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TARDE DEMAIS
       7 a 30 de Maio de 2008 – Um capítulo por dia, durante 24 dias.
                         Blog “Palavras Criativas”
                     http://palavrascriativas.blogspot.com


Capítulo I - Como uma brisa


Começou devagarinho, como uma brisa no final de um dia quente de verão. Uma
vontade de fugir de tudo sem olhar para trás.
Chamo-me Ísis e tenho quarenta anos. Sou casada, mãe de um menino irrequieto
de dez anos, que revolucionou a minha vida ainda antes de nascer. Quando me
lembro do dia em que soube que estava grávida, fiquei tão feliz, a flutuar. A
responsabilidade, o encantamento de ser mãe, um turbilhão de emoções que me
acompanharam ao longo de toda a gravidez. “É menino”. Lourenço. Vai chamar-
se Lourenço. Que magia este momento.
“Drª. Ísis é o Dr. Paulo”. “Como? Ah sim, o telefone. Está? Não vens jantar, está
bem.” Desligo apreensiva. Já é a segunda vez esta semana. Será que tem outra?
Disparates.
“Luísa, pode retirar o prato do meu marido. Hoje janto só com o Lourenço”. Nem
posso acreditar, o Lourenço já tem dez anos. “Vamos jantar?” “Sim, mãe”. Mãe.
A ecoar na minha cabeça a primeira vez que o ouvi dizer mãe. Mãe. Como é que
uma palavra tão pequena pode encerrar um significado tão grande. Maior do que
o mundo. Mãe. Transformou a minha vida. Mãe. Recordo como se fosse hoje a
sensação de força, de invencibilidade, que me trouxe aquele bebé tão
pequenino. Senti-me tão protectora, tão doce, tão preenchida por um amor
incondicional.
Porquê agora este vazio? Esta insatisfação. Só sei que quero mais. Mais amor?
Mastigo a carne sem atenção, a voar com o pensamento e o Lourenço a chamar-
me. Mãe. Mãe. “Ah sim, diz filho?” “Estás zangada?” “Não filho, está tudo bem”.
Sim, está sempre tudo bem. Menos eu, claro. Sinto-me um objecto estranho,
deslocado, que não encaixa perfeitamente em lado nenhum. Haverá pior
sensação do que sentir-se só no meio de gente? Como naquele dia, na festa da
Joana. A casa cheia de convidados, e eu a sentir-me tão sozinha. Ruído à minha
volta. Assim que pude arranjei uma desculpa qualquer e vim-me embora. O Paulo
não gostou de abandonar a festa a meio, mas não teve alternativa. “É sempre a
mesma coisa. Insistes em vir e depois não queres ficar”. Desta vez até tinha
razão. Saímos mais cedo do que o socialmente aconselhável. Quero lá saber do
socialmente correcto, que importa o que os outros pensam. Acabam sempre por
pensar mal de nós. Muitas vezes nem de si próprios gostam, quanto mais dos
outros. Não se gosta do que não se compreende. E quando não se compreende,
não se perde tempo, rejeita-se. No mundo não há espaço para os que se
preocupam em se compreender e em compreender os outros.
Já é tarde e o Paulo que não chega. O Lourenço já dorme tranquilo no seu quarto
azul como o mar. E eu, sentada em frente ao televisor, a fingir interesse, oiço as
chaves na porta. Finalmente o Paulo. O meu marido, a minha paixão. O amor de
uma vida. Como foi surpreendente o momento em que nos apaixonámos. Na praia
a passear o Ruca. Foi então que o vi. Alto, bonito, olhos brilhantes mas tristes.
Naquele instante senti: é o homem da minha vida. Amor à primeira vista? Que
loucura. O Ruca, o meu fiel amigo despertou-lhe mais a atenção do que eu. O
Paulo aproximou-se dele e fez-lhe uma festa com tanto carinho que senti ciúmes
do raio do cão. Depois, olhou para mim e com um sorriso aberto perguntou
“Como se chama?” “O cão é o Ruca. E apesar de não ter perguntado, eu sou a
Ísis”. Riu-se com prazer e a partir daquele momento a minha vida nunca mais
voltou a ser minha.

Capítulo II - Paz
“Já jantaste?” “Sim, comi qualquer coisa no escritório”. “Não queres que te
prepare nada?” “Não, não é preciso. Estou cansado. Vou-me deitar. Boa noite”.
Hoje os nossos diálogos resumem-se a isto. Antes as palavras atropelavam-se,
tanto para dizer. Será que gastámos as palavras?
A primeira vez que fomos ao cinema. A chuva torrencial lá fora, e nós de mãos
dadas na sala escura do cinema. Quando o filme terminou falámos dele até se
esgotarem as ideias, e depois fomos cear em tua casa. Lembraste do resto? Tu e
eu, os nossos corpos colados, fizemos amor pela madrugada fora. Já nem me
lembro de quando fizemos amor da última vez. Saciaste a fome do meu corpo?
Fazes-me falta. Que saudades tenho de ti e de mim contigo. Que bom seria se o
tempo simplesmente parasse num momento feliz.
Lembro-me de ser feliz a teu lado, muitas vezes. O nosso primeiro beijo,
desajeitado mas saboroso. Tal como a nossa primeira noite de amor. Nunca me
hei-de esquecer do que senti. Mesmo depois de já teres saído de dentro de mim,
a lembrança do teu corpo permaneceu indelével na memória do meu corpo. Que
sensação aquela. Uma sensação de paz. Onde ficou a nossa paz? Parece tão
longe. E tu aqui tão perto, a dormir a meu lado. Tenho dificuldade em
adormecer, mesmo abraçada a ti.
De manhã, procuro-te na cama mas já não estás. Perdi para o jogging matinal.
Não me surpreende. Foi sempre assim. Só nunca dispensaste a companhia do
Ruca, que conquistaste desde o primeiro dia.
“Mãe, onde é que vamos hoje?” “À praia. Vai-te vestir.” Como cresceste meu
filho. Tão parecido com o pai. Os mesmos olhos. O mesmo sorriso sedutor. Como
serás daqui a vinte anos?

Capítulo III - Perdida
A caminho da praia, a música bem alta para disfarçar a falta de vontade para
conversar, o Lourenço a dormir como um anjinho lá atrás e eu a interrogar-me
como é que chegámos até aqui? A nossa história de amor parecia perfeita,
daquelas histórias que prometem um final feliz. Agora já não sei. Gostaria de
morrer e nascer outra vez, noutro lugar, noutro tempo. Inspirada pela música e
pelo balanço do carro, sonho que sou bebé, estou ao colo da minha mãe. Sinto-
me feliz. “Ísis, acorda. Chegámos!” Que belo sonho. Toda uma vida pela frente. A
possibilidade de recomeçar é deveras atraente. Mas nem as vidas nem as pessoas
são descartáveis. Nem sequer me apetece sair do carro. Por mim continuava a
ouvir música e retomava o meu sonho no ponto onde fui interrompida. Não se
vive de sonhos mas os sonhos ajudam-nos a suportar o dia-a-dia porque nos
alimentam a esperança.
Os pés na areia da praia, sabe bem, afinal foi bom sair do carro. O Lourenço a
jogar à bola com o pai, atentamente observados pelo Ruca. E eu a olhar o mar.
Sinto-me menos inquieta. Afinal foi bom vir. Vê-los juntos faz-me pensar que não
errei em tudo. É um bom pensamento. Sempre tive medo de falhar. Um fantasma
que me tem acompanhado. Quando se dá conta aos 40 anos que a nossa vida não
nos satisfaz, o que fazer? Muda-se de vida ou acomodamo-nos à vida que temos? É
tarde demais para mudar ou cedo demais para estar acomodado? Que dilema.
“Mãe, vamos ao banho?” “Sim, filho vamos dar um mergulho”. Nada tão bem o
meu filho. Sempre gostou de água. A brincar costumo dizer que dei à luz um
peixe. Sai ao pai. Não consigo compreender como é que o Paulo nunca
acompanhou o filho à natação. Falta de tempo, diz ele. Falta de vontade, digo
eu. Custa-me sentir que o Paulo não nos considere a sua prioridade de vida. Para
mim, a família esteve sempre em primeiro lugar. Actualmente sou assaltada por
tantas dúvidas que até esta minha firme convicção foi abalada. Começo a pensar
que eu deveria ser a minha prioridade! Devia cuidar mais de mim, mimar-me mais
e esforçar-me mais por satisfazer os meus próprios desejos. Deixei tantos sonhos
para trás, nem sei bem porquê. Sei que os fui deixando cair pelo caminho. Será
que ainda posso recuperar alguns?

Capítulo IV - Cumplicidade
“E se fossemos jantar fora?” “Foi um dia muito cansativo. Não me apetece sair.”
Mais uma tentativa falhada. Gostava de passar mais tempo a sós com o Paulo, na
esperança de recuperar a nossa cumplicidade. Mas pelos vistos não estamos em
sintonia. Longe vão os tempos em que nem precisávamos de falar para nos
compreendermos. Um dia, resolvi surpreender o Paulo e comprei bilhetes para o
teatro. Fartámo-nos de rir quando descobrimos que o Paulo também tinha
comprado bilhetes para a mesma peça. Acabámos por desafiar uns amigos a
acompanharem-nos. Foi uma noite divertida. A seguir ao teatro, ainda fomos
beber um copo e dar um pezinho de dança. Já nem me lembro da última vez que
dancei. Será que ainda sei dançar?
E daquela vez que enviei um ramo de rosas vermelhas para o atelier do Paulo sem
suspeitar que minutos depois, também eu recebia no meu escritório rosas
vermelhas enviadas por ele.
O Paulo esqueceu-se do nosso último aniversário de casamento, e eu com a
desilusão, nem sequer lhe ofereci os botões de punho. Ainda estão guardados
numa gaveta. Dez anos. Estamos casados há dez anos. A maior parte dos nossos
amigos já estão divorciados. Alguns até já voltaram a casar. O pior são os filhos.
Com maior ou menor intensidade, os miúdos ficam sempre muito afectados. O
melhor amigo do Lourenço, o Francisco é filho de pais separados (que expressão
horrível) e é uma criança muito traumatizada. Atribui à mãe a culpa pela saída
do pai lá de casa. E como acaba por sentir muita falta de ambos os pais, apoia-se
muito em mim e no Paulo, e até costuma chamar-nos de “pais emprestados”. O
Lourenço não parece sentir ciúmes do Francisco, e aceita tudo com muita
naturalidade. Será que reagiria da mesma forma se tivesse um irmão?
Provavelmente nunca saberemos a resposta. A não ser que engravide por
acidente, como da primeira vez! Atingida a faixa dos 40, é tarde demais para
voltar a ser mãe? A ideia de voltar a ser mãe nunca me seduziu. Contrariamente,
o Paulo sempre desejou mais um filho. Uma vez mais, ausência de sintonia.

Capítulo V - Afectos
Domingo, é dia de almoço em casa dos meus pais e jantar em casa dos meus
sogros. Já nos habituámos a este ritual semanal. Para o Lourenço os domingos
representam uma importante bolsa de afecto. “Está tudo bem filha?” “Sim tudo
bem”. “Tem a certeza? Acho-a preocupada”. “Está tudo bem mãe, não se
preocupe.” As mães têm de facto uma capacidade ímpar para conhecer os filhos,
para detectar a mais simples mudança de humor. Também me acontece o mesmo
com o Lourenço. Para mim é transparente. Tal como o pai. Ultimamente sinto o
Paulo distante, distraído, como que alheado de tudo. Será que anda apaixonado?
Sei que anda atolado de trabalho no atelier. Provavelmente estou a ser injusta.
Não existem motivos para esta minha desconfiança crescente, mas tenho que
arranjar forma de afastar definitivamente estas dúvidas. “Filha, a mãe disse-me
que tem andado esquisita. O que é que se passa?” “Não é nada pai, eu estou
bem. Sinto-me um pouco cansada, é só isso”. Como é fácil mentir. Não vale a
pena preocupá-los.
Agora os meus sogros.
Mais um domingo rotineiro, sem surpresas. Tal como o resto da minha vida.

