua vida.
Isto contrasta com o objectivo do uso de testosterona
por culturistas e atletas, que é elevar o nível de testosterona no corpo até um nível inabitualmente elevado
de forma a produzir rapidamente resultados de performance desejados, tais como músculos maiores, aumento de força, um tempo mais curto de recuperação
muscular, maior potência e por aí fora. A quantidade de
testosterona que é usada por alguns atletas e culturistas focados na sua capacidade de performance é tipicamente muito mais alta em dose e em frequência do
que a quantidade usada por homens transexuais para a
transição e a manutenção ao longo da vida. Além disso,
os utilizadores de “esteróides” usam frequentemente
uma bateria completa de drogas para lá da testosterona (ou outro esteróide anabolizante), dependendo dos
objectivos do atleta. O uso de esteróides é nestes casos
frequentemente utilizado num ciclo caracterizado por
padrões variantes.
Devido a estas muitas diferenças, comparar o uso T
da maioria dos homens transexuais com o uso de “esteróides” por culturistas e atletas é um pouco como
comparar maçãs e laranjas. Assim, receios de “fúria esteróide” desenfreada num transexual FTM em transição
são, no melhor dos casos, infundados.

Níveis hormonais e estados de espírito
É importante salientar que os níveis hormonais no corpo humano fazem parte de um equilíbrio delicado que
envolve sistemas de comunicação química complexos.
É razoável assumir que alterar os níveis das hormonas nos nossos sistemas pode ter um efeito em nós,
tanto física como emocionalmente. Qualquer mulher
que tenha padecido de síndrome pré-menstrual, ou
qualquer homem que tenha sofrido com baixos níveis
de testosterona, pode atestar esta possibilidade. No
entanto, alguns efeitos físicos e emocionais da alteração
do equilíbrio hormonal podem estar relacionados com
os níveis das hormonas em questão, ou com mudanças
dramáticas nos níveis hormonais, mais do que com a
simples presença das próprias hormonas. Por exemplo,
um dos sintomas por vezes observado em homens com
baixos níveis de testosterona é irritabilidade. Nestes
casos, não parece ser a testosterona em si a causar a
irritabilidade, mas antes o facto de o nível de testosterona ser considerado baixo. Assim, aqueles que declaram
uma simples relação entre testosterona e estados de
espírito negativos poderão querer reconsiderar como
os níveis e o equilíbrio global de várias hormonas (bem
como outros factores, tais como os ambientais) podem
entrar em jogo; de facto, essas relações anda não são inteiramente compreendidas pela ciência médica.
Quando um homem trans inicia terapia com testosterona, ele poderá experienciar algumas alterações de humor. Isto é normal, porque iniciar terapia com T é habitualmente um momento emocional significante na vida
de uma pessoa trans, e também porque o seu corpo está
a começar uma alteração hormonal importante. Como
mencionado acima, de facto alguns homens transexuais
relatam anedoticamente que se sentem a enfurecer-se
mais rapidamente ou com menos paciência. Mas muitos
outros relatam um efeito calmante e/ou um dissipar de
sentimentos depressivos. Outros relatam muito poucas
mudanças na sua disposição, enquanto alguns só notam
diferenças de estado de espírito no dia ou nos dois dias
antes da sua próxima toma (poderão sentir-se mais irritáveis quando os níveis de testosterona atingem um
mínimo no seu ciclo de toma). Alguns acham que os seus
estados de espírito se equilibram com o tempo ou com o
ajustar do regime de toma.
Seja qual for o caso, se um homem trans ou os seus entes próximos notam alterações de humor significativas
que não se resolvem com o tempo, ele poderá querer
discutir o ajustar do seu regime de toma de T com o
seu médico. Ele também poderá desejar considerar se
aquelas alterações de humor estão relacionadas com
os eventos em curso na sua vida. A transição pode ser
uma altura de grandes alterações na vida social, na vida
doméstica e na vida laboral, podendo todas elas ter um
efeito tremendo no estado de espírito de alguém. Falar
com um terapeuta ou com um grupo de apoio entre
pares pode ajudar a facilitar estas alterações.
Testosterona e estereótipos de género
Cedo na transição, alguns homens trans (mas certamente não todos) podem ficar consumidos por preocupações quanto a como acreditam que os homens devem
parecer, falar, actuar e/ou sentir-se quanto ao mundo
que os rodeia. Isto é compreensível até certo ponto,
já que a transição pode ser um momento de teste, e o
início da transição em particular envolve uma certa
quantidade de adaptação à mudança. Durante esse
período tão tempestuoso, um homem trans e aque17

les que o rodeiam podem ser rápidos a atribuir toda e
qualquer emoção ou acção sua (negativa ou positiva) à
testosterona no seu sistema. Contudo, é importante recordar que as crenças e estereótipos próprios de cada
indivíduo sobre homens e mulheres – bem como os
seus próprios traços de personalidade pré-existentes
– podem também influenciar o seu comportamento
enquanto ele se adapta às mudanças da transição. Culpar a testosterona por toda e qualquer acção ou sentimento negativo é um bode expiatório fácil para o que
pode simplesmente ser mau comportamento ou fracas
estratégias individuais para lidar com a situação.
A testosterona é apenas um factor na transição, e nem
toda a gente responde a ela da mesma forma. Com isto,
não se pretende negar que a testosterona pode ter – e
tem – efeitos significativos nos estados de espírito e
sentimentos de alguns homens trans, mas antes salientar que nos comportamentos de uma pessoa jogam muitos factores. Podemos conhecer dez pessoas trans diferentes exactamente com o mesmo esquema de toma
de testosterona, e elas poderão ter dez experiências de
transição dif
erentes!
Em resumo, simplesmente tomar testosterona não criará um monstro. Mudanças nas nossas hormonas podem afectar cada pessoa de forma distinta, mas muitas
das preocupações sobre T e transição FTM baseiam-se
no medo e em equívocos, mais do que numa pesquisa
em larga escala de homens transexuais reais em terapia
com T.
Mito #2
Tomar testosterona vai provocar-te cancro.
Chamar a isto um “mito” é de alguma forma impróprio,
porque não há prova sólida, num sentido ou noutro,
quanto a um risco aumentado de cancro em transexuais
FTM que tomem testosterona por motivo de transição.
A verdade é que os transexuais FTM, enquanto população, não foram estudados numa amostra suficientemente ampla e ao longo de tempo suficiente para determinar os riscos de cancro a longo prazo, associados
com o uso de testosterona para transição e manutenção
ao longo da vida de características sexuais secundárias
masculinas.
Dito isto, as duas preocupações mais frequentemente
citadas em relação a homens transexuais que tomam T
são o cancro do fígado e o cancro dos aparelhos reprodutores femininos (útero/endométrio, colo do útero, e/
ou ovários).
Cancro do fígado
As doenças do fígado, incluindo o cancro, já foram associadas ao uso de certos esteróides anabolizantes,
incluindo algumas formas de testosterona, em homens
cisgénero. Mais especificamente, o uso de testosterona
C-17 alfa-alquilada (particularmente no caso da testosterona oral) já foi associado ao cancro do fígado. Por
isso em geral a administração de testosterona C-17 alfa-alquilada por via oral não é encorajada, sendo que se
pensa que os métodos de injecção, transdérmico, bocal
ou com aplicador apresentam menos riscos.
Também se deve apontar que os homens têm em geral
um risco maior de ter cancro do que as mulheres, embora não seja claro como isto se correlaciona com o caso
específico de transexuais FTM.
Tendo em conta o conhecimento médico actual, é difícil
dizer se o uso de testosterona por homens transexuais em doses com o propósito de realizar a transição e
subsequente manutenção dos níveis de testosterona
aumentará o risco de cancro do fígado ou não.
Quando se está a tomar testosterona no processo de
transição, o médico responsável normalmente pedirá
testes sanguíneos periódicos para monitorizar o estado geral da saúde do paciente. Normalmente, estes
testes incluem a medição de certos níveis de enzimas
e/ou outras substâncias no sangue, cuja presença pode
indicar que o fígado ou os tecidos vitais estão danificados. Como o risco para o fígado não é plenamente compreendido, indivíduos que tomam testosterona devem
pedir aos seus médicos que lhes façam testes sanguíneos com alguma regularidade, para monitorizar a sua
saúde.

Cancro dos órgãos reprodutivos femininos
No que respeita a cancros dos órgãos reprodutivos femininos, alguns médicos recomendam a histerectomia
(remoção cirúrgica do útero) e a oferoctomia (remoção
cirúrgica dos ovários) durante os primeiros 5 anos de
terapia com testosterona. Existe alguma preocupação
de que o tratamento com testosterona a longo prazo
possa fazer com que os ovários desenvolvam sintomas
semelhantes aos que são observados na síndrome do
ovário policístico (SOP). A SOP foi relacionada com
o risco aumentado de hiperplasia endometrial (uma
condição que ocorre quando a membrana da parede do
útero (endométrio) cresce demasiado), logo, com o cancro endometrial, bem como com o cancro dos ovários.

18

Devemos apontar que é difícil saber se o risco destes
cancros é aumentado pela terapia com testosterona em
homens transexuais. Os transexuais FTM são à partida
uma população pequena e muitos realizam histerectomias/oferectomias numa fase inicial do seu tratamento
hormonal, tornando-se assim difícil estudar os efeitos a
longo prazo da testosterona sobre o útero e os ovários.
Para além disso, muitos homens transexuais podem ter
tido SOP antes de começarem o seu tratamento hormonal, tornando mais difícil saber se sintomas relacionados com o SOP têm uma origem anterior ou posterior
à terapia com T.
Como a relação entre o uso contínuo de androgénio
e a saúde ginecológica ainda não é inteiramente compreendida, e como muitos homens transexuais frequentemente sentem embaraço e/ou têm dificuldades no
acesso ao cuidado ginecológico contínuo, alguns podem
sentir que é apropriado realizar estas cirurgias como
uma medida preventiva. Discute sempre a pesquisa
médica mais recente e os prós e contras destes procedimentos com o teu médico. (...)
Se um homem trans escolhe não fazer uma histerectomia/oferoctomia, ele deve continuar a fazer esfregaços
regulares (para controlar o cancro do colo do útero)
e deve procurar um médico se experienciar alguma
hemorragia vaginal irregular (incluindo a presença de
manchas), cãibras ou dor. Não é raro homens transexuais que não realizaram uma histerectomia experienciarem um acumular de tecido endometrial, especialmente
durante os primeiros anos da terapia com testosterona.
O tecido endometrial é normalmente expulso com a
menstruação, mas visto que este processo é normalmente interrompido depois de alguns meses de terapia
hormonal, tecido adicional pode continuar a acumular-se e pode eventualmente começar a libertar-se na
forma de manchas. Como hemorragias irregulares podem ser um sinal de cancro (apesar de frequentemente
não ser o caso), os homens transexuais que experienciam qualquer forma de hemorragia /manchas devem ver
um médico que realize testes para determinar a causa.
Estes testes podem incluir uma biopsia endometrial e/
ou um ultra-som. O doutor pode aconselhar que se realize uma toma temporária de progesterona para fazer
com que o útero liberte o tecido endometrial em excesso – isto é parecido com induzir um período. Embora
isto possa ser desagradável, deve ser compreendido
como uma medida preventiva, visto que a acumulação
anormal de tecido endométrico já foi associada ao cancro do endométrio.
Em conclusão, os riscos de cancro associados a tomar
testosterona para uma transição FTM não estão suficientemente bem estudados e não são bem compreendidos. No entanto, os benefícios da terapia de testos
terona para a qualidade de vida podem compensar
largamente preocupações com tais riscos. Para muitos
homens transexuais, a possibilidade de um ligeiro aumento na probabilidade do cancro (caso isso venha de
facto a ser provado) pode ser um risco que valha a pena
correr de forma a viverem as suas vidas como homens.
Se um homem trans pode garantir a sua paz de espírito com uma histerectomia/oferoctomia, então talvez
a cirurgia seja uma boa opção para alguns, até que dados mais precisos sobre o risco de cancro estejam disponíveis.
Mito #3
Tomar testosterona vai tornar-te mais alto.
A não ser que comeces a terapia de testosterona logo
durante os teus anos pubescentes, ela não te fará
crescer de forma significativa.
O motivo para isto é que o crescimento dos ossos longos pára perto do fim da puberdade. “Ossos longos”
são ossos no teu corpo que são mais longos do que são
largos, e incluem a coxa (fémur), parte inferior da perna
(tíbia e fíbula), parte superior do braço (úmero) e antebraço (ulna).
Durante a infância e a adolescência, os ossos longos
são compostos, individualmente, por um eixo chamado “diáfise” e de extremidades chamadas “epífises”. As
epífises são separadas do eixo por uma camada de cartilagem chamada a “placa epifisiária” ou “placa de crescimento”. Quando os nossos membros crescem durante
a infância e adolescência, as células de cartilagem das
placas epifisiárias dividem-se e aumentam em número. A cartilagem recém-formada por sua vez absorve o
cálcio e desenvolve-se, tornando-se osso, num processo chamado “ossificação endocondral”, causando um
aumento no comprimento do osso. Por volta do fim da
puberdade, o crescimento da cartilagem pára, e a cartilagem no extremo das placas de crescimento é completamente convertida em osso. As placas de crescimentos são então “fundidas” e os ossos longos não podem
crescer mais em comprimento. (...)
Muitos homens trans começam a terapia hormonal já
anos depois das placas de crescimento dos seus ossos
longos se terem fundido, e assim sendo, é impossível que se observe um aumento de altura significativo
causado pelo crescimento ósseo. Se estás a começar
a tomar testosterona durante a puberdade, ainda
poderás vir a crescer em altura (tendo em conta, no entanto, que a altura e o crescimento estão relacionados a
um complexo número de factores, sendo a testosterona
apenas um deles).
19

Apesar de os ossos pararem de crescer em comprimento no início da idade adulta, eles podem continuar
a aumentar em grossura ou diâmetro (chama-se “crescimento aposicional”) pela vida fora, em resposta a eventos como o aumento da actividade muscular ou do peso.
No entanto, este engrossar não causaria uma diferença
significativa em altura.
Há outro factor importante que não o crescimento ósseo que influencia a altura de uma pessoa: a postura.
Muitos homens transexuais, e particularmente se são
capazes de realizar cirurgias de reconstrução do peito,
começam a endireitar a sua postura, parecendo mais altos do que antes. Isto pode fazer uma diferença tremenda na altura, especialmente se a pessoa em causa se encolhia para esconder o seu peito pré-cirurgia. Também
há um factor de confiança e orgulho na melhoria da
postura; esses sentimentos aumentam frequentemente
pós-transição e podem fazer com que uma pessoa se
apresente mais direita, atingindo a sua plena altura potencial.
Mito #4
Tomar testosterona vai fazer com que os teus seios
encolham completamente.
Um dos efeitos da terapia hormonal em muitos transexuais FTM é a redistribuição da gordura corporal, de
um padrão de tipo “feminino” para um padrão de tipo
“masculino”. Uma redução no tecido adiposo à volta da
área dos seios não será, portanto, rara. No entanto, a
não ser que o homem em causa tenha à partida um peito muito pequeno, esta redução não será significativa o
suficiente para fazer com que o seu peito pareça mais
masculino (sem intervenção cirúrgica).
O tecido mamário é composto por gordura, tecido
conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e um sistema
ductal. Isto aplica-se quer a homens, quer a mulheres. O
tecido glandular e ductal da maior parte das mulheres
desenvolve-se bastante durante a puberdade, principalmente devido ao estrogénio, e muito do crescimento
das células de gordura nos seios ocorre neste período.
A testosterona pode reduzir alguma da distribuição
de tecido adiposo em torno dos seios, mas provavelmente não toda, e os tecidos glandular e ductal que já
se tenham desenvolvido permanecerão também. Por
isso, esperanças de ver os seios simplesmente “desvanecerem-se” quando se começa a tomar testosterona
só verão fruto no caso dos poucos que à partida já têm
muito pouco desenvolvimento mamário.
Mito #5
Se parares de tomar testosterona depois da cirurgia
ao peito, os teus seios crescerão de volta.
Para responder a este mito, reconsideremos o Mito #4,
e exactamente do que são feitos os seios: tecido adiposo, tecido conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e sistema ductal. Mais uma vez, o tecido glandular e ductal
da maior parte das mulheres desenvolve-se bastante
durante a puberdade, e há também em simultâneo
bastante crescimento das células adiposas.
A maior parte dos homens transexuais fazem cirurgias
de reconstrução do peito já muito depois do desenvolvimento pubescente dos seios. Quando um* cirurgião remove tecido numa cirurgia de reconstrução do
peito FTM, el* está a remover tecido glandular/fibroso,
para além de tecido adiposo em excesso. * cirurgiã* (se
estiver a fazer um bom trabalho) remove o máximo do
tecido glandular/ductal possível e bastante do tecido
adiposo também. Deixa-se alguma gordura porque sem
nenhuma gordura, o peito pareceria demasiado liso ou
até côncavo em comparação com o resto do torso. A
quantia e localização do tecido deixado dependerá das
capacidades d* cirurgiã* e do método cirúrgico usado
para remover o tecido.
Assim que o tecido glandular/ductal tiver sido cirurgicamente removido do corpo, ele foi-se de vez. Não vai
crescer de volta espontaneamente. Qualquer quantia
mínima de tecido glandular/ductal que fique pode sofrer algum encolhimento ou crescimento, mas tratar-seiam de alterações menores.
Tecido adiposo deixado no corpo pode passar por
frases de crescimento e de encolhimento, tal como toda
a gordura do corpo é susceptível ao crescimento e ao
encolhimento. Células adiposas podem sempre crescer
devido a influências no consumo de comida, alterações
metabólicas, ou níveis hormonais. Se um homem trans
interromper a toma de testosterona e ainda tiver ovários funcionais, pode haver uma alteração na distribuição
geral da gordura corporal para um padrão mais de tipo
“feminino”, o que pode incluir um pequeno aumento na
gordura na área do peito. Mas mantém em mente que,
na maior parte dos casos, um homem trans pós-cirurgia
ao peito teve uma quantia muito grande do tecido removido do seu peito, de modo que mesmo algum crescimento nessa gordura provavelmente não será significativo o suficiente para ser equivalente ao crescimento de
“seios” tal como ele antes os teve.
Mantém igualmente em mente que alguns homens
trans têm cirurgia ao peito pré-testosterona (por vezes,
anos antes de iniciar a testosterona) e algumas pessoas
20

