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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
                 ESCOLA DE TEATRO
                LICENCIATURA EM TEATRO




       MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES




              A PUREZA DO SILÊNCIO:
A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA
  DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE
                       TEATRO




                       Salvador
                        2010
MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES




              A PUREZA DO SILÊNCIO:
A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA
  DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE
                       TEATRO




                   Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao
                   Curso de Licenciatura em Teatro na Escola de
                   Teatro da Universidade Federal da Bahia como
                   requisito parcial para obtenção do Grau de
                   Licenciado em Teatro.

                   Orientador: Ms. Demian Moreira Reis




                       Salvador
                        2010
Escola de Teatro - UFBA


 Fernandes, Marcos Antônio dos Santos.
     A pureza do silêncio: a fusão entre a arte do palhaço e a
língua brasileira de sinais enquanto poética corporal no ensino de
teatro / Marcos Antônio dos Santos Fernandes. - 2010.
    80 f. il.

   Orientador: Prof. Ms. Demian Moreira Reis
    Monografia (graduação) - Universidade Federal da Bahia,
Escola de Teatro, 2010.

   1. Teatro - Educação. 2. Educação inclusiva. 3. Surdos -
Educação. 4. Linguagem dos sinais. I. Universidade Federal da
Bahia. Escola de Teatro. II. Reis, Demian Moreira. III. Título.

                                                CDD 792.370
MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES




                      A PUREZA DO SILÊNCIO:
A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA
  DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE
                       TEATRO



Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em Teatro, Escola de Teatro da Universidade
Federal da Bahia.



                                           Aprovado em 01 de Julho de 2010




Demian Moreira Reis – Orientador ________________________________________
Mestre em Artes Cênicas pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia
Doutorando em Artes Cênicas do Programa de Pós Graduação em Artes
Cênica – PPGAC – UFBA.



Carla Meira Pires de Carvalho ______________________________________
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporeidade- PPGEDUC – UNEB.



Simone Santos Barbosa de Andrade_________________________________
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporeidade- PPGEDUC – UNEB
Professora do CAS Wilson Lins.
Aos educandos,
professores e funcionários
    que integram a família
         CAS Wilson Lins.
AGR ADECIMENTOS




Deus, pelos acasos que não por acaso.
Meu Pai Atílio Fernandes, pelo exemplo de grande homem.
Minha Mãe Terezinha Fernandes, educadora e artista.
Valdíria Souza, pela inspiração, paciência, companhia e dedicação.
Demian Moreira Reis (Tezo), pelos ensinamentos e trocas.
Carla Meira de Carvalho, por reforçar meu interesse pela Educação de
Jovens e Adultos – EJA.
Simone Andrade pela influência no meu amadurecimento político pedagógico.
Sei tenho muito caminhar.
Cecília Accioly por ser uma “bússola” nesta trajetória.
Cláudio Cajaíba, pelo modelo de organização.
Cintia Barbosa de Oliveira.
Elizângela Araujo, Izyane Cazumbá, Priscilla Leonnor, Thalita Araújo.
Diego Outon.
Alexandre Luis Casalli.
José Mauro Ribeiro.
Juliana Ferrari.
Marcus Vila Góis.
Sérgio Telles.
Meus colegas de faculdade.
Teatro Martim Gonçalves.
Daniel Marques.
Eliene Beníficio.
Luis Alberto Gonçalves.
Iana Rocha.
Todos os meus amigos.
Enfim, minha Imensa gratidão.
Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais.
                                                                      Bob Marley



             Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror.
                                                                Charles Chaplin
FERNANDES, Marcos Antônio dos Santos de. A pureza do silêncio: a fusão da
arte do palhaço e da Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino
de teatro. Nº de f. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –
Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.


                                   RESUMO


A pesquisa A pureza do silêncio: A fusão entre a arte do palhaço e a Língua
Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro, trata de um
estudo de caso no qual levantou-se questões acerca da acessibilidade do
ensino das artes, a partir de uma experiência prática com educandos de uma
turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do CAS Wilson Lins,
instituição especializada no atendimento e educação de surdos. Através de
aulas de teatro tendo como método as técnicas da arte do palhaço, articulada
à LIBRAS, lançou-se um olhar sobre os sujeitos surdos na tentativa de apontar em
sua forma de comunicação, potencialidades corporais em comum com a técnica do
palhaço. O objetivo deste estudo foi discutir e refletir sobre o desenvolvimento de
aulas de teatro com e para surdos da EJA, que por meio do diálogo com as
diferenças, tornou-se um espaço de informação e formação a respeito destes
indivíduos, social e culturalmente marginalizados. Neste relato é possível observar
considerações sobre a arte do palhaço, aspectos históricos sobre a Educação de
Jovens e Adultos, educação dos surdos, além de uma análise descritiva da
metodologia proposta.




Palavras Chave: Palhaço, LIBRAS, Surdos, EJA, Teatro
FERNANDES, Marcos Antonio dos Santos. The purity of silence: the fusion of art of
the clown and the Brazilian sign language as poetic body of teaching theater. No. of
f. 2010. Completion of course work (undergraduate) - School of Theater, Federal
University of Bahia, Salvador, 2010.




                                   ABSTRACT



The research The purity of silence: a interfusion between the art of the clown
and the LIBRAS (Brazilian Language of Signs) as a corporal poetics of theatre
teaching, deals with a study case, where issues aroused concerning the
accessibility of art, departing from a practical experience with students of a
class of Education of Youth and Adults (EJA) of CAS Wilson Lins, institution
specialized in the care and education of the deaf. Through theatre classes having as
a method the techniques of the art of clown, articulated with LIBRAS, a view was built
upon deaf subjects in an attempt to point out in their form of communication corporal
potentialities in common with the technique of the clown. The aim of this study
was to discuss and reflect on the development of theatre classes with and for the
deaf of EJA, which through dialogue with differences, became a space of information
and training on these subjects, social and culturally marginalized. In this report you
can see considerations on the art of the clown, the historical aspects the EJA, of the
deaf education, and a descriptive analysis of the proposed methodology.




Keywords: Clown, LIBRAS, Deaf, EJA, Theatre
LISTA DE ILUSTRAÇÕES


Figura 1 – Alfabeto datilologia....................................................................................33


Figura 2 – Exemplos de sinais com configuração de mão em “L”..............................34


Figura 3 – Brasão do CAS Wilson Lins......................................................................41


Figura 4 – Capa do Filme o Circo (1928)...................................................................45


Figura 5 – Mostra no Teatro Martim Gonçalves.........................................................48


Figura 6 – Apresentação na Escola de Dança da UFBA ..........................................49


Figura 7 – Cartaz do Cabaré Total de Dezembro de 2009 .......................................50


Figura 8 – Cena do Cabaré Total de Dezembro de 2009......................................... 50
LISTA DE SIGLAS



APADA    Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos


CAS      Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento
         às Pessoas com Surdez Wilson Lins


EJA      Educação de Jovens e Adultos


FENEIS   Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos


IBGE     Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


IES      Instituição de Ensino Superior


INES     Instituto Nacional de Educação dos Surdos


LDB      Leis de Diretrizes e Bases


LIBRAS   Língua Brasileira de Sinais


MEC      Ministério da Educação


MOBRAL   Movimento Brasileiro de Alfabetização


ONG      Organização Não Governamental


SEESP    Secretaria de Educação Especial
SUMÁRIO




1      INTRODUÇÃO.................................................................................................13



2      A PUREZA.......................................................................................................20

2.1    PESCADOR DE SORRISOS...........................................................................21

2.2    O PALHAÇO....................................................................................................22

2.3    TRANSGRESSÃO...........................................................................................25



3      O SILÊNCIO....................................................................................................27

3.1    AB’SURDOS...................................................................................................28

3.2    LIBRAS............................................................................................................31

3.3    OS SUJEITOS SILENCIADOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS..35



4      A ARTE DA LIBRAS PARA SURDOS ATRAVÉS DO PALHAÇO................40



5      CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................51



      REFERÊNCIAS.................................................................................................54



      APÊNDICES......................................................................................................57



      ANEXOS............................................................................................................77
13



1    INTRODUÇÃO




     A arte do palhaço é vista por muitos como arte menor, não recebendo o devido
reconhecimento do seu papel social. Os surdos e sua cultura também são
historicamente subjugados e oprimidos por uma visão universalista e homogênea,
que tem como objetivo colocar todos em situação de equidade segregando os que
não se enquadram nos padrões de “normalidade”.

     Ao longo da minha graduação, vivenciei uma série de experiências envolvendo
separadamente a “arte da bobagem” e a LIBRAS, dentre outras experiências que me
influenciaram e impulsionaram a investigação sobre estes temas, agora atrelados,
refletindo acerca da acessibilidade dentro das artes, tendo em vista o
aprofundamento e a compreensão das particularidades inerentes aos sujeitos surdos
que apreciam e fazem arte e co-relacionando suas formas de expressão em busca
de semelhanças com a figura do palhaço.

     No semestre 2006.1, modulo I, no sub-componente Introdução à Pesquisa, a
professora nos motivou a escrever um artigo a partir de um texto de livre escolha.
Serviu-me de inspiração para esta produção escrita, a letra da música Muitos
Choram da Banda Rosa de Saron, para abordar o tema o riso e o choro, presente no
refrão “... hoje muitos choram, choram sorrindo...”. Diante deste tema, o artigo se
desenvolveu em diálogo com as seguintes referências: Ana Elvira Wuo (2005):
Clown, o processo criativo, e os filmes de Charles Chaplin. Diante desta junção
descobri e refleti sobre várias considerações do universo do palhaço.

     O que muito me chamou a atenção nos filmes do Chaplin, foi a riqueza de
detalhes, um trabalho minucioso e bem construído de cenas cômicas a partir de
ações cotidianas, engraçadas ou não, que com sua figura de vagabundo, provocava
além de risos, comoção. Maria Clara Machado (2000, p.24) refere-se a Charles
Chaplin e à sua genialidade da seguinte forma: “Carlitos é um grande ator porque
tem uma maravilhosa imaginação. Ele observa a vida e depois imagina uma porção
de situações engraçadas ou tristes para comover o público”.
14



     Participei de uma oficina intitulada “exército de clowns”, ministrada por Diego
Outon, no período de março a maio de 2007, nesta ocasião nasceu Farrapo (o
Marcos palhaço) e na prática foram vivenciadas várias situações que me remeteram
a figura do Chaplin no que se refere a provocar confusão de sentimentos e sobre
estas características inerentes ao palhaço Ana Elvíra Wuo, diz:

                      Antes de fazer rir essa figura trapalhona e desajeitada surge para provocar
                      comoção, sugerir solidariedade. Deve ter cara engraçada, mas também
                      desamparada, frágil. Aperta o coração da platéia para depois alargar o riso
                      no rosto de todos (2005, p 4).



     O surpreendente foram as reflexões adquiridas a partir da ótica do palhaço,
que funciona como uma lente de aumento e tem como proposta a descoberta de
nossas capacidades e fragilidades, tudo fica mais exacerbado, sendo o resultado da
integração dos defeitos, que culturalmente a sociedade nos ensina a esconder e as
qualidades, que insistimos em exibir. É a figura trapalhona existente em cada um de
nós, que geralmente mostra-se quando estamos distraídos e ou cometemos alguma
falha. Com a técnica do palhaço, é possível está atento e dominar estes momentos
que antes passavam despercebidos e usá-los a favor da arte.

     No modulo III, em 2007.1, as aulas de Metodologia do Ensino do Teatro com o
professor José Mauro Ribeiro Barbosa permitiram-me compartilhar com meus
colegas um pouco da minha experiência. Ministrei uma aula baseada nas técnicas
de iniciação do palhaço, utilizando jogos e improvisação. Na ocasião recebi
estímulos e sugestões que reforçaram o meu interesse sobre o assunto e me
fizeram continuar a pesquisa. Neste mesmo semestre sob a orientação do professor
Cláudio Cajaíba comecei a esboçar o que seria o projeto do presente Trabalho de
Conclusão de Curso.

     No mês de agosto de 2009 tive mais uma experiência com o palhaço, quando
fiz um curso de iniciação ministrada por Alexandre Luis Casalli. Na oportunidade
pude vivenciar a pureza de ser bobo, pois naturalmente somos criados para sermos
espertos, vencedores. O palhaço em sua formação aprende a ser tolo. Ele é aquele
que se denuncia, não tem nenhum receio de mostrar suas mazelas. Neste processo
compreendi que o palhaço é um grande perdedor, que deve despojar-se de pudores
e até mesmo da própria dignidade e assim desfrutar da sua liberdade. Tudo isto
15



ficou ainda mais claro com o relato de Leo Bassi, palhaço conhecido
internacionalmente no que faz, no livro de Márcio Libar ele diz:

                     O palhaço é aquele que perdeu. Seu nariz é vermelho, porque com o tempo
                     se embebedando de vinho nas ruas frias, o choro e as quedas, o nariz fica
                     realmente vermelho. Suas roupas são desproporcionais e seus sapatos são
                     grandes porque não lhe pertencem. O palhaço é aquele que perdeu a
                     dignidade. Mas somente quem perde totalmente a dignidade pode atingir
                     uma outra condição de dignidade, e isso acontece quando ele reconhece e
                     aceita sua derrota, sem mágoas, sem culpar ninguém pelos seus fracassos,
                     sem auto piedade. (LIBAR, 2008, p. 174)



     É um método de total aceitação de si, o homem em sua essência, desprotegido
de razões.

     Nas idas ao circo, nas brincadeiras, lembro-me de quando ainda era criança
me vestia com um macacão azul, pintava a cara com creme dental, e colocava uma
“bolota” vermelha no nariz, e brincava com os meus amigos de circo no quintal. Na
escola, em ocasiões de festividades era convidado para animar os eventos. Algum
tempo se passou, e já era possível gerar alguma renda com toda aquela brincadeira.
O grupo de teatro do qual fazia parte, na cidade de Guanambi (sudoeste baiano
localizada a 800 km de Salvador), dirigido por Iana Rocha, começou a fazer
animação de festas infantis, e aquilo me proporcionava um enorme prazer, mesmo
quando tinha alguma criança que “só queria saber de bater no palhaço”, afinal, “toda
profissão tem o seu risco”. O dinheiro não era muito, mas a diversão era garantida.
Trabalhei cerca de dois com esta atividade até resolver vir à Salvador, para estudar
e fazer a graduação em Teatro na UFBA ingressando na universidade no ano de
2005.

     O próximo ponto a ser apresentado, trata de como se deu minha inserção nos
universo dos surdos e o quanto sua cultura me chamou atenção.