Capítulo VI - Na banheira
A noite em branco permitiu-me delinear a minha estratégia: da próxima vez que
o Paulo telefonar a dizer que vai ficar no escritório até mais tarde, vou até lá.
Está decidido!
Mais um dia de trabalho. Vou buscar o Lourenço à escola e a seguir as
intermináveis compras para a casa. “Boa tarde Drª. Boa tarde menino”. “Boa
tarde Luísa”. Gosto muito da Luísa. Está connosco desde que casámos. Já faz
parte da família. Entendemo-nos muito bem. Adora o Lourenço e enche-o de
mimos. Do Paulo nunca gostou muito. E não se preocupa muito em escondê-lo.
Está-me a apetecer um banho de imersão. Acendo umas quantas velas, encho a
banheira de água bem quente e deixo-me ficar, cada vez mais relaxada. Por
pouco não adormeço. “Boa noite”. “Boa noite. Chegaste mais cedo. Não queres
vir tomar banho comigo?” Pergunto com algum receio da resposta. “Já venho ter
contigo”. Ainda bem. Já tinha saudades de partilhar a banheira.
Não estava à espera daqueles beijos tão intensos, deixei-me levar pelas carícias.
E sorri muito. Por dentro.
Olhei-me ao espelho e senti-me mais bonita. Fazer amor faz bem à pele e ainda
melhor à alma.
Comi mais do que o costume ao jantar. Apeteceu-me beber um copo de vinho
tinto. Fiquei ligeiramente tocada. Ri-me muito, nem sei bem de quê. Mas sei que
me ri muito. O Lourenço até estranhou. “Mãe. O que é que se passa?” “Nada
filho, apetece-me rir.” O Paulo olhou-me com um sorriso cúmplice. “São horas de
ires para a cama, Lourenço”. Estou meia adormecida e o Paulo pega-me ao colo e
leva-me para o nosso quarto sussurrando-me ao ouvido “Amo-te”.
Estou a sonhar ou aconteceu realmente? Um oásis no deserto que tem sido a
minha vida.

Capítulo VII - Passarinho verde
Dormi até mais tarde. Hoje sinto-me tão bem. E acho que se nota. Pelo menos a
Joana, a minha melhor amiga apercebeu-se da minha energia positiva ao almoço.
A Joana é solteira. Namora, ou melhor dizendo, vai namorando e sente-se feliz
assim. Eu costumo dizer-lhe para aproveitar bem a vida que leva, porque no dia
em que se apaixonar a sério, tudo vai mudar. Ela ri-se de mim e assegura-me que
só a paixão tem livre trânsito na sua vida. “Não quero ter a tua vida Ísis.
Certinha, direitinha e bem chatinha”. Não me sinto ofendida. Afinal somos
grandes amigas. Devemos ser sinceras uma com a outra. Reconheço que a Joana
tem uma certa razão. A minha vida é de facto assim. Mas hoje sinto-me
particularmente   bem.     Apetece-me   prolongar   no    tempo   esta   sensação
maravilhosa. Ainda sorrio por dentro e isso nota-se por fora. A Joana disse-me
que estou com cara de quem viu passarinho verde. Não deixa de estar certa,
tenho ouvido ao longo do dia o chilrear de passarinhos…
No regresso a casa, resolvo comprar uma lingerie nova. Ousada. Quero
surpreender o Paulo esta noite. Também já reservei uma mesa para dois no nosso
restaurante preferido.
“Olá Luísa. Hoje conte só com o Lourenço para jantar. Vou-me arranjar”. A Luísa
sorri e regressa aos seus afazeres. Tomo um duche rápido e depois espalho creme
por todo o corpo para ficar com a pele bem macia. Estreio a lingerie vermelha.
Fica-me bem. Sinto-me poderosa com o vestido preto justo e bem decotado,
oferecido há séculos pelo Paulo. Até se vai babar! Tenho de me despachar, e o
Paulo que não chega. Se calhar é melhor telefonar-lhe, não, assim deixa de ser
surpresa. “Mãe, o pai acabou de ligar do atelier a avisar que não vem jantar”. Só
me apetece chorar. Vou-me despir e comer qualquer coisa em casa. Até tenho
vergonha de olhar para a Luísa. Deve estar cheia de pena de mim. Não. Não me
vou despir. Vou até ao atelier do Paulo. Agora.

Capítulo VIII - Surpresa
Saio de casa sem dizer para onde vou. Guio que nem uma louca até ao atelier do
Paulo. Não aguento esperar pelo elevador. Subo as escadas a correr. Uso as
chaves que o Paulo me deu e entro sem fazer barulho. Não vejo luz. Que
esquisito. Dirijo-me à sala do Paulo. Ninguém. As outras salas igualmente vazias.
Mentiu. Não está no escritório a trabalhar. Parece-me que vejo luz na sala de
reuniões. Gemidos? Não tenho coragem para entrar. Não tenho coragem. Mesmo
assim empurro a porta, devagar. O meu coração bate cada vez mais depressa.
Meu Deus. Meu Deus. Não pode ser. Não pode ser. O Paulo a fazer sexo com…um
homem? Não é possível, não é possível. Devo ter gritado porque ambos olharam
para mim perplexos. Não estão de certeza mais surpreendidos do que eu. Estou
em estado de choque. Não sei o que fazer. Não estou preparada para isto. “Ísis.
Ísis”. Desato a correr dali para fora. Nem controlo as minhas próprias pernas.
Correm pelas escadas abaixo. Só quero fugir o mais depressa possível. Estou fora
de mim. Completamente desvairada. Entro no carro e acelero. Descontrolada. A
chorar. Desnorteada. Nem sei como é que consegui regressar a casa. A Luísa
espera-me pacientemente de pijama e roupão sentada no sofá da sala de estar.
Entro e deixo-me afundar no seu colo. Como uma criança. E choro. Choro
desesperada.
Felizmente que o Lourenço já dorme tranquilo no seu quarto azul como o mar.

Capítulo IX - Conversar
Não me sinto capaz de me levantar da cama. Não me sinto capaz de enfrentar o
resto do mundo. Não consigo trabalhar. Refugio-me em casa.
“Bom dia Drª. Ísis. Trouxe-lhe o almoço”. “Obrigada Luísa, mas não me apetece
comer nada”. “Faça um esforço Drª”. “Está bem, pode deixar a bandeja”. Não
tenho vontade de comer. Não tenho vontade de fazer nada. Não consigo imaginar
a minha vida daqui para a frente. A minha vida acabou. A vida que tinha
desapareceu no instante em que vi o Paulo com aquele homem. Ainda não
consigo acreditar no que vi. Não acredito que seja verdade. Só me apetece
chorar. Como é que vou enfrentar isto? E o Lourenço?
A Luísa tem cuidado de mim e do Lourenço. O Paulo insiste em falar comigo mas
tenho-me recusado a ouvi-lo. Nada do que disser poderá aliviar o meu
sofrimento. Parte de mim morreu naquela noite. Nada voltará a ser como dantes.
Mas tenho que falar com ele. Onde é que vou arranjar forças?
Liguei à Joana, mas faltou-me a coragem para lhe contar. Tenho que enfrentar
esta situação sozinha. “Está Paulo. Precisamos conversar. Podes passar cá por
casa mais tarde? Até logo.”
Tenho medo de o enfrentar. Tenho medo de o olhar nos olhos e deixar-me
seduzir. Tenho medo de recuar na minha decisão. Tenho medo da influência que
ainda possa exercer sobre mim, apesar de tudo.
“Olá Paulo.”
“Olá Ísis. O Lourenço?”
“O Lourenço está bem. Não se apercebeu de nada, felizmente. É óbvio que
estranha o facto de não dormires cá em casa há mais de uma semana, mas disse-
lhe que tinhas viajado em trabalho.”
“Eu amo-te, Ísis. O que presenciaste foi apenas sexo. Nada mais do que sexo”.
“Paulo, tens noção do que estás a dizer? Não se trata de um simples caso de
infidelidade. Traíste-me com um homem. Um homem.”
“Eu sei que parece estranho, mas tanto me sinto atraído por mulheres como por
homens”.
“E quando é que tencionavas comunicar-me a tua bissexualidade? Somos marido e
mulher há mais de dez anos. E eu, pelos vistos, nem sequer te conheço”.”
“Estou a confessá-lo agora. Eu amo-te, Ísis. Acredita”.
“Eu não consigo aceitar. Não consigo aceitar”.
“Se fosse uma mulher compreendias melhor e perdoavas-me?”
“Não sei.”
“Eu amo-te. Perdoa-me. Aquela noite não significou nada para mim”.
“Mas para mim fez toda a diferença. Quero o divórcio”.
“Eu sei que ainda me amas.”
“E eu sei que já não consigo viver contigo”.
“Tens a certeza?”
“Sim. A minha decisão está tomada.”

Capítulo X - Recomeçar
Só o amor não chega. Ainda te amo Paulo mas perdi a confiança em ti. Esta
sensação de ter vivido dez anos com um estranho. Afinal, quem és tu? Pensar que
sabia tudo sobre ti... Sinto-me enganada. É assustador. Dez anos de meia
verdade?
Tenho uma única certeza: amei-te e senti-me amada. Apesar de ultimamente me
sentir particularmente insatisfeita, com vontade de fugir da minha própria vida,
“certinha, direitinha e bem chatinha”, como diria a Joana.
Esta situação veio apenas acelerar o processo de mudança que já estava em
curso. Dentro de mim. O desejo de recomeçar também presente no sonho do
outro dia…Mas já não sou um bebé com toda uma vida pela frente, sou uma
adulta de 40 anos. Como recomeçar? Enchi-me de coragem e desabafei com a
Joana e senti-me muito melhor depois disso. Como sempre deu-me todo o seu
apoio para enfrentar o que chamou de “período de luto”. Tem uma certa razão.
A Joana tem uma força extraordinária, foi por isso que lhe pedi, como amiga e
colega advogada, para tratar do meu divórcio. “Ísis, tens a certeza que é isto que
queres?” Sempre tive mais dúvidas do que certezas na minha vida. Mas não
conseguiria manter o casamento com o Paulo, nem mesmo em nome do nosso
filho. Coitado do Lourenço. Ficou devastado com a decisão de divórcio. O Paulo
está a viver temporariamente num hotel, enquanto não terminam as obras do
novo apartamento, estrategicamente situado perto de nossa casa, para, segundo
ele, poder acompanhar melhor o filho. O Paulo finalmente arranjou tempo para
levar o Lourenço à natação. No outro dia, o Lourenço gostou tanto de se exibir
para o pai, que chegou radiante a casa. A Luísa não achou piada nenhuma, mas
eu até me ri com esta ironia do destino. Tantas vezes desejei que o Paulo
estivesse mais presente na vida familiar, e finalmente o meu desejo concretizou-
se. Sinto que a relação entre pai e filho tem crescido a ponto de se notar uma
certa cumplicidade entre eles.
A bem da verdade, nesta história, o mais afectado tem sido o cão! O Ruca tem
andado muito infeliz por não poder viver com o dono no hotel. Mas em breve a
sua vida vai melhorar, assim que se mudar para o novo apartamento do Paulo.
Agora oficialmente divorciados, eu e o Paulo podemos recomeçar as nossas vidas.

Capítulo XI - Nova vida
Uma “nova” vida não surge de repente, vai acontecendo naturalmente. De
manhã, levo o Lourenço à escola e depois sigo para o trabalho. Aproveito o
almoço para reatar velhas amizades. No final da tarde, vou buscar o Lourenço à
escola e regressamos juntos a casa. A Luísa prepara-nos o jantar e é nessa altura
que pomos a conversa em dia. Depois do Lourenço ir para a cama, vou para o
meu quarto e leio, vejo televisão e carrego o peso da solidão. A cama vazia,
demasiado grande e fria. Sinto falta do Paulo. Aponto num diário improvisado o
meu sentir e isso tem-me aliviado. Desde muito nova, tenho propensão para o
sofrimento, às vezes, até parece que gosto de sofrer, que gosto de me sentir
triste. A tristeza é um sentimento muito nobre mas dói. Sinto saudades do Paulo.
O que estará a fazer neste momento? Será que pensa tanto em mim como eu
penso nele? Ou será que já me esqueceu e partiu para uma nova conquista.
Homem ou mulher? Nem quero pensar nisso, quero afastar estas ideias do meu
pensamento e tentar dormir tranquila, sem fantasmas. Quero apenas viver o meu
dia-a-dia serenamente.
A Joana tem sido uma grande amiga. Tem-me feito muita companhia e tem
sabido respeitar o meu “luto” mas nos últimos tempos anda a falar demasiado em
homens, oferecendo-se insistentemente para me facilitar encontros. Ainda não
me sinto preparada para isso, e francamente não tenho vontade de conhecer nem
estar com ninguém. Depois de dez anos de casamento fiel, pelo menos da minha
parte, é complicado imaginar-me a seduzir e a ser seduzida por outro homem. É
claro que sinto falta de sexo, de ser tocada, acariciada, beijada. Mas ainda não
estou aberta a um novo relacionamento. Preciso de mais tempo. É por isso que
não tenho vontade nenhuma de ir amanhã à festa da Joana. Desde que resolveu
decretar o fim do meu “período de luto” que anda a preparar alguma.
Provavelmente convidou para a festa todos os ex-namorados para proporcionar-
me um leque mais diversificado de escolhas! Agora não há nada a fazer, é esperar
para ver o que se vai passar amanhã na festa.