optam por cirurgia ao peito sem testosterona, e estas
pessoas geralmente não experienciam um regresso do
crescimento dos peitos pós-cirurgia.
Mito #6
Tomar testosterona vai tornar-te gay.
Alguns homens transexuais podem descobrir que as
suas sensações e atracções sexuais se alteram depois
de começarem a terapia hormonal, enquanto para
outros este não será o caso. Alguns homens trans sentem-se atraídos por mulheres antes da testosterona e
continuam a sentir-se atraídos por mulheres pós-testosterona. Alguns sentem-se atraídos por homens
pré-testosterona e continuam a sentir-se atraídos por
homens pós-testosterona. Alguns podem descobrir que
as suas atracções mudam, de mulheres para homens ou
de homens para mulheres, pré e/ou pós-testosterona.
A sexualidade humana é um fenómeno complexo e os
transexuais FTM não são diferentes nesta dimensão.
Há homens transexuais heterossexuais, homossexuais,
bissexuais e assexuais, tal como há pessoas que na verdade não se identificam com nenhuma dessas categorias.
Portanto, não há correlação específica entre tomar testosterona e subitamente tornares-te gay. No entanto,
este mito pode ter ganho credibilidade porque há de
facto uma porção de homens transexuais que vivem uma
mudança nos seus sentimentos sexuais pós-transição.
No entanto, isto pode ter mais a ver com as mudanças
emocionais que vêm com viver como um homem e com
ser visto pelo resto do mundo como um homem do que
com a simples presença da testosterona em si. Ou seja,
assim que um homem trans começa a sentir-se confortável no seu corpo e no seu papel enquanto homem,
pode sentir-se mais confortável em explorar emoções
sexuais por homens do que estaria pré-transição. Muitos homens transexuais estão desconfortáveis nos seus
corpos pré-transição, e conforme se tornam mais confiantes pós-transição, alguns podem sentir-se mais confiantes em territórios sexuais novos ou diferentes.
O mito provavelmente também ganha alguma força
porque toca em alguns dos medos dos parceiros dos
homens transexuais conforme eles iniciam a transição.
Ou seja, muit*s parceir*s podem perguntar-se, “será
que ele ainda se vai sentir atraído por mim?” ou “será
que ainda me sentirei atraíd* por ele?” Preocupações
quanto à identidade, quanto à comunidade e quanto à
lealdade podem também intensificar esta questão, especialmente para as pessoas trans FTM que podem ter
raízes em comunidades LGB.
A verdade é que ninguém pode prever todas as coisas
que acontecerão a um indivíduo durante ou depois da
transição, e às vezes, há surpresas. No entanto, se a
testosterona tornasse todos os homens transexuais
gays, então não haveria nenhuns homens transexuais
pós-transição com parceiras do género feminino, e este
pura e simplesmente não é o caso.
Mito #7:
Se alguém toma doses enormes de testosterona, a sua
transição acontece mais rápido do que com uma dose
normal.
Durante os primeiros meses da terapia com T, muitos
homens transexuais sentem-se impacientes, à espera
que aconteçam alterações masculinizantes. Alguns podem considerar a possibilidade de duplicar ou triplicar a sua dosagem, pensando que quanto mais tomem,
mais rápido virão as mudanças. No entanto, aumentar
dramaticamente a tua dose de T pode ter o efeito de
atrasar as tuas mudanças. Isto acontece porque testosterona em excesso no teu corpo pode ser convertida em
estrogénio por uma enzima chamada “aromatase”. Esta
conversão faz parte do sistema natural de comunicação
química do teu corpo – se há uma abundância de testosterona no teu corpo, ela é convertida (“aromatizada”)
em estrogénio, para manter um equilíbrio hormonal

“normal”. Assim sendo, tomar doses muito grandes de
testosterona provavelmente não é boa ideia.
As alterações derivadas da toma da testosterona são
cumulativas, o que quer dizer que ocorrem de forma
estável e regular ao longo do tempo. Embora algumas
das primeiras mudanças (tipicamente na voz, na oleosidade da pele e na libído) possam ocorrer nas primeiras
semanas ou meses, a maior parte das outras mudanças
(tais como o crescimento do pêlo corporal e do pêlo facial) demoram muitos meses ou até anos. Um homem
trans pode observar alterações rápidas numa área e
mudanças lentas em outras áreas, enquanto que noutro
caso talvez se observe o oposto. Os resultados e a linha
cronológica geral das mudanças induzidas pela terapia
hormonal não podem ser previstos com segurança. A
paciência é uma qualidade chave (embora possa ser
difícil de preservar, no caso de alguns homens trans que
querem observar mudanças imediatamente).
Se sentes que a tua transição não está a acontecer a
um ritmo razoável, fala abertamente com o teu médico,
pede que os teus níveis de testosterona sejam analisados regularmente (especialmente durante o primeiro ano do tratamento), presta atenção às alterações
no teu corpo e ao que sentes em relação ao mesmo e
ajusta a tua dosagem dentro dos limites do razoável,
se necessário. Talvez até descubras que uma dose mais
baixa funciona melhor para ti. (…)

ALTERAÇÕES HORMONAIS – ESTROGÉNIO (CASO MTF)
Terapia de Reposição de Hormonas em mulheres trans (MTFs)
por Aline Freitas
original em https://www.facebook.com/notes/horm%C3%B4nios-para-transg%C3%AAneros/faq-hormoniza%C3%A7%
C3%A3o/183128951832014
(...) Como funciona a Terapia de Reposição Hormonal?

− O antiandrogénio é o responsável por bloquear os
efeitos da testosterona no organismo, impedindo a
masculinização.

A terapia é basicamente composta de:
− Um estrogénio (estradiol e derivados)

Vou ficar feminina? Em quanto tempo? Quais são os
efeitos?

− Um antiandrogénio (acetato de ciproterona ou espirinolactona)
Em poucas palavras:
− O estrogénio é o responsável pela feminilização do
organismo.

21

Cada corpo reage da sua forma. Os efeitos dependem
de uma série de fatores como: genética, a idade em que
se inicia a TRH (Terapia de Reposição Hormonal), o
peso, e o quanto o corpo é capaz de absorver o estrogénio. Em geral, quanto mais nova iniciar, mais mudanças
terá. A puberdade feminina em raparigas cis pode levar
até 7 anos, portanto é preciso ter paciência.
No começo a maior parte das mudanças são internas.
Algumas mulheres percebem mudanças em menos de
um mês das quais: crescimento dos seios, pele mais
macia, mudanças na distrubuição de gordura no rosto,
coxas, nádegas e crescimento dos seios. Mas se não notar mudanças em 4 ou 5 meses talvez valha verificar a
dosagem.

Algumas mulheres tomam verdadeiros cocktails hormonais, misturando etinilestradiol com valerato de estradiol, com beta estradiol com enantato de estradiol
(perlutan). Estas combinações são perigosíssimas e podem trazer prejuízos sérios e irreversíveis para a saúde.
Um único tipo de estrogénio é o suficiente para uma
hormonização eficiente, eficaz e segura. Um só medicamento com estrogénio e um só anti-androgénio é tudo
o que precisa.

Quais são as melhores hormonas?

Qual é a dosagem recomendada?

Não existe uma hormona melhor! Os melhores são
aqueles que funcionam para si e não aquele que funcionou para a sua colega ou para a prima da vizinha.

Só é possível determinar a dosagem recomendada,
após os devidos exames com os níveis hormonais do seu
organismo. Um bom endocrinologista saberá indicar a
dosagem mais adequada.

Em quanto tempo vou notar mudanças no meu corpo?

// imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço.
é pornografia, é ciência? os discursos dominantes não captam nem possibilitam vivências excêntricas em relação ao
binário de género, vivências que refaçam “homem” e “mulher” e outra coisa ainda além dos termos seguros e coercivos do sistema que vivemos. na hegemonia do binarismo
de género deste sistema, nem a ciência nem a imaginação
criam o outro corpo, o terceiro e quarto e quantos mais haja.
resta a*s interssexo e trans e bichas e que mais ocupar um
corpo ilegítimo e abjecto; um corpo tomado por inumano.

	
  

22
 

// imagem por Joana Sousa & texto por Daniel Lourenço.
menina faz isto mas menino faz aquilo, menino diz isto
mas menina diz aquilo, menina pode isto mas menino pode
aquilo. o corpo nunca está livre da regra e estão cá pais e
ciência e sociedade para corrigir qualquer desvio, organizar
as partes certas, censurar qualquer sentido extraviado do
corpo. mas temos e resistiremos pelo direito a outro fazer,
outro dizer, outro poder - outro corpo. a luta é também
descobrir que ainda vamos a tempo de recuperar e proteger
o melhor de ser-criança: o jogo do que somos e seremos.

23
SEXUALIDADE FTM

original em http://library.catie.ca/PDF/ATI-20000s/24654.pdf

Mitos quanto aos homens trans
Homens trans não correm risco de contrair VIH
Este é um mito muito comum. Se tens sexo sem protecção, estás em risco. Isto porque é fácil o sémen,
sangue ou fluidos sanguíneos que contêm VIH serem
absorvidos pelo teu corpo durante o sexo desprotegido.
Pensa no sexo que tens ou queres ter. Educa-te quanto aos riscos associados a essas actividades sexuais e
aprende sobre formas de reduzir os riscos que corres,
ao mesmo tempo que preservas o prazer sexual nas formas de sexo que queres.
Homens trans não têm sexo com outros homens
Como todos os homens, nós identificamo-nos como
heterossexuais, bissexuais, gays, panssexuais, assexuais
e por aí fora. Há uma falsa concepção de que, se és um
homem trans, por definição só quererás dormir com
mulheres. Alguns de nós querem. No entanto, outros de
nós gostam de dormir com homens – sejam estes trans
ou cisgénero.
Homens trans são todos passivos
Este mito deriva do facto de muitos assumirem que não
temos pila. Não só alguns de nós fazem cirurgias que
nos permitem penetrar os nossos parceiros com os nossos genitais, como existem outras opções como strapons, dildos e as nossas mãos, que também usamos para
foder. O aspecto dos nossos genitais não determina se
somos activos ou passivos, penetradores ou penetrados. Muitos homens trans gostam de ser fodidos, outros preferem foder. Alguns trocam de posição, dando e
recebendo, dependendo da altura e pessoa com quem
estamos. E há ainda outros que gostam de sexo sem
qualquer forma de penetração.

parceiro(s) estão a pensar mais claramente e são capazes de tomar decisões lúcidas. Acariciarem-se ou esfregarem-se enquanto discutem sexo seguro pode ser
um bom modo de se lembrarem que “mais seguro” não
significa “menos excitante”. Deixa claro que queres sexo
seguro.
Coloca o sexo seguro na mesa
Mantém os materiais necessários para sexo seguro
perto do local onde vais foder e onde estejam visíveis.
Alguns gostam de fazer isto como forma de evitar ter de
falar sobre sexo seguro: se deixares as coisas à vista, o
teu parceiro recebe a mensagem de que tu esperas sexo
seguro. Se falares sobre isso, ter as coisas à mão pode
ser uma boa forma de arrancar a conversa sobre o tema.
Quanto mais confortável te sentires em abordar práticas de sexo seguro, mais provável será que consigas
comunicar com confiança sobre como gostas de foder.
Sexy, sujo e seguro
Torna o sexo seguro apelativo para o teu parceiro, mantendo-o divertido. Pede-lhe que faça três coisas sujas
que envolvam sexo seguro. Experimenta situações
novas e torna a foder em segurança, é mais excitante.
Não há nada melhor do que seres capaz de expandir os
teus horizontes sexuais e, simultaneamente, reduzir os
riscos.
Para além dos preservativos
Torna o preservativo uma componente atraente e
agradável do sexo para ti próprio e para o(s) teu(s) parceiro(s). Experimenta pôr um preservativo com a tua
boca ou pedir ao teu parceiro que o faça. Cuidado com
os dentes, para não rasgarem ou furarem o preservativo. Há uma grande variedade de preservativos, com diferentes formas e sabores, texturas, cores e outras “actualizações” – já não tens só os preservativos comuns.

Tornar o sexo seguro mais fácil e mais divertido
Continuar duro
Conversar
Fala sobre sexo seguro durante os preliminares e na
fase inicial de excitação sexual, quando tu e o(s) teu(s)
24

Lembra-te que alguns rapazes têm dificuldade em usar
preservativos. Não é raro alguém perder a erecção
quando põe um preservativo. Isso pode criar uma certa
ansiedade de performance sexual e sensação de vergonha, levando alguns a praticarem sexo desprotegido
em vez de arriscarem perder a erecção e, de algum
modo, não serem capazes de manter a sua performance
sexual. Se a picha do teu parceiro ficar mole com o preservativo, diz-lhe que isso não é um problema para ti.
Aligeira a situação e usa-a como uma oportunidade para
fazer mais do que à partida o deixou duro. Diz-lhe que
mantenha o preservativo posto e os dois podem interagir de modo a deixá-lo de novo duro o suficiente para
foderem.

Manter a força
Alguns rapazes sentem que os preservativos são uma
barreira ao prazer e intimidade. E há aqueles que
gostam de ejacular dentro dos seus parceiros ou de ter
os seus parceiros a virem-se dentro deles. Prepara-te
para teres de afirmar o teu desejo por sexo seguro se
tiveres um parceiro que pressiona os teus limites e te
quer foder sem preservativo. Pensa em outras formas
de criar intimidade, proximidade e prazer que não exijam que se vejam livres do preservativo.

SEXO SEGURO PARA RAPAZES TRANS
por Stef
original em http://trans-ftm-gay.blogspot.pt/p/castillano-safe-sexe-chicos-trans.html?zx=d6db588398e27c6a
É importante esclarecer que cada prática sexual requer
um tipo de protecção específico.
As luvas devem ser usadas caso haja penetração com
os dedos ou com a mão, visto que o preservativo nunca
cobre toda a área e o fluxo ou mucosa pode correr pela
mão.
Em caso de sexo oral: usar uma camada de látex, preservativo “feminino” (marca “Camaleão”, que se obtém
facilmente na maioria das sex shops) ou preservativo
“masculino”.
Em caso de práticas anais: para penetração anal usar
sempre preservativo (também nos sex toys e em
qualquer outro objecto utilizado); no caso de um dicklit,
pode usar-se um preservativo feminino para penetrar a
outra pessoa analmente, devendo ela pôr o preservativo feminino no ânus sem o anel no final. Se utilizarem os
dedos, deve usar-se luvas de látex.
Em caso de penetração vaginal: usar preservativo feminino ou masculino (em caso de dicklit, a situação é a
mesma; coloca-se o preservativo feminino na vagina
com o anel agarrado aos lábios vaginais).
É importante saber que, ao passar de sexo anal para
sexo vaginal, há que mudar sempre de preservativo. O
mesmo aplica-se aos sex toys ou outros objectos, devendo também ser limpos com água e sabão neutro e/
ou bactericida (nas sex shops encontram-se também
produtos de limpeza de sex toys e/ou bactericidas).
Se trocas de parceir* no sexo em grupo, mudam-se os
preservativos d*s envolvid*s.
25

Ao nível do acompanhamento ginecológico ou urológico (para quem fez uma faloplastia ou metadioplastia),
encontramo-nos perante médicos que frequentemente
reassignam como mulheres. A maior parte dos médicos
ignora os nossos corpos trans modificados pela testosterona e/ou as operações (mastectomia e/ou faloplastia
e/ou metadioplastia). O resultado é a inexistência de
acompanhamento.
A toma de testosterona altera os genitais: o clítoris
cresce e designa-se muitas vezes por dickclit. Após o início da toma de testosterona, podem gerar-se poliquistos no útero. Entretanto, o acompanhamento médico
(para quem faça uma faloplastia) tem o mesmo problema para muitos: pouquíssimos médicos conhecem o
pénis trans e são capazes de praticar uma consulta correcta. Tudo isto sem mencionar a angústia do coming
out (saída do armário) em ambiente médico.
Para se falar de sexo seguro, precisamos de abordar não
só as doenças sexualmente transmissíveis (DST) mas
também o contexto geral da pessoa trans e as discriminações a que está sujeita.
Ao nível romântico e sexual, não podemos negar a realidade de que a comunidade trans sofre muita rejeição.
Se não aparentamos ser trans, ou se a nossa aparência
física provoca a dúvida sobre se somos homens ou mulheres, somos mais frágeis. Para aqueles que aparentam
ter um género definido, a saída do armário em contexto
romântico ou sexual toma maior importância.
Como trans (aparentando ou não um género definido),
tens de tomar uma decisão quanto a dizer, ou não, «Sou
trans» à pessoa com quem estás envolvido ou com
quem vais fazer sexo. Cada pessoa tomará a sua decisão
em função da relação sexual que pretende ter, da parte
da transição em que se encontra, do lugar onde está, se
se sente confortável e seguro, e de outros elementos a
considerar. Se decides revelar que és trans, eis algumas
questões a ter em conta:
	
– Estás num lugar em que te sentes fisicamente e emocionalmente seguro?
	