     Meus primeiros passos se deram na Escola Estadual Idalice Nunes, na cidade
de Guanambí, nesta instituição havia uma turma de surdos bem ao lado da sala que
freqüentava, recordo-me que brincava com eles durante o intervalo no pátio da
escola, porém naquela época, ainda criança, as questões inerentes aos surdos não
me chamaram tanto a atenção, mas creio que estes fatos influenciaram e serviram
de subsídios para gerar em mim interesses dos quais trato e compartilho aqui.
16



     Os anos passaram e no inicio do ano de 2007, período de férias letivas, na
cidade de Guanambí, fui informado por Elizângela Araújo, uma amiga que trabalha
na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA) desta cidade,
que haveria um curso intensivo de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e de forma
descomprometida, mas também com vontade de apreender, participei das aulas. A
turma fora composta por não-surdos e surdos e quando aparecia alguma dúvida a
respeito de algum sinal, os surdos eram consultados e estes estavam sempre
dispostos a prestar o devido auxílio. A melhor forma de aprender LIBRAS é está
inserido e convivendo em uma comunidade surda. Inclusive isto faz parte da
metodologia de aquisição da LIBRAS, inclusive para crianças surdas, o contato com
um surdo adulto é imprescindível, pois este irá ensinar-lhe sobre os sinais, e a
cultura surda.

     O diálogo entre surdos é algo instigante e curioso de vê, corpos em dialogo,
mãos e braços, boca e olhos, tudo interligado, um domínio dos gestos que enche os
olhos, tornando-se um belo demonstrativo de coordenação motora. Para comunicar-
se em LIBRAS é preciso haver acima de tudo uma entrega, corpo em alerta, olhar
atento, estar disponível ao outro e correspondê-lo.

     Observando os professores integrantes do curso e os surdos na execução dos
sinais, me atentei para carga expressiva e dramática presente naquela forma de
comunicação e refleti que na ausência da oralidade, literalmente, o corpo fala. Essa
situação remeteu-me às questões referentes ao palhaço, que muitas vezes sem
dizer uma só palavra, a exemplo do cinema mudo, dos filmes do Charles Chaplin,
que se utilizando apenas de gestos, é capaz de levar platéias a sorrir e chorar.

     Outro exemplo que associei a esta experiência foi o espetáculo “O Sapato do
Meu Tio” que é a história de dois palhaços: o tio e o sobrinho, mestre e aprendiz. Os
dois personagens se comunicavam basicamente por gestos, explorando o corpo e o
olhar, e quando se expressavam oralmente emitiam sons que não se agrupavam em
palavras, mas que ganhavam algum significado combinados às inflexões
intencionais e movimentos corporais no teatro esta prática é conhecida como
gromelô, onde o sentido da audição não é determinante para a compreensão do
espetáculo.

     Refleti ainda sobre quanto poderia ser enriquecedor o trabalho do ator que
tivesse domínio da língua de sinais, sendo mais um forma de estudar e praticar a
17



expressão corporal. Dessa maneira, ocorreu-me lançar um olhar sobre o mundo
surdo, sua língua e cultura e enxergar neles aspectos e similaridades com a arte do
palhaço.

     Partindo do pressuposto de que as técnicas de treinamento do palhaço são
capazes de interferir na educação e formação de indivíduos surdos, dediquei o
estágio curricular do semestre de 2009.2 para esta proposta, buscando encontrar
respostas para alguns questionamentos: O trabalho do palhaço associado à língua
de sinais, vivenciados por indivíduos surdos da Educação de Jovens e Adultos
serviria de ferramenta para potencializar as suas formas de comunicação, abrindo
mais uma janela em sua formação e educação? Quais sãos as adaptações que um
método de ensino de teatro, com base nesta técnica deve ocorrer para atender aos
surdos da EJA? Quais as especificidades de um processo como este, levando-se
em conta as minhas limitações, por não dominar a LIBRAS?
     Através deste processo de investigação e pesquisa procurei exercitar-me
como Palhaço-educador. Foram pesquisadas e discutidas as potencialidades do
treinamento do palhaço como alavancas do processo educativo, e para isso foram
ministradas aulas de Teatro com foco na linguagem do palhaço para uma turma de
Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Centro de Capacitação de Profissionais da
Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez Wilson Lins (CAS/Ba).
Registros escritos, fotográficos e audiovisuais foram feitos durante o processo,
observando o comportamento e o desempenho dos educandos participantes, das
aulas.
     Partindo de experiências pessoais com a técnica do palhaço, e com o a
LIBRAS, ousei mediar um método de iniciação de palhaço com um grupo de
educandos da EJA do CAS Wilson Lins, e neste processo, foram observados e
discutidos os reflexos sobre a importância daquele aprendizado em suas vidas e
como isto poderia interferir no contexto social no qual eles estão inseridos. Visto
que o trabalho e a técnica adotada, dialoga com as diversidades e especificidades,
não exigindo nenhuma forma de padronização, mas sim propondo com o que cada
sujeito tem para oferecer, permitindo total acesso de todos sem nenhuma
descriminação, e nem empecilhos anatômico, comunicativos e ou étnicos.

     A busca pelo “corpo perfeito” está engendrada no discurso massificante
explorado pela mídia, tornando-se uma das principais condições para ser aceito
18



como sujeito “normal” e inserido na sociedade. A pessoa julgada e rotulada como
“deficiente”, conseqüentemente, acaba sendo marginalizada por seus supostos
traços de imperfeição. O surdo, por exemplo, é visto como um corpo deformado.
Este comportamento da sociedade, que começa inclusive pela própria família,
acaba gerando nestes indivíduos problemas educacionais e de socialização, o que
muito interfere na qualidade de vida e no desenvolvimento pessoal, como denuncia
de forma similar Jorgina Cássia de Tannus Souza (2005, p. 95):

                      Percebo a cultura hegemônica dos não surdos impondo-se de forma
                      esmagadora sobre a comunidade Surda. Novas formas de institucionalizar
                      as interações entre ouvintes e Surdos foram construídas tendo em vista o
                      interesse da maioria, que não procurou incluir e equilibrar os da população
                      inteira. Com os avanços científicos e tecnológicos deu-se inicio á “caça ao
                      corpo surdo” em busca de regenerar o corpo “deformado”.



          O palhaço vai justamente na contramão destes padrões impostos pela
sociedade, visa libertar o sujeito praticante das amarras do igualitarismo e de forma
subversiva levanta questionamentos acerca dos conceitos e convenções difundidos
sobre a verdade, o certo ou errado. Esta foi uma das justificativas que reforçou a
realização desta pesquisa.

     Este trabalho é composto por três partes:
     Na primeira parte, A Pureza, faço uma abordagem sobre a importância dessa
pureza e função social que envolve a arte do palhaço, métodos de comunicação e
linguagem, o seu corpo “grotesco e falante”, em busca da liberdade das imposições
sociais, imerso em suas diversidades expressivas, e para discorrer sobre estas
questões tomo como suporte os conceitos dos seguintes autores: Demian Reis
(2009), Ana Elvíra Wuo (2005), Mario Fernando Bolognesi (2003) e Marcio Libar
(2008) constituindo uma rede de relações que possibilitam múltiplos olhares sobre o
tema.
     Na segunda, O Silêncio, reflito sobre os sujeitos silenciados da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), onde raramente é inserido o ensino das artes. Também
levanto alguns aspectos históricos sobre a educação de surdos, sua inserção na
sociedade enquanto comunidade específica, constituindo uma língua própria - a
Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, construindo pontes com Carla Meira Pires de
Carvalho (2009), Lúcia Helena Alfredi de Matos (1998), Gladis Perlin e Karin Strobel
19



(2006), Simone Santos Barbosa de Andrade (2009), bem como, referenciais
teóricos do MEC sobre o assunto.
     E a terceira parte, A arte da LIBRAS para surdos através do palhaço, que
consiste em uma análise descritiva da experiência pedagógica realizada com os
educandos do EJA do CAS Wilson Lins. Levanto questões acerca da acessibilidade
no ensino de teatro fazendo uso da linguagem do palhaço. Atentando à exploração
da sensibilidade, para pessoas privadas do sentido da audição, possibilitando uma
maior observação sobre os demais sentidos como a visão, tato etc., suscitando a
devida atenção para eles. No intuito de melhor aproveitar duas ferramentas
fundamentais ao oficio do palhaço, a investigação das possibilidades corporais e o
olhar “gigantescamente panorâmico”, observador e sensível para e com o mundo.
     Completando, faço algumas considerações sobre a pesquisa, reforçando
minha postura de palhaço-educador, fazendo um convite a educadores e
pesquisadores de teatro, para que estes assumam o seu papel ideológico e político
dentro da educação. Trago perspectiva de investigações futuras, traçando possíveis
resultados.
20



  2     A PUREZA




                                                                       Pra que serve um palhaço?



             O palhaço é uma dilatação que temos de mais puro, belo e ridículo em nossa essência
humana. A magia de encantamento do verdadeiro palhaço não está somente nas suas brincadeiras,
 nem na sua cara pintada e roupas coloridas, mas principalmente no ser humano que ele revela por
 traz de tudo isso. Essa antiga arte transforma quem faz e quem assiste, é uma celebração da vida,
           um resgate de nossa criança, do poder da brincadeira, renovando o olhar, criando novas
                                                       possibilidades de ser e estar nesse mundo.

      O palhaço tem o dom de romper com a mecanização imposta pela rotina do cotidiano e aliviar
tensões do dia-dia, devolvendo às pessoas humor e o prazer de estar e se relacionar com o outro no
                                                                           ambiente que as cerca.

      Quando o palhaço abre seu coração e expõe a verdade de seu ser para todos, transcendendo
        sua existência individual, cria uma atmosfera de união, e de irmandade nos que o assistem.
      Reforçando assim a auto-estima, estimulando a criatividade e desenvolvendo um pensamento
                                           positivo que parte da aceitação da verdade de cada um.

                                                   Palhaços para Sempre – Material de divulgação
21



2.1 PESCADOR DE SORRISOS




     Todos somos potencialmente palhaços, com a descoberta e aprimoramento de
estados cômicos inerentes a nossa personalidade, seremos capazes de lidar com os
níveis mais intrínsecos de ser humano.

         Esta figura boba pode carregar em suas brincadeiras uma atmosfera de
pureza, quase que pueril, sem malícia nenhuma, atributo pouco visto em nosso
cotidiano, onde características físicas se tornaram um dos principais fatores de
avaliação dos seres humanos definindo de modo opressor o seu caráter e
sentimentos. O palhaço busca continuamente olhar de modo a exercer um efeito
transformador para o mundo que o cerca, pois ele só quer amar e ser aceito como
ele é.

     O palhaço é um pescador, e se alimenta do riso, fruto do seu próprio ofício. É
um pescador de sorrisos. Este trabalho lhe exige grande habilidade em mergulho
nas mais remotas profundezas de seu ser. Demian Moreira Reis1 discorrendo sobre
a busca pelo palhaço diz:

                       Não há uma técnica do corpo pré-estabelecido para orientar a direção do
                       caráter da personagem palhaço. A investigação do palhaço, e
                       conseqüentemente, da palhaçaria2, a meu ver, é um convite para mergulhar
                       nos infinitos sentimentos do ser humano. Por mais trágicas que sejam a
                       situação e a condição humana, a força do palhaço reside na certeza de que
                       há também um enorme reservatório de alegria em nós esperando para ser
                       solicitado, e podemos nos conectar a ela, escutá-la e nos deixarmos guiar
                       pelas cavernas mais escuras. (REIS, 2009).



     O ofício do palhaço é uma exploração constante de seus aspectos físicos e
psicológicos, onde cada dia possibilita um aprendizado. Não é possível afirmar
quando um palhaço está pronto, pois ele está sempre em formação.

     Geralmente os palhaços de circo começam seus aprendizados desde criança,
onde comumente os pais passam os ensinamentos para os filhos. Mas também


1
  Palestra proferida no Colóquio de Teatralidade Circense: dramaturgia e ações. Teatro Martin
Gonçalves 2009.
2
  Palhaçaria termo definido por Demian Reis como a experiência de um atuante (palhaço) engajando
a platéia (espectador) num estado lúdico, com consciência (técnica), usando principalmente o
dispositivo de expor (exposição) a si mesmo, como objeto do riso. (REIS, 2009).
22



existem pessoas que se propõe palhaço, e passam por um curso iniciação de
palhaço, este procedimento é ministrado por outro palhaço mais experiente, que no
período da iniciação é chamado monsuer, estabelecendo assim uma relação de
“mestre e aprendiz, em um processo de descobertas e despojamento próprio,
explorando as qualidades, e de modo especial os defeitos, que culturalmente
aprendemos que devem ficar escondidos, incita-se ao máximo a serem mostrados,
no intuito de desenvolver uma relação tranqüila do sujeito com suas “falhas”, e desta
maneira se libertar de suas defesas que naturalmente são construídas no decorrer
da vida.

      O palhaço vem justamente derrubar estas barreiras, pois ele é exatamente a
exposição total do que há de mais belo e ridículo em um ser humano. “Ele é a
encarnação do trágico na vida cotidiana; É o homem assumindo sua humanidade e
sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico.” (SHKLOVSKI, 1975, p. 32 apud
BURNIER, 2001, p. 207).

     Feito isto, nasce um palhaço, que só com a busca do aprimoramento de suas
técnicas, poderá alçar vôos e viver a liberdade de ser, e somente ser, nada mais que
isso. O palhaço é.




2.2 O PALHAÇO




     Ana Elvira Wuo, pesquisadora da arte do palhaço, compara a iniciação de um
palhaço à subida de uma montanha:

                     A cada dia, as pessoas sobem um pouco. No final da subida, existe um
                     castelo, dentro dele existe uma sala onde há uma arca, dentro dela existe
                     um guardião, sob a sua guarda uma concha. Deve-se pedir permissão para
                     pegá-la. Ao abrir a concha, encontra-se uma pérola vermelha e dentro
                     dessa pérola mora o coração do aprendiz, que a pega e a coloca perto de
                     si. Ninando, acalentando, aquele que se inicia, protege-a, passa-a pelo seu
                     corpo, olha para ela e vê seu rosto, reconhece-se pequenino e muito frágil,
                     do tamanho de um botão. Esse instante é muito particular e absolutamente
                     único para cada participante. (WUO, 2005, p.145)
23



     Por justamente ser este instante bem particular e único, o monseur com sua
metodologia faz propostas ao aprendiz, oferecendo várias alternativas de onde e
como traçar o seu percurso que é feito de forma solitária, fazendo suas escolhas,
deparando-se com suas limitações, medos, subindo a montanha ao seu modo.

     Aproprio-me da metáfora e associo o processo de iniciação de um palhaço ao
ato de mergulhar em águas profundas, em busca de ostras e suas pérolas. As ostras
são como as bocas dos espectadores, e a cada boca que se escancara em um
sorriso encontramos uma pérola.