Capítulo XII - A festa
Este sábado, foi totalmente dedicado a mim. Até cortei o cabelo. É mais fácil
mudar por fora do que por dentro! Quando entrei em casa, o Lourenço ficou
espantado a olhar para mim “Mãe estás fantástica”. É tão bom ouvir um elogio
sincero e espontâneo do meu filho, estava a precisar. A Luísa também me fez
bem ao ego “Está muito bonita Drª. Ísis”. De facto, sinto-me bem. Muito bem.
Vou tomar um duche e vestir-me, não quero chegar atrasada à festa.
“Drª. Ísis, é o Dr. Paulo”. “Então, passe-me o telefone”. “Não, ele está lá em
baixo. Se quiser, peço-lhe para voltar noutro dia.” “Deixe estar, diga-lhe que
desço já”. Meu Deus, logo hoje. “Olá Paulo.” “Olá Ísis, estás linda!” “Obrigada”.
“Não devia ter vindo sem avisar. Vais sair?” “Sim, mas ainda tenho alguns
minutos”. “Queria falar-te do Lourenço. Podemos almoçar na segunda-feira?”
“Sim, fica combinado”. Que sensação mais estranha ver o Paulo depois de tantos
meses. Parece estar bem. E ainda mexe muito comigo. Como é possível, depois
de tudo o que se passou…“Até logo, Luísa”. “Até logo Drª. divirta-se”.
Vou tentar. A casa da Joana está a abarrotar de gente. “Boa noite”. “Boa noite.
Estava a ver que tinhas desistido, Ísis”. Se calhar teria sido melhor nem sequer
ter aparecido. Assim que cheguei, tive a nítida sensação que não deveria ter
vindo. Sinto-me deslocada. Sozinha no meio de uma multidão. “Ísis, quero
apresentar-te uns amigos”. A noite até acabou por ser divertida, fartei-me de
dançar. As festas da Joana costumam ser muito animadas. E esta não foi
excepção. “Obrigada Joana. Gostei muito”. De regresso a casa sinto-me aliviada.
Que bom este silêncio. Poder finalmente tirar os sapatos.
Conheci muitas pessoas, e tal como havia calculado, a Joana convidou os ex-
namorados e serviu-os todos numa bandeja!            Alguns até são bastante
interessantes. Sobretudo o Jaime, um jovem pintor que passou a noite a falar
comigo sobre arte. Acabámos por trocar os números de telemóvel, mas não me
parece que vá ligar. É demasiado jovem. Agora vou-me deitar, sinto-me exausta.
Domingo, a rotina dos almoços nos meus pais e dos jantares nos meus sogros
mantém-se. Para o Lourenço esta dose extra de mimo é muito importante.
Sobretudo nesta fase. Sinto-o carente, apesar de tanto eu como o pai o cobrirmos
de atenção e carinho. Também sinto-o cada vez mais triste, e o meu sentimento
de culpabilidade cresce na mesma proporção. Será disto que o Paulo quer falar
comigo amanhã ao almoço?
Estou tão ansiosa que tenho dificuldade em adormecer. O que é que vou levar
vestido? Que disparate. Não se trata de um encontro mas de um almoço para
debater questões estritamente familiares.

Capítulo XIII - O almoço
E as horas que não passam. Finalmente o almoço. Num restaurante perto do meu
escritório, o Paulo já me espera naquela que em tempos foi a nossa mesa. “Olá
Paulo” “Olá Ísis” “Já pedi o arroz de polvo, fiz bem?” “Claro que sim.” “O que é
que me querias dizer sobre o Lourenço?” “Estive a pensar. O Lourenço tem
andado muito desanimado, podíamos aproveitar o 11º aniversário do nosso filho
para o levar finalmente à EuroDisney. O que é que achas?” “Por mim tudo bem.
Se o quiseres levar.” “Acho que não estás a perceber. A minha proposta é
obviamente extensiva a ti”. “Como?” “Não aprovas a ideia?” “Não faz sentido
irmos os três.” “Porquê?” “Tu sabes bem porquê”.
O arroz de polvo está delicioso, como sempre. É bom estar aqui outra vez com o
Paulo. Continua irresistível. O sorriso sedutor e o olhar intenso que me atraíram
desde o primeiro minuto. Não consigo disfarçar o desejo. Olha-me como se fosse
transparente. “Vamos tomar o café em minha casa?” “Não posso. Tenho uma
reunião da parte da tarde”. Como é fácil mentir. O difícil é resistir a tanto
charme, mas é melhor assim. Absorta em pensamentos obscenos nem reparo que
o meu telemóvel está a tocar. “Não atendes?” “Está. Olá Jaime, tudo bem?”
“Jantar amanhã? Está bem. Vais-me buscar a que horas? Combinado”. O Paulo
não disfarçou o desagrado, pediu a conta e despediu-se apressadamente. Será
que ficou com ciúmes? A simples ideia de ter provocado ciúmes ao Paulo agrada-
me bastante. Pelos vistos, eu também ainda mexo com ele.
Não resisto a contar a novidade ao Lourenço. “Filho, almocei hoje com o teu pai.
Ele está a preparar uma grande surpresa para o teu aniversário”. “A sério, mãe?”
“Sim, mas não vamos estragar a surpresa, em breve o teu pai vai falar contigo”
“Está bem mãe”.
Finalmente vejo o Lourenço entusiasmado com alguma coisa. Que bom. A ideia
do Paulo talvez resulte.

Capítulo XIV - O jantar
O jantar com o Jaime é hoje. Não estou com muita vontade. Aceitei mais para
provocar o Paulo. Ainda assim não posso deixar de ir. A Joana insistiu tanto. Acho
que tem razão, vai-me fazer bem este encontro.
Foi agradável. Jantar à luz das velas, bem regado por um maravilhoso vinho tinto.
Conversa interessante. Ambiente requintado mas descontraído. Acabei a noite
debaixo dos lençóis do Jaime num apartamento pequeno mas acolhedor.
Finalmente percebo o que é ter sexo sem amor. É muito bom viver o momento de
prazer, mas e depois? Senti um vazio enorme ao chegar a casa. Não fui talhada
para aventuras inconsequentes. No entanto, tenho que admitir que o sexo foi
bom. Tenho vontade de dormir. Hoje a cama não parece nem grande nem fria.
“Então Ísis, como foi?” “Foi bom Joana, muito bom.” “Eu não te disse?” “Sim
tinhas razão.” “Não te sinto entusiasmada.” “Foi uma noite óptima, nada mais.”
“Não vão continuar a sair?” “Não, não estou interessada.” “Ainda estás
apaixonada pelo Paulo?” Recuso-me a responder. Sim. Ainda estou apaixonada
pelo Paulo. Tenho tentado esquecê-lo mas não consigo. É mais forte do que eu.
Sinto saudades do Paulo. Sinto vontade de estar com ele. Sinto desejo por ele.
Sonho constantemente com ele. Penso incessantemente nele. Não consigo
desligar-me. É um amor para toda a vida. Como nos filmes mas bem real. Sofro
por amá-lo. Assim tão intensamente. Desesperadamente até. Não tenho vergonha
na cara, depois do que aconteceu. Mas a verdade é só uma e é esta: amo-te
Paulo…
Fazes parte de mim. Não posso arrancar-te de mim, como uma erva daninha.
Como é que se deixa de amar alguém só porque tem de ser? Como apagar da
memória um amor tão forte?

Capítulo XV - Ruca
“É o Dr. Paulo ao telefone. Diz que é urgente” “Está. Aconteceu alguma coisa?”
“O Ruca morreu.” “O quê?” “O Ruca, ontem à noite adormeceu tranquilamente
aos pés da minha cama e esta manhã não acordou.” “Foi-se como um
passarinho.” “Sim, pelo menos não sofreu.” “Vais enterrá-lo?” “Sim, acho que a
praia onde nos conhecemos seria o local ideal.” “Boa ideia.” “Vens comigo?”
“Claro. E o nosso filho?” “Acho que também vai querer participar.” “Também
acho. Então, até já.”
O Paulo ficou muito abatido. O Ruca foi muito mais do que um simples cão. Um
companheiro inseparável, desde o primeiro minuto.
O Lourenço também ficou muito triste. Talvez para o compensar, no carro, de
regresso a casa, o Paulo lhe tenha falado na viagem à EuroDisney. O Lourenço
ficou excitadíssimo e perguntou logo se podia levar o Francisco.
Deixámos o nosso filho em casa com a Luísa e fomos dar uma volta de carro só os
dois. Eu e o Paulo. Sem destino. Sem palavras. A música bem alta a preencher o
silêncio. Não sei quanto tempo levámos a chegar a casa do Paulo ali tão perto.
Sei que não foi preciso falar. Limitei-me a segui-lo. Entrei pela primeira vez no
seu apartamento e no entanto, pareceu-me familiar. Senti-me em casa. Pegou-
me ao colo e levou-me para o quarto. Deitou-me sobre a cama e lentamente
despiu-me. Por cada peça de roupa despida deu-me um beijo em troca. Cobriu-
me de carícias. Todo o meu corpo a arder de desejo lhe pedia para entrar. E ele
compreendendo entrou para dentro de mim num impulso. E murmurou-me ao
ouvido: Amo-te Ísis e eu num sussurro: Amo-te Paulo. E naquele instante senti um
prazer avassalador como nunca antes havia experimentado. E chorei. Chorei de
prazer de amor. Já tinha tantas saudades tuas, do teu cheiro, do teu corpo sobre
o meu, da intensidade dos teus beijos, da força do desejo. Já tinha tantas
saudades do nosso amor, de mim nos teus braços. E foi assim que adormeci,
tranquilamente, nos teus braços.
Capítulo XVI - Nós
Acordei abraçada a ti e imediatamente pensei: e agora? Nada disto estava
planeado. Pura e simplesmente aconteceu. Vou sair sem fazer barulho para não
te acordar. Prefiro contemplar-te a dormir serenamente.
De regresso a casa sou surpreendida pela Luísa “Bom dia Drª.” “Bom dia Luísa”.
Sinto-me uma criança apanhada em falso. Sinto-me bem. Tomo um duche rápido,
visto-me e desço para tomar o pequeno-almoço. O Lourenço já está a beber o
leite e assim que me vê, pergunta: “Mãe, tu e o pai voltaram?” Não respondo.
Nem eu própria sei a resposta. Um turbilhão de sentimentos e pensamentos. “Já
estamos atrasados Lourenço”. Deixo-o na escola e sigo para o trabalho. Mais um
dia de trabalho. Mas é como se não estivesse no escritório. O meu pensamento
voa e sorrio ao recordar a noite passada.
O Paulo já me ligou diversas vezes mas não tive coragem para atender. Não sei
como lidar com esta nova situação. O Jaime também já me ligou algumas vezes.
Que confusão! Telefonei à Joana, a minha confidente e pedi-lhe para vir almoçar
comigo.
A Joana nem quer acreditar no que ouviu. “Meu Deus, que grande complicação!
Numa noite o Jaime e na noite seguinte o Paulo…” “Joana, por favor, preciso de
ajuda” “E eu é que tenho a fama!” Ri-me com vontade. Só a Joana me faria rir
num momento como este. Sinto-me numa encruzilhada. “O que é que eu faço?” A
Joana, prática como sempre, dispara: “Despachas o Jaime e voltas para o Paulo”.
Como se fosse assim tão simples. Voltar para o Paulo. Nunca o deixei de amar.
Mas é preciso mais. Não é uma noite de amor, ainda que verdadeiramente mágica
como a de ontem, que vai alterar tudo o que se passou. “O teu problema Ísis é
que racionalizas demasiado as situações. Os afectos não se explicam, sentem-se e
pronto. E tu, ainda que te recuses a confessar, amas o Paulo”. A Joana conhece-
me muito bem e tem toda a razão, às vezes devia reflectir menos e amar mais,
mas sou assim. Mais racional que emotiva. Muitas vezes sinto que devia ser menos
exigente com os outros e comigo própria e ter a capacidade de transgredir sem
ter de me justificar. Mas sou como sou e não é aos 40 anos que vou mudar, ou
será que estou redondamente enganada? Mais uma vez me questiono, é tarde
demais para mudar ou cedo demais para me acomodar? Eu e o Paulo, nós fazemos
muito sentido juntos. Amamo-nos demasiado para ignorar esse sentimento. Mas
estamos divorciados, e agora de repente vamos voltar a ser um casal, como me
perguntou esta manhã o Lourenço? Será que é assim tão simples? Lá estou eu com
mais dúvidas do que certezas…
Capítulo XVII - Ciúmes
O Paulo apareceu lá em casa sem avisar. Com um enorme ramo de rosas
vermelhas. O Lourenço está nas nuvens com a nossa recente reaproximação. A
Luísa olha para esta nova situação com enorme desconfiança. E eu sinto-me a
rebentar de dúvidas.
“Drª. Ísis é o Jaime ao telefone” “Está. Olá tudo bem? Não, hoje não posso. Posso
ligar-te mais tarde? Até logo”.
“Já vi que estou a mais”, disse o Paulo. Atirou as rosas para o chão e saiu porta
fora. O Lourenço matou-me com o olhar antes de fugir para o seu quarto a chorar
e a Luísa abanou a cabeça, em sinal de reprovação. Corri atrás do Paulo. “Paulo
espera!”
“Quem é o Jaime?”
“É um pintor que conheci em casa da Joana.”
“O que é que há entre vocês?”
“Nada.”
“Não é o que parece. Foste para a cama com ele?”
“O que é que isso interessa?”
“Já respondeste.”
“Não tens nada a ver com isso. Não te devo explicações”.
“E a noite de ontem?”
“Não sei.”
“Então é melhor ficarmos por aqui. Boa noite e boa sorte com o Jaime.”
“Paulo espera.” Agora é que estou definitivamente metida numa grande alhada.
Telefonei ao Jaime e expliquei-lhe que apesar de ter gostado muito de estar com
ele a nossa relação não tinha qualquer futuro porque estou apaixonada pelo meu
ex-marido. Não reagiu mal. Perguntou-me apenas se não iríamos estar mais vezes
juntos. Claro que não. Sexo sem amor não é para mim.