– Podes abandonar rapidamente esse sítio,
caso seja necessário?
	
– Após saíres do armário, podes ser forçado
a ser pedagógico no caso de alguém que saiba pouco sobre pessoas trans: terás disponibilidade para tal?
E se a saída do armário é negativa:
	
– Se as tuas emoções, o teu corpo, as tuas
sensações e outros factores te indicarem que a situação ou a reacção da outra pessoa te põe muito desconfortável, vais escutar essas indicações?

	

– Tens para onde ir?

	

– Podes sair do local em segurança?

	

– Podes pedir ajuda a amig*s?

	
– Podes telefonar ou ir a casa de alguém
amig* que te possa assistir?
Ao nível das práticas sexuais, é muito importante que
verbalizes os teus limites antes de chegares à relação
sexual.
Alguns trans rejeitam ser tocados em algumas partes
do corpo (mamas e/ou vagina); outros utilizam todas
as partes do seu corpo e disponibilizam-se a ser vaginalmente e/ou analmente penetrados; outros ainda vão
ter práticas mais “activas”, usando o dickclit, os dedos, a
língua e/ou um dildo: as práticas sexuais são variadas de
um trans para outro.
Para a penetração vaginal com dickclit, dildos, dedos ou
pénis, é muito importante usar gel lubrificante (à base
de água) se não houver lubrificação física espontânea.
Para aqueles que fizeram uma faloplastia, o pénis é mais
vulnerável ao VIH por não ter mucosa, a saída da uretra
é mais larga, sendo uma entrada mais arriscada para as
DST. O preservativo é absolutamente necessário.

// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

	
  

ele que crie e ela que cuide; o menino é humano e a menina
é mamã (sempre aquém de humana), o menino é fazedor
e a menina é doméstica (sempre aquém de fazedora). e no
entanto adivinhamos tantos outros modos de redistribuir e
recriar essas tarefas e características e desejos ao ponto de
explodir a coerência de um ser ou outro. a chave não é capacitar nem o menino, nem a menina. a chave é capacitar a
criança para ser tudo isso e nada disso, e ainda mais.
26
 

// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

nasces e cais aqui ou ali. o teu corpo é recebido e repartido,
diferenciado e distribuído, por todas as forças sociais que te
dirão o que és e onde vais antes de teres sequer fala ou acto
teus. és entregue a um trabalho de vida inteira de te fazeres
o que se decidiu já que farás e serás. é altura de quebrarmos
27

todos estes moldes, tornarmos elásticas as nossas existências, darmos espaços aos que vieram e aos que venham
para ser outra coisa, para ser outras mil coisas, rasgando a
coerção a que somos submetid*s.
Campanhas em 2013

Manifesto STP 2013 – Diversidade de Género na Infância
STOP TRANS PATHOLOGIZATION – STOP PATOLOGIZAÇÃO TRANS
A Campanha Internacional Stop Trans Pathologization
(Stop Patologização Trans) é uma campanha mundial
pela despatologização das identidades trans.
Desde 2007 que a Campanha STP convoca, no mês de
Outubro, uma série de ações internacionais pela despatologização trans. As atividades desse mês (também
conhecido como Outubro Trans) culminam no dia 19 de
Outubro (Dia Internacional pela Despatologização das
Identidades Trans), com manifestações simultâneas em
diversas cidades do mundo.
Em Outubro de 2012, o “Outubro Trans” incluiu mais
de 100 atividades em 48 cidades de diferentes continentes, desde a América Latina, à Oceânia, América
do Norte, Ásia, África ou Europa. Mais de 350 grupos,
redes, plataformas e federações internacionais e organizações políticas declararam o seu apoio para com a STP.
Atualmente, a campanha conta com a adesão de grupos
e redes de ativistas de todos os continentes do mundo.
À semelhança dos anos anteriores, também este ano o
Outubro Trans e o Dia Mundial de Acção pela Despatologização Trans serão assinalados em Lisboa, com um
evento previsto para sexta-feira, dia 25 de Outubro .
No ano de 2013, a Campanha STP centra-se no lema
“Diversidade de Género na Infância”, em resposta às
mais recentes e diversas tentativas de a patologizar.
Nesta área, os objectivos principais da campanha em
2013 são:
	
•A inclusão de um capítulo de atenção sanitária trans-específica, não baseada na doença, no CID11 (Manual de Classificação Internacional de Doenças
e Outros Problemas de Saúde da OMS, Organização
Mundial de Saúde) e a retirada da presença das identidades trans (categorias F64, F65.1 e F66) do Capítulo V
deste manual. Esta alteração facilitaria a sua cobertura
pública em diferentes partes do mundo;
	
•A retirada imediata da proposta de inclusão
da categoria “Incongruência de Género na Infância” no
CID-11;
	
•A presença e participação continuada do
movimento trans no processo de revisão do CID;

28

	
•A retirada das categorias trans-específicas
(“Disforia de Género”, “Disforia de Género na Infância”
e “Trastorno Transvestista”) no DSM-V (Manual da APA,
American Psychiatric Association);
	
•A luta pelo fim de cirurgias forçadas a bebés
intersexo.
	
•A luta pelo direito à saúde trans-específica
e plena para as pessoas trans (transgénero, transexuais
e demais).
	
•O impulsionamento e reforço de atividades
que promovam o debate e questionamento dentro do
movimento trans.
É a pensar na diversidade de género na infância, que
questionamos a utilidade clínica de uma categoria de diagnóstico para crianças com expressões e trajetórias de
género diferentes das expectativas sociais associadas
ao género que lhes foi atribuído à nascença.
A campanha STP está consciente que as crianças estão
particularmente vulneráveis a situações de discriminação, abuso médico ou terapias “normalizadoras”.
Tal ocorre devido a uma falta de reconhecimento sistemática dos seus direitos de participação em decisões
clínicas. De facto, a tentativa de classificação como diagnóstico da diversidade de género na infância pode
criar uma contradição com princípios estabelecidos na
Convenção Internacional de Direitos Humanos, no último Conselho de Direitos Humanos ou nos Princípios
de Yogyakarta.
As crianças trans são na maioria das vezes sujeitas a
“tratamentos normalizadores” que deixam profundas
marcas de instabilidade, estigmatizando e traumatizando as mesmas e, deste modo, comprometendo um futuro saudável. É-lhes negado o reconhecimento da sua
identidade de género, bem como da sua livre exploração
e expressão.
A campanha nacional acredita que se devem considerar os tratamentos com bloqueadores da puberdade, e
apenas se a criança e a família o requererem. De facto,
estes tratamentos podem evitar a necessidade de morosos, caros e desagradáveis tratamentos para alterar
efeitos da puberdade que podiam ter sido sus
pensos. Assim, a utilização de bloqueadores pode ser
um utensílio para oferecer tempo e espaço para a livre
descoberta da diversidade de género na infância. No
entanto, o objectivo principal no seu uso é dar à criança
liberdade e não coagi-la a uma qualquer escolha binária,
caso a mesma não o desejar fazer.
De acordo com os critérios de diagnósticos estabelecidos para a “Disforia de Género na Infância” e no DSM-5,
pode-se notar a contradição entre dois pensamentos:
	
1.Existe um reconhecimento da possibilidade de identificação com “um género alternativo diferente do atribuído à nascença”
	
2.Observa-se o pressuposto de que há jogos,
brinquedos e actividades infantis considerados “típicos”
do género atribuído à nascença. Mais ainda, existe uma
preferência pelas actividades infantis associadas ao
“outro género” e usadas de forma estereotipada.
Este último pensamento reproduz um modelo redutor
do que é a diversidade de género em criança, reforça o
binarismo de género e os estereótipos de género e reflecte o modelo diagnóstico ocidental.
Na verdade, a descoberta de diferentes expressões
de género e formas de o encarar, não está relacionada
necessariamente com uma experiência de sofrimento,
doença, transtorno ou estado que necessite atenção
médica. (Especialmente em contextos culturais afirmativos.)
Nos casos em que crianças com expressões, vivências e
identidades de género diferentes das do género atribuído à nascença, estas devem poder requerer aconselhamento psicológico e social. Esse aconselhamento deve
ser um processo de livre exploração de expressões de
género e de aconselhamento, para si e para os seus
pais/familiares, sobre como lidar com as experiências
de discriminação de que pode sofrer. Para este apoio
específico, consideramos que não seria necessário categorizá-lo especificamente no CID. Esse apoio seria feito com base na disponibilidade dos profissionais numa
abordagem não-patologizante e aberta à diversidade
de género e multiplicidade de histórias.
Para facilitar a cobertura pública dos serviços de aconselhamento, a nossa proposta é a inclusão do conceito
de “identidade de género” nas regulamentações e códigos de boas práticas relacionadas com aconselhamento
ou experiências de discriminação. Finalmente, consideramos muito relevante a possibilidade de manutenção
de contactos com grupos e redes de ativistas trans, por
parte do pessoal médico.

29

Outras reivindicações nacionais da campanha STP:
	
•Uma verdadeira Lei da Identidade de Género, que não patologize as identidades trans e permita
lutar mais eficazmente contra todo o tipo de discriminações de que são alvo no emprego, na habitação, no
acesso à saúde;
	
•Direito à mudança de nome e sexo nos documentos de identificação sem tratamento obrigatório
ou diagnóstico, ou qualquer avaliação médica ou judicial. Bem como a anulação do aumento exorbitante do
preço da alteração de nome e género incluído nos recentes aumentos dos preços dos actos notariais;
	
•A inclusão da “Identidade de Género”, como
motivo pelo qual ninguém pode ser discriminado, no artigo 13º da Constituição da República;
	
•Descentralizar o atendimento cirúrgico,
limitado a Coimbra (HUC – Hospitais Universidade
de Coimbra) com a extinção da realização de cirurgias
em Lisboa, com perda de qualidade, bem como o atendimento psiquiátrico e psicológico; exigir ainda que as
pessoas trans que o requererem possam obter informação detalhada sobre o serviço e a qualidade do atendimento cirúrgico praticados nos HUC;
	
•Descongestionar as longas e prejudiciais
listas de espera e diminuir o exagerado tempo dos processos evitando a multiplicação de inúmeras avaliações
psicológicas;
	
•Fim das cirurgias à nascença e tratamentos
normalizadores a bebés intersexo até que (ou se) os
desejem;
	
•Fim da coação à esterilização de trans masculinos.
	
	
•Facultar às crianças trans tratamento hormonal destinado a bloquear os efeitos da puberdade até
que as identidades de género se clarifiquem, de modo a
evitar tratamentos dispendiosos e morosos aos efeitos
da puberdade que deste modo podem ser evitados. O
tratamento bloqueador nunca deve, contudo, ser usado
numa perspetiva de invisibilizar, evitar ou “normalizar”
numa perspetiva binária as identidades e expressões de
género trans.
	
•Fim dos atuais ataques ao Serviço Nacional de Saúde, na área da prevenção de Infeções Sexualmente Transmissíveis, no racionamento ou corte de
tratamentos e medicamentos no âmbito do memorando
da Troika e das medidas de austeridade acrescidas.
Outras reivindicações internacionais da Campanha
STP, igualmente necessárias em Portugal:
	
•Medidas de educação e proteção contra a
Transfobia, nomeadamente no meio escolar, e o reconhecimento da diversidade de expressão e identidade
de género de qualquer criança pelos colegas e professores/auxiliares, desde os jardins-escola;
	
	
•Garantia de acesso ao mundo laboral e
adoção de políticas específicas para acabar com a marginalização e a discriminação das pessoas trans;

	
•Condições de saúde e de segurança no desenvolvimento do trabalho sexual, a que muitas pessoas
trans são forçadas a recorrer em consequência da sua
sistemática exclusão social e laboral, e o fim do assédio
policial a estas pessoas, bem como do tráfico sexual;
	
•Concessão imediata de asilo político às pessoas trans imigradas que chegam ao nosso país fugindo
de situações de discriminação e violência em função da
sua identidade de género.

CAMPANHA NO + TRANSFOBIA (CHILE)
Contribuições de Portugal para a campanha chilena No + Transfobia
Ver mais em: http://nomastransfobia.tumblr.com

Os homens com mamas e vulva existem. Sou um homem
trans* (FTM) feminino que, às vezes, gosta de se maquilhar.
	
Gostaria de um dia poder ir à praia e mostrar o meu peito
não-operado, à vontade. Gostaria de, ao ser trans* e precário, poder ter mais perspetivas de futuro do que a miséria.
Gostaria que companheir*s trans* não se quisessem suicidar ou fossem assassinad*s. Gostaria de não ter medo de
que alguém descubra que eu sou trans*. Gostaria que ninguém achasse que está no direito de dizer quem eu sou ou

	
  

30

porque é que acham que o que eu sinto não é válido. Gostaria de não ter de ser seguido por psiquiatras ou psicólogos
que me tratam mal, me desrespeitam e acham que a nossa
diversidade é uma doença a tratar.
	
Nada disto é possível, porque existe transfobia.
No + Transfobia!
Mi Guerreiro
 

Sou como aí me vêem. E tenho medo de sair à rua sendo
quem sou.
	
Tenho medo que alguém me bata, que me
ataque verbalmente, que me espanque. Tenho medo que alguém me mate. Tenho medo que alguém me deixe, aqueles
que o fariam por lhes mostrar quem sou. Até em espaços
trans* tenho medo. Mesmo neles, a minha identidade é negada, invisibilizada. Aqui dói mais, porque neste espaço deviam mesmo perceber. E tenho medo. Não tenho operações
nem faço intenção. Se precisasse, teria medo. Mas não pre31

ciso. E tenho medo de uma sociedade que fica perplexa se
me vir de vestido. Tenho medo de uma sociedade que fica
espantada, e se torna agressiva, porque eu decidi sair à rua
vestid*.
	
E quero deixar de ter medo. No + transfobia!
Alice Cunha
Direitos Trans: uma zine sobre identidade de género e experiências trans

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Direitos Trans: uma zine sobre identidade de género e experiências trans