     O palhaço e diretor João Lima em entrevista cedida a TV UFBA (Março 2010)
diz: “O Palhaço não faz espetáculo para platéia, e sim com ela”. Por exemplo,
quando o palhaço não consegue levar o espectador a área de atuação, ele
possivelmente sentará em seu colo. Porque para ele é preciso estabelecer vínculos,
quando não com alguém, com algo, ou os dois. Esta relação com a platéia é
fundamental para qualquer arte da cena, mas para o palhaço é bem mais
interessante que os laços entre artista e público se estreitem o máximo possível.
Seu trabalho é voltado para o seu público, uma troca de amor – Ele quer se sentir
amado – expor-se completamente e com seus encantos conquistar a platéia,
conforme ilustra a seguinte citação:

                      Para o palhaço não basta o aplauso complacente da platéia, ele sabe que
                      ela está sendo generosa. [...] Ele não se contenta com o aplauso
                      condescendente; o que ele deseja é triunfar, cair nos braços do público. Só
                      assim ele conseguirá dormir em paz. Afinal, essa é a nobreza de sua arte. O
                      que ele deseja é a catarse da alegria, o reconhecimento verdadeiro da
                      platéia, como se estivesse agradecendo profundamente a capacidade
                      daquele artista de transportá-lo a um outro tempo (LIBAR, 2008, p. 188).


     A nobre arte do palhaço, também conhecida como clown, é uma técnica com
forte trabalho expressivo, pois todo o corpo do palhaço fala e olha. O processo
“paspalhônico”,3 ultrapassa a simples representação, consiste na exploração e
exposição cômica das qualidades e defeitos dos indivíduos que o vivenciam. Torna-
se um modo de expressão pessoal. Concordo com Luis Otávio Burnier quando diz:
“O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um [...] O clown não
representa, ele é. [...] Descobrir o próprio clown significa confrontar-se com o próprio
ridículo, tendo por base a ingenuidade.” (2001, p. 209 -210).

3
 Neologismo referente ao termo “paspalho” que sugere pessoa boba. (em conversação durante um
curso de Iniciação de Palhaço com o professor, ator e palhaço, Alexandre Luis Casali)
24



     No livro A Nobre Arte do Palhaço (2008) encontram-se ensinamentos de Nani
Colombaioni, grande mestre de palhaçaria:

                     O papel do palhaço é fazer rir? E qual seria outro objetivo?[...] O público tem
                     que acreditar que tudo aquilo que ele vê está acontecendo pela primeira
                     vez. Essa é a técnica. Fazer sempre como se fosse a primeira vez. [...] O
                     gesto é igual ao da vida, mas a lógica é sempre ao contrário da vida.
                     (LIBAR, 2008 p. 133-135)



     Fazendo uma relação das palavras de Nani Colombaioni, e tomando como
referência o documentário Os palhaços, do cineasta italiano Frederico Fellini,
percebo que o filme aparenta acontecer de forma desorganizada, como se tudo
estivesse ocorrendo agora, ao vivo e de forma improvisada. Mas é claro que não é
por acaso, é bem provável que o Fellini estava brincando com a lógica contrária da
vida assim como faz o palhaço.

     O palhaço põe em desordem certa ordem, erra e acerta onde não se espera,
deve saber realizar seus fracassos com talento, trabalho e técnica. Para aprender a
ser palhaço é preciso sair de lógicas pré-estabelecidas pela sociedade e abrir
espaço para outras lógicas não habituais.

     A subida da montanha geralmente é um caminho “duro”, porém precioso,
funciona como um processo de lapidação, que nos faz desvencilhar de partes de
nosso caráter que julgávamos ser fundamentais para sobreviver em um mundo
cheio de regras, e que para ser aceito é preciso segui-las e estar dentro dos
arquétipos de “normalidade” que a sociedade convenciona. Ainda sobre esse
caminho:

                     Isto está na base da filosofia do palhaço: é a nossa dor que nos faz fracos,
                     vulneráveis e indefesos, estúpidos. Ao mesmo tempo também é essa
                     mesma dor que nos faz únicos, impares e belos. Dignos de compreensão,
                     compaixão e amor (LIBAR, 2008, p.196)



     Ultimamente vivemos num período onde a nobre arte do palhaço está sendo
deturpada por indivíduos que não tem a menor consciência e respeito com o ofício, e
erroneamente pensa-se que basta colocar um nariz, pintar a cara e vestir-se com
roupas coloridas, não entendem que não é só aparência, não têm noção da
profundidade e da pesquisa exigida pela técnica, tais como as trazidas na citação:

                     Dois universos contraditórios que atuam na formação do palhaço: a
                     personagem-tipo, elaborada a partir da tradição cômica, e a individualidade
25


                     de cada palhaço, que leva a um certo subjetivismo (próprio do ator a
                     interagir com a platéia). Esse encontro faz do palhaço uma figura, ao
                     mesmo tempo, universal e singular. (BOLOGNESI, 2003, p.15).



     Ser palhaço, ao contrário que muitos pensam, não é fácil. Exige pesquisa,
trabalho, e bastante atenção as suas sutilezas, pois é nas minúcias que este ser
torna-se grande, e prende a atenção de uma multidão com gestos mínimos.

     É preciso que os palhaços estejam ocupando os mais diversos lugares, no
teatro, nas ruas e praças, hospitais, asilos, presídios, manicômios como
mambembes, e como estrelas pelo universo, preenchendo com graça por onde
passam.




2.3 TRANSGRESSÃO




     Para obter um melhor resultado, em suas iniciações, Alexandre Luis Casali
propõe em seu método que cada um dos “aspirantes a palhaço” passe primeiro por
uma experiência de bufonaria, que consiste em explorar o máximo de nossas
mazelas (deformações físicas e interiores). Os bufões são seres que encaram estas
questões de burlar regras de maneira radical, para eles pouco importa se irão
agradar, e se serão aceitos, pois eles já são por natureza e ou escolha
marginalizados. “O bufão, ancestral do clown”, como diz Luis Otávio Burnier:

                     O clown é um herdeiro do bufão. Ele também é um marginal, pois de certa
                     forma possui uma visão de mundo diferenciada. Sua lógica e maneira de
                     pensar e agir são muito particulares. Ele é um bufão sofisticado. Todas as
                     características e comportamentos do bufão aparecem no clown, mas de
                     maneira sutil. O bufão é como se fosse uma pedra preciosa em estado
                     bruto. O clown é uma pedra lapidada. O clown também tem suas
                     deformações físicas, mas sutis: o nariz, a maquiagem, o figurino. É
                     importante notar que esses três elementos não têm função estética, mas
                     lembram a herança grotesca do bufão. (BURNIER, 2001, p. 216).



     O bufão como suas deformações corporais, possui um olhar super ampliado e
distorcido da realidade sendo mais acentuada em relação ao palhaço a sua
marginalidade, criatura burlesca que se distingue por sua sujidade geralmente
26



associadas às anomalias físicas relacionadas a fatores abominados pela sociedade
como devassidão e moléstias.

     Na era medieval percebia-se a ascensão deste ser que distinto dos palhaços,
não exerciam sua função apenas em festividades ou eventos da realeza, mas o fazia
em todo e qualquer momento de sua existência não se formatando em nenhuma
espécie de concepção humana, sendo apenas bufão. E já sendo naturalmente
marginalizado e descomprometido com valores instituídos pela ordem social, ele
podia divertir-se e zombar de tudo e de todos.

     Livrar-se dos padrões impostos pela sociedade através da palhaçaria não é
fácil, e em meio ao processo vamos nos dando conta do quanto o “sistema” é
extremamente rígido, o quanto fazemos parte disto, e quanto mais estivermos
imersos por estas convenções sociais mais difícil será quebrar estes vínculos.

     Assim com seu olhar distinto e visto como um ser “anormal”, o palhaço, que
não se enquadra nos moldes da sociedade pode ridicularizar com as “verdades”
instituídas indicando omissão de comprometimento. É desprovido de vergonha, é
grotesco, puro, louco, ingênuo, cruel, extrapola as emoções e instintos, e isso lhe
permite ser tudo e nada sem receios e sem repressão. Alcançando assim um estado
de transgressão humana.

     No próximo capítulo discute-se sobre a educação de surdos e a Educação de
Jovens   e   Adultos, evidenciando fatos     históricos   que contribuem para a
marginalização e “silenciamento” dos sujeitos da pesquisa.
27



3   O SILÊNCIO




                         antes de existir computador existia tevê
                          antes de existir tevê existia luz elétrica
                      antes de existir luz elétrica existia bicicleta
                     antes de existir bicicleta existia enciclopédia
                     antes de existir enciclopédia existia alfabeto
                            antes de existir alfabeto existia a voz
                           antes de existir a voz existia o silêncio
                                                          o silêncio
                                   foi a primeira coisa que existiu
                                   um silêncio que ninguém ouviu
                                    astro pelo céu em movimento
                                      e o som do gelo derretendo
                             o barulho do cabelo em crescimento
                                              e a música do vento
                                   e a matéria em decomposição
                                         a barriga digerindo o pão
                                explosão de semente sob o chão
                                   diamante nascendo do carvão
                                   homem pedra planta bicho flor
                                      luz elétrica tevê computador
                                           batedeira, liquidificador
                             vamos ouvir esse silêncio meu amor
                                      amplificado no amplificador
                                        do estetoscópio do doutor
                         no lado esquerdo do peito, esse tambor


                                                         O Silêncio
                 Composição: Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes
28



3.1 AB’SURDOS




     A história da humanidade constantemente assinala características de
normalização e uniformização. É muito comum nos livros de história encontrar
somente fatos que falam dos “normais”, pois vêem no diferente barreiras, sendo
mais fácil o abandono e a exclusão dos indivíduos que fogem aos preceitos
homogêneos, sendo este sempre vítima de preconceitos.

    Grande parte dos pesquisadores e historiadores, por serem “não-surdos”,
restringe seu trabalho à narração de episódios carregados de arquétipos de
opressão e exclusão nos quais os diferentes são vistos como algo desimportante,
que deve ser suprimido ou ignorado.

     Existem vários fatos curiosos como “educadores” proibindo os surdos de
usarem as mãos para sinalizarem, reprimindo qualquer tipo de comunicação se não
a oral, chegando ao ponto de terem suas mãos amarradas, método usado para
obrigarem oralizar. Gladis Perlin e Karin Strobel que em seu artigo “Fundamentos da
educação de surdos, relata:

                    Para ter um modelo cultural realmente venturoso, os povos surdos aspiram
                    pela valorização de língua de sinais como a primeira língua e tendo suas
                    opiniões respeitadas, pois os sujeitos ouvintes continuam sempre decidindo
                    por sujeitos surdos, disputando em relação de poder acima dos lideres
                    surdos em diversas áreas, onde eles são importantes participar e acima de
                    tudo querem a ‘dignidade’ de Ser Surdo! (PERLIN e STROBEL, 2006 p. 27).



     Um bom exemplo encontra-se no filme “Meu nome é Jonas”, de 1979
demonstra atos preconceituosos que infelizmente ainda são cometidos por pessoas
desinformadas. O filme começa com Jonas acordando em uma instituição para
deficientes mentais que por um equivoco médico, estava ali há três anos. Seus pais
percebendo o absurdo foram retirá-lo. Ao chegarem à casa a família estava reunida
para recebê-lo, tentavam se comunicar com ele, mas o pai chama a atenção: “Ele é
surdo”. Nesta mesma festa Jonas começa a imitar os seus parentes que dançavam
ao som de uma música, eufóricos, todos gritam de felicidade, pois pensam que
finalmente ele podia ouvir, o som pára e mesmo assim Jonas continua a dançar.
29



       Diante do preconceito dos familiares e vizinhos o pai de Jonas prefere largar a
família. A mãe de Jonas procura uma escola para surdos, porém esta não permitia
que os surdos fizessem uso de sinais, recomendando aos familiares não
incentivarem tal prática, com o argumento de evitar o comodismo, de usar sinais ao
invés de aprender falar.

       Jonas tem um irmão mais novo, este tem um boneco e revistas em quadrinhos
do Homem-Aranha, que ao ser visto por Jonas nas revistinhas, torna-se algo
assustador, porque sobre a máscara não se pode ver a boca, para ele o Homem-
Aranha não tem boca, é como ele, não fala. Isso para ele é uma condenação. Jonas
pega o boneco do irmão e joga-o no forno, momentos depois, a mãe encontra o
boneco em chamas. A mãe chora desesperada e indaga-se “Não sou culpada”.

       Em outra cena, Jonas ao ver uma carrocinha de cachorro quente, tenta
demonstrar o seu interesse, comunicando-se através de sinais, sua mãe não o
compreende, aborrecido, ele a agride.

       Recontando a história, desvendando fatos perdidos é possível tratar sobre
discussões a cerca de diferentes modelos adotados como forma de aprendizagem.
Os aspectos históricos que enveredam a educação de surdos são compostos por
vários fatos determinantes, assinalado por momentos de transformações e conflito,
além do aparecimento de ocasiões oportunas, tendo como principal objetivo
estruturar um modelo educacional pautado na língua de sinais.

       Anterior ao inicio dos debates sobre a educação, por conta da sua
“anormalidade”, os surdos eram enxergados como doentes, eximidos de quaisquer
competências educacionais, viviam em situação de abandono sendo totalmente
rejeitados pela sociedade de forma intransigente, até resguardados em asilos.
Passado o tempo os surdos têm seus direitos reconhecidos, fazendo parte da
sociedade, porém ainda sob um olhar assistencialista, não havendo instituições de
ensino adequadas, tirando-lhes o direito a educação.

       As primeiras iniciativas de acesso a educação surgem nas famílias, que
procuravam desenvolver estratégias para alfabetização e oralização dos surdos,
para    que   estes   pudessem pronunciar-se      a seu    favor,   entretanto,   estes
acontecimentos permaneciam reservados a famílias ricas.
30


                       A repetição e a memorização eram partes necessárias do processo de
                       ensino: a mente deveria ser impregnada por idéias. Quando o objeto não
                       era acessível, o desenho poderia representá-lo na associação entre o objeto
                       [desenhado], o sinal [gestual ou escrito] e a idéia. Quando desenhos não
                       revelassem com clareza a idéia que a palavra representava, dramatização
                       era utilizada (SOUZA,1996, p. 174 apud. ANDRADE, 2009, p. 44).



     O contexto nacional aponta os primeiros passos atrelados a educação de
surdos, quando D. Pedro I trás o professor francês Hernest Huest, criando no Rio de
Janeiro a sede Fundação Nacional dos Surdos-mudos, que passou a ser chamado
de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), o qual funciona até os dias de
hoje (MACHADO, 2008).

    Vários absurdos foram e são cometidos contra os surdos, por não conseguirem
se comunicar eram e são chamados de “surdo-mudo”, sendo recusada a existência
da língua de sinais, desconsiderando suas capacidades comunicativas, também por
isso, eram e são tidos como agressivos. Deve ser realmente difícil tentar se
comunicar e não ser compreendido. Ao contrário disto, ouvi relatos de algumas
professoras que trabalham com surdos, que no início de suas carreiras perdiam a
paciência com os alunos, por não conseguirem se comunicar, por não serem
entendidas. “Geralmente somos pouco pacientes com eles, porém eles são bem
tolerantes conosco”.