Capítulo XVIII - Um bebé
O Lourenço e a Luísa andam ambos amuados comigo. O Paulo nunca mais deu
sinal de vida. Ainda lhe telefonei para desfazer algum malentendido, mas não
atende os meus telefonemas.
Tenho passado a maior parte do meu tempo livre a ler. E a dormir. Ando sempre
muito ensonada e não me sinto lá muito bem. Tenho que dar mais atenção à
minha saúde. Amanhã vou fazer análises. Nem me passou pela cabeça que
poderia estar grávida, só quando fui levantar os resultados é que me apercebi do
meu estado de graça! Mais uma gravidez totalmente inesperada. A história
repete-se. Sinto-me feliz e preocupada simultaneamente. Não tenho dúvidas que
o bebé é do Paulo. E agora? Um bebé. Um bebé fruto de uma noite mágica de
amor verdadeiro. Sinto-me abençoada. Estou com cerca de oito semanas. Não se
nota nada. Tenho que marcar a primeira ecografia. A flutuar. Decidi não contar
nada a ninguém. Por enquanto. Nem sequer à Joana. Vai ser um segredo só meu.
E do meu bebé. Será menino ou menina? Acho que é uma menina. Chamar-se-á
Lua.
O Lourenço e o pai já marcaram a viagem. Partem na próxima semana e levam o
Francisco na bagagem! Pela primeira vez não estarei presente num aniversário do
meu filho. Vou morrer de saudades mas são só uns dias. Vai ser bom para todos
nós.
Quanto à minha gravidez, acho que a Luísa anda desconfiada. Tenho tido uma
vontade enorme de comer banana frita. A todas as horas. A continuar assim vou
ficar uma bola!
Amanhã à tarde faço a primeira ecografia. Estou ansiosa. Espero que o meu bebé
esteja bem.

Capítulo XIX - A primeira ecografia
“Ísis está tudo bem com o seu bebé”. “Ainda bem Drª. A próxima ecografia é às
12 semanas?” “Exactamente. Ainda se lembra? O Lourenço já vai fazer onze anos,
não é? Como é que ele está?”. “Está um homenzinho.”
Lembro-me da primeira ecografia do Lourenço, eu e o Paulo estávamos tão
emocionados. Irradiávamos felicidade.
“Luísa ainda há bananas?” “Não, comeu a última ontem à noite. Consegue
aguentar até amanhã sem comer uma banana frita?” Solto uma gargalhada
cúmplice. A Luísa já sabe. É claro que sabe.
Ajudo o Lourenço a fazer as malas e aproveito para lhe dizer que o amo muito e
que tenho pena de não o acompanhar nesta viagem especial. O meu filho dá-me
um abraço forte e sentido e confessa que lhe vai custar muito estar longe de
mim, sobretudo no dia dos anos. No entanto, sossega-me garantindo que
telefonará todos os dias. Nunca estivemos separados mais do que um fim-de-
semana.
Vou sentir muito a tua falta meu filho.

Capítulo XX - A viagem
“Acorda filho, senão ainda perdes o avião. O teu pai já deve estar a chegar”.
“Olá Paulo.”
“Olá Ísis.”
“O Lourenço está quase pronto. A mala está ali.”
“Vou pondo a mala no carro.”
“Paulo.”
“Sim?”
“Boa viagem!”
“Vai correr tudo bem, não te preocupes. Assim que aterrarmos, ligamos.”
“Combinado.”
“Filho tem cuidado e faz o que o teu pai disser.”
“Está bem mãe.”
Sinto o coração apertado. Muito apertado. Detesto despedidas. É por isso que não
os acompanho ao aeroporto.
O telefone toca e do outro lado a voz do Paulo: “Chegámos bem a Paris. A viagem
correu optimamente. Vou passar ao Lourenço”.
“Paulo.”
“Sim?”
“Um beijo.”
“Outro para ti.”
“Mãe, isto é lindo!”
“Ainda não vistes nada filho. Um beijo grande.”
“Um beijo mãe e não te esqueças de ligar à mãe do Francisco.”
Gostava muito de estar com eles. Adormeço a sonhar com Paris.

Capítulo XXI - Saudades
Nunca pensei que era possível ter tantas saudades. Falei com o Lourenço todos os
dias, às vezes mais do que uma vez. Chegam amanhã à noite. Já pedi à Luísa para
caprichar no jantar. A ementa especial para a ocasião inclui bife com batatas
fritas, o prato preferido do Lourenço e arroz doce, a sobremesa preferida do
Paulo.
Durante a ausência do Lourenço aproveitei para, com a ajuda da Luísa, fazer uma
limpeza geral ao seu quarto. Foi uma das formas que encontrei para suportar as
saudades do meu filho. A Luísa aconselhou-me a não fazer grandes esforços,
tendo em conta o meu estado de graça. Ainda nos rimos bastante as duas e
acabámos abraçadas a chorar de alegria. Também já contei a novidade à Joana.
Ficou excitadíssima com a notícia: “Parabéns Ísis. Mas sabes quem é o pai?” “Eu
sou de certeza a mãe!” A seguir, fomos comprar as primeiras roupinhas para o
bebé. É claro que a Joana vai ser a madrinha. Mas ainda não sabe. Tudo a seu
tempo.
Aproveitei para comprar algumas roupas pré-mamã. A minha roupa já não me
serve. A minha cintura desapareceu. E já se vai começando a notar a barriguinha.
Lá no escritório ainda ninguém deu por nada. Mas já decidi que depois da
próxima ecografia anuncio a gravidez aos familiares e amigos mais próximos. Mas
antes, tenho que contar ao Paulo e ao Lourenço.
Capítulo XXII - Estou grávida
No aeroporto sinto-me nervosa com a espera. Será que vão reparar na minha
barriga?
Já os vejo. Corro a abraçar o Lourenço, e desfaço-me em lágrimas. Depois o
Francisco e finalmente o Paulo, um abraço meigo. Apetecia-me ficar assim, nos
teus braços, para sempre.
No regresso a casa conversamos animadamente no carro. O Lourenço não pára de
falar na viagem. Está visivelmente encantado. O Paulo também não esconde a
emoção. E eu sinto-me nas nuvens. A flutuar.
A Luísa espera-nos à porta de casa. Com um grande sorriso nos lábios. Até
conseguiu ser simpática para o Paulo. Sentámo-nos a comer e a conversar pela
noite fora. O Paulo insistiu para eu beber um copo de vinho tinto, sem desconfiar
que não posso beber. O Lourenço já acusa algum cansaço e acaba por adormecer
no sofá. O Paulo leva-o ao colo para a cama. E ambos ficamos estarrecidos a
olhar para o nosso filho a dormir tranquilamente. Depois instintivamente olhamos
um para o outro com imensa ternura. O Paulo aproxima-se de mim e acaricia-me
o rosto. Fecho os olhos à espera de um beijo. Amo-te, diz-me. Abro os olhos e
respondo: amo-te e é só então que me oferece o tão desejado beijo. Conduzo-o
habilmente ao nosso quarto, que nunca deixou de ser nosso e é já na nossa cama,
que nunca deixou de ser nossa, que confesso emocionada, depois de fazermos
amor: “Estou grávida”.
O Paulo abraça-me demoradamente e repete várias vezes: Amo-te, Amo-te, Amo-
te. As lágrimas correm-lhe pelo rosto extasiado e eu delicio-me com este
momento de intensa felicidade.
Ficamos abraçados durante longo tempo em silêncio sem nos preocuparmos com a
ausência das palavras, porque os nossos corpos entendem o dialecto do amor.
Teria sido perfeito se o Paulo não tivesse quebrado o encantamento com a
dúvida: “Tens a certeza que é meu?”
“Faz alguma diferença?” Expulsei-o do nosso quarto aos berros “Nunca mais te
quero ver”.
O Lourenço que dormia tranquilo no seu quarto, acordou sobressaltado e assomou
à porta, tal como a Luísa.
O Paulo a pedir “Desculpa” e eu agitada a repetir nervosamente: “Nunca mais te
quero ver”. A Luísa tentava acalmar a situação, lembrando que “A Drª. não se
pode enervar por causa do bebé”. O Lourenço confuso interrogava-se: “Qual
bebé?” O Paulo finalmente acedeu a sair. A Luísa foi a correr buscar um copo de
água e o Lourenço, abraçado a mim, escutava atónito a novidade: “Estou
grávidaquot;.
Capítulo XXIII - É uma menina
Acordei meio atordoada. O Lourenço dorme tranquilo a meu lado. Desço para
tomar o pequeno-almoço. A Luísa já se movimenta na cozinha atarefada. “Bom
dia.” “Bom dia Drª. conseguiu dormir?” “Pouco. Estou cheia de fome” “Deixe-me
adivinhar: banana frita…” “É isso mesmo Luísa.”
Quando estava grávida do Lourenço comia frequentemente uvas, pelos menos,
nas primeiras semanas de gravidez, depois passaram-me os desejos. Será que
desta vez também vai acontecer o mesmo?
“Bom dia.” “Bom dia Lourenço.” “Mãe, sonhei que estavas grávida ou é mesmo
verdade?” “É verdade filho.” “É menino?” “Ainda não sei o sexo do bebé. Talvez
se consiga saber na próxima ecografia.” “Quando é que fazes a próxima?” “Daqui
a duas semanas.” “Preferias ter uma irmã ou um irmão?” “Um irmão, é claro!”
É engraçado, sinto o Lourenço fascinado com a ideia de ter um irmão. Receei
eventuais ciúmes. “Posso contar ao Francisco?” “Para já não filho, peço-te para
só contares depois da próxima ecografia.” “Porquê?” “Por precaução. As
primeiras 12 semanas de gravidez são fundamentais para o desenvolvimento do
feto, compreendes?” “Sim mãe, como quiseres. Mãe, o pai não gostou da
novidade? Foi por isso que se zangaram ontem à noite?” “Lourenço, o teu pai
ficou muito contente com a notícia. Não te quero ver preocupado com assuntos
de adultos, um dia vais compreender. Agora termina os teus cereais”.
As duas semanas passaram a correr. A minha barriga está cada vez mais saliente.
Hoje é dia de ecografia. O Lourenço pediu para me acompanhar e eu concordei.
Vou buscá-lo à escola como sempre e depois seguimos juntos para o consultório.
A Joana almoçou comigo e já está ao corrente do sucedido. Não se conteve e deu
uma enorme gargalhada. Aconselhou-me a perdoar o Paulo por achar natural que
a dúvida surgisse, já que a minha aventura com o Jaime coincidiu com a nossa
reaproximação. Tenho que lhe dar uma certa razão. Mas custou-me muito ouvir o
Paulo, num momento mágico como aquele, questionar a paternidade. Desde
então não falámos. Telefonou várias vezes mas recusei-me sempre a falar com
ele. O Lourenço insistiu diversas vezes para eu dar uma hipótese ao pai, mas eu
mantive-me inflexível. Até a Luísa intercedeu a favor do Paulo, sem sucesso.
Já no consultório, aguardo pacientemente pela minha vez. O Lourenço mostra-se
irrequieto e não pára de se mexer na cadeira. “O que é que se passa filho?”
“Nada mãe.” No momento em que chamam o meu nome para entrar, irrompe
pela sala de espera o Paulo. “Peço desculpa pelo atraso.” “O que é que estás
aqui a fazer?” “Como? O Lourenço deu-me o teu recado.” “Qual recado?
Lourenço?” “Mãe, não te zangues comigo. É melhor entrarmos, já te chamaram
duas vezes”.
E foi assim que assistimos os três à ecografia. Chorei de emoção ao ouvir a
médica dizer “É uma menina”. Já sabia Lua.