  • 1.
  • 2. Introdução A intenção desta zine é providenciar um recurso útil e raro (ou mesmo inexistente) no contexto português: um que sirva de meio de informação e reflexão em torno de questões trans, das dimensões mais médicas e pragmáticas dos processos de transição às múltiplas reflexões e discussões políticas que os discursos de resistência e afirmação trans têm construído nos últimos anos. Vivemos numa sociedade profundamente cissexista e transfóbica, que nega e reprime o direito de cada um* à vivência do seu corpo nos seus próprios termos, de acordo com os seus desejos, afectos, necessidades e visões. Antes, determina-se que somos homens ou mulheres, incontornável e inquestionavelmente, e que sujeito nenhum poderá interrogar ou transformar o seu encaixe num ou noutro – e que, desejando-o, será um sujeito doente e transtornado, que só a patologia e a desordem explicarão. Queremos opor-nos clara e sistematicamente a todas essas opressões materiais e simbólicas, legais e quotidianas, a que vemos submetidos os nossos corpos. Formulámos este documento para lhes resistirmos e para tornar claro que vivem (e vivem bem) outros entendimentos do género e da identidade. Urge abrir espaços a outros corpos e outros modos de os viver e é isso mesmo que achamos que a informação e o pensamento crítico possibilitam. Acreditamos que trabalho como o que aqui tentamos pode ser determinante em esculpir alternativas de vida e de sentido, alternativas que energizem todas as pessoas que se sintam sufocadas, silenciadas e suprimidas pela gestão normativa dos corpos que esta sociedade exerce tão prepotente e violentamente. Compilamos aqui uma série de artigos internacionais que traduzimos para português, de modo a tornar acessíveis discursos que circulam já com maior grau de consolidação no estrangeiro a tod*s *s que talvez não saibam navegar os recursos existentes autonomamente ou que pura e simplesmente não compreendam as suas línguas de origem (Castelhano e Inglês). Pretendíamos oferecer uma visão de conjunto, mas nesta primeira experiência acabámos por dar particular atenção a dois eixos centrais. Por um lado, este número inaugural da zine surge como uma iniciativa das Panteras Rosa e da campanha internacional Stop Trans Pathologization, cujo tópico deste ano foi a identidade de género na infância; incluímos por isso na zine uma série de imagens produzidas para a campanha, que direta e indiretamente refletem sobre esta temática. Por outro lado, esta zine partiu da urgência pessoal de um dos organizadores em encontrar e partilhar recursos especificamente referentes à experiência FTM (“Female-to-Male”); segue-se que salientamos informação sobre a sexualidade FTM e 2 a identidade social e política contemporânea enquanto FTM. Esperamos que compreendam as nossas escolhas e que ninguém se sinta excluíd*; comprometemo-nos a expandir o nosso trabalho futuro para que abranja o máximo de identidades e experiências. Os grandes catálogos médicos internacionais designam a transsexualidade como uma patologia mental e exigem ao sujeito trans passividade em relação a uma série de minuciosos protocolos médicos e psicoterapêuticos, processos esses que impingem uma noção de género normativa de forma coerciva. São pouquíssimos os centros de atendimento clínico e cirúrgico em Portugal. Os bebés intersexo são submetidos a cirurgias ditas corretivas que os forçam a habitar um ou outro género normativo, sem qualquer preocupação com o consentimento por parte do corpo que assim se transforma violentamente. As crianças trans têm pouca ou nenhuma voz e capacidade de determinação da sua identidade e dos tratamentos a que têm direito. A lei não protege as pessoas trans, não reconhecendo apropriadamente as discriminações que lhes são específicas. O próprio direito ao nome é posto em causa por uma barreira de burocracias impeditivas da autodeterminação. O acesso ao trabalho é altamente fragilizado, sem legislação que combata o profundo preconceito das entidades empregadoras... E nisto não fazemos mais do que apontar somente alguns dos pontos da luta que urge fazer pelos direitos trans, de entre as múltiplas e tremendas discriminações que observamos. Só podemos esperar que este nosso pequeno passo ajude no processo de construir outro discurso e de possibilitar outra consciência da luta que temos pela frente. NOTA IMPORTANTE A linguagem desta zine tenta ser inclusiva e nãobinária. O que quer isto dizer? Que evitamos masculinizar e/ou feminizar os pronomes e as palavras. Escolhemos utilizar o * (asterisco) porque sabemos que existem múltiplas identidades e pronomes pelos quais preferimos que nos tratem. Desejamos que toda a gente sinta que a sua identidade e pronome escolhido são igualmente visíveis e valorizados (quer sejam enquanto “ele”, “ela” ou qualquer outra opção). Acreditamos, ainda, que esta interrogação da linguagem é uma parte importante de uma prática trans crítica.
  • 3. Ficha técnica Selecção de textos: Daniel Lourenço Mi Guerreiro Tradução: Daniel lourenço Sérgio Vitorino Revisão: Isidro sousa Mi Guerreiro Design e paginação: Tiago Braga panterasrosa.blogspot.com panteraslisboa@gmail.com panterasporto@gmail.com   // imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço. o bicho-criança tem papá e mamã para lhe explicarem o mundo. mentira: o bicho-criança tem papá e mamã para lhe fazerem o mundo, precisamente no que não é explicado, não é justificado: no que não tem nem lógica, nem argumentação, nem espaço de manobra. e se o bicho-criança é menina, menos espaço de manobra ainda. o bicho-criança grita; o papá e mamã agrilhoam. que forças temos para protestar, para proteger esse ser, quer bicho-criança quer bicho-adulto, de todas as violentas imposições que vive? 3
  • 4. Perspectivas Trans O MANIFESTO DO PODER TRANS por Asher Bauer Tenho tanto na cabeça. Tenho carregado este fardo de raiva durante semanas. Provavelmente já o carrego há meses, ou até há um ano, mas só recentemente consegui articulá-lo. Só nos últimos dias é que, finalmente, aceitei a minha raiva e decidi dar-lhe um nome – estou a chamá-la de “poder trans”. Desde que decidi não afastar os meus sentimentos quanto a viver num mundo cis e aceitar a minha raiva como válida, dignificando-a com um nome, sinto-me reenergizado. Estas duas pequenas palavras carregam possibilidades infinitas. Estou entusiasmado com o que elas podem significar. A minha raiva, como dizia, não é nova. Apresento-me frequentemente como um “transexual zangado”, fazendo rir as pessoas. E sim, se calhar quero dizê-lo como piada, pelo menos em parte – mas é uma piada com dentes. É uma piada pensada para informar as pessoas de que não se safam com merda à minha frente. Só agora me apercebo de que se calhar fui demasiado subtil. Alguns dos meus textos são para pessoas cis e pretendem explicar coisas que a maior parte das pessoas trans já compreende. Este é para pessoas trans. As pessoas cis podem escutar, com a consciência de que parte disto lhes pode voar sobre a cabeça. Tenho algo a dizer, algo que sinto ser importante dizer especificamente à comunidade trans, e não me quero alongar em explicações. Por isso, eis o que tenho a dizer. Olá, pessoas trans. É um mundo fodido, não é? Temos tod*s bastantes problemas. Como pessoas trans, sofremos com a pobreza, a violência, a falta de emprego, a falta de educação, o preconceito, o desprezo e o constante escrutínio público hostil. Estamos desesperad*s e não temos para onde nos virar. Desde cedo, descobrimos que não podíamos contar com a família e amig*s. Depois, aprendemos que não podíamos usar uma casa-de-banho pública com confiança, sem sofrermos assédio ou coisas piores. Até as partes mais básicas de nós – nomes, pronomes e géner4 os que sabemos serem os apropriados para nós – são discutidos e contestados pel*s outros. Outr*s no universo académico. Outr*s na TV. Outr*s nas nossas escolas, nos nossos locais de trabalho, nas nossas casas. A roupa que usamos foi declarada inapropriada para nós. As maneiras como falamos e nos movemos foram intensamente monitorizadas e denunciadas como inaceitáveis. Depois, talvez nos tenhamos apercebido de que não podíamos contar com a ajuda da polícia quando éramos atacad*s, raptad*s, violad*s, assaltad*s. Aprendemos que os media, quando nos virávamos para eles, relatavam a nossa estória apenas com sensacionalismo pueril e crueldade mesquinha. Aprendemos que seria ainda mais difícil conseguir trabalho e o mesmo aconteceria (e muito) em relação a encontrar casa. Se conseguíamos aguentar até ao fim da universidade, encontrávamos frequentemente os nomes errados nos nossos diplomas. Alguns/algumas de nós fomos parad*s pela polícia por “andarmos enquanto trans”, tratad*s como trabalhador*s do sexo. Alguns/algumas de nós fomos trabalhador*s do sexo, só para sobreviver. Alguns/algumas de nós fomos pres*s por diversos motivos, e acabámos em prisões que não correspondiam ao nosso género. Alguns/algumas de nós ficámos doentes e descobrimos que não podemos contar com os serviços de saúde. Alguns/algumas de nós fomos vítimas de violência na escola e descobrimos que ninguém quer saber. Tod*s aprendemos que a comunidade LGBT cisgénero não quer ter nada a ver connosco. O T está lá como uma formalidade. O T é irrisório. Foi-nos dito, várias vezes, que não “nascemos” transgénero. O termo “identidade de género” foi apropriado pelos condescendentes para significar “ilusão de género” («Bem, não faz mal, podes identificar-te como queiras», disseram, fazendo-nos a vontade). Fomos constantemente assediad*s quanto aos nossos corpos. As pessoas cis, mesmo aquelas que alegavam com
  • 5. preensão, procuravam imparavelmente definir-nos em função da nossa biologia. Quando finalmente surgiu legislação que supostamente serviria os nossos interesses, veio com farpas instaladas nela. (...) Perante tudo isto, é esperado de nós que enfrentemos a violência com martírio pacifista, a intolerância com tolerância, a ignorância com esclarecimento. É-nos dito que temos de agradecer pelo avanço que se vai fazendo, que as coisas melhoram e que devíamos estar grat*s a tod*s cujas intenções em relação a nós não sejam assassinas. Não podemos dar-nos ao luxo de perder a paciência, pois perderemos a nossa delicada causa se nos zangarmos. Acima de tudo, não devemos em quaisquer circunstâncias deixar os nossos ditos aliados, ou mesmo os nossos opressores, de modo algum desconfortáveis. O poder trans, para mim, é a atitude que diz «Que se foda isso». O poder trans é recusarmos dar a outra face e sermos civilizados com quem nos é violentamente ofensiv*, providenciando educação grátis a pessoas que não conseguem dar-se ao trabalho de se educarem a si próprias (ou mesmo de aderirem ao senso-comum e à etiqueta, mantendo a boca calada quando não sabem de que raio falam). O poder trans é rejeitar o martírio a favor da sobrevivência. ra; situações em que podes perder um emprego, uma casa ou até a tua vida. Reconhecer que estamos em minoria a maior parte das vezes é outra face do poder trans, porque o poder trans passa por nunca minimizar o que nos está a acontecer a tod*s, o tempo todo. Temos de encontrar formas de construir redes e de nos organizarmos e darmos apoio uns/umas aos/às outr*s. É difícil quando temos tão poucos recursos, mas possuímos um recurso em abundância: a nossa raiva. Acho que a raiva pode ser a nossa força, a nossa reserva de emergência, o nosso shot de energia de cinco horas. Porém, nunca poderá ajudar-nos se continuarmos a canalizá-la contra nós própri*s em vez de permitir aos/ às noss*s atacantes que a sintam. Estou a fazer sentido? Estarei louco? A exagerar? Ou será esta estória a tua estória, e esta verdade a tua verdade também? “Poder trans” dá nome à raiva que sentes hoje? O poder trans não é tanto o que pedimos, como a forma como o exigimos. Não é uma lista limpinha de objectivos, mas o nosso compromisso absoluto com esses objectivos. É acreditarmos ferozmente na nossa dignidade enquanto pessoas trans em todas as situações. É recusarmos aceitar ser identificad*s com o género errado com a desculpa débil de que “as pessoas cometem erros” e responder ao ofensor com a verdade ruidosa: «Pessoas como tu sofreram uma lavagem cerebral.» O poder trans é recusarmos pedir desculpa pelas nossas emoções, necessidades ou a nossa existência. Pessoas trans, ouçam! Eu sei que muit*s de vocês já sabem isto... mas recebemos tão pouca e tão preciosa validação por esta verdade nas nossas vidas quotidianas que é fácil começar a pensar.: «Estarei louc*? Estarei a exagerar? Estarei a “armar-me em vítima”?» Vocês não são louc*s e não estão a exagerar – de facto, se forem como eu, ou como a maioria das pessoas trans que já observei, cerca de 99% das vezes vocês estão a reagir a menos – e a melhor maneira de deixarem de se sentirem vítimas é atacando quando são atacad*s e respondendo a qualquer ofensa verbal com um ruidoso «Fode-te!». Uma pequena dose de realidade: não interessa o quão bom tudo isto soe, eu apercebo-me, claro, que há situações nas quais a retaliação simplesmente não é segu5   //imagem por Joana Sousa & texto por Daniel Lourenço. um, dois, um, dois, um, dois, menino, menina, isto, aquilo, é, não é, um, dois. ele que faça e seja isto e ela que faça e seja aquilo e nunca nada mais, nunca o outro e nunca além. até ao dia em que se esgote, em que a raiva e mágoa da escolha forçada virem resistência e um fazer diferente e de mais: hoje eu sou outra coisa qualquer: o gozo é meu.
  • 6. A ARCA DOS CORPOS ERRADOS por Miguel Missé O discurso de vida das pessoas trans está repleto de metáforas relacionadas com a ideia do corpo errado. E talvez o meu esteja também impregnado dessa ideia. Após a operação diz-se que se “renasceu”; para explicar o porquê da mudança de género e/ou sexo diz-se que se “nasceu no corpo errado” ou que se “está preso num corpo que não é o seu”. Vive-se o corpo como um fatídico erro de cálculo por parte da natureza, uma injustiça inexplicável que nos levou a nascer num corpo incorrecto. Segue-se que é também fatídico o encontro a sós com o espelho, com a nudez e, inclusive, com a sexualidade. Como está errado, deve ser mudado. E na espera da mudança pode-se maltratar, censurar, esconder e punir esse corpo até que se atinja o desejado. Quando parece que tudo está perdido e não vale a pena viver neste sítio, chega Noé, atravessando mares em que não saibamos banhar-nos e convidando-nos a subir à sua arca, com a promessa de nos levar a um destino melhor. A arca está cheia de outras silhuetas, também elas ensaios falhados de corpos que não funcionam, que estão de alguma forma quebrados e não servem para este mundo. Quanto mais a arca se aproxima, mais desejamos entrar nela, para embarcarmos na viagem rumo a uma nova Ítaca, onde possamos ser outr*s sem que ninguém conheça a estória da nossa travessia. Podemos subir à arca com uma única condição: reconhecer o nosso sofrimento e a nossa diferença, saber dizer que houve um problema nas maquinarias, que chegámos ao mundo inacabados. Noé é generoso e abre-nos a sua arca para nos transportar a algum lugar em que nos devolverá um corpo habitável. A arca dos corpos errados chegará algures e, mais cedo ou mais tarde, algumas/alguns poderão descer à terra, deixando nela essas carcaças pesadas, para viverem por fim num corpo normal. Os corpos errados serão fotografados e analisados e escrever-se-ão livros para descrever tais anomalias. Uma imensa literatura para *s que sofrem do mesmo mal, o de nascer no corpo errado. Aparentemente, o problema fica resolvido assim que, finalmente, conseguimos construir o nosso corpo verdadeiro. Mas na verdade há um pequeno detalhe na história da arca que é importante. Para aceder à arca, há que reconhecer primeiro que o nosso corpo está errado e realmente acreditar nisso. Para subir, é necessário ter concluído que existem corpos correctos e incorrectos, e que sofremos a desgraça de nascer num dos defeituo6 sos. Já não se trata apenas de outrem poder pensar que temos um problema, mas sim de nós própri*s também estarmos convencid*s disso mesmo. E por mais que consigamos obter o corpo correcto, há algo que nunca poderemos mudar: a experiência de nos sentirmos diferentes e estranh*s em relação ao resto. O facto de sabermos que um dia não fomos normais. E às vezes, mesmo mudando completamente o corpo, o estigma e a frustração de termos nascido anormais podem acompanhar-nos para sempre. Acumulam-se as perguntas: está certo que os nossos corpos estejam errados? É possível viver sem modificá-los? É possível modificá-los sem aceitar a ideia de que estão errados? Na minha opinião, diz-se que os corpos estão errados porque não se ajustam ao que se espera deles socialmente. Não se passa nada com eles instrinsecamente; de facto, todos os órgãos estão sãos e funcionam. Mas é a forma de viver nesse corpo o que achamos errado. E o olhar d*s outr*s sobre ele, a imensa literatura da qual falamos, o olhar do cinema, das estórias, dos passageiros do metro: tudo nos relembra que os nossos corpos estão errados. Esses olhares provavelmente não desaparecerão durante muito tempo, mas cada vez mais surgem outros. Às vezes pergunto-me como seria se, ao pé da arca, encontrássemos livros, cinema, estórias, nos quais os nossos corpos aparecessem rodeados de ideias positivas. Se as nossas famílias, amig*s, professor*s, enfermeir*s e vizinh*s nos dissessem que gostam da nossa diferença. Se chegassem pessoas que nos desejam nestes mesmos corpos, sem alterar absolutamente nada. Este caleidoscópio de olhares já existe. Muit*s de nós já os conhecemos, e, apesar disso, é-nos muito difícil deixar de sonhar com outros corpos e não pensar, na rotina quotidiana, que nos aconteceu algo de injusto. No entanto e apesar de tudo, continuo convencido de que podemos ressignificá-los, livrá-los deste lastro de serem incorrectos, reconquistá-los. E vai dar ao mesmo se no processo foi preciso modificá-los. Não importa o que contámos a Noé para subir à arca. Importa apenas que não tenhamos acabado por acreditar tanto nisso que acabámos por odiar a nossa própria história. São possíveis outras formas de navegar o mar.