     É preciso estar atento para as diferenças, e não julgar quem é melhor ou pior,
podemos refletir sobre isso da seguinte forma: Qual a grande e principal diferença
entre um surdo e um ouvinte?

     Se tomarmos como referência a supremacia dos não-surdos, teremos como
respostas: O não-surdo ouve e o surdo não. Porém, existe outro ponto de vista
sobre esta questão, a do surdo, que entende-se como diferente do não-surdo em
sua forma de comunicação viso-espacial, a língua de sinais, por isso também este
grupo constitui uma comunidade, um povo, com sua língua e cultura.

                       Se não há limite entre a grandeza e a pequenez, e nenhum ser humano é
                       exatamente igual ao outro, podemos concluir que ser surdo não é melhor
                       nem pior que ser ouvinte, mas diferente. É por não se tratar
                       necessariamente de uma perda, mas de uma diferença, que muitos surdos,
                       especialmente os congênitos, não têm a sensação de perda auditiva. (MEC,
                       SEESP, 2007, p.37).
31



     Ser igual antes de tudo é aceitar e respeitar as diferenças, rompendo
parâmetros de categorização entre surdos e não-surdos, vendo em ambos
restrições, por exemplo, para o surdo é inviável a comunicação na ausência de luz,
enquanto que para o não-surdo torna-se impossível a comunicação debaixo d’água,
e em locais barulhentos sem gritar, nestes casos, não há nenhum impedimento de
comunicação para o surdo.




3.2 LIBRAS




     A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS - é vista por muitos como simples
mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos, porém ela se constitui de estruturas
gramaticais próprias, pois nela encontram-se os diversos coeficientes lingüísticos:
fonológico, morfológico, sintático e semântico. Distingui-se da Língua Portuguesa
(oral-auditiva) por se enquadrar nos moldes de língua viso-espacial, destarte, a
LIBRAS não se resume ao português sinalizado, trata-se de outra língua, assim
como o inglês, o espanhol, etc.

     Grande conquista da comunidade surda, fruto de constantes embates para o
reconhecimento nacional como língua oficial da pessoa surda brasileira, constituindo
assim um país bilíngüe, com a publicação da lei conhecida como a lei de LIBRAS:

                     LEI N.º 10.436 de 24 de abril de 2002
                     Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
                     O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
                     Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
                     Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a
                     Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela
                     associados.
                     Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a
                     forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de
                     natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um
                     sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de
                     comunidades de pessoas surdas do Brasil.
                     Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
                     concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o
                     uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de
32


                      comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do
                      Brasil.
                      Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços
                      públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento
                      adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas
                      legais em vigor.
                      Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
                      municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
                      formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em
                      seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais -
                      Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais -
                      PCNs, conforme legislação vigente.
                      Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir
                      a modalidade escrita da língua portuguesa.
                      Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
                      Brasília, 24 de abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República.
                      (BRASIL, 2002)



     Este acontecimento mudou radicalmente o contexto político, social e
educacional do Brasil, sendo agora constitucionalmente um país bilíngüe, abrindo
precedente para o reconhecimento da Tupi e da Iorubá, revelando nosso país
múltiplo e diverso.

     É de fundamental importância a difusão, promoção do contato de toda a nação
com a LIBRAS, sendo necessário o seu ensino, formação de professores e
intérpretes,   disponibilizando    intérpretes     nos    locais    públicos       permitindo     a
acessibilidade à saúde, educação, trabalho, esporte e lazer, e por fim á mídia em
geral. Espera-se com expectativa ações dos poderes públicos dos estados e
municípios em articulação com instituições e associações de surdos favorecendo a
presença e a assimilação em todo território nacional.
33




Figura 1 – Alfabeto datilologia. Fonte: FENEIS.
34



     A LIBRAS têm como característica primordial, o uso da modalidade visuo-
espacial, diferindo da oral-auditiva. Outro aspecto que torna a língua de sinais
singular é o fato de muitos sinais surgirem a partir de estímulos icônicos, ou seja,
está diretamente ligado a representação de seus significados. Mas como em todas
as comunidades, existem convenções, e toda regra tem exceção, portanto, existem
sinais que não se enquadram neste princípio. Enquanto as línguas orais utilizam de
entonação e modulação vocal para distinguir os tipos frasais – exclamativo,
interrogativo, exclamativo, imperativo, na LIBRAS, estes estão presentes nas
expressões fisionômicas e em movimentos de pescoço .
     Os sinais se constituem da seguinte forma (CAS, 2010):
            -Configuração de mão (CM)- São formas utilizadas pelas mãos, que pode
            ser geralmente do alfabeto manual ou podem ser outras.
            -Ponto de articulação (PA)- Localização espacial de execução do sinal;
            -Movimento (M) -Os sinais podem ter movimento ou não;
            -Orientação (Or) -Direção para onde o sinal se descola no espaço;
            -Expressões não-manuais (ENM) -Expressões faciais/corporais são
            fundamentais para o entendimento do sinal, sendo responsáveis pela
            entonação e intenções


Exemplos:




            TRABALHAR                   TELEVISÃO                     QUADRO
                 Figura 2: Exemplos de sinais com configuração de mão em “L”
                                          Fonte: CAS
35



3.3 OS SUJEITOS SILENCIADOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS




     No processo de interação social nota-se uma falta de consideração e respeito
das heterogeneidades. As relações humanas se tornam cada vez mais difíceis, pois
vivemos em uma sociedade divida por grupos de afinidades, que fechando-se em
suas tribos, em fronteiras culturais, repugnam e evitam o intercâmbio igualitário
multicultural, silenciando os sujeitos considerados “anormais”.

     As ideologias que enquadram as pessoas a códigos globais enraizados em
fatos históricos ou de razões religiosas são formas de satisfazer um sistema
monolítico de segregação que não considera a pluralidade das pessoas.

     A educação, com todos seus princípios, deveria abster-se destes preceitos,
contudo através de seus currículos genéricos negam as diversidades regionais,
políticas e religiosas. Como forma de dissolver estes fatos existem propostas de
reformulação baseada em conceitos multirreferenciais:

                     A abordagem multiculturalista pretende assim, recontextualizar o papel
                     político da escola discutindo a adoção de novos currículos multirreferenciais
                     que venham incorporar discursos historicamente silenciados e a desprezar
                     potencialmente os silenciadores. Em outras palavras a pedagogia
                     multicultural acredita na valorização da voz do sujeito/professor e na do
                     sujeito/estudante, assim como no desenvolvimento da sensibilidade da
                     escuta às mútiplas vozes, desconstruindo a polarização dos saberes e
                     assumindo, através da prática dialógica, uma perspectiva de construção do
                     conhecimento de forma dialética (MOTA, 2004, p. 20 apud ANDRADE,
                     2009, p. 75).



     Ainda há muito à se fazer para que a despolarização de saberes se concretize.
Pode-se perceber que alguns educadores assumem posturas diferenciadas
buscando tirar os educandos de sua condição de sujeitos passivos, dando-lhes voz,
permitindo a participação efetiva em sua formação, criando uma relação dialógica
com as multiplicidades identitárias.


     A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um segmento do ensino básico
designada para a formação de pessoas com experiências de vida e trabalho
diferenciados, caracterizado como educação pública. É uma modalidade que
defende o direito do educando a uma formação dentro das necessidades e
36



especificidades de seu tempo humano, assegura o acesso, a permanência e a
continuidade no espaço escolar ao longo da vida, como esclarece a LDB nº 9394/96:

                    Da Educação de Jovens e Adultos
                    Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não
                    tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio
                    na idade própria
                    § 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos
                    adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
                    oportunidades educacionais apropriadas,consideradas as características do
                    alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,mediante cursos
                    e exames.
                    § 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
                    trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre
                    si.
                    Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que
                    compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao
                    prosseguimento de estudos em caráter regular.
                    § 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
                    I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze
                    anos;
                    II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito
                    anos.
                    § 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por
                    meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. (BRASIL,
                    1996).



     Ainda que seja assegurada e regulamentada por lei, a EJA, em seu percurso
ao longo da história, demonstra-se como um ambiente de formação que sempre foi
negligenciado pelas gestões públicas, não sendo tratado com sua devida primazia
nas políticas educacionais, revelando desajustes nos programas e planos de ensino,
o que interfere substancialmente nas condições de aprendizado, colaborando assim
para a conservação das desigualdades sociais e repressão de classes.

     Essa modalidade educativa é bem peculiar, na sua importância social, ética e
política. Considerando as individualidades do educando, suas vivências e
conhecimentos, o educador deve apropriar-se destes saberes e sempre que
possível fazer uso dos mesmos em suas aulas, propondo o diálogo e troca de
experiências. No contexto educacional apesar de constar no currículo, não vemos
com freqüência trabalhos voltados para estimular as expressões artísticas deste
grupo, como mostra professora de teatro da EJA, Carla Carvalho:
37


                    São jovens e adultos que, pouco, ou nunca, tiveram contato com a escola
                    em seu período regular de aprendizagem. São sujeitos socialmente
                    excluídos que, numa faixa etária tardia, na tentativa de recuperar o “tempo
                    perdido” fora da instituição escolar, não vêem em atividades artísticas a
                    possibilidade de adquirir novos conhecimentos, pois os conhecimentos que
                    esses indivíduos buscam no espaço escolar estão resumidos na
                    aprendizagem disciplinar da escrita e da leitura. (CARVALHO, 2009, p. 40).



     A EJA é desvirtuada por muitos, vista apenas como um curso compensatório e
de caráter supletivo, o que reforça este aspecto é a redução de carga horária, por
ser noturno. Para a maioria dos educandos que enxergam na escola uma instituição
de saber somente, não percebem que as aulas de artes são possibilidades para
fomentar conhecimentos inerentes a eles próprios.

     No fim da década de 1940, no Brasil, os adultos que não haviam passado pela
escolarização, eram vistos como incapazes e marginalizados, tratados psicológica e
socialmente como crianças. Não demorou muito para os educadores e psicólogos
reconhecerem os equívocos e Paulo Freire expressar seus princípios: “A leitura do
mundo precede a leitura da palavra” que influenciaram as propostas curriculares
nacionais:

                    Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos
                    Conscientizadora, [...]. Prescindindo da utilização de cartilhas, desenvolveu
                    um conjunto de procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como
                    método Paulo Freire. [...] propunha ainda um momento inicial em que o
                    conteúdo do diálogo educativo girava em torno do conceito antropológico de
                    cultura. Utilizando uma série de ilustrações (cartazes ou slides), o educador
                    deveria dirigir uma discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo
                    dos homens como produtores de cultura e as diferentes formas de cultura: a
                    cultura letrada e a não letrada, o trabalho, a arte, a religião, os diferentes
                    padrões de comportamento e a sociabilidade. O objetivo era, antes mesmo
                    de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como
                    sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável. Tratava-se
                    também de ultrapassar uma compreensão mágica da realidade e
                    desmistificar a cultura letrada, na qual o educando estaria se iniciando.
                    (BRASIL, 2001, p. 24-25)



    A partir desta iniciativa surgem outras, baseadas nos fundamentos nos
princípios de Freire, onde cada região do país construía suas estratégias de
alfabetização de acordo com suas realidades, multiplicando várias formas de acesso
dos adultos ao mundo letrado (BRASIL, 2001).

    A LDB 5692/71 que contemplava o caráter supletivo da EJA, excluindo as
demais modalidades, não diferia dos objetivos do Movimento Brasileiro de
38



Alfabetização – MOBRAL - quanto a profissionalização para o mercado de trabalho e
a visão da leitura e da escrita apenas como decodificação de signos. Somente com
a nova LDB nº 9394/96, art.37 e art.38, é que passa-se a contemplar as várias
modalidades de educação de jovens e adultos e uma melhor adequação as novas
exigências sociais.

     No período da ditadura, inicio da década de 1970 observa-se as primeiras
iniciativas para a criação do MOBRAL, que era um projeto concebido com o objetivo
de abolir o analfabetismo em uma década. Passado esse tempo, no qual deveria
cumprir sua finalidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - faz
um levantamento registrando no censo que mais de 25% da população com mais de
15 anos encontrava-se em situação de analfabetismo. O MOBRAL fez várias
modificações em seus programas passando por diversas alterações, investindo na
ampliação do atendimento de comunidades rurais e educação infantil.

     Em 1971, começa-se a implementar o ensino supletivo, estabelecendo os
Centros de Estudos Supletivos por todo o Brasil, no intuito de constituírem-se em
moldes para o ensino dos anos vindouro, propondo a escolarização da maioria da
população atendendo às demandas do mercado de trabalho competitivo e cada vez
mais exigente. Não era exigida freqüência, e isto fez com que os índices de evasão
fossem elevados, o atendimento individual impediu a socialização do aluno com os
demais colegas, buscando apenas uma formação rápida com propósito de atender
aos critérios mercadológicos reduzindo a escola à mera busca do diploma sem
refletir sobre a função do aprendizado como fator formador de opiniões e caráter,
tornando-os analfabetos funcionais.

     Os Centros de Estudos Supletivos não alcançaram suas metas, por conta do
descrédito político e financeiro impedindo uma realização plena, e em seus
desígnios havia vários interesses de instituições privadas de ensino.

     Com a extinção do MOBRAL, com o fim da ditadura, o país passando por
processos de democratização foi possível o aumento das ações da EJA,
mobilizando professores e educados em favor da educação para todos. A
constituição de 1988 passou a garantir de forma institucional o ensino público e
gratuito, inclusive para os que já se encontravam fora da idade regular de
aprendizagem.
39



     No ano de 2003, o Ministério da Educação declara a necessidade de priorizar
alfabetização de jovens e adultos, criando a Secretaria Extraordinária de
Erradicação do Analfabetismo, com a finalidade de acabar com o analfabetismo no
período do primeiro mandato do governo Lula. Onde o Ministério de Educação –
MEC-    colaborando    com    os   organismos     estatais,   e   Organizações   Não
Governamentais - ONGs, na realização e desenvolvimento de projetos de iniciativas
de alfabetização de jovens e adultos e formação de alfabetizadores.

     É lei o direito ao ensino fundamental aos cidadãos brasileiros de todas as faixas
etárias, expandido as possibilidades educacionais, permitindo o acesso para
indivíduos que agora ultrapassaram a idade de escolarização regular. Além da
extensão, a qualificação pedagógica de programas de educação de jovens e
adultos, uma exigência de justiça social, para que a ampliação das oportunidades
educacionais não se reduza a uma ilusão e a escolarização tardia de milhares de
cidadãos não se configure como mais uma experiência de fracasso e exclusão. A
EJA geralmente é oferecida pelas escolas no período noturno, para atender aos
educandos que em sua maioria trabalham durante o dia. Caracterizando uma
educação de e com os trabalhadores.