Capítulo XXIV - Na praia
Para comemorar, nada melhor que um passeio na praia. De mãos dadas
caminhamos os três na areia molhada da praia.
De repente, o Paulo ajoelha-se e pergunta-me: “Queres casar comigo… outra
vez?” Emocionada respondo “Sim…outra vez”. O Lourenço solta uma gargalhada.
Lembro-me dos botões de punho guardados na gaveta e sorrio ao mesmo tempo
que acaricio a minha barriga. Afinal, não é tarde demais!

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Tarde demais para mudar

  • 1. TARDE DEMAIS 7 a 30 de Maio de 2008 – Um capítulo por dia, durante 24 dias. Blog “Palavras Criativas” http://palavrascriativas.blogspot.com Capítulo I - Como uma brisa Começou devagarinho, como uma brisa no final de um dia quente de verão. Uma vontade de fugir de tudo sem olhar para trás. Chamo-me Ísis e tenho quarenta anos. Sou casada, mãe de um menino irrequieto de dez anos, que revolucionou a minha vida ainda antes de nascer. Quando me lembro do dia em que soube que estava grávida, fiquei tão feliz, a flutuar. A responsabilidade, o encantamento de ser mãe, um turbilhão de emoções que me acompanharam ao longo de toda a gravidez. “É menino”. Lourenço. Vai chamar- se Lourenço. Que magia este momento. “Drª. Ísis é o Dr. Paulo”. “Como? Ah sim, o telefone. Está? Não vens jantar, está bem.” Desligo apreensiva. Já é a segunda vez esta semana. Será que tem outra? Disparates. “Luísa, pode retirar o prato do meu marido. Hoje janto só com o Lourenço”. Nem posso acreditar, o Lourenço já tem dez anos. “Vamos jantar?” “Sim, mãe”. Mãe. A ecoar na minha cabeça a primeira vez que o ouvi dizer mãe. Mãe. Como é que uma palavra tão pequena pode encerrar um significado tão grande. Maior do que o mundo. Mãe. Transformou a minha vida. Mãe. Recordo como se fosse hoje a sensação de força, de invencibilidade, que me trouxe aquele bebé tão pequenino. Senti-me tão protectora, tão doce, tão preenchida por um amor incondicional. Porquê agora este vazio? Esta insatisfação. Só sei que quero mais. Mais amor? Mastigo a carne sem atenção, a voar com o pensamento e o Lourenço a chamar- me. Mãe. Mãe. “Ah sim, diz filho?” “Estás zangada?” “Não filho, está tudo bem”. Sim, está sempre tudo bem. Menos eu, claro. Sinto-me um objecto estranho, deslocado, que não encaixa perfeitamente em lado nenhum. Haverá pior sensação do que sentir-se só no meio de gente? Como naquele dia, na festa da Joana. A casa cheia de convidados, e eu a sentir-me tão sozinha. Ruído à minha volta. Assim que pude arranjei uma desculpa qualquer e vim-me embora. O Paulo não gostou de abandonar a festa a meio, mas não teve alternativa. “É sempre a mesma coisa. Insistes em vir e depois não queres ficar”. Desta vez até tinha razão. Saímos mais cedo do que o socialmente aconselhável. Quero lá saber do socialmente correcto, que importa o que os outros pensam. Acabam sempre por
  • 2. pensar mal de nós. Muitas vezes nem de si próprios gostam, quanto mais dos outros. Não se gosta do que não se compreende. E quando não se compreende, não se perde tempo, rejeita-se. No mundo não há espaço para os que se preocupam em se compreender e em compreender os outros. Já é tarde e o Paulo que não chega. O Lourenço já dorme tranquilo no seu quarto azul como o mar. E eu, sentada em frente ao televisor, a fingir interesse, oiço as chaves na porta. Finalmente o Paulo. O meu marido, a minha paixão. O amor de uma vida. Como foi surpreendente o momento em que nos apaixonámos. Na praia a passear o Ruca. Foi então que o vi. Alto, bonito, olhos brilhantes mas tristes. Naquele instante senti: é o homem da minha vida. Amor à primeira vista? Que loucura. O Ruca, o meu fiel amigo despertou-lhe mais a atenção do que eu. O Paulo aproximou-se dele e fez-lhe uma festa com tanto carinho que senti ciúmes do raio do cão. Depois, olhou para mim e com um sorriso aberto perguntou “Como se chama?” “O cão é o Ruca. E apesar de não ter perguntado, eu sou a Ísis”. Riu-se com prazer e a partir daquele momento a minha vida nunca mais voltou a ser minha. Capítulo II - Paz “Já jantaste?” “Sim, comi qualquer coisa no escritório”. “Não queres que te prepare nada?” “Não, não é preciso. Estou cansado. Vou-me deitar. Boa noite”. Hoje os nossos diálogos resumem-se a isto. Antes as palavras atropelavam-se, tanto para dizer. Será que gastámos as palavras? A primeira vez que fomos ao cinema. A chuva torrencial lá fora, e nós de mãos dadas na sala escura do cinema. Quando o filme terminou falámos dele até se esgotarem as ideias, e depois fomos cear em tua casa. Lembraste do resto? Tu e eu, os nossos corpos colados, fizemos amor pela madrugada fora. Já nem me lembro de quando fizemos amor da última vez. Saciaste a fome do meu corpo? Fazes-me falta. Que saudades tenho de ti e de mim contigo. Que bom seria se o tempo simplesmente parasse num momento feliz. Lembro-me de ser feliz a teu lado, muitas vezes. O nosso primeiro beijo, desajeitado mas saboroso. Tal como a nossa primeira noite de amor. Nunca me hei-de esquecer do que senti. Mesmo depois de já teres saído de dentro de mim, a lembrança do teu corpo permaneceu indelével na memória do meu corpo. Que sensação aquela. Uma sensação de paz. Onde ficou a nossa paz? Parece tão longe. E tu aqui tão perto, a dormir a meu lado. Tenho dificuldade em adormecer, mesmo abraçada a ti. De manhã, procuro-te na cama mas já não estás. Perdi para o jogging matinal. Não me surpreende. Foi sempre assim. Só nunca dispensaste a companhia do Ruca, que conquistaste desde o primeiro dia.
  • 3. “Mãe, onde é que vamos hoje?” “À praia. Vai-te vestir.” Como cresceste meu filho. Tão parecido com o pai. Os mesmos olhos. O mesmo sorriso sedutor. Como serás daqui a vinte anos? Capítulo III - Perdida A caminho da praia, a música bem alta para disfarçar a falta de vontade para conversar, o Lourenço a dormir como um anjinho lá atrás e eu a interrogar-me como é que chegámos até aqui? A nossa história de amor parecia perfeita, daquelas histórias que prometem um final feliz. Agora já não sei. Gostaria de morrer e nascer outra vez, noutro lugar, noutro tempo. Inspirada pela música e pelo balanço do carro, sonho que sou bebé, estou ao colo da minha mãe. Sinto- me feliz. “Ísis, acorda. Chegámos!” Que belo sonho. Toda uma vida pela frente. A possibilidade de recomeçar é deveras atraente. Mas nem as vidas nem as pessoas são descartáveis. Nem sequer me apetece sair do carro. Por mim continuava a ouvir música e retomava o meu sonho no ponto onde fui interrompida. Não se vive de sonhos mas os sonhos ajudam-nos a suportar o dia-a-dia porque nos alimentam a esperança. Os pés na areia da praia, sabe bem, afinal foi bom sair do carro. O Lourenço a jogar à bola com o pai, atentamente observados pelo Ruca. E eu a olhar o mar. Sinto-me menos inquieta. Afinal foi bom vir. Vê-los juntos faz-me pensar que não errei em tudo. É um bom pensamento. Sempre tive medo de falhar. Um fantasma que me tem acompanhado. Quando se dá conta aos 40 anos que a nossa vida não nos satisfaz, o que fazer? Muda-se de vida ou acomodamo-nos à vida que temos? É tarde demais para mudar ou cedo demais para estar acomodado? Que dilema. “Mãe, vamos ao banho?” “Sim, filho vamos dar um mergulho”. Nada tão bem o meu filho. Sempre gostou de água. A brincar costumo dizer que dei à luz um peixe. Sai ao pai. Não consigo compreender como é que o Paulo nunca acompanhou o filho à natação. Falta de tempo, diz ele. Falta de vontade, digo eu. Custa-me sentir que o Paulo não nos considere a sua prioridade de vida. Para mim, a família esteve sempre em primeiro lugar. Actualmente sou assaltada por tantas dúvidas que até esta minha firme convicção foi abalada. Começo a pensar que eu deveria ser a minha prioridade! Devia cuidar mais de mim, mimar-me mais e esforçar-me mais por satisfazer os meus próprios desejos. Deixei tantos sonhos para trás, nem sei bem porquê. Sei que os fui deixando cair pelo caminho. Será que ainda posso recuperar alguns? Capítulo IV - Cumplicidade “E se fossemos jantar fora?” “Foi um dia muito cansativo. Não me apetece sair.” Mais uma tentativa falhada. Gostava de passar mais tempo a sós com o Paulo, na
  • 4. esperança de recuperar a nossa cumplicidade. Mas pelos vistos não estamos em sintonia. Longe vão os tempos em que nem precisávamos de falar para nos compreendermos. Um dia, resolvi surpreender o Paulo e comprei bilhetes para o teatro. Fartámo-nos de rir quando descobrimos que o Paulo também tinha comprado bilhetes para a mesma peça. Acabámos por desafiar uns amigos a acompanharem-nos. Foi uma noite divertida. A seguir ao teatro, ainda fomos beber um copo e dar um pezinho de dança. Já nem me lembro da última vez que dancei. Será que ainda sei dançar? E daquela vez que enviei um ramo de rosas vermelhas para o atelier do Paulo sem suspeitar que minutos depois, também eu recebia no meu escritório rosas vermelhas enviadas por ele. O Paulo esqueceu-se do nosso último aniversário de casamento, e eu com a desilusão, nem sequer lhe ofereci os botões de punho. Ainda estão guardados numa gaveta. Dez anos. Estamos casados há dez anos. A maior parte dos nossos amigos já estão divorciados. Alguns até já voltaram a casar. O pior são os filhos. Com maior ou menor intensidade, os miúdos ficam sempre muito afectados. O melhor amigo do Lourenço, o Francisco é filho de pais separados (que expressão horrível) e é uma criança muito traumatizada. Atribui à mãe a culpa pela saída do pai lá de casa. E como acaba por sentir muita falta de ambos os pais, apoia-se muito em mim e no Paulo, e até costuma chamar-nos de “pais emprestados”. O Lourenço não parece sentir ciúmes do Francisco, e aceita tudo com muita naturalidade. Será que reagiria da mesma forma se tivesse um irmão? Provavelmente nunca saberemos a resposta. A não ser que engravide por acidente, como da primeira vez! Atingida a faixa dos 40, é tarde demais para voltar a ser mãe? A ideia de voltar a ser mãe nunca me seduziu. Contrariamente, o Paulo sempre desejou mais um filho. Uma vez mais, ausência de sintonia. Capítulo V - Afectos Domingo, é dia de almoço em casa dos meus pais e jantar em casa dos meus sogros. Já nos habituámos a este ritual semanal. Para o Lourenço os domingos representam uma importante bolsa de afecto. “Está tudo bem filha?” “Sim tudo bem”. “Tem a certeza? Acho-a preocupada”. “Está tudo bem mãe, não se preocupe.” As mães têm de facto uma capacidade ímpar para conhecer os filhos, para detectar a mais simples mudança de humor. Também me acontece o mesmo com o Lourenço. Para mim é transparente. Tal como o pai. Ultimamente sinto o Paulo distante, distraído, como que alheado de tudo. Será que anda apaixonado? Sei que anda atolado de trabalho no atelier. Provavelmente estou a ser injusta. Não existem motivos para esta minha desconfiança crescente, mas tenho que arranjar forma de afastar definitivamente estas dúvidas. “Filha, a mãe disse-me