  • 7. ENCONTRARES-TE A TI PRÓPRI* por Micah original em // http://neutrois.me/2013/09/05/finding-yourself Encontrei o teu blog e identifiquei-me muito com ele e fez-me muito sentido – mais alguém sentia-se como eu! Não estava sozinh*! Dei o salto e cortei o cabelo muito, muito curto, comprei um binder e roupas de homem. Assumi-me como nãobinári* e simplesmente pedi às pessoas que o aceitassem. Nenhum dos meus amigos sequer piscou os olhos, e sinto que a sensação de erro que tinha foi corrigida. Mas ainda tenho este sentido incómodo de que me falta alguma coisa – algo simples. Se toda esta sensação de erro tivesse sido corrigida, então eu não me sentiria assim. Sinto que se consigo viver como eu própri*, então eu não devia voltar constantemente à questão do meu género, como um cão que insiste em voltar em roer um osso no qual já não resta qualquer nutrição. Algo me está a escapar. Não sou um rapaz por dentro, não quero viver como homem, mas vivo constantemente as tensões da minha auto-identidade em relação a ser mulher. Principalmente, eu pergunto-me como certas pessoas conseguem sentir-se tão certas quanto a este tipo de coisa. Sinto-me estranh*, porque não sou de género binário, mas continuo a sentir que não encaixo em lado nenhum. A Identidade não é Estática do em alguns aspectos em particular, “homem” faz-me retorcer-me, “rapariga” faz o meu coração explodir com raiva e as minhas entranhas gritar, e “mulher” é algo com o qual eu simplesmente não conseguiria viver. Vou começar por citar-me a mim própri*: As pessoas estão em fluxo constante. Nós envelhecemos, crescemos, compramos roupas, mudamos de emprego, mudamos de casa, fazemos famílias – nunca sabemos realmente o que vem aí. Tod*s temos muitas identidades – sendo o género apenas uma delas – que estão em constante desenvolvimento. Nem toda a gente está certa da sua identidade, nem agora nem nunca – mesmo aquel*s com identidades de género binárias. Frequentemente, trata-se mais de uma questão de desaprender todas as coisas que cresceste a acreditar toda a tua vida e construir algo de novo e assustador e desconhecido. O meu género tem mudado de alguma forma – pelo menos na forma como eu o expresso no mundo. Por vezes, sinto que não encaixo em lado nenhum; o comboio do “mas que raio estou a fazer?” ainda me atropela. Nenhumas das minhas decisões aconteceram do dia para a noite, ou simplesmente porque sim. Levou muita instrospecção e análise de prós- e contras- para percorrer mentalmente cada situação e “e se?” até que as minhas opções estavam completamente esgostadas. Mesmo aí, não tive sempre a certeza, mas simplesmente continuei por causa de uma vaga noção de que seria pior não o fazer. Eventualmente, soube-me melhor tê-lo feito. Encontrar o Encaixe Certo, Encontrares-te a Ti Própri* “Rapaz” é complicado porque não me incomoda tiran7 A coisa mais clara para mim – o meu farol, a luz que me conduz – tem sido sempre o meu desconforto. Eu não sou nem nunca claramente me senti como do género feminino. Provavelmente também não sou do género masculino, apesar de me considerar trans-masculin*. Talvez eu fosse um rapaz outrora mas tenha entretanto perdido o rumo. Talvez eu tenha crescido e ultrapassado isso Ou talvez eu cresça para me tornar num mais tarde. Mas tudo isso é secundário. Por isso segui o que soube ser verdade, e deixei que o resto se fosse resolvendo. O meu único objectivo ao começar foi uma mastectomia. Depois disso, o género continuou a voltar para me roer a cabeça. Lentamente desempacotei e deconstruí tudo, tentando perceber o que me deixa mais confortável. Enfio um dedo na água até estar satisfeit* com a temperatura antes de prosseguir. Até agora, esta provou ser uma estratégia bem-sucedida. Ainda luto com definir qual será o próximo passo correcto a dar. Já passaram mais de 3 anos, e sei agora que nunca acabarei o processo. Mas gradualmente abandonei o desconforto e passei a conhecer o conforto na minha própria pele. É um processo lento, mas vais olhar para trás de aqui a alguns meses ou anos e perceber o quão longe chegaste. Simplesmente continua a empurrar-te em frente e eventualmente vais ver a resposta, acompanhada de muitas mais novas questões.
  • 8.   // imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço. nasce-se e o primeiro momento de se ser feito sujeito, de começar a construção da pessoa através da sua diferenciação, é o da inscrição de uma de duas categorias: é rapaz, é rapariga. a palavra faz tudo: marca esse sujeito incontornavelmente, arranca o fazer-pessoa num “ele”, num “ela”. o discurso reveste o corpo de uma fala da diferença, mas é uma diferença de fala estrita e espectro curto: ou um ou o outro e nunca mais além. que outra fala de fazer o corpo imaginamos nós? 8
  • 9. ONDE FORAM PARAR AS BUTCHES TODAS? por Roey Thorpe original em http://www.shewired.com/lifestyle/2013/09/05/op-ed-where-have-all-butches-gone?page=full Na companhia de lésbicas da minha geração e de outras mais velhas, ouço frequentemente conversas sobre como as coisas mudaram desde que éramos novas. E, invariavelmente, alguém pergunta: «Onde foram parar as mulheres butch?» A pergunta é motivada em parte pela nostalgia e em parte pelo desconforto com o que parece ser uma transformação no modo como as jovens lésbicas pensam o género. E a primeira pergunta leva muitas vezes a outras questões: Porque estão (todas) as mulheres butch a tornarem-se homens? Porque não compreendem que o género é uma construção social e que as mulheres não têm de se confinar a um ideal feminino? Não é por isso mesmo que estávamos a lutar – por um mundo no qual as mulheres pudessem usar cintos de ferramentas e gravatas e fazer tudo o que lhes desse na cabeça, sem os constrangimentos do género? No seu núcleo, era esta a visão do movimento feminista, e as lésbicas, mais do que ninguém, perceberam o quão transformativo isto poderia ser. Há anos, eu coloquei as mesmas questões, mas hoje em dia esta conversa deixa-me desconfortável. Como sou de uma geração mais velha, já vi muitas coisas mudarem - e não mudarem - ao longo de um longo período de tempo. Na minha vida, amei muitas mulheres butch. As minhas relações e casos têm sido quase sempre com mulheres masculinas e, mais recentemente, também com homens trans. Desde que me encontrei em circunstâncias íntimas com butches/machos/mulheres de identificação masculina – desde há muito, quando era demasiado nova para frequentar os bares onde conhecia estas pessoas e de onde ia para casa com elas –, aconteceu sempre uma coisa curiosa. Sempre que se estabelece confiança suficiente, torno-me testemunha de um momento de confissão... qualquer coisa como «Não sei como explicar isto, mas não sinto que seja bem uma mulher. Quer dizer, sou butch, e isso está perto, mas honestamente, não tenho a certeza do que sou». Não me interpretem mal, há muitas, muitas mulheres butch orgulhosas que são exactamente isso: mulheres. Na terminologia actual, a sua expressão de género é masculina e a sua identidade de género é feminina. Usam os seus cintos de ferramentas orgulhosamente, e eu observo o espectáculo com agrado. Para elas, uma identidade butch resolve o assunto – se as pessoas ti9 verem problemas com isso, é o seu sexismo ou homofobia a vir à tona. Mas esta não é a experiência de toda a gente, nem nunca foi. Mulheres butch podem parecer similares externamente, mas não são todas iguais por dentro. Em meados dos anos 90, quando fazia uma pós-graduação, escrevi sobre a história lésbica de Detroit. Entrevistei 48 mulheres, maioritariamente entre sessenta e setenta anos, que tinham vivido como lésbicas entre 1930 e 1970. Dessas 48 mulheres, quatro – quase 10% – disseram que se fossem ainda jovens fariam a transição de género e tornar-se-iam homens. Na verdade, isto não me surpreendeu, por causa de todas essas confissões que já ouvira em noites tardias. Sabia que para muitas pessoas butch era o mais próximo que conseguiam chegar de uma palavra que descrevesse a experiência de ser um sujeito masculino no corpo de uma mulher. Para estas pessoas, embora butch fosse melhor do que “mulher” ou “lésbica”, não chegava. Provavelmente já ouviram falar de butches que diziam não usar o termo “lésbica butch”, mas sim butch. Isto não é uma negação da sua orientação sexual, mas sim o reclamar de uma identidade de género complicada. Um dos erros que cometemos enquanto feministas lésbicas é combinar a orientação sexual e a expressão de género num ideal fufo andrógino: cabelo curto, nada de maquilhagem, capaz de consertar um carro ou fazer pão com igual facilidade, frequentemente acusada de estar na casa-de-banho pública errada (para nossa grande indignação). Como sabias que eras lésbica? Foste expulsa das guias e detestavas a Barbie, e nunca te sentiste confortável com um vestido e saltos altos. Por mais bem-intencionadas que possamos ter sido, muitas lésbicas nunca corresponderam a esse ideal. Não só homens trans mas também lésbicas como eu, que se deliciavam com a revista Glamour e adoravam tudo o que brilhasse. A orientação encaixava, mas as minhas tentativas de comportamento fufo correcto eram um fracasso miserável. Sucintamente, o género de quem amamos sempre foi uma questão distinta da nossa própria expressão de género, e a nossa tentativa de consolidar a identidade e expressão de género com a orientação sexual levou-nos a um equívoco fundamental quanto à experiência trans.
  • 10. Quando as lésbicas perguntam para onde foram as butches, o que estamos a dizer é que não compreendemos os homens trans. Estamos presas a três crenças nucleares: - Para muitas de nós, particularmente de uma geração mais velha, viver fora do armário enquanto lésbicas e feministas tem sido a viagem da nossa vida – e a muito custo. As comunidades que construímos como abrigo da tormenta de uma cultura misógina são-nos particularmente caras. Como uma amiga próxima me disse, «Gosto tanto de ser mulher que não consigo imaginar abrir mão disso». E a ideia de tornar-se homem – com todo o privilégio sem mérito e sem análise que a ideia sugere – é especialmente incompreensível: é uma traição de confiança. - Outras acreditam que escolher fazer a transição de butch para homem mostra uma falta de coragem ou imaginação, que de algum modo a pessoa não foi corajosa o suficiente para ser uma mulher butch. - E há ainda outras que pensam que falhámos, enquanto comunidade, na criação de um espaço onde qualquer mulher se possa vestir e comportar como bem lhe agrade. Esta foi a minha primeira reacção àquelas butches e machos de Detroit: que os tempos eram tão duros que as conduziam a desejar um escape. Questionei-me se, caso tivessem nascido numa geração mais tardia, teriam encontrado apoio nas comunidades lésbicas feministas de que careciam na caótica cultura de bar que era o seu único refúgio. Mas, desde então, aprendi que a transição não é uma traição, uma falta de coragem ou um desejo de escapar a uma comunidade pouco receptiva. É isso que estas butches e studs de Detroit me ensinaram. Viveram as suas próprias vidas com imenso coração e contra todas as probabilidades. Foram as pessoas mais corajosas que eu conheci. Eram sobreviventes, tão astutas e orgulhosas como qualquer pessoa que eu tivesse conhecido em círculos lésbicos feministas. Eu simplesmente não conseguia acreditar que não tivessem a coragem ou a visão necessárias para viver plenamente os seus modos de ser. Por isso, cheguei a um entendimento diferente. Agora acredito que todas as batalhas que travámos e todo o trabalho que fizemos criou uma comunidade na qual as mulheres podem ser quem realmente são a um grau muito maior, em todos os aspectos das nossas vidas. E, ao fazer isso, criámos um espaço onde não faz mal experimentar diferentes formas de expressão de género, de super-femme a andrógina ou butch. Isto foi incrivelmente libertador para muitas de nós. 10 No entanto, para alguns, o espaço e liberdade pelos quais lutámos para experimentar formas diferentes de expressão de género confirmaram o que sabiam lá no fundo: que, fundamentalmente, não são de todo mulheres. E sabem isso porque tiveram espaço e liberdade para serem butch, e mesmo assim não estava certo. A maioria dos homens trans que conheço assumiram-se como lésbicas, posteriormente reclamaram uma identidade butch e depois realizaram a transição. Alguns aperceberam-se de que nunca se sentiram de todo atraídos por mulheres e são hoje homens gays – isto não é tão estranho como possa soar, se aceitarmos que a comunidade lésbica é o único espaço seguro para explorar o género e, por isso mesmo, onde muitos homens trans começam a sua viagem. Talvez seja por isso que as lésbicas sentem tê-los perdido: porque acreditávamos que eles eram nossos. As pessoas transgénero estão a tentar perceber como mudar o que é, possivelmente, a identidade mais profunda de uma pessoa, aquela com a qual mais somos identificad*s desde a nascença. Os desafios, quer em termos de navegar o próprio corpo em mudança, quer no mundo exterior, são impressionantes, inclusive nas comunidades que mais os apoiam. Tomar uma decisão destas é como saltar de um penhasco com pouca ideia do que haja lá em baixo, mas sabendo que recusar o salto é outro tipo de agonia. Esta coragem merece o nosso respeito e o nosso apoio. Onde foram, afinal, todas as mulheres butch parar? Ainda andam por aí, apesar de algumas viverem com outros nomes. Parte delas ainda são butches e machos orgulhosas; outras, particularmente entre a malta mais nova, preferem o termo genderqueer, com subcategorias infinitas a sublinharem que a identidade e expressão de género podem intersectar com a orientação sexual mas não lhe são totalmente equivalentes. Chegaram ao entendimento de que as pessoas dissidentes de género podem posicionar-se ao longo de um largo espectro de feminilidade e masculinidade, mas que o que têm em comum é a experiência de caírem fora das expectativas da sociedade sobre o seu género. No foco desta experiência está uma enorme criatividade e uma análise de género enquanto construção social que teve as suas origens no feminismo lésbico e no movimento pela liberação gay. O nosso trabalho não está esquecido; foi continuado e expandido por uma nova geração que procura ser leal a si mesma, tal como nós sonhámos que o poderíamos ser.
  • 11. DE E PARA TRANS Alguns links úteis Grupos de e para trans em Portugal Fórum FTM Portugal: http://ftm-forum-pt.heliohost.org GTP (Grupo Transexual Portugal): https://www.facebook.com/pages/Transexual-Portugal Campanha Stop Patologização Trans: https://www.facebook.com/pages/STOP-PATOLOGIZAÇÃO-TRANS-2012 GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção Transexual): http://grit-ilga.blogspot.pt Grupos e eventos de e para trans no mundo Campanha No + Transfobia en Chile: http://nomastransfobia.tumblr.com Festival Anormales?: http://festival-anormales-stef.blogspot.pt Venir Al Sur: http://veniralsur.org Cultura Trans: http://culturatrans.org Espai Obert Trans/Intersex: http://espaitransintersex.blogspot.pt Grupo Trans Maribolheras da Galiza Colectivo Tabú: http://maribolheras.blog.com Transfeminismo: http://transfeminismo.com 11
  • 12. Grupos LGBT portugueses com trabalho feito sobre questões trans Panteras Rosa (frente de combate contra a lesbigaytransfobia): http://panterasrosa.blogspot.pt PATH (Plataforma anti-Transfobia e Homofobia): http://marchadecoimbra.blogspot.pt/p/path.html MOL (Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa): https://www.facebook.com/marchalgbtlx MOP (Marcha do Orgulho LGBT do Porto): https://www.facebook.com/OrgulhoPorto https://www.orgulhoporto.org Caleidoscópio LGBT: http://www.caleidoscopiolgbt.org Clube Safo: http://www.clubesafo.com APF (Associação pelo Planeamento Familiar): http://www.apf.pt Rede ex-aequo (rede de jovens LGBT): www.rea.pt Recursos online Sites de partilha de informação Trans Bucket: http://www.transbucket.com Trans Body Pride: http://transbodypride.tumblr.com Laura’s Playground: http://www.lauras-playground.com 12
  • 13. Grupos de redes sociais Grupo de Notícias Trans: https://www.facebook.com/groups/189409992692/?ref=ts&fref=ts Sinfonias Genderqueer: Genderqueer: http://genderqueer.tumblr.com Genderfork: http://genderfork.tumblr.com 13
  • 14. Saúde & Sexualidade SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA DE NOME & SEXO EM PORTUGAL por Mi Guerreiro O processo oficial de mudança de sexo inclui acompanhamento psicológico e cirúrgico, obrigatórios. Este procedimento é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) e * paciente fica isent* de pagar taxas moderadoras, exames ou cirurgias. O processo tem natureza secreta e dura, em média, quatro a cinco anos (dependendo de cada caso). Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo 7º/2011), qualquer pessoa de nacionalidade portuguesa, maior de idade, que “não se mostre(m) interdita(s) ou inabilitada(s) por anomalia psíquica” e a quem seja diagnosticada perturbação de identidade de género, tem legitimidade de requerer o início do processo. O Estado Português reconhece a alteração de registo de sexo efetuada por pessoa de nacionalidade portuguesa que, tendo outra nacionalidade, tenha modificado o seu registo de sexo perante as autoridades desse mesmo Estado Alteração legal do nome e sexo nos documentos de identificação: Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo 7º/2011), a Conservatória Civil exige a apresentação de: • ”Requerimento de alteração de sexo com indicação do número de identificação civil e do nome próprio pelo qual o requerente pretende vir a ser identificado, podendo, desde logo, ser solicitada a realização de novo assento de nascimento; • Relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro.” Este relatório deve ser subscrito pelo menos por um médico e um psicólogo. No prazo de oito dias a partir da apresentação do pedido, o conservador decide favoravelmente, pede aperfeiçoamento do pedido ou rejeita o pedido quando este não se coaduna com as normas acima expressas. De forma alternativa, é possível alterar o nome legal, sem mudar o sexo presente nos documentos de identificação. Existem alguns nomes permitidos cujo género é 14 ambíguo. Para isso, é necessário fazer um requerimento no qual se justifica a escolha do nome (sem ser justificado pelo facto de se ser trans*). É possível consultar documentos escritos por outras pessoas que requereram a alteração do seu nome, mesmo sendo cisgénero. Existe uma lista de nomes permitidos, publicada online pelo Conservatório Civil. Passos necessários no processo médico/hospitalar de “mudança de sexo”: 1) Contactar o médico de família, para que este passe uma credencial e relatório a ser entregue num hospital público, com equipas especializadas em transsexualidade. Alternativamente, pode-se ir ao centro de saúde da área de residência e pedir a atribuição de um novo médico; 2) Ir a um hospital e marcar uma consulta de triagem no serviço de sexologia. Os hospitais portugueses que têm serviço de sexologia e acompanhamento transexual são: Lisboa: Hospital Santa Maria, Hospital Júlio de Matos Porto: Hospital de São João Coimbra: Hospital de Coimbra 3) Segue-se o processo de confirmação de diagnóstico, que inclui: •Acompanhamento psicológico; •Testes e exames psicológicos para traçar o perfil psicológico (estes testes culminam na produção de um relatório); •Exames físicos (acompanhamento feito por um endocrinologista ou andrologista, que analisa o teu nível hormonal e prescreve o medicamento e dose, que poderá variar durante o processo); •”Avaliação independente” (segunda avaliação feita por uma equipa médica distinta da que segue o processo desde o início; os testes e exames psiquiátricos são repetidos e analisados por outros médicos; culmina na emissão de um relatório final); •Reunião final da equipa da Ordem dos Médicos.