     A EJA deve muito de suas conquistas ao educador Paulo Freire que com suas
iniciativas e criação de estratégias de alfabetização e educação de jovens e adultos,
desenvolvidos primeiramente no Rio Grande do Norte, logo ganhando repercussão
nacional, passando a ser exercitado por vários educadores em todo o Brasil,
aportada na apreensão da escrita associada a edificação de saberes de forma
dialógica e mútua entre professor e educando.
40



4    A ARTE EM LIBRAS PARA SURDOS ATRAVÉS DO PALHAÇO




     No fim do semestre 2009.1, finalizando o projeto de TCC, já com intenções de
aprofundar e desenvolver um trabalho de teatro com surdos. Refletindo sobre minha
formação acadêmica até aquele instante, percebi que nas práticas de docência
sempre estive envolvido com experiências que não me exigiram muito trabalho, e
numa tentativa de sair desta região de “conforto” resolvi alçar vôos mais altos (coisas
de palhaço), e encarar um “desafio radical”, no qual desprendesse de mim um maior
empenho e constante pesquisa – Vivenciar uma experiência com educandos surdos
da EJA.

     O Projeto de pesquisa A Pureza do Silêncio teve como proposta a realização
de aulas de teatro, a partir de técnicas de construção do palhaço no CAS Wilson
Lins, instituição estadual de ensino especializada no atendimento de surdos. As
aulas aconteceram no turno noturno todas as segundas, terças e quartas-feiras, e
estas foram ministradas de setembro a dezembro do ano de 2009 para alunos da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).

     Esta experiência constituiu-se por conta do estágio curricular obrigatório do
curso de Graduação em Licenciatura em Teatro, que contou com a orientação da
professora Cecília Accioly, licenciada em dança e mestre pelo Programa de Pós
Graduação em Artes Cênicas (PPGAC-UFBA).

     Foi adotado como metodologia para sistema de acompanhamento dos
estágios, encontros semanais, juntamente com um grupo de mais cinco colegas,
onde compartilhávamos e discutíamos sobre nossas práticas em sala de aula, visto
que cada um estava buscando e vivenciando em suas aulas linguagens diferentes
(Teatro de Cordel, Teatro de Revista, Corporeidade, Iluminação, Teatro do
oprimido),e mesmo assim conseguíamos estabelecer um dialogo coerente, e
conciso.

     As aulas do estágio foram planejadas a partir de experiências pessoais com a
arte do palhaço e com a LIBRAS, adequadas às vivências dos educandos, numa
tentativa de associação destas formas de expressão e comunicação (Surdos –
LIBRAS X Teatro – Palhaço), lançar um olhar sobre o mundo dos surdos e enxergar
41



em sua forma de comunicação potencialidades corporais em comum com a técnica
do palhaço, criando um diálogo onde várias discussões podem se entrelaçar. Uma
delas seria: a linguagem do palhaço sendo ela universal poder-se-ia, através desta
técnica fomentar a formação de platéia para o “teatro surdo”, e incentivar
espetáculos com propostas acessíveis, onde todo e qualquer indivíduo, pudesse
prestigiar, algo muito diferente dos espetáculos texto-cêntricos que estamos
acostamos à assistir? Como o próprio subtítulo do trabalho diz: A fusão entre a arte
do palhaço e Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de
teatro, trata-se de uma tentativa de explorar o domínio gestual dos surdos presente
na LIBRAS, e usar a arte do palhaço, como um modo de expressão artística para os
surdos.

     Estava em busca de uma instituição na qual pudesse desenvolver esta
pesquisa, quando fui informado da existência do CAS Wilson Lins. O Centro de
capacitação de profissionais da Educação e de atendimento a pessoas com Surdez
(C.A.S)   Wilson   Lins,   escola   estadual   de    ensino    fundamental,   instituição
especializada na educação e atendimento aos surdos. Locada á Rua Raimundo
Pereira, S/N, no bairro de Ondina da cidade de Salvador.




                                Figura 3: Brasão do CAS Wilson Lins



     No ano de 2009, esta instituição completou 50 anos de existência e de serviços
prestados á comunidade surda. Em 1959, o então secretário de educação do estado
da Bahia, Wilson Lins, refletiu sobre a necessidade de um local que atendesse a
população surda, foi e fundada a escola que leva o seu nome. Após 46 anos em
consonância com a política nacional de educação inclusiva para surdos, a
42



comunidade escolar constituiu um projeto que transformou a escola num centro de
apoio ao surdo.

                    O papel do grupo era possibilitar, com apoio SEC/MEC, a criação de um
                    espaço de formação continuada de professores, de professores interpretes,
                    de instrutores surdos e interpretes de Língua Brasileira de Sinais e demais
                    profissionais que atuam na área da surdez. O objetivo principal é oferecer
                    suporte ao sistema de ensino, a partir de parcerias e convênios entre
                    órgãos governamentais, principalmente Instituições de Ensino Superior –
                    IES - , Secretarias de Educação e órgãos não-governamentais, para o
                    desenvolvimento de formações (PLANO DE ATENDIMENTO, 2004 apud.
                    ANDRADE, 2009, p. 14)



     Na minha primeira visita ao CAS fui recepcionado por um porteiro surdo, que
ao tentar se comunicar comigo, viu que não o entendia e me encaminhou a
secretária. Apresentei-me a coordenadora pedagógica, expliquei a minha proposta e
entreguei para ela uma cópia do meu projeto de pesquisa explanando um pouco
sobre as minhas intenções e perspectivas com aquele trabalho. Ela quis saber se eu
dominava a Língua de Sinais - LIBRAS, ao que respondi que sabia um pouco, que
estava estudando para ampliar o meu vocabulário.

     Havia planejado em meu projeto, o desenvolvimento do trabalho com
adolescentes, e na tentativa de organizar os horários, a coordenadora quis saber
qual seria a faixa etária para desenvolver o trabalho, me disse que a escola
dispunha de crianças e adolescente no turno diurno e à noite havia turmas de jovens
e adultos. Ao ser mencionado “jovens e adultos”, me surpreendi, pois, até então não
havia pensado nesta possibilidade, a qual despertou-me grande interesse.
Respondi-lhe que trabalharia com jovens e adultos, escolha esta que foi reforçada
por ela, por ser um público que nem sempre tem oportunidades de participar destes
projetos, ressaltou ainda que, por eu não dominar a LIBRAS seria melhor, visto que
o adulto surdo em suas relações busca outras formas de comunicação além da
LIBRAS e tem mais facilidade para ensiná-la. Ficou então decido que seria
desenvolvido teatro com surdos da EJA.

     Em conversa com a vice-diretora do noturno, ela propôs que o trabalho fosse
desenvolvido com a turma da 4° série do EJA, com os alunos da professora Cíntia
Barbosa de Oliveira. Esta ao ser consultada ficou de acordo. Fomos então à sala de
aula onde eles estavam, lembro-me da surpresa deles ao me verem entrar na sala,
uma figura um tanto quanto pitoresca (alto, magrelo, cabeludo), recordo-me também
43



do aluno Diógenes fazendo um sinal de “Paz e Amor”, ao qual todos riram, com esta
reação já me senti mais á vontade. Disse meu nome, em LIBRAS, fiz meu Sinal4,
apresentei a proposta para eles (Enquanto eu falava, a professora Cíntia fazia a
interpretação em LIBRAS). Todos de acordo, ficou acertado que a professora Cíntia
me acompanharia para dar o devido suporte na comunicação.

     Nas noites de quartas-feiras do mesmo período em que estava ministrando as
aulas no CAS, nas adjacências meu orientador de TCC, Demian Reis 5, estava
ministrando uma oficina “Em busca de um corpo cômico” na Escola de Dança da
UFBA. E assim que terminava minhas aulas, me encaminhava para a oficina, onde
experimentava e dialogava com exercícios da Palhaçaria criando relações com o
processo que estava desenvolvendo com meus alunos.

     Grande parte dos educandos que freqüentam o CAS é oriunda de regiões
periféricas e ou de bairros populares de Salvador. Alguns com os quais trabalhei,
moram atualmente no Subúrbio Ferroviário, porém, nasceram e viveram sua infância
no interior do estado da Bahia. Figuras estupendas, de uma sensibilidade que fica
difícil mensurar em palavras. Cada um com as suas peculiaridades foram se
inserindo no processo. Juntos fomos criando uma identidade e um ambiente
confortável para o trabalho em grupo.

     Os educandos que estavam inseridos nesta prática são alunos da Educação de
Jovens e Adultos, como discorre Simone Andrade, são:

                       [...] homens e mulheres marcados duplamente pela exclusão social
                       socioeducacional: primeiro, por terem nascido privados da audição,
                       constituindo-se, assim, como sujeitos através de uma língua espaço-visual,
                       distinta da maioria da população, que utiliza a língua oral-auditiva; segundo
                       por pertencerem a classes populares, que, no seu percurso de vida não
                       tiveram a oportunidade de freqüentar escola, ou, quando tiveram acesso à
                       escolaridade, foram alvo de uma educação que não reconhecia os seus
                       processos específicos de aprendizagem.(ANDRADE, 2009, p.19)



     Na primeira aula, dia 31 de agosto de 2009, estive presente em sala, mas
somente para a observação, justamente neste dia a professora Cíntia estava dando


4
  Todo surdo e ou ouvintes que estão inseridos numa comunidade surda têm um sinal geralmente
associado á alguma característica física da pessoa.O meu por exemplo refere-se aos meus cabelos
cacheados e a minha magreza.
5
  Pesquisador da arte da palhaçaria, palhaço com dez anos de experiência, e Doutorando do
Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas (PPGAC – UFBA).
44



aula sobre folclore, lendas, e a cada explanação da professora, os alunos faziam
intervenções contando histórias de suas vidas, de quando moravam no interior. Era
algo belíssimo de vê. Ao terminar a aula estava muito empolgado, pois percebi que
desenvolveríamos um bom trabalho. Conforme ratifica Oliver Sacks:

                      Basta observar duas pessoas comunicando-se na língua de sinais para
                      percebemos que esta possui uma qualidade divertida, um estilo muito
                      diferente do da língua falada. Seus usuários tendem a improvisar, a brincar
                      com os sinais, a trazer todo o seu humor, sua imaginação, sua
                      personalidade para o que estão comunicando, de modo que o uso da língua
                      de sinais não é só a manipulação de símbolos segundo regras gramaticais,
                      mas irredutivelmente, a voz do usuário, uma voz com força especial, porque
                      é emitida, de um modo muito imediato, com o corpo. Pode-se ter ou
                      imaginar uma fala sem um corpo, mas não se pode ter uma língua de sinais
                      sem um corpo. O corpo e a alma do usuário dessa língua, sua identidade
                      humana única, expressam-se continuamente no ato de comunicar-se.
                      (SACKS, 1998, p. 133-134)



     Nas primeiras aulas que de fato ministrei, ressaltei e deixei claro para eles que
aquele espaço era um momento onde poderiam brincar e se divertir com liberdade.
Trabalhei exercícios de interação, nos quais insistia que eles se olhassem uns aos
outros. Os olhos, como se diz popularmente são as “janelas d’alma”, através deles
somos capazes de expressar os mais diversos sentimentos. Maria de Souza em seu
artigo “Janelas do Humor: O olhar como sede de expressão no palhaço relata:

                      Singela, inocente e ao mesmo tempo desconcertante, a ação de olhar tem
                      poderes e encantos. Se a riqueza da expressão e sua comunicação mais
                      direta está na face, os olhos são a confirmação, a certeza de se alcançar
                      outra pessoa, de tocá-la à distância e o melhor, sem violência: com amor e
                      humor. (SOUZA, 2007, p. 69).



     O olhar é quem nos denuncia, quando muitas vezes estamos tristes ou ao
deixarmos as lágrimas rolarem. Ressaltei o quanto seria importante essa entrega,
olhar permitir-se ser olhado, que em cena o olhar torna-se fundamental,
especialmente      para   comunicação      interna,    estabelece-se      uma     relação     de
cumplicidade, tudo o que não pode ser dito no momento do espetáculo é transmitido
pelos olhos. O palhaço partilha de muitos de seus sentimentos apenas com o olhar,
que de forma constante busca outro olhar na platéia, para que esta relação se
estabeleça. Sendo este também elemento fundamental para as línguas de sinais
(viso-espacial).
45



     Na proposta de liberação e interação do grupo, busquei trabalhar com algumas
brincadeiras que envolvia música, dança e ritmo. Por exemplo, “Escravos de Jó”,
entretanto   ao   invés   da     música,    combinamos        contar     e   simultaneamente
coreografávamos, conforme as cadências ritmadas. Sem o som eles dançaram e
exploraram possibilidades corporais, algo que é natural deles, pois já o fazem em
seu cotidiano, com a Língua de Sinais.

     Um dia levei a peteca para ser usada apenas durante o aquecimento, mas eles
se envolveram de tal forma, que a aula ficou apenas no jogo. Em momentos que
percebia o espírito competitivo superando o de brincar, reforcei que o mais
importante era se divertir. A partir desta aula, percebi um maior empenho deles nas
atividades, creio que através da brincadeira da peteca, tenham compreendido a
relação da diversão e do desprendimento.

     O cinema mudo foi uma formidável ferramenta para introduzir o universo do
palhaço, e usando referências já conhecidas por eles como o Charles Chaplin.
Assistimos ao filme “O circo”, e pude perceber o quanto ficaram empolgados, e como
já era esperado riram bastante, teceram comentários. Lembro-me de um deles,
falando que quando era criança, sempre assistia, mas que ultimamente não se ver
mais na televisão como antigamente.




                               Figura 4 – Capa do Filme o Circo (1928)



     Neste filme Charles Chaplin mais uma vez faz uso de situações cotidianas,
encarnado no papel de vagabundo, é confundido com um ladrão de carteira, quando
perseguido por um policial busca refúgio dentro de um circo, interferindo por acaso
46



nas apresentações. A platéia vai ao delírio por pensar que ele faz parte do
espetáculo, o dono circo ao perceber o quanto o vagabundo cativa a platéia,
convida-o para fazer um teste. Entrando no universo mágico do picadeiro, Chaplin
faz releituras de clássicas cenas circenses.

     As aulas de sensibilização, proporcionaram vários momentos interessantes, um
dia propus a experimentação de vários sentimentos: alegria, medo, amor, saudade,
raiva. Um dos momentos desta aula consiste no exercício “abandono do bebê”, que
trata-se de estabelecer uma relação de afeto com um boneco, como se fosse seu
próprio filho, mas por conta das adversidades, é necessário abdicar-se da criança.

     Ao fim desta aula, no momento de avaliação, eles demonstraram o quão
ficaram tocados, um deles se lembrou de quando criança, sua mãe não o deixava
sozinho, o protegia bastante, que ela tinha medo dele se perder ou de acontecer
algo de ruim com ele, e que depois que ela morreu, ele veio para Salvador morar
com o pai, aqui ficou com medo de sair de casa, pois havia criado uma espécie de
dependência à presença da mãe, até que seu pai foi lhe ensinando e mostrando as
coisas, a cidade. Em outro depoimento uma educanda que é mãe, falou da saudade
que sentia de sua filha, que mora no interior com a avó. Esta aula ficou marcada
pela exposição e partilha de sensações e sentimentos, sendo um importante marco
nas relações de confiança do grupo.