  • 5. que tem andado esquisita. O que é que se passa?” “Não é nada pai, eu estou bem. Sinto-me um pouco cansada, é só isso”. Como é fácil mentir. Não vale a pena preocupá-los. Agora os meus sogros. Mais um domingo rotineiro, sem surpresas. Tal como o resto da minha vida. Capítulo VI - Na banheira A noite em branco permitiu-me delinear a minha estratégia: da próxima vez que o Paulo telefonar a dizer que vai ficar no escritório até mais tarde, vou até lá. Está decidido! Mais um dia de trabalho. Vou buscar o Lourenço à escola e a seguir as intermináveis compras para a casa. “Boa tarde Drª. Boa tarde menino”. “Boa tarde Luísa”. Gosto muito da Luísa. Está connosco desde que casámos. Já faz parte da família. Entendemo-nos muito bem. Adora o Lourenço e enche-o de mimos. Do Paulo nunca gostou muito. E não se preocupa muito em escondê-lo. Está-me a apetecer um banho de imersão. Acendo umas quantas velas, encho a banheira de água bem quente e deixo-me ficar, cada vez mais relaxada. Por pouco não adormeço. “Boa noite”. “Boa noite. Chegaste mais cedo. Não queres vir tomar banho comigo?” Pergunto com algum receio da resposta. “Já venho ter contigo”. Ainda bem. Já tinha saudades de partilhar a banheira. Não estava à espera daqueles beijos tão intensos, deixei-me levar pelas carícias. E sorri muito. Por dentro. Olhei-me ao espelho e senti-me mais bonita. Fazer amor faz bem à pele e ainda melhor à alma. Comi mais do que o costume ao jantar. Apeteceu-me beber um copo de vinho tinto. Fiquei ligeiramente tocada. Ri-me muito, nem sei bem de quê. Mas sei que me ri muito. O Lourenço até estranhou. “Mãe. O que é que se passa?” “Nada filho, apetece-me rir.” O Paulo olhou-me com um sorriso cúmplice. “São horas de ires para a cama, Lourenço”. Estou meia adormecida e o Paulo pega-me ao colo e leva-me para o nosso quarto sussurrando-me ao ouvido “Amo-te”. Estou a sonhar ou aconteceu realmente? Um oásis no deserto que tem sido a minha vida. Capítulo VII - Passarinho verde Dormi até mais tarde. Hoje sinto-me tão bem. E acho que se nota. Pelo menos a Joana, a minha melhor amiga apercebeu-se da minha energia positiva ao almoço. A Joana é solteira. Namora, ou melhor dizendo, vai namorando e sente-se feliz assim. Eu costumo dizer-lhe para aproveitar bem a vida que leva, porque no dia em que se apaixonar a sério, tudo vai mudar. Ela ri-se de mim e assegura-me que
  • 6. só a paixão tem livre trânsito na sua vida. “Não quero ter a tua vida Ísis. Certinha, direitinha e bem chatinha”. Não me sinto ofendida. Afinal somos grandes amigas. Devemos ser sinceras uma com a outra. Reconheço que a Joana tem uma certa razão. A minha vida é de facto assim. Mas hoje sinto-me particularmente bem. Apetece-me prolongar no tempo esta sensação maravilhosa. Ainda sorrio por dentro e isso nota-se por fora. A Joana disse-me que estou com cara de quem viu passarinho verde. Não deixa de estar certa, tenho ouvido ao longo do dia o chilrear de passarinhos… No regresso a casa, resolvo comprar uma lingerie nova. Ousada. Quero surpreender o Paulo esta noite. Também já reservei uma mesa para dois no nosso restaurante preferido. “Olá Luísa. Hoje conte só com o Lourenço para jantar. Vou-me arranjar”. A Luísa sorri e regressa aos seus afazeres. Tomo um duche rápido e depois espalho creme por todo o corpo para ficar com a pele bem macia. Estreio a lingerie vermelha. Fica-me bem. Sinto-me poderosa com o vestido preto justo e bem decotado, oferecido há séculos pelo Paulo. Até se vai babar! Tenho de me despachar, e o Paulo que não chega. Se calhar é melhor telefonar-lhe, não, assim deixa de ser surpresa. “Mãe, o pai acabou de ligar do atelier a avisar que não vem jantar”. Só me apetece chorar. Vou-me despir e comer qualquer coisa em casa. Até tenho vergonha de olhar para a Luísa. Deve estar cheia de pena de mim. Não. Não me vou despir. Vou até ao atelier do Paulo. Agora. Capítulo VIII - Surpresa Saio de casa sem dizer para onde vou. Guio que nem uma louca até ao atelier do Paulo. Não aguento esperar pelo elevador. Subo as escadas a correr. Uso as chaves que o Paulo me deu e entro sem fazer barulho. Não vejo luz. Que esquisito. Dirijo-me à sala do Paulo. Ninguém. As outras salas igualmente vazias. Mentiu. Não está no escritório a trabalhar. Parece-me que vejo luz na sala de reuniões. Gemidos? Não tenho coragem para entrar. Não tenho coragem. Mesmo assim empurro a porta, devagar. O meu coração bate cada vez mais depressa. Meu Deus. Meu Deus. Não pode ser. Não pode ser. O Paulo a fazer sexo com…um homem? Não é possível, não é possível. Devo ter gritado porque ambos olharam para mim perplexos. Não estão de certeza mais surpreendidos do que eu. Estou em estado de choque. Não sei o que fazer. Não estou preparada para isto. “Ísis. Ísis”. Desato a correr dali para fora. Nem controlo as minhas próprias pernas. Correm pelas escadas abaixo. Só quero fugir o mais depressa possível. Estou fora de mim. Completamente desvairada. Entro no carro e acelero. Descontrolada. A chorar. Desnorteada. Nem sei como é que consegui regressar a casa. A Luísa espera-me pacientemente de pijama e roupão sentada no sofá da sala de estar.
  • 7. Entro e deixo-me afundar no seu colo. Como uma criança. E choro. Choro desesperada. Felizmente que o Lourenço já dorme tranquilo no seu quarto azul como o mar. Capítulo IX - Conversar Não me sinto capaz de me levantar da cama. Não me sinto capaz de enfrentar o resto do mundo. Não consigo trabalhar. Refugio-me em casa. “Bom dia Drª. Ísis. Trouxe-lhe o almoço”. “Obrigada Luísa, mas não me apetece comer nada”. “Faça um esforço Drª”. “Está bem, pode deixar a bandeja”. Não tenho vontade de comer. Não tenho vontade de fazer nada. Não consigo imaginar a minha vida daqui para a frente. A minha vida acabou. A vida que tinha desapareceu no instante em que vi o Paulo com aquele homem. Ainda não consigo acreditar no que vi. Não acredito que seja verdade. Só me apetece chorar. Como é que vou enfrentar isto? E o Lourenço? A Luísa tem cuidado de mim e do Lourenço. O Paulo insiste em falar comigo mas tenho-me recusado a ouvi-lo. Nada do que disser poderá aliviar o meu sofrimento. Parte de mim morreu naquela noite. Nada voltará a ser como dantes. Mas tenho que falar com ele. Onde é que vou arranjar forças? Liguei à Joana, mas faltou-me a coragem para lhe contar. Tenho que enfrentar esta situação sozinha. “Está Paulo. Precisamos conversar. Podes passar cá por casa mais tarde? Até logo.” Tenho medo de o enfrentar. Tenho medo de o olhar nos olhos e deixar-me seduzir. Tenho medo de recuar na minha decisão. Tenho medo da influência que ainda possa exercer sobre mim, apesar de tudo. “Olá Paulo.” “Olá Ísis. O Lourenço?” “O Lourenço está bem. Não se apercebeu de nada, felizmente. É óbvio que estranha o facto de não dormires cá em casa há mais de uma semana, mas disse- lhe que tinhas viajado em trabalho.” “Eu amo-te, Ísis. O que presenciaste foi apenas sexo. Nada mais do que sexo”. “Paulo, tens noção do que estás a dizer? Não se trata de um simples caso de infidelidade. Traíste-me com um homem. Um homem.” “Eu sei que parece estranho, mas tanto me sinto atraído por mulheres como por homens”. “E quando é que tencionavas comunicar-me a tua bissexualidade? Somos marido e mulher há mais de dez anos. E eu, pelos vistos, nem sequer te conheço”.” “Estou a confessá-lo agora. Eu amo-te, Ísis. Acredita”. “Eu não consigo aceitar. Não consigo aceitar”. “Se fosse uma mulher compreendias melhor e perdoavas-me?”
  • 8. “Não sei.” “Eu amo-te. Perdoa-me. Aquela noite não significou nada para mim”. “Mas para mim fez toda a diferença. Quero o divórcio”. “Eu sei que ainda me amas.” “E eu sei que já não consigo viver contigo”. “Tens a certeza?” “Sim. A minha decisão está tomada.” Capítulo X - Recomeçar Só o amor não chega. Ainda te amo Paulo mas perdi a confiança em ti. Esta sensação de ter vivido dez anos com um estranho. Afinal, quem és tu? Pensar que sabia tudo sobre ti... Sinto-me enganada. É assustador. Dez anos de meia verdade? Tenho uma única certeza: amei-te e senti-me amada. Apesar de ultimamente me sentir particularmente insatisfeita, com vontade de fugir da minha própria vida, “certinha, direitinha e bem chatinha”, como diria a Joana. Esta situação veio apenas acelerar o processo de mudança que já estava em curso. Dentro de mim. O desejo de recomeçar também presente no sonho do outro dia…Mas já não sou um bebé com toda uma vida pela frente, sou uma adulta de 40 anos. Como recomeçar? Enchi-me de coragem e desabafei com a Joana e senti-me muito melhor depois disso. Como sempre deu-me todo o seu apoio para enfrentar o que chamou de “período de luto”. Tem uma certa razão. A Joana tem uma força extraordinária, foi por isso que lhe pedi, como amiga e colega advogada, para tratar do meu divórcio. “Ísis, tens a certeza que é isto que queres?” Sempre tive mais dúvidas do que certezas na minha vida. Mas não conseguiria manter o casamento com o Paulo, nem mesmo em nome do nosso filho. Coitado do Lourenço. Ficou devastado com a decisão de divórcio. O Paulo está a viver temporariamente num hotel, enquanto não terminam as obras do novo apartamento, estrategicamente situado perto de nossa casa, para, segundo ele, poder acompanhar melhor o filho. O Paulo finalmente arranjou tempo para levar o Lourenço à natação. No outro dia, o Lourenço gostou tanto de se exibir para o pai, que chegou radiante a casa. A Luísa não achou piada nenhuma, mas eu até me ri com esta ironia do destino. Tantas vezes desejei que o Paulo estivesse mais presente na vida familiar, e finalmente o meu desejo concretizou- se. Sinto que a relação entre pai e filho tem crescido a ponto de se notar uma certa cumplicidade entre eles. A bem da verdade, nesta história, o mais afectado tem sido o cão! O Ruca tem andado muito infeliz por não poder viver com o dono no hotel. Mas em breve a sua vida vai melhorar, assim que se mudar para o novo apartamento do Paulo.
  • 9. Agora oficialmente divorciados, eu e o Paulo podemos recomeçar as nossas vidas. Capítulo XI - Nova vida Uma “nova” vida não surge de repente, vai acontecendo naturalmente. De manhã, levo o Lourenço à escola e depois sigo para o trabalho. Aproveito o almoço para reatar velhas amizades. No final da tarde, vou buscar o Lourenço à escola e regressamos juntos a casa. A Luísa prepara-nos o jantar e é nessa altura que pomos a conversa em dia. Depois do Lourenço ir para a cama, vou para o meu quarto e leio, vejo televisão e carrego o peso da solidão. A cama vazia, demasiado grande e fria. Sinto falta do Paulo. Aponto num diário improvisado o meu sentir e isso tem-me aliviado. Desde muito nova, tenho propensão para o sofrimento, às vezes, até parece que gosto de sofrer, que gosto de me sentir triste. A tristeza é um sentimento muito nobre mas dói. Sinto saudades do Paulo. O que estará a fazer neste momento? Será que pensa tanto em mim como eu penso nele? Ou será que já me esqueceu e partiu para uma nova conquista. Homem ou mulher? Nem quero pensar nisso, quero afastar estas ideias do meu pensamento e tentar dormir tranquila, sem fantasmas. Quero apenas viver o meu dia-a-dia serenamente. A Joana tem sido uma grande amiga. Tem-me feito muita companhia e tem sabido respeitar o meu “luto” mas nos últimos tempos anda a falar demasiado em homens, oferecendo-se insistentemente para me facilitar encontros. Ainda não me sinto preparada para isso, e francamente não tenho vontade de conhecer nem estar com ninguém. Depois de dez anos de casamento fiel, pelo menos da minha parte, é complicado imaginar-me a seduzir e a ser seduzida por outro homem. É claro que sinto falta de sexo, de ser tocada, acariciada, beijada. Mas ainda não estou aberta a um novo relacionamento. Preciso de mais tempo. É por isso que não tenho vontade nenhuma de ir amanhã à festa da Joana. Desde que resolveu decretar o fim do meu “período de luto” que anda a preparar alguma. Provavelmente convidou para a festa todos os ex-namorados para proporcionar- me um leque mais diversificado de escolhas! Agora não há nada a fazer, é esperar para ver o que se vai passar amanhã na festa. Capítulo XII - A festa Este sábado, foi totalmente dedicado a mim. Até cortei o cabelo. É mais fácil mudar por fora do que por dentro! Quando entrei em casa, o Lourenço ficou espantado a olhar para mim “Mãe estás fantástica”. É tão bom ouvir um elogio sincero e espontâneo do meu filho, estava a precisar. A Luísa também me fez bem ao ego “Está muito bonita Drª. Ísis”. De facto, sinto-me bem. Muito bem. Vou tomar um duche e vestir-me, não quero chegar atrasada à festa.