  • 15. 4) Seguidamente, a equipa autorizará o início do tratamento hormonal e dos processos cirúrgicos (cirurgia ao peito, cirurgia genital) (ver artigo aqui incluído sobre tratamentos hormonais e cirurgias). Alternativamente, algumas pessoas transsexuais, transgénero ou demais, procuram e obtêm tratamentos hormonais fora do âmbito médico-legal. É importante saber que nem sempre as hormonas vendidas no “mercado negro” são seguras ou testadas. De facto, já algumas pessoas trans* faleceram devido a complicações da toma de certos tipos de hormonas. Caso sintas que necessitas de o fazer e não tens outra alternativa boa para ti, é essencial assegurares-te da segurança das hormonas que tomas e/ou estás consciente dos seus efeitos. Tal como farias na toma de qualquer outro medicamento. Para além disso, algumas hormonas (testosterona e/ ou estrogénio) podem ser obtidas em farmácias banais, sem serem requeridas receitas médicas ao paciente. Há bulas disponíveis sobre cada medicamento, em formato eletrónico. De qualquer das formas, é necessário estar ciente das consequências da toma de hormonas e fazer exames físicos frequentes, tal como na toma de qualquer outro medicamento. ALTERAÇÕES HORMONAIS – TESTOSTERONA (CASO FTM) por Hudson’s FTM Resource Guide AVISO A informação aqui contida destina-se a ser usada somente para fins educacionais. O autor não é um médico profissional, e esta informação não deve ser considerada conselho médico. Esta informação NÃO deve ser usada para substituir consultas com/tratamento por médico profissional treinado. A lista de medicação citada não implica a sua recomendação pelo autor. Nota apresentamos aqui a primeira parte da tradução deste artigo, procurando partilhar alguns dos esclarecimentos mais urgentes que ele proporciona. Por motivos de limite de número de páginas, não pudemos apresentar aqui o artigo inteiro. Publicaremos a continuação do artigo (Mitos 8 a 12) no próximo número deste boletim (versão em papel). No entanto, o artigo integral em Português pode ser lido em http://panterasrosa.blogspot.pt/2013/10/alteracoes-hormonais-testosterona-caso.html 15
  • 16. INTRODUÇÃO Mitos e equívocos sobre pessoas transexuais e transgénero são demasiado comuns. Muitas pessoas, mesmo indivíduos bem intencionados, simplesmente não sabem muito sobre questões de identidade de género, o processo de transição, ou as opções de tratamento hormonal e cirúrgico disponíveis actualmente para pessoas transexuais e transgénero. Esta falta de conhecimento geral pode ser agravada por certas noções pré-concebidas sobre homens e mulheres, papéis de género, sexualidade humana e mesmo a Medicina ou a Ciência. O resultado destes factores combinados é que parecem circular certos equívocos sobre transexuais FTM (feminino para masculino), apesar da disponibilidade de provas em contrário, ou mesmo do senso comum. A seguinte secção descreve alguns dos mitos e equívocos comuns em torno dos homens trans, incluindo mitos sobre a testosterona e a transição. Se algumas das respostas parecem longas, trata-se apenas de um esforço de providenciar informação e matéria crítica em torno de áreas onde estereótipos ou lendas urbanas tendem a obscurecer a lógica e o conhecimento. MITOS SOBRE TESTOSTERONA Mito #1 Tomar testosterona (“T”) para a transição tornará os homens transexuais incontrolavelmente furiosos e voláteis ou causará “fúria esteróide”. Este é um dos mitos mais comuns sobre transexuais FTM que tomam testosterona, mas não existe prova convincente para suportar uma generalização tão abrangente. De facto, enquanto alguns homens transexuais anedoticamente relatam que se sentem mais impacientes ou irritáveis durante um período após começarem a tomar T, muitos outros relatam que se sentem mais calmos e equilibrados desde que tomam T. Contudo, vezes sem conta, homens transexuais e seus entes próximos exprimem o temor de que, de alguma forma, tomar testosterona irá transformar automaticamente um transexual FTM numa pessoa terrível, furiosa ou violenta. Provavelmente, este mito é alimentado por histórias sobre o uso de “esteróides” causar raiva ou volatilidade (frequentemente chamada “fúria esteróide”) em culturistas e outros atletas que tomam drogas potenciadoras da performance. De forma a compreender as diferenças entre uso atlético de “esteróides” e terapia com testosterona tal como é seguida pelos homens transexuais, compensa explorar exactamente o que significa “esteróides” em cada contexto. (...) 16 O objectivo da terapia com testosterona num homem transexual é trazer o nível de T no seu corpo para o que é considerada uma gama masculina saudável, de forma a induzir e manter características sexuais secundárias masculinas tais como o baixar do tom de voz, um padrão masculino de distribuição de gordura e muscular, crescimento de pêlo facial e corporal, e por aí fora. Habitualmente, um regime de hormonas de um homem trans também se destina a manter um nível estável e saudável de T no seu sistema ao longo da sua vida. Isto contrasta com o objectivo do uso de testosterona por culturistas e atletas, que é elevar o nível de testosterona no corpo até um nível inabitualmente elevado de forma a produzir rapidamente resultados de performance desejados, tais como músculos maiores, aumento de força, um tempo mais curto de recuperação muscular, maior potência e por aí fora. A quantidade de testosterona que é usada por alguns atletas e culturistas focados na sua capacidade de performance é tipicamente muito mais alta em dose e em frequência do que a quantidade usada por homens transexuais para a transição e a manutenção ao longo da vida. Além disso, os utilizadores de “esteróides” usam frequentemente uma bateria completa de drogas para lá da testosterona (ou outro esteróide anabolizante), dependendo dos objectivos do atleta. O uso de esteróides é nestes casos frequentemente utilizado num ciclo caracterizado por padrões variantes. Devido a estas muitas diferenças, comparar o uso T da maioria dos homens transexuais com o uso de “esteróides” por culturistas e atletas é um pouco como comparar maçãs e laranjas. Assim, receios de “fúria esteróide” desenfreada num transexual FTM em transição são, no melhor dos casos, infundados. Níveis hormonais e estados de espírito É importante salientar que os níveis hormonais no corpo humano fazem parte de um equilíbrio delicado que envolve sistemas de comunicação química complexos. É razoável assumir que alterar os níveis das hormonas nos nossos sistemas pode ter um efeito em nós, tanto física como emocionalmente. Qualquer mulher que tenha padecido de síndrome pré-menstrual, ou qualquer homem que tenha sofrido com baixos níveis de testosterona, pode atestar esta possibilidade. No entanto, alguns efeitos físicos e emocionais da alteração do equilíbrio hormonal podem estar relacionados com os níveis das hormonas em questão, ou com mudanças dramáticas nos níveis hormonais, mais do que com a simples presença das próprias hormonas. Por exemplo,
  • 17. um dos sintomas por vezes observado em homens com baixos níveis de testosterona é irritabilidade. Nestes casos, não parece ser a testosterona em si a causar a irritabilidade, mas antes o facto de o nível de testosterona ser considerado baixo. Assim, aqueles que declaram uma simples relação entre testosterona e estados de espírito negativos poderão querer reconsiderar como os níveis e o equilíbrio global de várias hormonas (bem como outros factores, tais como os ambientais) podem entrar em jogo; de facto, essas relações anda não são inteiramente compreendidas pela ciência médica. Quando um homem trans inicia terapia com testosterona, ele poderá experienciar algumas alterações de humor. Isto é normal, porque iniciar terapia com T é habitualmente um momento emocional significante na vida de uma pessoa trans, e também porque o seu corpo está a começar uma alteração hormonal importante. Como mencionado acima, de facto alguns homens transexuais relatam anedoticamente que se sentem a enfurecer-se mais rapidamente ou com menos paciência. Mas muitos outros relatam um efeito calmante e/ou um dissipar de sentimentos depressivos. Outros relatam muito poucas mudanças na sua disposição, enquanto alguns só notam diferenças de estado de espírito no dia ou nos dois dias antes da sua próxima toma (poderão sentir-se mais irritáveis quando os níveis de testosterona atingem um mínimo no seu ciclo de toma). Alguns acham que os seus estados de espírito se equilibram com o tempo ou com o ajustar do regime de toma. Seja qual for o caso, se um homem trans ou os seus entes próximos notam alterações de humor significativas que não se resolvem com o tempo, ele poderá querer discutir o ajustar do seu regime de toma de T com o seu médico. Ele também poderá desejar considerar se aquelas alterações de humor estão relacionadas com os eventos em curso na sua vida. A transição pode ser uma altura de grandes alterações na vida social, na vida doméstica e na vida laboral, podendo todas elas ter um efeito tremendo no estado de espírito de alguém. Falar com um terapeuta ou com um grupo de apoio entre pares pode ajudar a facilitar estas alterações. Testosterona e estereótipos de género Cedo na transição, alguns homens trans (mas certamente não todos) podem ficar consumidos por preocupações quanto a como acreditam que os homens devem parecer, falar, actuar e/ou sentir-se quanto ao mundo que os rodeia. Isto é compreensível até certo ponto, já que a transição pode ser um momento de teste, e o início da transição em particular envolve uma certa quantidade de adaptação à mudança. Durante esse período tão tempestuoso, um homem trans e aque17 les que o rodeiam podem ser rápidos a atribuir toda e qualquer emoção ou acção sua (negativa ou positiva) à testosterona no seu sistema. Contudo, é importante recordar que as crenças e estereótipos próprios de cada indivíduo sobre homens e mulheres – bem como os seus próprios traços de personalidade pré-existentes – podem também influenciar o seu comportamento enquanto ele se adapta às mudanças da transição. Culpar a testosterona por toda e qualquer acção ou sentimento negativo é um bode expiatório fácil para o que pode simplesmente ser mau comportamento ou fracas estratégias individuais para lidar com a situação. A testosterona é apenas um factor na transição, e nem toda a gente responde a ela da mesma forma. Com isto, não se pretende negar que a testosterona pode ter – e tem – efeitos significativos nos estados de espírito e sentimentos de alguns homens trans, mas antes salientar que nos comportamentos de uma pessoa jogam muitos factores. Podemos conhecer dez pessoas trans diferentes exactamente com o mesmo esquema de toma de testosterona, e elas poderão ter dez experiências de transição dif erentes! Em resumo, simplesmente tomar testosterona não criará um monstro. Mudanças nas nossas hormonas podem afectar cada pessoa de forma distinta, mas muitas das preocupações sobre T e transição FTM baseiam-se no medo e em equívocos, mais do que numa pesquisa em larga escala de homens transexuais reais em terapia com T. Mito #2 Tomar testosterona vai provocar-te cancro. Chamar a isto um “mito” é de alguma forma impróprio, porque não há prova sólida, num sentido ou noutro, quanto a um risco aumentado de cancro em transexuais FTM que tomem testosterona por motivo de transição. A verdade é que os transexuais FTM, enquanto população, não foram estudados numa amostra suficientemente ampla e ao longo de tempo suficiente para determinar os riscos de cancro a longo prazo, associados com o uso de testosterona para transição e manutenção ao longo da vida de características sexuais secundárias masculinas. Dito isto, as duas preocupações mais frequentemente citadas em relação a homens transexuais que tomam T são o cancro do fígado e o cancro dos aparelhos reprodutores femininos (útero/endométrio, colo do útero, e/ ou ovários).
  • 18. Cancro do fígado As doenças do fígado, incluindo o cancro, já foram associadas ao uso de certos esteróides anabolizantes, incluindo algumas formas de testosterona, em homens cisgénero. Mais especificamente, o uso de testosterona C-17 alfa-alquilada (particularmente no caso da testosterona oral) já foi associado ao cancro do fígado. Por isso em geral a administração de testosterona C-17 alfa-alquilada por via oral não é encorajada, sendo que se pensa que os métodos de injecção, transdérmico, bocal ou com aplicador apresentam menos riscos. Também se deve apontar que os homens têm em geral um risco maior de ter cancro do que as mulheres, embora não seja claro como isto se correlaciona com o caso específico de transexuais FTM. Tendo em conta o conhecimento médico actual, é difícil dizer se o uso de testosterona por homens transexuais em doses com o propósito de realizar a transição e subsequente manutenção dos níveis de testosterona aumentará o risco de cancro do fígado ou não. Quando se está a tomar testosterona no processo de transição, o médico responsável normalmente pedirá testes sanguíneos periódicos para monitorizar o estado geral da saúde do paciente. Normalmente, estes testes incluem a medição de certos níveis de enzimas e/ou outras substâncias no sangue, cuja presença pode indicar que o fígado ou os tecidos vitais estão danificados. Como o risco para o fígado não é plenamente compreendido, indivíduos que tomam testosterona devem pedir aos seus médicos que lhes façam testes sanguíneos com alguma regularidade, para monitorizar a sua saúde. Cancro dos órgãos reprodutivos femininos No que respeita a cancros dos órgãos reprodutivos femininos, alguns médicos recomendam a histerectomia (remoção cirúrgica do útero) e a oferoctomia (remoção cirúrgica dos ovários) durante os primeiros 5 anos de terapia com testosterona. Existe alguma preocupação de que o tratamento com testosterona a longo prazo possa fazer com que os ovários desenvolvam sintomas semelhantes aos que são observados na síndrome do ovário policístico (SOP). A SOP foi relacionada com o risco aumentado de hiperplasia endometrial (uma condição que ocorre quando a membrana da parede do útero (endométrio) cresce demasiado), logo, com o cancro endometrial, bem como com o cancro dos ovários. 18 Devemos apontar que é difícil saber se o risco destes cancros é aumentado pela terapia com testosterona em homens transexuais. Os transexuais FTM são à partida uma população pequena e muitos realizam histerectomias/oferectomias numa fase inicial do seu tratamento hormonal, tornando-se assim difícil estudar os efeitos a longo prazo da testosterona sobre o útero e os ovários. Para além disso, muitos homens transexuais podem ter tido SOP antes de começarem o seu tratamento hormonal, tornando mais difícil saber se sintomas relacionados com o SOP têm uma origem anterior ou posterior à terapia com T. Como a relação entre o uso contínuo de androgénio e a saúde ginecológica ainda não é inteiramente compreendida, e como muitos homens transexuais frequentemente sentem embaraço e/ou têm dificuldades no acesso ao cuidado ginecológico contínuo, alguns podem sentir que é apropriado realizar estas cirurgias como uma medida preventiva. Discute sempre a pesquisa médica mais recente e os prós e contras destes procedimentos com o teu médico. (...) Se um homem trans escolhe não fazer uma histerectomia/oferoctomia, ele deve continuar a fazer esfregaços regulares (para controlar o cancro do colo do útero) e deve procurar um médico se experienciar alguma hemorragia vaginal irregular (incluindo a presença de manchas), cãibras ou dor. Não é raro homens transexuais que não realizaram uma histerectomia experienciarem um acumular de tecido endometrial, especialmente durante os primeiros anos da terapia com testosterona. O tecido endometrial é normalmente expulso com a menstruação, mas visto que este processo é normalmente interrompido depois de alguns meses de terapia hormonal, tecido adicional pode continuar a acumular-se e pode eventualmente começar a libertar-se na forma de manchas. Como hemorragias irregulares podem ser um sinal de cancro (apesar de frequentemente não ser o caso), os homens transexuais que experienciam qualquer forma de hemorragia /manchas devem ver um médico que realize testes para determinar a causa. Estes testes podem incluir uma biopsia endometrial e/ ou um ultra-som. O doutor pode aconselhar que se realize uma toma temporária de progesterona para fazer com que o útero liberte o tecido endometrial em excesso – isto é parecido com induzir um período. Embora isto possa ser desagradável, deve ser compreendido como uma medida preventiva, visto que a acumulação anormal de tecido endométrico já foi associada ao cancro do endométrio. Em conclusão, os riscos de cancro associados a tomar testosterona para uma transição FTM não estão suficientemente bem estudados e não são bem compreendidos. No entanto, os benefícios da terapia de testos