     Tomando como referência Wuo que associa o nariz de palhaço a uma “pérola
vermelha” (WUO, 2005). Apropriei-me desta metáfora e associei o processo de
iniciação de um palhaço ao ato de mergulhar em águas profundas em busca de
ostras. Um momento que vale ressaltar foi o dia em que levei o nariz. Espalhei
ostras feitas de papel pela sala, sinalizando que dentro delas havia pérolas, pedi que
fossem em busca das ostras como mergulhadores. Depois que cada um estava com
a sua ostra pedi para abrirem e tamanha foi a surpresa e alegria deles ao verem o
conteúdo das ostras. Ensinei-lhes a colocar o nariz e disse que colocar o nariz é
como trocar de roupa, ninguém pode vê, por isso viramos de costas para colocá-lo.
Quando eles colocaram o nariz, foi a minha surpresa, pois começaram brincar de
forma espontânea, e ficou um pouco difícil controlá-los. Maravilhoso! Eis aí o poder
da máscara, que apesar de seu pequeno tamanho, contem possibilidades infinitas.

     Outro episódio interessante foi quando a minha orientadora de estágio, Cecília
Accioly, foi fazer uma visita a escola, e apreciar o meu trabalho, só que justamente
47



naquele dia havia planejado com o Demian Reis (Orientador de meu TCC) uma
visita ao CAS, na qual ele faria alguns exercícios com os meus alunos. Assim que
cheguei à escola, Cecília já estava esperando-me, disse a ela o que havia planejado
para aquele dia, ela me disse pra fazer pelo menos um aquecimento, para que ela
pudesse me ver em ação. Pouco depois o Demian me ligou, dizendo que havia
ocorrido um imprevisto e não poderia ir. Desliguei o celular, olhei para a Cecília e
disse: “Ele não vem.”, ao que ela me respondeu “Se vira”. Abri então a minha
mochila na tentativa de encontrar uma solução. Encontrei um rolo de fita isolante,
lembrei-me de um exercício de Ana Elvira Wuo “corda bamba” (2005, p. 132-135).

     Fiz com eles o exercício, todavia ao invés de corda uma tira de fita isolante
colada ao chão, sinalizei que aquilo representava uma corda muito alta, a qual eles
teriam que atravessar, olhando para frente, buscando de forma verdadeira
representar quais as sensações e sentimentos que caberia aquela situação, logo
aceitaram a proposta e com grande maestria o fizeram. No filme “O circo” mostra o
Chaplin, atravessando uma corda bamba, e para abrilhantar mais a cena surgem os
macacos que haviam fugido de suas jaulas e contracenam com o destemido subindo
em sua cabeça e tirando sua roupa em cena. Os educandos ao lembrarem do filme,
começaram a brincar atrapalhando a travessia um dos outros.

     Este exercício resultou numa apresentação. O CAS Wilson Lins promoveu no
dia 21 de outubro de 2009, o “III Seminário Caminhos para a inclusão do surdo:
Ciência, Práticas Pedagógicas e Perspectivas”. Na oportunidade, meus alunos
fizeram uma primeira mostra do processo que estavam vivenciando em minhas
aulas, foi apresentado o exercício da perola vermelha, que com alguns ajustes foi à
cena.

     Além desta apresentação, na manhã de domingo do dia 22 de novembro de
2009 foi realizada a mostra cênica dos meus alunos no Teatro Martim Gonçalves –
Escola de Teatro da UFBA. Exercícios como o da corda bamba e da pérola
vermelha, integraram as cenas.
48




      Figura 5: Mostra no Teatro Martim Gonçalves dia 22/11/2009. Foto: Alberto Gonçalves
     Em ordem da esquerda para a direita: Diógenes, Joelson, Anderson, Ana Cristina e Eliza.



     No dia 09 de dezembro de 2009 fizemos outra apresentação na Escola de
Dança da UFBA, por ocasião do encerramento da Oficina “em busca de um corpo
cômico” ministrado por Demian Reis. Nesta oportunidade houve uma um grande
encontro das diferenças, que por fim se igualavam no palhaço. Além dos meus
alunos, se apresentaram os alunos concluintes da oficina do Demian, e os artistas
convidados: O Palhaço Sabiá e a palhaça cadeirante Ninfa Cunha que dividiu a cena
com Deo Carvalho. Em ambas as apresentações foram aplicados um questionário à
platéia, como forma de avaliação do processo e entender as impressões do público.

     E no dia 09 de dezembro de 2009 quis avaliar também a questão do artista que
se apresentou para a platéia de surdos. O que muito contribuiu para reflexão e
construção deste trabalho. Um dos relatos que me chamou a atenção foi da aluna de
Demian, ela escreve:

                       Para mim foi um grande privilégio, além de um desafio. Acho que falar com
                       o corpo, se fazer compreender sem emitir uma palavra certamente foi algo
                       novo que me gerou frio na barriga e ao mesmo tempo satisfação em
                       perceber que existe algo que é muito universal
49




                     Figura 6 - Apresentação na Escola de Dança da UFBA



     No dia 10 de dezembro de 2009, dia do palhaço, os meus alunos tiveram a
oportunidade de prestigiar-me em cena, juntamente com outros palhaços, a noite foi
composta por diversos números, sob a direção de Demian Reis, no Cabaré Total,
espaço de apresentações, que está se consolidando cada vez mais como momento
de encontro mensal de palhaços, da cidade de Salvador. Acontecendo geralmente
na ultima sexta de cada mês, no entanto em dezembro de 2009, o evento se deu
numa quinta-feira, por conta da festividade do dia do palhaço. Foram homenageados
o Nani Colombaioni, grande mestre de palhaçaria e o palhaço Pinduca, o mais velho
da Bahia, 94 anos e ainda em atividade.
50




Figura 7 – Cartaz do Cabaré Total de Dezembro de 2009.




 Figura 8- Cena do Cabaré Total de Dezembro de 2009.
51



5    CONSIDERAÇÕES FINAIS




     O caminho do palhaço é de “pureza”, pois ele só quer amar e ser amado, e ele
vive isto ao extremo, de modo incondicional. É um caminho de “silêncio” porque a
maioria das transformações que um palhaço pode nos proporcionar são internas, no
íntimo do ser. Coloca-nos em situações surpreendentes que nos faz refletir sobre a
nossa condição.

     Este processo que intitulo A Pureza do Silêncio: a fusão entre a arte do palhaço
e a Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro, não
almeja por um manual de como trabalhar teatro com surdos da EJA, mas aponta
uma das diversas possibilidades de atividades teatrais, que podem ser realizadas
por qualquer sujeito, eliminando as justificativas de marginalização das diferenças
em suas múltiplas manifestações. É também uma provocação para que se pense a
acessibilidade em suas várias instâncias sejam elas estruturais, políticas,
psicológicas e culturais, rompendo qualquer tipo de barreira que insista manter vivo
em nós o preconceito e a discriminação.

     Esta experiência me fez abrir os olhos, espero que outros olhares voltem suas
atenções aos surdos, estudantes da EJA e para as diferenças, e que situações
como estas deixem de ser vistas como “exóticas” e passem a serem realizadas
como ações político-pedagógicas, pois se for feito com cuidado e sinceridade, como
qualquer processo educativo, as retribuições serão incalculáveis. Fica na memória
os momentos de extrema felicidade e de descobertas que vivi neste período. Partilho
alguns deles aqui.

     Se eu tenho algum mérito nisto tudo, é o de conseguir orientá-los apenas, pois,
o que seria de mim, que não domino a LIBRAS, se eles não fossem extremamente
generosos e pacientes, e se já não houvesse neles uma pré-disposição corporal e
artística extremamente rica.

     Experiências como esta reforçam a importância da arte na escola como área
de conhecimento, reivindicando o seu papel formador, saindo da margem da
educação e deixando de ser as aulas alternativas que sempre se resumem a
oficinas trabalhadas de modo extracurricular.
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A arte do palhaço e a LIBRAS no ensino de teatro para surdos