  • 10. “Drª. Ísis, é o Dr. Paulo”. “Então, passe-me o telefone”. “Não, ele está lá em baixo. Se quiser, peço-lhe para voltar noutro dia.” “Deixe estar, diga-lhe que desço já”. Meu Deus, logo hoje. “Olá Paulo.” “Olá Ísis, estás linda!” “Obrigada”. “Não devia ter vindo sem avisar. Vais sair?” “Sim, mas ainda tenho alguns minutos”. “Queria falar-te do Lourenço. Podemos almoçar na segunda-feira?” “Sim, fica combinado”. Que sensação mais estranha ver o Paulo depois de tantos meses. Parece estar bem. E ainda mexe muito comigo. Como é possível, depois de tudo o que se passou…“Até logo, Luísa”. “Até logo Drª. divirta-se”. Vou tentar. A casa da Joana está a abarrotar de gente. “Boa noite”. “Boa noite. Estava a ver que tinhas desistido, Ísis”. Se calhar teria sido melhor nem sequer ter aparecido. Assim que cheguei, tive a nítida sensação que não deveria ter vindo. Sinto-me deslocada. Sozinha no meio de uma multidão. “Ísis, quero apresentar-te uns amigos”. A noite até acabou por ser divertida, fartei-me de dançar. As festas da Joana costumam ser muito animadas. E esta não foi excepção. “Obrigada Joana. Gostei muito”. De regresso a casa sinto-me aliviada. Que bom este silêncio. Poder finalmente tirar os sapatos. Conheci muitas pessoas, e tal como havia calculado, a Joana convidou os ex- namorados e serviu-os todos numa bandeja! Alguns até são bastante interessantes. Sobretudo o Jaime, um jovem pintor que passou a noite a falar comigo sobre arte. Acabámos por trocar os números de telemóvel, mas não me parece que vá ligar. É demasiado jovem. Agora vou-me deitar, sinto-me exausta. Domingo, a rotina dos almoços nos meus pais e dos jantares nos meus sogros mantém-se. Para o Lourenço esta dose extra de mimo é muito importante. Sobretudo nesta fase. Sinto-o carente, apesar de tanto eu como o pai o cobrirmos de atenção e carinho. Também sinto-o cada vez mais triste, e o meu sentimento de culpabilidade cresce na mesma proporção. Será disto que o Paulo quer falar comigo amanhã ao almoço? Estou tão ansiosa que tenho dificuldade em adormecer. O que é que vou levar vestido? Que disparate. Não se trata de um encontro mas de um almoço para debater questões estritamente familiares. Capítulo XIII - O almoço E as horas que não passam. Finalmente o almoço. Num restaurante perto do meu escritório, o Paulo já me espera naquela que em tempos foi a nossa mesa. “Olá Paulo” “Olá Ísis” “Já pedi o arroz de polvo, fiz bem?” “Claro que sim.” “O que é que me querias dizer sobre o Lourenço?” “Estive a pensar. O Lourenço tem andado muito desanimado, podíamos aproveitar o 11º aniversário do nosso filho para o levar finalmente à EuroDisney. O que é que achas?” “Por mim tudo bem. Se o quiseres levar.” “Acho que não estás a perceber. A minha proposta é
  • 11. obviamente extensiva a ti”. “Como?” “Não aprovas a ideia?” “Não faz sentido irmos os três.” “Porquê?” “Tu sabes bem porquê”. O arroz de polvo está delicioso, como sempre. É bom estar aqui outra vez com o Paulo. Continua irresistível. O sorriso sedutor e o olhar intenso que me atraíram desde o primeiro minuto. Não consigo disfarçar o desejo. Olha-me como se fosse transparente. “Vamos tomar o café em minha casa?” “Não posso. Tenho uma reunião da parte da tarde”. Como é fácil mentir. O difícil é resistir a tanto charme, mas é melhor assim. Absorta em pensamentos obscenos nem reparo que o meu telemóvel está a tocar. “Não atendes?” “Está. Olá Jaime, tudo bem?” “Jantar amanhã? Está bem. Vais-me buscar a que horas? Combinado”. O Paulo não disfarçou o desagrado, pediu a conta e despediu-se apressadamente. Será que ficou com ciúmes? A simples ideia de ter provocado ciúmes ao Paulo agrada- me bastante. Pelos vistos, eu também ainda mexo com ele. Não resisto a contar a novidade ao Lourenço. “Filho, almocei hoje com o teu pai. Ele está a preparar uma grande surpresa para o teu aniversário”. “A sério, mãe?” “Sim, mas não vamos estragar a surpresa, em breve o teu pai vai falar contigo” “Está bem mãe”. Finalmente vejo o Lourenço entusiasmado com alguma coisa. Que bom. A ideia do Paulo talvez resulte. Capítulo XIV - O jantar O jantar com o Jaime é hoje. Não estou com muita vontade. Aceitei mais para provocar o Paulo. Ainda assim não posso deixar de ir. A Joana insistiu tanto. Acho que tem razão, vai-me fazer bem este encontro. Foi agradável. Jantar à luz das velas, bem regado por um maravilhoso vinho tinto. Conversa interessante. Ambiente requintado mas descontraído. Acabei a noite debaixo dos lençóis do Jaime num apartamento pequeno mas acolhedor. Finalmente percebo o que é ter sexo sem amor. É muito bom viver o momento de prazer, mas e depois? Senti um vazio enorme ao chegar a casa. Não fui talhada para aventuras inconsequentes. No entanto, tenho que admitir que o sexo foi bom. Tenho vontade de dormir. Hoje a cama não parece nem grande nem fria. “Então Ísis, como foi?” “Foi bom Joana, muito bom.” “Eu não te disse?” “Sim tinhas razão.” “Não te sinto entusiasmada.” “Foi uma noite óptima, nada mais.” “Não vão continuar a sair?” “Não, não estou interessada.” “Ainda estás apaixonada pelo Paulo?” Recuso-me a responder. Sim. Ainda estou apaixonada pelo Paulo. Tenho tentado esquecê-lo mas não consigo. É mais forte do que eu. Sinto saudades do Paulo. Sinto vontade de estar com ele. Sinto desejo por ele. Sonho constantemente com ele. Penso incessantemente nele. Não consigo desligar-me. É um amor para toda a vida. Como nos filmes mas bem real. Sofro
  • 12. por amá-lo. Assim tão intensamente. Desesperadamente até. Não tenho vergonha na cara, depois do que aconteceu. Mas a verdade é só uma e é esta: amo-te Paulo… Fazes parte de mim. Não posso arrancar-te de mim, como uma erva daninha. Como é que se deixa de amar alguém só porque tem de ser? Como apagar da memória um amor tão forte? Capítulo XV - Ruca “É o Dr. Paulo ao telefone. Diz que é urgente” “Está. Aconteceu alguma coisa?” “O Ruca morreu.” “O quê?” “O Ruca, ontem à noite adormeceu tranquilamente aos pés da minha cama e esta manhã não acordou.” “Foi-se como um passarinho.” “Sim, pelo menos não sofreu.” “Vais enterrá-lo?” “Sim, acho que a praia onde nos conhecemos seria o local ideal.” “Boa ideia.” “Vens comigo?” “Claro. E o nosso filho?” “Acho que também vai querer participar.” “Também acho. Então, até já.” O Paulo ficou muito abatido. O Ruca foi muito mais do que um simples cão. Um companheiro inseparável, desde o primeiro minuto. O Lourenço também ficou muito triste. Talvez para o compensar, no carro, de regresso a casa, o Paulo lhe tenha falado na viagem à EuroDisney. O Lourenço ficou excitadíssimo e perguntou logo se podia levar o Francisco. Deixámos o nosso filho em casa com a Luísa e fomos dar uma volta de carro só os dois. Eu e o Paulo. Sem destino. Sem palavras. A música bem alta a preencher o silêncio. Não sei quanto tempo levámos a chegar a casa do Paulo ali tão perto. Sei que não foi preciso falar. Limitei-me a segui-lo. Entrei pela primeira vez no seu apartamento e no entanto, pareceu-me familiar. Senti-me em casa. Pegou- me ao colo e levou-me para o quarto. Deitou-me sobre a cama e lentamente despiu-me. Por cada peça de roupa despida deu-me um beijo em troca. Cobriu- me de carícias. Todo o meu corpo a arder de desejo lhe pedia para entrar. E ele compreendendo entrou para dentro de mim num impulso. E murmurou-me ao ouvido: Amo-te Ísis e eu num sussurro: Amo-te Paulo. E naquele instante senti um prazer avassalador como nunca antes havia experimentado. E chorei. Chorei de prazer de amor. Já tinha tantas saudades tuas, do teu cheiro, do teu corpo sobre o meu, da intensidade dos teus beijos, da força do desejo. Já tinha tantas saudades do nosso amor, de mim nos teus braços. E foi assim que adormeci, tranquilamente, nos teus braços.
  • 13. Capítulo XVI - Nós Acordei abraçada a ti e imediatamente pensei: e agora? Nada disto estava planeado. Pura e simplesmente aconteceu. Vou sair sem fazer barulho para não te acordar. Prefiro contemplar-te a dormir serenamente. De regresso a casa sou surpreendida pela Luísa “Bom dia Drª.” “Bom dia Luísa”. Sinto-me uma criança apanhada em falso. Sinto-me bem. Tomo um duche rápido, visto-me e desço para tomar o pequeno-almoço. O Lourenço já está a beber o leite e assim que me vê, pergunta: “Mãe, tu e o pai voltaram?” Não respondo. Nem eu própria sei a resposta. Um turbilhão de sentimentos e pensamentos. “Já estamos atrasados Lourenço”. Deixo-o na escola e sigo para o trabalho. Mais um dia de trabalho. Mas é como se não estivesse no escritório. O meu pensamento voa e sorrio ao recordar a noite passada. O Paulo já me ligou diversas vezes mas não tive coragem para atender. Não sei como lidar com esta nova situação. O Jaime também já me ligou algumas vezes. Que confusão! Telefonei à Joana, a minha confidente e pedi-lhe para vir almoçar comigo. A Joana nem quer acreditar no que ouviu. “Meu Deus, que grande complicação! Numa noite o Jaime e na noite seguinte o Paulo…” “Joana, por favor, preciso de ajuda” “E eu é que tenho a fama!” Ri-me com vontade. Só a Joana me faria rir num momento como este. Sinto-me numa encruzilhada. “O que é que eu faço?” A Joana, prática como sempre, dispara: “Despachas o Jaime e voltas para o Paulo”. Como se fosse assim tão simples. Voltar para o Paulo. Nunca o deixei de amar. Mas é preciso mais. Não é uma noite de amor, ainda que verdadeiramente mágica como a de ontem, que vai alterar tudo o que se passou. “O teu problema Ísis é que racionalizas demasiado as situações. Os afectos não se explicam, sentem-se e pronto. E tu, ainda que te recuses a confessar, amas o Paulo”. A Joana conhece- me muito bem e tem toda a razão, às vezes devia reflectir menos e amar mais, mas sou assim. Mais racional que emotiva. Muitas vezes sinto que devia ser menos exigente com os outros e comigo própria e ter a capacidade de transgredir sem ter de me justificar. Mas sou como sou e não é aos 40 anos que vou mudar, ou será que estou redondamente enganada? Mais uma vez me questiono, é tarde demais para mudar ou cedo demais para me acomodar? Eu e o Paulo, nós fazemos muito sentido juntos. Amamo-nos demasiado para ignorar esse sentimento. Mas estamos divorciados, e agora de repente vamos voltar a ser um casal, como me perguntou esta manhã o Lourenço? Será que é assim tão simples? Lá estou eu com mais dúvidas do que certezas…