  • 19. terona para a qualidade de vida podem compensar largamente preocupações com tais riscos. Para muitos homens transexuais, a possibilidade de um ligeiro aumento na probabilidade do cancro (caso isso venha de facto a ser provado) pode ser um risco que valha a pena correr de forma a viverem as suas vidas como homens. Se um homem trans pode garantir a sua paz de espírito com uma histerectomia/oferoctomia, então talvez a cirurgia seja uma boa opção para alguns, até que dados mais precisos sobre o risco de cancro estejam disponíveis. Mito #3 Tomar testosterona vai tornar-te mais alto. A não ser que comeces a terapia de testosterona logo durante os teus anos pubescentes, ela não te fará crescer de forma significativa. O motivo para isto é que o crescimento dos ossos longos pára perto do fim da puberdade. “Ossos longos” são ossos no teu corpo que são mais longos do que são largos, e incluem a coxa (fémur), parte inferior da perna (tíbia e fíbula), parte superior do braço (úmero) e antebraço (ulna). Durante a infância e a adolescência, os ossos longos são compostos, individualmente, por um eixo chamado “diáfise” e de extremidades chamadas “epífises”. As epífises são separadas do eixo por uma camada de cartilagem chamada a “placa epifisiária” ou “placa de crescimento”. Quando os nossos membros crescem durante a infância e adolescência, as células de cartilagem das placas epifisiárias dividem-se e aumentam em número. A cartilagem recém-formada por sua vez absorve o cálcio e desenvolve-se, tornando-se osso, num processo chamado “ossificação endocondral”, causando um aumento no comprimento do osso. Por volta do fim da puberdade, o crescimento da cartilagem pára, e a cartilagem no extremo das placas de crescimento é completamente convertida em osso. As placas de crescimentos são então “fundidas” e os ossos longos não podem crescer mais em comprimento. (...) Muitos homens trans começam a terapia hormonal já anos depois das placas de crescimento dos seus ossos longos se terem fundido, e assim sendo, é impossível que se observe um aumento de altura significativo causado pelo crescimento ósseo. Se estás a começar a tomar testosterona durante a puberdade, ainda poderás vir a crescer em altura (tendo em conta, no entanto, que a altura e o crescimento estão relacionados a um complexo número de factores, sendo a testosterona apenas um deles). 19 Apesar de os ossos pararem de crescer em comprimento no início da idade adulta, eles podem continuar a aumentar em grossura ou diâmetro (chama-se “crescimento aposicional”) pela vida fora, em resposta a eventos como o aumento da actividade muscular ou do peso. No entanto, este engrossar não causaria uma diferença significativa em altura. Há outro factor importante que não o crescimento ósseo que influencia a altura de uma pessoa: a postura. Muitos homens transexuais, e particularmente se são capazes de realizar cirurgias de reconstrução do peito, começam a endireitar a sua postura, parecendo mais altos do que antes. Isto pode fazer uma diferença tremenda na altura, especialmente se a pessoa em causa se encolhia para esconder o seu peito pré-cirurgia. Também há um factor de confiança e orgulho na melhoria da postura; esses sentimentos aumentam frequentemente pós-transição e podem fazer com que uma pessoa se apresente mais direita, atingindo a sua plena altura potencial. Mito #4 Tomar testosterona vai fazer com que os teus seios encolham completamente. Um dos efeitos da terapia hormonal em muitos transexuais FTM é a redistribuição da gordura corporal, de um padrão de tipo “feminino” para um padrão de tipo “masculino”. Uma redução no tecido adiposo à volta da área dos seios não será, portanto, rara. No entanto, a não ser que o homem em causa tenha à partida um peito muito pequeno, esta redução não será significativa o suficiente para fazer com que o seu peito pareça mais masculino (sem intervenção cirúrgica). O tecido mamário é composto por gordura, tecido conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e um sistema ductal. Isto aplica-se quer a homens, quer a mulheres. O tecido glandular e ductal da maior parte das mulheres desenvolve-se bastante durante a puberdade, principalmente devido ao estrogénio, e muito do crescimento das células de gordura nos seios ocorre neste período. A testosterona pode reduzir alguma da distribuição de tecido adiposo em torno dos seios, mas provavelmente não toda, e os tecidos glandular e ductal que já se tenham desenvolvido permanecerão também. Por isso, esperanças de ver os seios simplesmente “desvanecerem-se” quando se começa a tomar testosterona só verão fruto no caso dos poucos que à partida já têm muito pouco desenvolvimento mamário.
  • 20. Mito #5 Se parares de tomar testosterona depois da cirurgia ao peito, os teus seios crescerão de volta. Para responder a este mito, reconsideremos o Mito #4, e exactamente do que são feitos os seios: tecido adiposo, tecido conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e sistema ductal. Mais uma vez, o tecido glandular e ductal da maior parte das mulheres desenvolve-se bastante durante a puberdade, e há também em simultâneo bastante crescimento das células adiposas. A maior parte dos homens transexuais fazem cirurgias de reconstrução do peito já muito depois do desenvolvimento pubescente dos seios. Quando um* cirurgião remove tecido numa cirurgia de reconstrução do peito FTM, el* está a remover tecido glandular/fibroso, para além de tecido adiposo em excesso. * cirurgiã* (se estiver a fazer um bom trabalho) remove o máximo do tecido glandular/ductal possível e bastante do tecido adiposo também. Deixa-se alguma gordura porque sem nenhuma gordura, o peito pareceria demasiado liso ou até côncavo em comparação com o resto do torso. A quantia e localização do tecido deixado dependerá das capacidades d* cirurgiã* e do método cirúrgico usado para remover o tecido. Assim que o tecido glandular/ductal tiver sido cirurgicamente removido do corpo, ele foi-se de vez. Não vai crescer de volta espontaneamente. Qualquer quantia mínima de tecido glandular/ductal que fique pode sofrer algum encolhimento ou crescimento, mas tratar-seiam de alterações menores. Tecido adiposo deixado no corpo pode passar por frases de crescimento e de encolhimento, tal como toda a gordura do corpo é susceptível ao crescimento e ao encolhimento. Células adiposas podem sempre crescer devido a influências no consumo de comida, alterações metabólicas, ou níveis hormonais. Se um homem trans interromper a toma de testosterona e ainda tiver ovários funcionais, pode haver uma alteração na distribuição geral da gordura corporal para um padrão mais de tipo “feminino”, o que pode incluir um pequeno aumento na gordura na área do peito. Mas mantém em mente que, na maior parte dos casos, um homem trans pós-cirurgia ao peito teve uma quantia muito grande do tecido removido do seu peito, de modo que mesmo algum crescimento nessa gordura provavelmente não será significativo o suficiente para ser equivalente ao crescimento de “seios” tal como ele antes os teve. Mantém igualmente em mente que alguns homens trans têm cirurgia ao peito pré-testosterona (por vezes, anos antes de iniciar a testosterona) e algumas pessoas 20 optam por cirurgia ao peito sem testosterona, e estas pessoas geralmente não experienciam um regresso do crescimento dos peitos pós-cirurgia. Mito #6 Tomar testosterona vai tornar-te gay. Alguns homens transexuais podem descobrir que as suas sensações e atracções sexuais se alteram depois de começarem a terapia hormonal, enquanto para outros este não será o caso. Alguns homens trans sentem-se atraídos por mulheres antes da testosterona e continuam a sentir-se atraídos por mulheres pós-testosterona. Alguns sentem-se atraídos por homens pré-testosterona e continuam a sentir-se atraídos por homens pós-testosterona. Alguns podem descobrir que as suas atracções mudam, de mulheres para homens ou de homens para mulheres, pré e/ou pós-testosterona. A sexualidade humana é um fenómeno complexo e os transexuais FTM não são diferentes nesta dimensão. Há homens transexuais heterossexuais, homossexuais, bissexuais e assexuais, tal como há pessoas que na verdade não se identificam com nenhuma dessas categorias. Portanto, não há correlação específica entre tomar testosterona e subitamente tornares-te gay. No entanto, este mito pode ter ganho credibilidade porque há de facto uma porção de homens transexuais que vivem uma mudança nos seus sentimentos sexuais pós-transição. No entanto, isto pode ter mais a ver com as mudanças emocionais que vêm com viver como um homem e com ser visto pelo resto do mundo como um homem do que com a simples presença da testosterona em si. Ou seja, assim que um homem trans começa a sentir-se confortável no seu corpo e no seu papel enquanto homem, pode sentir-se mais confortável em explorar emoções sexuais por homens do que estaria pré-transição. Muitos homens transexuais estão desconfortáveis nos seus corpos pré-transição, e conforme se tornam mais confiantes pós-transição, alguns podem sentir-se mais confiantes em territórios sexuais novos ou diferentes. O mito provavelmente também ganha alguma força porque toca em alguns dos medos dos parceiros dos homens transexuais conforme eles iniciam a transição. Ou seja, muit*s parceir*s podem perguntar-se, “será que ele ainda se vai sentir atraído por mim?” ou “será que ainda me sentirei atraíd* por ele?” Preocupações quanto à identidade, quanto à comunidade e quanto à lealdade podem também intensificar esta questão, especialmente para as pessoas trans FTM que podem ter raízes em comunidades LGB.
  • 21. A verdade é que ninguém pode prever todas as coisas que acontecerão a um indivíduo durante ou depois da transição, e às vezes, há surpresas. No entanto, se a testosterona tornasse todos os homens transexuais gays, então não haveria nenhuns homens transexuais pós-transição com parceiras do género feminino, e este pura e simplesmente não é o caso. Mito #7: Se alguém toma doses enormes de testosterona, a sua transição acontece mais rápido do que com uma dose normal. Durante os primeiros meses da terapia com T, muitos homens transexuais sentem-se impacientes, à espera que aconteçam alterações masculinizantes. Alguns podem considerar a possibilidade de duplicar ou triplicar a sua dosagem, pensando que quanto mais tomem, mais rápido virão as mudanças. No entanto, aumentar dramaticamente a tua dose de T pode ter o efeito de atrasar as tuas mudanças. Isto acontece porque testosterona em excesso no teu corpo pode ser convertida em estrogénio por uma enzima chamada “aromatase”. Esta conversão faz parte do sistema natural de comunicação química do teu corpo – se há uma abundância de testosterona no teu corpo, ela é convertida (“aromatizada”) em estrogénio, para manter um equilíbrio hormonal “normal”. Assim sendo, tomar doses muito grandes de testosterona provavelmente não é boa ideia. As alterações derivadas da toma da testosterona são cumulativas, o que quer dizer que ocorrem de forma estável e regular ao longo do tempo. Embora algumas das primeiras mudanças (tipicamente na voz, na oleosidade da pele e na libído) possam ocorrer nas primeiras semanas ou meses, a maior parte das outras mudanças (tais como o crescimento do pêlo corporal e do pêlo facial) demoram muitos meses ou até anos. Um homem trans pode observar alterações rápidas numa área e mudanças lentas em outras áreas, enquanto que noutro caso talvez se observe o oposto. Os resultados e a linha cronológica geral das mudanças induzidas pela terapia hormonal não podem ser previstos com segurança. A paciência é uma qualidade chave (embora possa ser difícil de preservar, no caso de alguns homens trans que querem observar mudanças imediatamente). Se sentes que a tua transição não está a acontecer a um ritmo razoável, fala abertamente com o teu médico, pede que os teus níveis de testosterona sejam analisados regularmente (especialmente durante o primeiro ano do tratamento), presta atenção às alterações no teu corpo e ao que sentes em relação ao mesmo e ajusta a tua dosagem dentro dos limites do razoável, se necessário. Talvez até descubras que uma dose mais baixa funciona melhor para ti. (…) ALTERAÇÕES HORMONAIS – ESTROGÉNIO (CASO MTF) Terapia de Reposição de Hormonas em mulheres trans (MTFs) por Aline Freitas original em https://www.facebook.com/notes/horm%C3%B4nios-para-transg%C3%AAneros/faq-hormoniza%C3%A7% C3%A3o/183128951832014 (...) Como funciona a Terapia de Reposição Hormonal? − O antiandrogénio é o responsável por bloquear os efeitos da testosterona no organismo, impedindo a masculinização. A terapia é basicamente composta de: − Um estrogénio (estradiol e derivados) Vou ficar feminina? Em quanto tempo? Quais são os efeitos? − Um antiandrogénio (acetato de ciproterona ou espirinolactona) Em poucas palavras: − O estrogénio é o responsável pela feminilização do organismo. 21 Cada corpo reage da sua forma. Os efeitos dependem de uma série de fatores como: genética, a idade em que se inicia a TRH (Terapia de Reposição Hormonal), o peso, e o quanto o corpo é capaz de absorver o estrogénio. Em geral, quanto mais nova iniciar, mais mudanças terá. A puberdade feminina em raparigas cis pode levar até 7 anos, portanto é preciso ter paciência.
  • 22. No começo a maior parte das mudanças são internas. Algumas mulheres percebem mudanças em menos de um mês das quais: crescimento dos seios, pele mais macia, mudanças na distrubuição de gordura no rosto, coxas, nádegas e crescimento dos seios. Mas se não notar mudanças em 4 ou 5 meses talvez valha verificar a dosagem. Algumas mulheres tomam verdadeiros cocktails hormonais, misturando etinilestradiol com valerato de estradiol, com beta estradiol com enantato de estradiol (perlutan). Estas combinações são perigosíssimas e podem trazer prejuízos sérios e irreversíveis para a saúde. Um único tipo de estrogénio é o suficiente para uma hormonização eficiente, eficaz e segura. Um só medicamento com estrogénio e um só anti-androgénio é tudo o que precisa. Quais são as melhores hormonas? Qual é a dosagem recomendada? Não existe uma hormona melhor! Os melhores são aqueles que funcionam para si e não aquele que funcionou para a sua colega ou para a prima da vizinha. Só é possível determinar a dosagem recomendada, após os devidos exames com os níveis hormonais do seu organismo. Um bom endocrinologista saberá indicar a dosagem mais adequada. Em quanto tempo vou notar mudanças no meu corpo? // imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço. é pornografia, é ciência? os discursos dominantes não captam nem possibilitam vivências excêntricas em relação ao binário de género, vivências que refaçam “homem” e “mulher” e outra coisa ainda além dos termos seguros e coercivos do sistema que vivemos. na hegemonia do binarismo de género deste sistema, nem a ciência nem a imaginação criam o outro corpo, o terceiro e quarto e quantos mais haja. resta a*s interssexo e trans e bichas e que mais ocupar um corpo ilegítimo e abjecto; um corpo tomado por inumano.   22
  • 23.   // imagem por Joana Sousa & texto por Daniel Lourenço. menina faz isto mas menino faz aquilo, menino diz isto mas menina diz aquilo, menina pode isto mas menino pode aquilo. o corpo nunca está livre da regra e estão cá pais e ciência e sociedade para corrigir qualquer desvio, organizar as partes certas, censurar qualquer sentido extraviado do corpo. mas temos e resistiremos pelo direito a outro fazer, outro dizer, outro poder - outro corpo. a luta é também descobrir que ainda vamos a tempo de recuperar e proteger o melhor de ser-criança: o jogo do que somos e seremos. 23
  • 24. SEXUALIDADE FTM original em http://library.catie.ca/PDF/ATI-20000s/24654.pdf Mitos quanto aos homens trans Homens trans não correm risco de contrair VIH Este é um mito muito comum. Se tens sexo sem protecção, estás em risco. Isto porque é fácil o sémen, sangue ou fluidos sanguíneos que contêm VIH serem absorvidos pelo teu corpo durante o sexo desprotegido. Pensa no sexo que tens ou queres ter. Educa-te quanto aos riscos associados a essas actividades sexuais e aprende sobre formas de reduzir os riscos que corres, ao mesmo tempo que preservas o prazer sexual nas formas de sexo que queres. Homens trans não têm sexo com outros homens Como todos os homens, nós identificamo-nos como heterossexuais, bissexuais, gays, panssexuais, assexuais e por aí fora. Há uma falsa concepção de que, se és um homem trans, por definição só quererás dormir com mulheres. Alguns de nós querem. No entanto, outros de nós gostam de dormir com homens – sejam estes trans ou cisgénero. Homens trans são todos passivos Este mito deriva do facto de muitos assumirem que não temos pila. Não só alguns de nós fazem cirurgias que nos permitem penetrar os nossos parceiros com os nossos genitais, como existem outras opções como strapons, dildos e as nossas mãos, que também usamos para foder. O aspecto dos nossos genitais não determina se somos activos ou passivos, penetradores ou penetrados. Muitos homens trans gostam de ser fodidos, outros preferem foder. Alguns trocam de posição, dando e recebendo, dependendo da altura e pessoa com quem estamos. E há ainda outros que gostam de sexo sem qualquer forma de penetração. parceiro(s) estão a pensar mais claramente e são capazes de tomar decisões lúcidas. Acariciarem-se ou esfregarem-se enquanto discutem sexo seguro pode ser um bom modo de se lembrarem que “mais seguro” não significa “menos excitante”. Deixa claro que queres sexo seguro. Coloca o sexo seguro na mesa Mantém os materiais necessários para sexo seguro perto do local onde vais foder e onde estejam visíveis. Alguns gostam de fazer isto como forma de evitar ter de falar sobre sexo seguro: se deixares as coisas à vista, o teu parceiro recebe a mensagem de que tu esperas sexo seguro. Se falares sobre isso, ter as coisas à mão pode ser uma boa forma de arrancar a conversa sobre o tema. Quanto mais confortável te sentires em abordar práticas de sexo seguro, mais provável será que consigas comunicar com confiança sobre como gostas de foder. Sexy, sujo e seguro Torna o sexo seguro apelativo para o teu parceiro, mantendo-o divertido. Pede-lhe que faça três coisas sujas que envolvam sexo seguro. Experimenta situações novas e torna a foder em segurança, é mais excitante. Não há nada melhor do que seres capaz de expandir os teus horizontes sexuais e, simultaneamente, reduzir os riscos. Para além dos preservativos Torna o preservativo uma componente atraente e agradável do sexo para ti próprio e para o(s) teu(s) parceiro(s). Experimenta pôr um preservativo com a tua boca ou pedir ao teu parceiro que o faça. Cuidado com os dentes, para não rasgarem ou furarem o preservativo. Há uma grande variedade de preservativos, com diferentes formas e sabores, texturas, cores e outras “actualizações” – já não tens só os preservativos comuns. Tornar o sexo seguro mais fácil e mais divertido Continuar duro Conversar Fala sobre sexo seguro durante os preliminares e na fase inicial de excitação sexual, quando tu e o(s) teu(s) 24 Lembra-te que alguns rapazes têm dificuldade em usar preservativos. Não é raro alguém perder a erecção quando põe um preservativo. Isso pode criar uma certa