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE TEATRO LICENCIATURA EM TEATRO MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES A PUREZA DO SILÊNCIO: A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE TEATRO Salvador 2010
  • 2. MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES A PUREZA DO SILÊNCIO: A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE TEATRO Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Licenciatura em Teatro na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciado em Teatro. Orientador: Ms. Demian Moreira Reis Salvador 2010
  • 3. Escola de Teatro - UFBA Fernandes, Marcos Antônio dos Santos. A pureza do silêncio: a fusão entre a arte do palhaço e a língua brasileira de sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro / Marcos Antônio dos Santos Fernandes. - 2010. 80 f. il. Orientador: Prof. Ms. Demian Moreira Reis Monografia (graduação) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Teatro, 2010. 1. Teatro - Educação. 2. Educação inclusiva. 3. Surdos - Educação. 4. Linguagem dos sinais. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro. II. Reis, Demian Moreira. III. Título. CDD 792.370
  • 4. MARCOS ANTÔNIO DOS SANTOS FERNANDES A PUREZA DO SILÊNCIO: A FUSÃO ENTRE A ARTE DO PALHAÇO E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ENQUANTO POÉTICA CORPORAL NO ENSINO DE TEATRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Teatro, Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Aprovado em 01 de Julho de 2010 Demian Moreira Reis – Orientador ________________________________________ Mestre em Artes Cênicas pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia Doutorando em Artes Cênicas do Programa de Pós Graduação em Artes Cênica – PPGAC – UFBA. Carla Meira Pires de Carvalho ______________________________________ Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporeidade- PPGEDUC – UNEB. Simone Santos Barbosa de Andrade_________________________________ Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporeidade- PPGEDUC – UNEB Professora do CAS Wilson Lins.
  • 5. Aos educandos, professores e funcionários que integram a família CAS Wilson Lins.
  • 6. AGR ADECIMENTOS Deus, pelos acasos que não por acaso. Meu Pai Atílio Fernandes, pelo exemplo de grande homem. Minha Mãe Terezinha Fernandes, educadora e artista. Valdíria Souza, pela inspiração, paciência, companhia e dedicação. Demian Moreira Reis (Tezo), pelos ensinamentos e trocas. Carla Meira de Carvalho, por reforçar meu interesse pela Educação de Jovens e Adultos – EJA. Simone Andrade pela influência no meu amadurecimento político pedagógico. Sei tenho muito caminhar. Cecília Accioly por ser uma “bússola” nesta trajetória. Cláudio Cajaíba, pelo modelo de organização. Cintia Barbosa de Oliveira. Elizângela Araujo, Izyane Cazumbá, Priscilla Leonnor, Thalita Araújo. Diego Outon. Alexandre Luis Casalli. José Mauro Ribeiro. Juliana Ferrari. Marcus Vila Góis. Sérgio Telles. Meus colegas de faculdade. Teatro Martim Gonçalves. Daniel Marques. Eliene Beníficio. Luis Alberto Gonçalves. Iana Rocha. Todos os meus amigos. Enfim, minha Imensa gratidão.
  • 7. Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais. Bob Marley Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. Charles Chaplin
  • 8. FERNANDES, Marcos Antônio dos Santos de. A pureza do silêncio: a fusão da arte do palhaço e da Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro. Nº de f. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010. RESUMO A pesquisa A pureza do silêncio: A fusão entre a arte do palhaço e a Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro, trata de um estudo de caso no qual levantou-se questões acerca da acessibilidade do ensino das artes, a partir de uma experiência prática com educandos de uma turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do CAS Wilson Lins, instituição especializada no atendimento e educação de surdos. Através de aulas de teatro tendo como método as técnicas da arte do palhaço, articulada à LIBRAS, lançou-se um olhar sobre os sujeitos surdos na tentativa de apontar em sua forma de comunicação, potencialidades corporais em comum com a técnica do palhaço. O objetivo deste estudo foi discutir e refletir sobre o desenvolvimento de aulas de teatro com e para surdos da EJA, que por meio do diálogo com as diferenças, tornou-se um espaço de informação e formação a respeito destes indivíduos, social e culturalmente marginalizados. Neste relato é possível observar considerações sobre a arte do palhaço, aspectos históricos sobre a Educação de Jovens e Adultos, educação dos surdos, além de uma análise descritiva da metodologia proposta. Palavras Chave: Palhaço, LIBRAS, Surdos, EJA, Teatro
  • 9. FERNANDES, Marcos Antonio dos Santos. The purity of silence: the fusion of art of the clown and the Brazilian sign language as poetic body of teaching theater. No. of f. 2010. Completion of course work (undergraduate) - School of Theater, Federal University of Bahia, Salvador, 2010. ABSTRACT The research The purity of silence: a interfusion between the art of the clown and the LIBRAS (Brazilian Language of Signs) as a corporal poetics of theatre teaching, deals with a study case, where issues aroused concerning the accessibility of art, departing from a practical experience with students of a class of Education of Youth and Adults (EJA) of CAS Wilson Lins, institution specialized in the care and education of the deaf. Through theatre classes having as a method the techniques of the art of clown, articulated with LIBRAS, a view was built upon deaf subjects in an attempt to point out in their form of communication corporal potentialities in common with the technique of the clown. The aim of this study was to discuss and reflect on the development of theatre classes with and for the deaf of EJA, which through dialogue with differences, became a space of information and training on these subjects, social and culturally marginalized. In this report you can see considerations on the art of the clown, the historical aspects the EJA, of the deaf education, and a descriptive analysis of the proposed methodology. Keywords: Clown, LIBRAS, Deaf, EJA, Theatre
  • 10. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Alfabeto datilologia....................................................................................33 Figura 2 – Exemplos de sinais com configuração de mão em “L”..............................34 Figura 3 – Brasão do CAS Wilson Lins......................................................................41 Figura 4 – Capa do Filme o Circo (1928)...................................................................45 Figura 5 – Mostra no Teatro Martim Gonçalves.........................................................48 Figura 6 – Apresentação na Escola de Dança da UFBA ..........................................49 Figura 7 – Cartaz do Cabaré Total de Dezembro de 2009 .......................................50 Figura 8 – Cena do Cabaré Total de Dezembro de 2009......................................... 50
  • 11. LISTA DE SIGLAS APADA Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos CAS Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez Wilson Lins EJA Educação de Jovens e Adultos FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES Instituição de Ensino Superior INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos LDB Leis de Diretrizes e Bases LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MEC Ministério da Educação MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização ONG Organização Não Governamental SEESP Secretaria de Educação Especial
  • 12. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................13 2 A PUREZA.......................................................................................................20 2.1 PESCADOR DE SORRISOS...........................................................................21 2.2 O PALHAÇO....................................................................................................22 2.3 TRANSGRESSÃO...........................................................................................25 3 O SILÊNCIO....................................................................................................27 3.1 AB’SURDOS...................................................................................................28 3.2 LIBRAS............................................................................................................31 3.3 OS SUJEITOS SILENCIADOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS..35 4 A ARTE DA LIBRAS PARA SURDOS ATRAVÉS DO PALHAÇO................40 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................51 REFERÊNCIAS.................................................................................................54 APÊNDICES......................................................................................................57 ANEXOS............................................................................................................77
  • 13.
  • 14. 13 1 INTRODUÇÃO A arte do palhaço é vista por muitos como arte menor, não recebendo o devido reconhecimento do seu papel social. Os surdos e sua cultura também são historicamente subjugados e oprimidos por uma visão universalista e homogênea, que tem como objetivo colocar todos em situação de equidade segregando os que não se enquadram nos padrões de “normalidade”. Ao longo da minha graduação, vivenciei uma série de experiências envolvendo separadamente a “arte da bobagem” e a LIBRAS, dentre outras experiências que me influenciaram e impulsionaram a investigação sobre estes temas, agora atrelados, refletindo acerca da acessibilidade dentro das artes, tendo em vista o aprofundamento e a compreensão das particularidades inerentes aos sujeitos surdos que apreciam e fazem arte e co-relacionando suas formas de expressão em busca de semelhanças com a figura do palhaço. No semestre 2006.1, modulo I, no sub-componente Introdução à Pesquisa, a professora nos motivou a escrever um artigo a partir de um texto de livre escolha. Serviu-me de inspiração para esta produção escrita, a letra da música Muitos Choram da Banda Rosa de Saron, para abordar o tema o riso e o choro, presente no refrão “... hoje muitos choram, choram sorrindo...”. Diante deste tema, o artigo se desenvolveu em diálogo com as seguintes referências: Ana Elvira Wuo (2005): Clown, o processo criativo, e os filmes de Charles Chaplin. Diante desta junção descobri e refleti sobre várias considerações do universo do palhaço. O que muito me chamou a atenção nos filmes do Chaplin, foi a riqueza de detalhes, um trabalho minucioso e bem construído de cenas cômicas a partir de ações cotidianas, engraçadas ou não, que com sua figura de vagabundo, provocava além de risos, comoção. Maria Clara Machado (2000, p.24) refere-se a Charles Chaplin e à sua genialidade da seguinte forma: “Carlitos é um grande ator porque tem uma maravilhosa imaginação. Ele observa a vida e depois imagina uma porção de situações engraçadas ou tristes para comover o público”.
  • 15. 14 Participei de uma oficina intitulada “exército de clowns”, ministrada por Diego Outon, no período de março a maio de 2007, nesta ocasião nasceu Farrapo (o Marcos palhaço) e na prática foram vivenciadas várias situações que me remeteram a figura do Chaplin no que se refere a provocar confusão de sentimentos e sobre estas características inerentes ao palhaço Ana Elvíra Wuo, diz: Antes de fazer rir essa figura trapalhona e desajeitada surge para provocar comoção, sugerir solidariedade. Deve ter cara engraçada, mas também desamparada, frágil. Aperta o coração da platéia para depois alargar o riso no rosto de todos (2005, p 4). O surpreendente foram as reflexões adquiridas a partir da ótica do palhaço, que funciona como uma lente de aumento e tem como proposta a descoberta de nossas capacidades e fragilidades, tudo fica mais exacerbado, sendo o resultado da integração dos defeitos, que culturalmente a sociedade nos ensina a esconder e as qualidades, que insistimos em exibir. É a figura trapalhona existente em cada um de nós, que geralmente mostra-se quando estamos distraídos e ou cometemos alguma falha. Com a técnica do palhaço, é possível está atento e dominar estes momentos que antes passavam despercebidos e usá-los a favor da arte. No modulo III, em 2007.1, as aulas de Metodologia do Ensino do Teatro com o professor José Mauro Ribeiro Barbosa permitiram-me compartilhar com meus colegas um pouco da minha experiência. Ministrei uma aula baseada nas técnicas de iniciação do palhaço, utilizando jogos e improvisação. Na ocasião recebi estímulos e sugestões que reforçaram o meu interesse sobre o assunto e me fizeram continuar a pesquisa. Neste mesmo semestre sob a orientação do professor Cláudio Cajaíba comecei a esboçar o que seria o projeto do presente Trabalho de Conclusão de Curso. No mês de agosto de 2009 tive mais uma experiência com o palhaço, quando fiz um curso de iniciação ministrada por Alexandre Luis Casalli. Na oportunidade pude vivenciar a pureza de ser bobo, pois naturalmente somos criados para sermos espertos, vencedores. O palhaço em sua formação aprende a ser tolo. Ele é aquele que se denuncia, não tem nenhum receio de mostrar suas mazelas. Neste processo compreendi que o palhaço é um grande perdedor, que deve despojar-se de pudores e até mesmo da própria dignidade e assim desfrutar da sua liberdade. Tudo isto
  • 16. 15 ficou ainda mais claro com o relato de Leo Bassi, palhaço conhecido internacionalmente no que faz, no livro de Márcio Libar ele diz: O palhaço é aquele que perdeu. Seu nariz é vermelho, porque com o tempo se embebedando de vinho nas ruas frias, o choro e as quedas, o nariz fica realmente vermelho. Suas roupas são desproporcionais e seus sapatos são grandes porque não lhe pertencem. O palhaço é aquele que perdeu a dignidade. Mas somente quem perde totalmente a dignidade pode atingir uma outra condição de dignidade, e isso acontece quando ele reconhece e aceita sua derrota, sem mágoas, sem culpar ninguém pelos seus fracassos, sem auto piedade. (LIBAR, 2008, p. 174) É um método de total aceitação de si, o homem em sua essência, desprotegido de razões. Nas idas ao circo, nas brincadeiras, lembro-me de quando ainda era criança me vestia com um macacão azul, pintava a cara com creme dental, e colocava uma “bolota” vermelha no nariz, e brincava com os meus amigos de circo no quintal. Na escola, em ocasiões de festividades era convidado para animar os eventos. Algum tempo se passou, e já era possível gerar alguma renda com toda aquela brincadeira. O grupo de teatro do qual fazia parte, na cidade de Guanambi (sudoeste baiano localizada a 800 km de Salvador), dirigido por Iana Rocha, começou a fazer animação de festas infantis, e aquilo me proporcionava um enorme prazer, mesmo quando tinha alguma criança que “só queria saber de bater no palhaço”, afinal, “toda profissão tem o seu risco”. O dinheiro não era muito, mas a diversão era garantida. Trabalhei cerca de dois com esta atividade até resolver vir à Salvador, para estudar e fazer a graduação em Teatro na UFBA ingressando na universidade no ano de 2005. O próximo ponto a ser apresentado, trata de como se deu minha inserção nos universo dos surdos e o quanto sua cultura me chamou atenção. Meus primeiros passos se deram na Escola Estadual Idalice Nunes, na cidade de Guanambí, nesta instituição havia uma turma de surdos bem ao lado da sala que freqüentava, recordo-me que brincava com eles durante o intervalo no pátio da escola, porém naquela época, ainda criança, as questões inerentes aos surdos não me chamaram tanto a atenção, mas creio que estes fatos influenciaram e serviram de subsídios para gerar em mim interesses dos quais trato e compartilho aqui.
  • 17. 16 Os anos passaram e no inicio do ano de 2007, período de férias letivas, na cidade de Guanambí, fui informado por Elizângela Araújo, uma amiga que trabalha na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA) desta cidade, que haveria um curso intensivo de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e de forma descomprometida, mas também com vontade de apreender, participei das aulas. A turma fora composta por não-surdos e surdos e quando aparecia alguma dúvida a respeito de algum sinal, os surdos eram consultados e estes estavam sempre dispostos a prestar o devido auxílio. A melhor forma de aprender LIBRAS é está inserido e convivendo em uma comunidade surda. Inclusive isto faz parte da metodologia de aquisição da LIBRAS, inclusive para crianças surdas, o contato com um surdo adulto é imprescindível, pois este irá ensinar-lhe sobre os sinais, e a cultura surda. O diálogo entre surdos é algo instigante e curioso de vê, corpos em dialogo, mãos e braços, boca e olhos, tudo interligado, um domínio dos gestos que enche os olhos, tornando-se um belo demonstrativo de coordenação motora. Para comunicar- se em LIBRAS é preciso haver acima de tudo uma entrega, corpo em alerta, olhar atento, estar disponível ao outro e correspondê-lo. Observando os professores integrantes do curso e os surdos na execução dos sinais, me atentei para carga expressiva e dramática presente naquela forma de comunicação e refleti que na ausência da oralidade, literalmente, o corpo fala. Essa situação remeteu-me às questões referentes ao palhaço, que muitas vezes sem dizer uma só palavra, a exemplo do cinema mudo, dos filmes do Charles Chaplin, que se utilizando apenas de gestos, é capaz de levar platéias a sorrir e chorar. Outro exemplo que associei a esta experiência foi o espetáculo “O Sapato do Meu Tio” que é a história de dois palhaços: o tio e o sobrinho, mestre e aprendiz. Os dois personagens se comunicavam basicamente por gestos, explorando o corpo e o olhar, e quando se expressavam oralmente emitiam sons que não se agrupavam em palavras, mas que ganhavam algum significado combinados às inflexões intencionais e movimentos corporais no teatro esta prática é conhecida como gromelô, onde o sentido da audição não é determinante para a compreensão do espetáculo. Refleti ainda sobre quanto poderia ser enriquecedor o trabalho do ator que tivesse domínio da língua de sinais, sendo mais um forma de estudar e praticar a
  • 18. 17 expressão corporal. Dessa maneira, ocorreu-me lançar um olhar sobre o mundo surdo, sua língua e cultura e enxergar neles aspectos e similaridades com a arte do palhaço. Partindo do pressuposto de que as técnicas de treinamento do palhaço são capazes de interferir na educação e formação de indivíduos surdos, dediquei o estágio curricular do semestre de 2009.2 para esta proposta, buscando encontrar respostas para alguns questionamentos: O trabalho do palhaço associado à língua de sinais, vivenciados por indivíduos surdos da Educação de Jovens e Adultos serviria de ferramenta para potencializar as suas formas de comunicação, abrindo mais uma janela em sua formação e educação? Quais sãos as adaptações que um método de ensino de teatro, com base nesta técnica deve ocorrer para atender aos surdos da EJA? Quais as especificidades de um processo como este, levando-se em conta as minhas limitações, por não dominar a LIBRAS? Através deste processo de investigação e pesquisa procurei exercitar-me como Palhaço-educador. Foram pesquisadas e discutidas as potencialidades do treinamento do palhaço como alavancas do processo educativo, e para isso foram ministradas aulas de Teatro com foco na linguagem do palhaço para uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez Wilson Lins (CAS/Ba). Registros escritos, fotográficos e audiovisuais foram feitos durante o processo, observando o comportamento e o desempenho dos educandos participantes, das aulas. Partindo de experiências pessoais com a técnica do palhaço, e com o a LIBRAS, ousei mediar um método de iniciação de palhaço com um grupo de educandos da EJA do CAS Wilson Lins, e neste processo, foram observados e discutidos os reflexos sobre a importância daquele aprendizado em suas vidas e como isto poderia interferir no contexto social no qual eles estão inseridos. Visto que o trabalho e a técnica adotada, dialoga com as diversidades e especificidades, não exigindo nenhuma forma de padronização, mas sim propondo com o que cada sujeito tem para oferecer, permitindo total acesso de todos sem nenhuma descriminação, e nem empecilhos anatômico, comunicativos e ou étnicos. A busca pelo “corpo perfeito” está engendrada no discurso massificante explorado pela mídia, tornando-se uma das principais condições para ser aceito