  • 14. Capítulo XVII - Ciúmes O Paulo apareceu lá em casa sem avisar. Com um enorme ramo de rosas vermelhas. O Lourenço está nas nuvens com a nossa recente reaproximação. A Luísa olha para esta nova situação com enorme desconfiança. E eu sinto-me a rebentar de dúvidas. “Drª. Ísis é o Jaime ao telefone” “Está. Olá tudo bem? Não, hoje não posso. Posso ligar-te mais tarde? Até logo”. “Já vi que estou a mais”, disse o Paulo. Atirou as rosas para o chão e saiu porta fora. O Lourenço matou-me com o olhar antes de fugir para o seu quarto a chorar e a Luísa abanou a cabeça, em sinal de reprovação. Corri atrás do Paulo. “Paulo espera!” “Quem é o Jaime?” “É um pintor que conheci em casa da Joana.” “O que é que há entre vocês?” “Nada.” “Não é o que parece. Foste para a cama com ele?” “O que é que isso interessa?” “Já respondeste.” “Não tens nada a ver com isso. Não te devo explicações”. “E a noite de ontem?” “Não sei.” “Então é melhor ficarmos por aqui. Boa noite e boa sorte com o Jaime.” “Paulo espera.” Agora é que estou definitivamente metida numa grande alhada. Telefonei ao Jaime e expliquei-lhe que apesar de ter gostado muito de estar com ele a nossa relação não tinha qualquer futuro porque estou apaixonada pelo meu ex-marido. Não reagiu mal. Perguntou-me apenas se não iríamos estar mais vezes juntos. Claro que não. Sexo sem amor não é para mim. Capítulo XVIII - Um bebé O Lourenço e a Luísa andam ambos amuados comigo. O Paulo nunca mais deu sinal de vida. Ainda lhe telefonei para desfazer algum malentendido, mas não atende os meus telefonemas. Tenho passado a maior parte do meu tempo livre a ler. E a dormir. Ando sempre muito ensonada e não me sinto lá muito bem. Tenho que dar mais atenção à minha saúde. Amanhã vou fazer análises. Nem me passou pela cabeça que poderia estar grávida, só quando fui levantar os resultados é que me apercebi do meu estado de graça! Mais uma gravidez totalmente inesperada. A história repete-se. Sinto-me feliz e preocupada simultaneamente. Não tenho dúvidas que o bebé é do Paulo. E agora? Um bebé. Um bebé fruto de uma noite mágica de
  • 15. amor verdadeiro. Sinto-me abençoada. Estou com cerca de oito semanas. Não se nota nada. Tenho que marcar a primeira ecografia. A flutuar. Decidi não contar nada a ninguém. Por enquanto. Nem sequer à Joana. Vai ser um segredo só meu. E do meu bebé. Será menino ou menina? Acho que é uma menina. Chamar-se-á Lua. O Lourenço e o pai já marcaram a viagem. Partem na próxima semana e levam o Francisco na bagagem! Pela primeira vez não estarei presente num aniversário do meu filho. Vou morrer de saudades mas são só uns dias. Vai ser bom para todos nós. Quanto à minha gravidez, acho que a Luísa anda desconfiada. Tenho tido uma vontade enorme de comer banana frita. A todas as horas. A continuar assim vou ficar uma bola! Amanhã à tarde faço a primeira ecografia. Estou ansiosa. Espero que o meu bebé esteja bem. Capítulo XIX - A primeira ecografia “Ísis está tudo bem com o seu bebé”. “Ainda bem Drª. A próxima ecografia é às 12 semanas?” “Exactamente. Ainda se lembra? O Lourenço já vai fazer onze anos, não é? Como é que ele está?”. “Está um homenzinho.” Lembro-me da primeira ecografia do Lourenço, eu e o Paulo estávamos tão emocionados. Irradiávamos felicidade. “Luísa ainda há bananas?” “Não, comeu a última ontem à noite. Consegue aguentar até amanhã sem comer uma banana frita?” Solto uma gargalhada cúmplice. A Luísa já sabe. É claro que sabe. Ajudo o Lourenço a fazer as malas e aproveito para lhe dizer que o amo muito e que tenho pena de não o acompanhar nesta viagem especial. O meu filho dá-me um abraço forte e sentido e confessa que lhe vai custar muito estar longe de mim, sobretudo no dia dos anos. No entanto, sossega-me garantindo que telefonará todos os dias. Nunca estivemos separados mais do que um fim-de- semana. Vou sentir muito a tua falta meu filho. Capítulo XX - A viagem “Acorda filho, senão ainda perdes o avião. O teu pai já deve estar a chegar”. “Olá Paulo.” “Olá Ísis.” “O Lourenço está quase pronto. A mala está ali.” “Vou pondo a mala no carro.” “Paulo.”
  • 16. “Sim?” “Boa viagem!” “Vai correr tudo bem, não te preocupes. Assim que aterrarmos, ligamos.” “Combinado.” “Filho tem cuidado e faz o que o teu pai disser.” “Está bem mãe.” Sinto o coração apertado. Muito apertado. Detesto despedidas. É por isso que não os acompanho ao aeroporto. O telefone toca e do outro lado a voz do Paulo: “Chegámos bem a Paris. A viagem correu optimamente. Vou passar ao Lourenço”. “Paulo.” “Sim?” “Um beijo.” “Outro para ti.” “Mãe, isto é lindo!” “Ainda não vistes nada filho. Um beijo grande.” “Um beijo mãe e não te esqueças de ligar à mãe do Francisco.” Gostava muito de estar com eles. Adormeço a sonhar com Paris. Capítulo XXI - Saudades Nunca pensei que era possível ter tantas saudades. Falei com o Lourenço todos os dias, às vezes mais do que uma vez. Chegam amanhã à noite. Já pedi à Luísa para caprichar no jantar. A ementa especial para a ocasião inclui bife com batatas fritas, o prato preferido do Lourenço e arroz doce, a sobremesa preferida do Paulo. Durante a ausência do Lourenço aproveitei para, com a ajuda da Luísa, fazer uma limpeza geral ao seu quarto. Foi uma das formas que encontrei para suportar as saudades do meu filho. A Luísa aconselhou-me a não fazer grandes esforços, tendo em conta o meu estado de graça. Ainda nos rimos bastante as duas e acabámos abraçadas a chorar de alegria. Também já contei a novidade à Joana. Ficou excitadíssima com a notícia: “Parabéns Ísis. Mas sabes quem é o pai?” “Eu sou de certeza a mãe!” A seguir, fomos comprar as primeiras roupinhas para o bebé. É claro que a Joana vai ser a madrinha. Mas ainda não sabe. Tudo a seu tempo. Aproveitei para comprar algumas roupas pré-mamã. A minha roupa já não me serve. A minha cintura desapareceu. E já se vai começando a notar a barriguinha. Lá no escritório ainda ninguém deu por nada. Mas já decidi que depois da próxima ecografia anuncio a gravidez aos familiares e amigos mais próximos. Mas antes, tenho que contar ao Paulo e ao Lourenço.
  • 17. Capítulo XXII - Estou grávida No aeroporto sinto-me nervosa com a espera. Será que vão reparar na minha barriga? Já os vejo. Corro a abraçar o Lourenço, e desfaço-me em lágrimas. Depois o Francisco e finalmente o Paulo, um abraço meigo. Apetecia-me ficar assim, nos teus braços, para sempre. No regresso a casa conversamos animadamente no carro. O Lourenço não pára de falar na viagem. Está visivelmente encantado. O Paulo também não esconde a emoção. E eu sinto-me nas nuvens. A flutuar. A Luísa espera-nos à porta de casa. Com um grande sorriso nos lábios. Até conseguiu ser simpática para o Paulo. Sentámo-nos a comer e a conversar pela noite fora. O Paulo insistiu para eu beber um copo de vinho tinto, sem desconfiar que não posso beber. O Lourenço já acusa algum cansaço e acaba por adormecer no sofá. O Paulo leva-o ao colo para a cama. E ambos ficamos estarrecidos a olhar para o nosso filho a dormir tranquilamente. Depois instintivamente olhamos um para o outro com imensa ternura. O Paulo aproxima-se de mim e acaricia-me o rosto. Fecho os olhos à espera de um beijo. Amo-te, diz-me. Abro os olhos e respondo: amo-te e é só então que me oferece o tão desejado beijo. Conduzo-o habilmente ao nosso quarto, que nunca deixou de ser nosso e é já na nossa cama, que nunca deixou de ser nossa, que confesso emocionada, depois de fazermos amor: “Estou grávida”. O Paulo abraça-me demoradamente e repete várias vezes: Amo-te, Amo-te, Amo- te. As lágrimas correm-lhe pelo rosto extasiado e eu delicio-me com este momento de intensa felicidade. Ficamos abraçados durante longo tempo em silêncio sem nos preocuparmos com a ausência das palavras, porque os nossos corpos entendem o dialecto do amor. Teria sido perfeito se o Paulo não tivesse quebrado o encantamento com a dúvida: “Tens a certeza que é meu?” “Faz alguma diferença?” Expulsei-o do nosso quarto aos berros “Nunca mais te quero ver”. O Lourenço que dormia tranquilo no seu quarto, acordou sobressaltado e assomou à porta, tal como a Luísa. O Paulo a pedir “Desculpa” e eu agitada a repetir nervosamente: “Nunca mais te quero ver”. A Luísa tentava acalmar a situação, lembrando que “A Drª. não se pode enervar por causa do bebé”. O Lourenço confuso interrogava-se: “Qual bebé?” O Paulo finalmente acedeu a sair. A Luísa foi a correr buscar um copo de água e o Lourenço, abraçado a mim, escutava atónito a novidade: “Estou grávidaquot;.
  • 18. Capítulo XXIII - É uma menina Acordei meio atordoada. O Lourenço dorme tranquilo a meu lado. Desço para tomar o pequeno-almoço. A Luísa já se movimenta na cozinha atarefada. “Bom dia.” “Bom dia Drª. conseguiu dormir?” “Pouco. Estou cheia de fome” “Deixe-me adivinhar: banana frita…” “É isso mesmo Luísa.” Quando estava grávida do Lourenço comia frequentemente uvas, pelos menos, nas primeiras semanas de gravidez, depois passaram-me os desejos. Será que desta vez também vai acontecer o mesmo? “Bom dia.” “Bom dia Lourenço.” “Mãe, sonhei que estavas grávida ou é mesmo verdade?” “É verdade filho.” “É menino?” “Ainda não sei o sexo do bebé. Talvez se consiga saber na próxima ecografia.” “Quando é que fazes a próxima?” “Daqui a duas semanas.” “Preferias ter uma irmã ou um irmão?” “Um irmão, é claro!” É engraçado, sinto o Lourenço fascinado com a ideia de ter um irmão. Receei eventuais ciúmes. “Posso contar ao Francisco?” “Para já não filho, peço-te para só contares depois da próxima ecografia.” “Porquê?” “Por precaução. As primeiras 12 semanas de gravidez são fundamentais para o desenvolvimento do feto, compreendes?” “Sim mãe, como quiseres. Mãe, o pai não gostou da novidade? Foi por isso que se zangaram ontem à noite?” “Lourenço, o teu pai ficou muito contente com a notícia. Não te quero ver preocupado com assuntos de adultos, um dia vais compreender. Agora termina os teus cereais”. As duas semanas passaram a correr. A minha barriga está cada vez mais saliente. Hoje é dia de ecografia. O Lourenço pediu para me acompanhar e eu concordei. Vou buscá-lo à escola como sempre e depois seguimos juntos para o consultório. A Joana almoçou comigo e já está ao corrente do sucedido. Não se conteve e deu uma enorme gargalhada. Aconselhou-me a perdoar o Paulo por achar natural que a dúvida surgisse, já que a minha aventura com o Jaime coincidiu com a nossa reaproximação. Tenho que lhe dar uma certa razão. Mas custou-me muito ouvir o Paulo, num momento mágico como aquele, questionar a paternidade. Desde então não falámos. Telefonou várias vezes mas recusei-me sempre a falar com ele. O Lourenço insistiu diversas vezes para eu dar uma hipótese ao pai, mas eu mantive-me inflexível. Até a Luísa intercedeu a favor do Paulo, sem sucesso. Já no consultório, aguardo pacientemente pela minha vez. O Lourenço mostra-se irrequieto e não pára de se mexer na cadeira. “O que é que se passa filho?” “Nada mãe.” No momento em que chamam o meu nome para entrar, irrompe pela sala de espera o Paulo. “Peço desculpa pelo atraso.” “O que é que estás aqui a fazer?” “Como? O Lourenço deu-me o teu recado.” “Qual recado? Lourenço?” “Mãe, não te zangues comigo. É melhor entrarmos, já te chamaram duas vezes”.
  • 19. E foi assim que assistimos os três à ecografia. Chorei de emoção ao ouvir a médica dizer “É uma menina”. Já sabia Lua. Capítulo XXIV - Na praia Para comemorar, nada melhor que um passeio na praia. De mãos dadas caminhamos os três na areia molhada da praia. De repente, o Paulo ajoelha-se e pergunta-me: “Queres casar comigo… outra vez?” Emocionada respondo “Sim…outra vez”. O Lourenço solta uma gargalhada. Lembro-me dos botões de punho guardados na gaveta e sorrio ao mesmo tempo que acaricio a minha barriga. Afinal, não é tarde demais!