  • 25. ansiedade de performance sexual e sensação de vergonha, levando alguns a praticarem sexo desprotegido em vez de arriscarem perder a erecção e, de algum modo, não serem capazes de manter a sua performance sexual. Se a picha do teu parceiro ficar mole com o preservativo, diz-lhe que isso não é um problema para ti. Aligeira a situação e usa-a como uma oportunidade para fazer mais do que à partida o deixou duro. Diz-lhe que mantenha o preservativo posto e os dois podem interagir de modo a deixá-lo de novo duro o suficiente para foderem. Manter a força Alguns rapazes sentem que os preservativos são uma barreira ao prazer e intimidade. E há aqueles que gostam de ejacular dentro dos seus parceiros ou de ter os seus parceiros a virem-se dentro deles. Prepara-te para teres de afirmar o teu desejo por sexo seguro se tiveres um parceiro que pressiona os teus limites e te quer foder sem preservativo. Pensa em outras formas de criar intimidade, proximidade e prazer que não exijam que se vejam livres do preservativo. SEXO SEGURO PARA RAPAZES TRANS por Stef original em http://trans-ftm-gay.blogspot.pt/p/castillano-safe-sexe-chicos-trans.html?zx=d6db588398e27c6a É importante esclarecer que cada prática sexual requer um tipo de protecção específico. As luvas devem ser usadas caso haja penetração com os dedos ou com a mão, visto que o preservativo nunca cobre toda a área e o fluxo ou mucosa pode correr pela mão. Em caso de sexo oral: usar uma camada de látex, preservativo “feminino” (marca “Camaleão”, que se obtém facilmente na maioria das sex shops) ou preservativo “masculino”. Em caso de práticas anais: para penetração anal usar sempre preservativo (também nos sex toys e em qualquer outro objecto utilizado); no caso de um dicklit, pode usar-se um preservativo feminino para penetrar a outra pessoa analmente, devendo ela pôr o preservativo feminino no ânus sem o anel no final. Se utilizarem os dedos, deve usar-se luvas de látex. Em caso de penetração vaginal: usar preservativo feminino ou masculino (em caso de dicklit, a situação é a mesma; coloca-se o preservativo feminino na vagina com o anel agarrado aos lábios vaginais). É importante saber que, ao passar de sexo anal para sexo vaginal, há que mudar sempre de preservativo. O mesmo aplica-se aos sex toys ou outros objectos, devendo também ser limpos com água e sabão neutro e/ ou bactericida (nas sex shops encontram-se também produtos de limpeza de sex toys e/ou bactericidas). Se trocas de parceir* no sexo em grupo, mudam-se os preservativos d*s envolvid*s. 25 Ao nível do acompanhamento ginecológico ou urológico (para quem fez uma faloplastia ou metadioplastia), encontramo-nos perante médicos que frequentemente reassignam como mulheres. A maior parte dos médicos ignora os nossos corpos trans modificados pela testosterona e/ou as operações (mastectomia e/ou faloplastia e/ou metadioplastia). O resultado é a inexistência de acompanhamento. A toma de testosterona altera os genitais: o clítoris cresce e designa-se muitas vezes por dickclit. Após o início da toma de testosterona, podem gerar-se poliquistos no útero. Entretanto, o acompanhamento médico (para quem faça uma faloplastia) tem o mesmo problema para muitos: pouquíssimos médicos conhecem o pénis trans e são capazes de praticar uma consulta correcta. Tudo isto sem mencionar a angústia do coming out (saída do armário) em ambiente médico. Para se falar de sexo seguro, precisamos de abordar não só as doenças sexualmente transmissíveis (DST) mas também o contexto geral da pessoa trans e as discriminações a que está sujeita. Ao nível romântico e sexual, não podemos negar a realidade de que a comunidade trans sofre muita rejeição. Se não aparentamos ser trans, ou se a nossa aparência física provoca a dúvida sobre se somos homens ou mulheres, somos mais frágeis. Para aqueles que aparentam ter um género definido, a saída do armário em contexto romântico ou sexual toma maior importância. Como trans (aparentando ou não um género definido), tens de tomar uma decisão quanto a dizer, ou não, «Sou trans» à pessoa com quem estás envolvido ou com
  • 26. quem vais fazer sexo. Cada pessoa tomará a sua decisão em função da relação sexual que pretende ter, da parte da transição em que se encontra, do lugar onde está, se se sente confortável e seguro, e de outros elementos a considerar. Se decides revelar que és trans, eis algumas questões a ter em conta: – Estás num lugar em que te sentes fisicamente e emocionalmente seguro? – Podes abandonar rapidamente esse sítio, caso seja necessário? – Após saíres do armário, podes ser forçado a ser pedagógico no caso de alguém que saiba pouco sobre pessoas trans: terás disponibilidade para tal? E se a saída do armário é negativa: – Se as tuas emoções, o teu corpo, as tuas sensações e outros factores te indicarem que a situação ou a reacção da outra pessoa te põe muito desconfortável, vais escutar essas indicações? – Tens para onde ir? – Podes sair do local em segurança? – Podes pedir ajuda a amig*s? – Podes telefonar ou ir a casa de alguém amig* que te possa assistir? Ao nível das práticas sexuais, é muito importante que verbalizes os teus limites antes de chegares à relação sexual. Alguns trans rejeitam ser tocados em algumas partes do corpo (mamas e/ou vagina); outros utilizam todas as partes do seu corpo e disponibilizam-se a ser vaginalmente e/ou analmente penetrados; outros ainda vão ter práticas mais “activas”, usando o dickclit, os dedos, a língua e/ou um dildo: as práticas sexuais são variadas de um trans para outro. Para a penetração vaginal com dickclit, dildos, dedos ou pénis, é muito importante usar gel lubrificante (à base de água) se não houver lubrificação física espontânea. Para aqueles que fizeram uma faloplastia, o pénis é mais vulnerável ao VIH por não ter mucosa, a saída da uretra é mais larga, sendo uma entrada mais arriscada para as DST. O preservativo é absolutamente necessário. // imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.   ele que crie e ela que cuide; o menino é humano e a menina é mamã (sempre aquém de humana), o menino é fazedor e a menina é doméstica (sempre aquém de fazedora). e no entanto adivinhamos tantos outros modos de redistribuir e recriar essas tarefas e características e desejos ao ponto de explodir a coerência de um ser ou outro. a chave não é capacitar nem o menino, nem a menina. a chave é capacitar a criança para ser tudo isso e nada disso, e ainda mais. 26
  • 27.   // imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço. nasces e cais aqui ou ali. o teu corpo é recebido e repartido, diferenciado e distribuído, por todas as forças sociais que te dirão o que és e onde vais antes de teres sequer fala ou acto teus. és entregue a um trabalho de vida inteira de te fazeres o que se decidiu já que farás e serás. é altura de quebrarmos 27 todos estes moldes, tornarmos elásticas as nossas existências, darmos espaços aos que vieram e aos que venham para ser outra coisa, para ser outras mil coisas, rasgando a coerção a que somos submetid*s.
  • 28. Campanhas em 2013 Manifesto STP 2013 – Diversidade de Género na Infância STOP TRANS PATHOLOGIZATION – STOP PATOLOGIZAÇÃO TRANS A Campanha Internacional Stop Trans Pathologization (Stop Patologização Trans) é uma campanha mundial pela despatologização das identidades trans. Desde 2007 que a Campanha STP convoca, no mês de Outubro, uma série de ações internacionais pela despatologização trans. As atividades desse mês (também conhecido como Outubro Trans) culminam no dia 19 de Outubro (Dia Internacional pela Despatologização das Identidades Trans), com manifestações simultâneas em diversas cidades do mundo. Em Outubro de 2012, o “Outubro Trans” incluiu mais de 100 atividades em 48 cidades de diferentes continentes, desde a América Latina, à Oceânia, América do Norte, Ásia, África ou Europa. Mais de 350 grupos, redes, plataformas e federações internacionais e organizações políticas declararam o seu apoio para com a STP. Atualmente, a campanha conta com a adesão de grupos e redes de ativistas de todos os continentes do mundo. À semelhança dos anos anteriores, também este ano o Outubro Trans e o Dia Mundial de Acção pela Despatologização Trans serão assinalados em Lisboa, com um evento previsto para sexta-feira, dia 25 de Outubro . No ano de 2013, a Campanha STP centra-se no lema “Diversidade de Género na Infância”, em resposta às mais recentes e diversas tentativas de a patologizar. Nesta área, os objectivos principais da campanha em 2013 são: •A inclusão de um capítulo de atenção sanitária trans-específica, não baseada na doença, no CID11 (Manual de Classificação Internacional de Doenças e Outros Problemas de Saúde da OMS, Organização Mundial de Saúde) e a retirada da presença das identidades trans (categorias F64, F65.1 e F66) do Capítulo V deste manual. Esta alteração facilitaria a sua cobertura pública em diferentes partes do mundo; •A retirada imediata da proposta de inclusão da categoria “Incongruência de Género na Infância” no CID-11; •A presença e participação continuada do movimento trans no processo de revisão do CID; 28 •A retirada das categorias trans-específicas (“Disforia de Género”, “Disforia de Género na Infância” e “Trastorno Transvestista”) no DSM-V (Manual da APA, American Psychiatric Association); •A luta pelo fim de cirurgias forçadas a bebés intersexo. •A luta pelo direito à saúde trans-específica e plena para as pessoas trans (transgénero, transexuais e demais). •O impulsionamento e reforço de atividades que promovam o debate e questionamento dentro do movimento trans. É a pensar na diversidade de género na infância, que questionamos a utilidade clínica de uma categoria de diagnóstico para crianças com expressões e trajetórias de género diferentes das expectativas sociais associadas ao género que lhes foi atribuído à nascença. A campanha STP está consciente que as crianças estão particularmente vulneráveis a situações de discriminação, abuso médico ou terapias “normalizadoras”. Tal ocorre devido a uma falta de reconhecimento sistemática dos seus direitos de participação em decisões clínicas. De facto, a tentativa de classificação como diagnóstico da diversidade de género na infância pode criar uma contradição com princípios estabelecidos na Convenção Internacional de Direitos Humanos, no último Conselho de Direitos Humanos ou nos Princípios de Yogyakarta. As crianças trans são na maioria das vezes sujeitas a “tratamentos normalizadores” que deixam profundas marcas de instabilidade, estigmatizando e traumatizando as mesmas e, deste modo, comprometendo um futuro saudável. É-lhes negado o reconhecimento da sua identidade de género, bem como da sua livre exploração e expressão. A campanha nacional acredita que se devem considerar os tratamentos com bloqueadores da puberdade, e apenas se a criança e a família o requererem. De facto, estes tratamentos podem evitar a necessidade de morosos, caros e desagradáveis tratamentos para alterar efeitos da puberdade que podiam ter sido sus
  • 29. pensos. Assim, a utilização de bloqueadores pode ser um utensílio para oferecer tempo e espaço para a livre descoberta da diversidade de género na infância. No entanto, o objectivo principal no seu uso é dar à criança liberdade e não coagi-la a uma qualquer escolha binária, caso a mesma não o desejar fazer. De acordo com os critérios de diagnósticos estabelecidos para a “Disforia de Género na Infância” e no DSM-5, pode-se notar a contradição entre dois pensamentos: 1.Existe um reconhecimento da possibilidade de identificação com “um género alternativo diferente do atribuído à nascença” 2.Observa-se o pressuposto de que há jogos, brinquedos e actividades infantis considerados “típicos” do género atribuído à nascença. Mais ainda, existe uma preferência pelas actividades infantis associadas ao “outro género” e usadas de forma estereotipada. Este último pensamento reproduz um modelo redutor do que é a diversidade de género em criança, reforça o binarismo de género e os estereótipos de género e reflecte o modelo diagnóstico ocidental. Na verdade, a descoberta de diferentes expressões de género e formas de o encarar, não está relacionada necessariamente com uma experiência de sofrimento, doença, transtorno ou estado que necessite atenção médica. (Especialmente em contextos culturais afirmativos.) Nos casos em que crianças com expressões, vivências e identidades de género diferentes das do género atribuído à nascença, estas devem poder requerer aconselhamento psicológico e social. Esse aconselhamento deve ser um processo de livre exploração de expressões de género e de aconselhamento, para si e para os seus pais/familiares, sobre como lidar com as experiências de discriminação de que pode sofrer. Para este apoio específico, consideramos que não seria necessário categorizá-lo especificamente no CID. Esse apoio seria feito com base na disponibilidade dos profissionais numa abordagem não-patologizante e aberta à diversidade de género e multiplicidade de histórias. Para facilitar a cobertura pública dos serviços de aconselhamento, a nossa proposta é a inclusão do conceito de “identidade de género” nas regulamentações e códigos de boas práticas relacionadas com aconselhamento ou experiências de discriminação. Finalmente, consideramos muito relevante a possibilidade de manutenção de contactos com grupos e redes de ativistas trans, por parte do pessoal médico. 29 Outras reivindicações nacionais da campanha STP: •Uma verdadeira Lei da Identidade de Género, que não patologize as identidades trans e permita lutar mais eficazmente contra todo o tipo de discriminações de que são alvo no emprego, na habitação, no acesso à saúde; •Direito à mudança de nome e sexo nos documentos de identificação sem tratamento obrigatório ou diagnóstico, ou qualquer avaliação médica ou judicial. Bem como a anulação do aumento exorbitante do preço da alteração de nome e género incluído nos recentes aumentos dos preços dos actos notariais; •A inclusão da “Identidade de Género”, como motivo pelo qual ninguém pode ser discriminado, no artigo 13º da Constituição da República; •Descentralizar o atendimento cirúrgico, limitado a Coimbra (HUC – Hospitais Universidade de Coimbra) com a extinção da realização de cirurgias em Lisboa, com perda de qualidade, bem como o atendimento psiquiátrico e psicológico; exigir ainda que as pessoas trans que o requererem possam obter informação detalhada sobre o serviço e a qualidade do atendimento cirúrgico praticados nos HUC; •Descongestionar as longas e prejudiciais listas de espera e diminuir o exagerado tempo dos processos evitando a multiplicação de inúmeras avaliações psicológicas; •Fim das cirurgias à nascença e tratamentos normalizadores a bebés intersexo até que (ou se) os desejem; •Fim da coação à esterilização de trans masculinos. •Facultar às crianças trans tratamento hormonal destinado a bloquear os efeitos da puberdade até que as identidades de género se clarifiquem, de modo a evitar tratamentos dispendiosos e morosos aos efeitos da puberdade que deste modo podem ser evitados. O tratamento bloqueador nunca deve, contudo, ser usado numa perspetiva de invisibilizar, evitar ou “normalizar” numa perspetiva binária as identidades e expressões de género trans. •Fim dos atuais ataques ao Serviço Nacional de Saúde, na área da prevenção de Infeções Sexualmente Transmissíveis, no racionamento ou corte de tratamentos e medicamentos no âmbito do memorando da Troika e das medidas de austeridade acrescidas.
  • 30. Outras reivindicações internacionais da Campanha STP, igualmente necessárias em Portugal: •Medidas de educação e proteção contra a Transfobia, nomeadamente no meio escolar, e o reconhecimento da diversidade de expressão e identidade de género de qualquer criança pelos colegas e professores/auxiliares, desde os jardins-escola; •Garantia de acesso ao mundo laboral e adoção de políticas específicas para acabar com a marginalização e a discriminação das pessoas trans; •Condições de saúde e de segurança no desenvolvimento do trabalho sexual, a que muitas pessoas trans são forçadas a recorrer em consequência da sua sistemática exclusão social e laboral, e o fim do assédio policial a estas pessoas, bem como do tráfico sexual; •Concessão imediata de asilo político às pessoas trans imigradas que chegam ao nosso país fugindo de situações de discriminação e violência em função da sua identidade de género. CAMPANHA NO + TRANSFOBIA (CHILE) Contribuições de Portugal para a campanha chilena No + Transfobia Ver mais em: http://nomastransfobia.tumblr.com Os homens com mamas e vulva existem. Sou um homem trans* (FTM) feminino que, às vezes, gosta de se maquilhar. Gostaria de um dia poder ir à praia e mostrar o meu peito não-operado, à vontade. Gostaria de, ao ser trans* e precário, poder ter mais perspetivas de futuro do que a miséria. Gostaria que companheir*s trans* não se quisessem suicidar ou fossem assassinad*s. Gostaria de não ter medo de que alguém descubra que eu sou trans*. Gostaria que ninguém achasse que está no direito de dizer quem eu sou ou   30 porque é que acham que o que eu sinto não é válido. Gostaria de não ter de ser seguido por psiquiatras ou psicólogos que me tratam mal, me desrespeitam e acham que a nossa diversidade é uma doença a tratar. Nada disto é possível, porque existe transfobia. No + Transfobia! Mi Guerreiro
  • 31.   Sou como aí me vêem. E tenho medo de sair à rua sendo quem sou. Tenho medo que alguém me bata, que me ataque verbalmente, que me espanque. Tenho medo que alguém me mate. Tenho medo que alguém me deixe, aqueles que o fariam por lhes mostrar quem sou. Até em espaços trans* tenho medo. Mesmo neles, a minha identidade é negada, invisibilizada. Aqui dói mais, porque neste espaço deviam mesmo perceber. E tenho medo. Não tenho operações nem faço intenção. Se precisasse, teria medo. Mas não pre31 ciso. E tenho medo de uma sociedade que fica perplexa se me vir de vestido. Tenho medo de uma sociedade que fica espantada, e se torna agressiva, porque eu decidi sair à rua vestid*. E quero deixar de ter medo. No + transfobia! Alice Cunha