  • 19. 18 como sujeito “normal” e inserido na sociedade. A pessoa julgada e rotulada como “deficiente”, conseqüentemente, acaba sendo marginalizada por seus supostos traços de imperfeição. O surdo, por exemplo, é visto como um corpo deformado. Este comportamento da sociedade, que começa inclusive pela própria família, acaba gerando nestes indivíduos problemas educacionais e de socialização, o que muito interfere na qualidade de vida e no desenvolvimento pessoal, como denuncia de forma similar Jorgina Cássia de Tannus Souza (2005, p. 95): Percebo a cultura hegemônica dos não surdos impondo-se de forma esmagadora sobre a comunidade Surda. Novas formas de institucionalizar as interações entre ouvintes e Surdos foram construídas tendo em vista o interesse da maioria, que não procurou incluir e equilibrar os da população inteira. Com os avanços científicos e tecnológicos deu-se inicio á “caça ao corpo surdo” em busca de regenerar o corpo “deformado”. O palhaço vai justamente na contramão destes padrões impostos pela sociedade, visa libertar o sujeito praticante das amarras do igualitarismo e de forma subversiva levanta questionamentos acerca dos conceitos e convenções difundidos sobre a verdade, o certo ou errado. Esta foi uma das justificativas que reforçou a realização desta pesquisa. Este trabalho é composto por três partes: Na primeira parte, A Pureza, faço uma abordagem sobre a importância dessa pureza e função social que envolve a arte do palhaço, métodos de comunicação e linguagem, o seu corpo “grotesco e falante”, em busca da liberdade das imposições sociais, imerso em suas diversidades expressivas, e para discorrer sobre estas questões tomo como suporte os conceitos dos seguintes autores: Demian Reis (2009), Ana Elvíra Wuo (2005), Mario Fernando Bolognesi (2003) e Marcio Libar (2008) constituindo uma rede de relações que possibilitam múltiplos olhares sobre o tema. Na segunda, O Silêncio, reflito sobre os sujeitos silenciados da Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde raramente é inserido o ensino das artes. Também levanto alguns aspectos históricos sobre a educação de surdos, sua inserção na sociedade enquanto comunidade específica, constituindo uma língua própria - a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, construindo pontes com Carla Meira Pires de Carvalho (2009), Lúcia Helena Alfredi de Matos (1998), Gladis Perlin e Karin Strobel
  • 20. 19 (2006), Simone Santos Barbosa de Andrade (2009), bem como, referenciais teóricos do MEC sobre o assunto. E a terceira parte, A arte da LIBRAS para surdos através do palhaço, que consiste em uma análise descritiva da experiência pedagógica realizada com os educandos do EJA do CAS Wilson Lins. Levanto questões acerca da acessibilidade no ensino de teatro fazendo uso da linguagem do palhaço. Atentando à exploração da sensibilidade, para pessoas privadas do sentido da audição, possibilitando uma maior observação sobre os demais sentidos como a visão, tato etc., suscitando a devida atenção para eles. No intuito de melhor aproveitar duas ferramentas fundamentais ao oficio do palhaço, a investigação das possibilidades corporais e o olhar “gigantescamente panorâmico”, observador e sensível para e com o mundo. Completando, faço algumas considerações sobre a pesquisa, reforçando minha postura de palhaço-educador, fazendo um convite a educadores e pesquisadores de teatro, para que estes assumam o seu papel ideológico e político dentro da educação. Trago perspectiva de investigações futuras, traçando possíveis resultados.
  • 21. 20 2 A PUREZA Pra que serve um palhaço? O palhaço é uma dilatação que temos de mais puro, belo e ridículo em nossa essência humana. A magia de encantamento do verdadeiro palhaço não está somente nas suas brincadeiras, nem na sua cara pintada e roupas coloridas, mas principalmente no ser humano que ele revela por traz de tudo isso. Essa antiga arte transforma quem faz e quem assiste, é uma celebração da vida, um resgate de nossa criança, do poder da brincadeira, renovando o olhar, criando novas possibilidades de ser e estar nesse mundo. O palhaço tem o dom de romper com a mecanização imposta pela rotina do cotidiano e aliviar tensões do dia-dia, devolvendo às pessoas humor e o prazer de estar e se relacionar com o outro no ambiente que as cerca. Quando o palhaço abre seu coração e expõe a verdade de seu ser para todos, transcendendo sua existência individual, cria uma atmosfera de união, e de irmandade nos que o assistem. Reforçando assim a auto-estima, estimulando a criatividade e desenvolvendo um pensamento positivo que parte da aceitação da verdade de cada um. Palhaços para Sempre – Material de divulgação
  • 22. 21 2.1 PESCADOR DE SORRISOS Todos somos potencialmente palhaços, com a descoberta e aprimoramento de estados cômicos inerentes a nossa personalidade, seremos capazes de lidar com os níveis mais intrínsecos de ser humano. Esta figura boba pode carregar em suas brincadeiras uma atmosfera de pureza, quase que pueril, sem malícia nenhuma, atributo pouco visto em nosso cotidiano, onde características físicas se tornaram um dos principais fatores de avaliação dos seres humanos definindo de modo opressor o seu caráter e sentimentos. O palhaço busca continuamente olhar de modo a exercer um efeito transformador para o mundo que o cerca, pois ele só quer amar e ser aceito como ele é. O palhaço é um pescador, e se alimenta do riso, fruto do seu próprio ofício. É um pescador de sorrisos. Este trabalho lhe exige grande habilidade em mergulho nas mais remotas profundezas de seu ser. Demian Moreira Reis1 discorrendo sobre a busca pelo palhaço diz: Não há uma técnica do corpo pré-estabelecido para orientar a direção do caráter da personagem palhaço. A investigação do palhaço, e conseqüentemente, da palhaçaria2, a meu ver, é um convite para mergulhar nos infinitos sentimentos do ser humano. Por mais trágicas que sejam a situação e a condição humana, a força do palhaço reside na certeza de que há também um enorme reservatório de alegria em nós esperando para ser solicitado, e podemos nos conectar a ela, escutá-la e nos deixarmos guiar pelas cavernas mais escuras. (REIS, 2009). O ofício do palhaço é uma exploração constante de seus aspectos físicos e psicológicos, onde cada dia possibilita um aprendizado. Não é possível afirmar quando um palhaço está pronto, pois ele está sempre em formação. Geralmente os palhaços de circo começam seus aprendizados desde criança, onde comumente os pais passam os ensinamentos para os filhos. Mas também 1 Palestra proferida no Colóquio de Teatralidade Circense: dramaturgia e ações. Teatro Martin Gonçalves 2009. 2 Palhaçaria termo definido por Demian Reis como a experiência de um atuante (palhaço) engajando a platéia (espectador) num estado lúdico, com consciência (técnica), usando principalmente o dispositivo de expor (exposição) a si mesmo, como objeto do riso. (REIS, 2009).
  • 23. 22 existem pessoas que se propõe palhaço, e passam por um curso iniciação de palhaço, este procedimento é ministrado por outro palhaço mais experiente, que no período da iniciação é chamado monsuer, estabelecendo assim uma relação de “mestre e aprendiz, em um processo de descobertas e despojamento próprio, explorando as qualidades, e de modo especial os defeitos, que culturalmente aprendemos que devem ficar escondidos, incita-se ao máximo a serem mostrados, no intuito de desenvolver uma relação tranqüila do sujeito com suas “falhas”, e desta maneira se libertar de suas defesas que naturalmente são construídas no decorrer da vida. O palhaço vem justamente derrubar estas barreiras, pois ele é exatamente a exposição total do que há de mais belo e ridículo em um ser humano. “Ele é a encarnação do trágico na vida cotidiana; É o homem assumindo sua humanidade e sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico.” (SHKLOVSKI, 1975, p. 32 apud BURNIER, 2001, p. 207). Feito isto, nasce um palhaço, que só com a busca do aprimoramento de suas técnicas, poderá alçar vôos e viver a liberdade de ser, e somente ser, nada mais que isso. O palhaço é. 2.2 O PALHAÇO Ana Elvira Wuo, pesquisadora da arte do palhaço, compara a iniciação de um palhaço à subida de uma montanha: A cada dia, as pessoas sobem um pouco. No final da subida, existe um castelo, dentro dele existe uma sala onde há uma arca, dentro dela existe um guardião, sob a sua guarda uma concha. Deve-se pedir permissão para pegá-la. Ao abrir a concha, encontra-se uma pérola vermelha e dentro dessa pérola mora o coração do aprendiz, que a pega e a coloca perto de si. Ninando, acalentando, aquele que se inicia, protege-a, passa-a pelo seu corpo, olha para ela e vê seu rosto, reconhece-se pequenino e muito frágil, do tamanho de um botão. Esse instante é muito particular e absolutamente único para cada participante. (WUO, 2005, p.145)
  • 24. 23 Por justamente ser este instante bem particular e único, o monseur com sua metodologia faz propostas ao aprendiz, oferecendo várias alternativas de onde e como traçar o seu percurso que é feito de forma solitária, fazendo suas escolhas, deparando-se com suas limitações, medos, subindo a montanha ao seu modo. Aproprio-me da metáfora e associo o processo de iniciação de um palhaço ao ato de mergulhar em águas profundas, em busca de ostras e suas pérolas. As ostras são como as bocas dos espectadores, e a cada boca que se escancara em um sorriso encontramos uma pérola. O palhaço e diretor João Lima em entrevista cedida a TV UFBA (Março 2010) diz: “O Palhaço não faz espetáculo para platéia, e sim com ela”. Por exemplo, quando o palhaço não consegue levar o espectador a área de atuação, ele possivelmente sentará em seu colo. Porque para ele é preciso estabelecer vínculos, quando não com alguém, com algo, ou os dois. Esta relação com a platéia é fundamental para qualquer arte da cena, mas para o palhaço é bem mais interessante que os laços entre artista e público se estreitem o máximo possível. Seu trabalho é voltado para o seu público, uma troca de amor – Ele quer se sentir amado – expor-se completamente e com seus encantos conquistar a platéia, conforme ilustra a seguinte citação: Para o palhaço não basta o aplauso complacente da platéia, ele sabe que ela está sendo generosa. [...] Ele não se contenta com o aplauso condescendente; o que ele deseja é triunfar, cair nos braços do público. Só assim ele conseguirá dormir em paz. Afinal, essa é a nobreza de sua arte. O que ele deseja é a catarse da alegria, o reconhecimento verdadeiro da platéia, como se estivesse agradecendo profundamente a capacidade daquele artista de transportá-lo a um outro tempo (LIBAR, 2008, p. 188). A nobre arte do palhaço, também conhecida como clown, é uma técnica com forte trabalho expressivo, pois todo o corpo do palhaço fala e olha. O processo “paspalhônico”,3 ultrapassa a simples representação, consiste na exploração e exposição cômica das qualidades e defeitos dos indivíduos que o vivenciam. Torna- se um modo de expressão pessoal. Concordo com Luis Otávio Burnier quando diz: “O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um [...] O clown não representa, ele é. [...] Descobrir o próprio clown significa confrontar-se com o próprio ridículo, tendo por base a ingenuidade.” (2001, p. 209 -210). 3 Neologismo referente ao termo “paspalho” que sugere pessoa boba. (em conversação durante um curso de Iniciação de Palhaço com o professor, ator e palhaço, Alexandre Luis Casali)
  • 25. 24 No livro A Nobre Arte do Palhaço (2008) encontram-se ensinamentos de Nani Colombaioni, grande mestre de palhaçaria: O papel do palhaço é fazer rir? E qual seria outro objetivo?[...] O público tem que acreditar que tudo aquilo que ele vê está acontecendo pela primeira vez. Essa é a técnica. Fazer sempre como se fosse a primeira vez. [...] O gesto é igual ao da vida, mas a lógica é sempre ao contrário da vida. (LIBAR, 2008 p. 133-135) Fazendo uma relação das palavras de Nani Colombaioni, e tomando como referência o documentário Os palhaços, do cineasta italiano Frederico Fellini, percebo que o filme aparenta acontecer de forma desorganizada, como se tudo estivesse ocorrendo agora, ao vivo e de forma improvisada. Mas é claro que não é por acaso, é bem provável que o Fellini estava brincando com a lógica contrária da vida assim como faz o palhaço. O palhaço põe em desordem certa ordem, erra e acerta onde não se espera, deve saber realizar seus fracassos com talento, trabalho e técnica. Para aprender a ser palhaço é preciso sair de lógicas pré-estabelecidas pela sociedade e abrir espaço para outras lógicas não habituais. A subida da montanha geralmente é um caminho “duro”, porém precioso, funciona como um processo de lapidação, que nos faz desvencilhar de partes de nosso caráter que julgávamos ser fundamentais para sobreviver em um mundo cheio de regras, e que para ser aceito é preciso segui-las e estar dentro dos arquétipos de “normalidade” que a sociedade convenciona. Ainda sobre esse caminho: Isto está na base da filosofia do palhaço: é a nossa dor que nos faz fracos, vulneráveis e indefesos, estúpidos. Ao mesmo tempo também é essa mesma dor que nos faz únicos, impares e belos. Dignos de compreensão, compaixão e amor (LIBAR, 2008, p.196) Ultimamente vivemos num período onde a nobre arte do palhaço está sendo deturpada por indivíduos que não tem a menor consciência e respeito com o ofício, e erroneamente pensa-se que basta colocar um nariz, pintar a cara e vestir-se com roupas coloridas, não entendem que não é só aparência, não têm noção da profundidade e da pesquisa exigida pela técnica, tais como as trazidas na citação: Dois universos contraditórios que atuam na formação do palhaço: a personagem-tipo, elaborada a partir da tradição cômica, e a individualidade
  • 26. 25 de cada palhaço, que leva a um certo subjetivismo (próprio do ator a interagir com a platéia). Esse encontro faz do palhaço uma figura, ao mesmo tempo, universal e singular. (BOLOGNESI, 2003, p.15). Ser palhaço, ao contrário que muitos pensam, não é fácil. Exige pesquisa, trabalho, e bastante atenção as suas sutilezas, pois é nas minúcias que este ser torna-se grande, e prende a atenção de uma multidão com gestos mínimos. É preciso que os palhaços estejam ocupando os mais diversos lugares, no teatro, nas ruas e praças, hospitais, asilos, presídios, manicômios como mambembes, e como estrelas pelo universo, preenchendo com graça por onde passam. 2.3 TRANSGRESSÃO Para obter um melhor resultado, em suas iniciações, Alexandre Luis Casali propõe em seu método que cada um dos “aspirantes a palhaço” passe primeiro por uma experiência de bufonaria, que consiste em explorar o máximo de nossas mazelas (deformações físicas e interiores). Os bufões são seres que encaram estas questões de burlar regras de maneira radical, para eles pouco importa se irão agradar, e se serão aceitos, pois eles já são por natureza e ou escolha marginalizados. “O bufão, ancestral do clown”, como diz Luis Otávio Burnier: O clown é um herdeiro do bufão. Ele também é um marginal, pois de certa forma possui uma visão de mundo diferenciada. Sua lógica e maneira de pensar e agir são muito particulares. Ele é um bufão sofisticado. Todas as características e comportamentos do bufão aparecem no clown, mas de maneira sutil. O bufão é como se fosse uma pedra preciosa em estado bruto. O clown é uma pedra lapidada. O clown também tem suas deformações físicas, mas sutis: o nariz, a maquiagem, o figurino. É importante notar que esses três elementos não têm função estética, mas lembram a herança grotesca do bufão. (BURNIER, 2001, p. 216). O bufão como suas deformações corporais, possui um olhar super ampliado e distorcido da realidade sendo mais acentuada em relação ao palhaço a sua marginalidade, criatura burlesca que se distingue por sua sujidade geralmente
  • 27. 26 associadas às anomalias físicas relacionadas a fatores abominados pela sociedade como devassidão e moléstias. Na era medieval percebia-se a ascensão deste ser que distinto dos palhaços, não exerciam sua função apenas em festividades ou eventos da realeza, mas o fazia em todo e qualquer momento de sua existência não se formatando em nenhuma espécie de concepção humana, sendo apenas bufão. E já sendo naturalmente marginalizado e descomprometido com valores instituídos pela ordem social, ele podia divertir-se e zombar de tudo e de todos. Livrar-se dos padrões impostos pela sociedade através da palhaçaria não é fácil, e em meio ao processo vamos nos dando conta do quanto o “sistema” é extremamente rígido, o quanto fazemos parte disto, e quanto mais estivermos imersos por estas convenções sociais mais difícil será quebrar estes vínculos. Assim com seu olhar distinto e visto como um ser “anormal”, o palhaço, que não se enquadra nos moldes da sociedade pode ridicularizar com as “verdades” instituídas indicando omissão de comprometimento. É desprovido de vergonha, é grotesco, puro, louco, ingênuo, cruel, extrapola as emoções e instintos, e isso lhe permite ser tudo e nada sem receios e sem repressão. Alcançando assim um estado de transgressão humana. No próximo capítulo discute-se sobre a educação de surdos e a Educação de Jovens e Adultos, evidenciando fatos históricos que contribuem para a marginalização e “silenciamento” dos sujeitos da pesquisa.
  • 28. 27 3 O SILÊNCIO antes de existir computador existia tevê antes de existir tevê existia luz elétrica antes de existir luz elétrica existia bicicleta antes de existir bicicleta existia enciclopédia antes de existir enciclopédia existia alfabeto antes de existir alfabeto existia a voz antes de existir a voz existia o silêncio o silêncio foi a primeira coisa que existiu um silêncio que ninguém ouviu astro pelo céu em movimento e o som do gelo derretendo o barulho do cabelo em crescimento e a música do vento e a matéria em decomposição a barriga digerindo o pão explosão de semente sob o chão diamante nascendo do carvão homem pedra planta bicho flor luz elétrica tevê computador batedeira, liquidificador vamos ouvir esse silêncio meu amor amplificado no amplificador do estetoscópio do doutor no lado esquerdo do peito, esse tambor O Silêncio Composição: Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes
  • 29. 28 3.1 AB’SURDOS A história da humanidade constantemente assinala características de normalização e uniformização. É muito comum nos livros de história encontrar somente fatos que falam dos “normais”, pois vêem no diferente barreiras, sendo mais fácil o abandono e a exclusão dos indivíduos que fogem aos preceitos homogêneos, sendo este sempre vítima de preconceitos. Grande parte dos pesquisadores e historiadores, por serem “não-surdos”, restringe seu trabalho à narração de episódios carregados de arquétipos de opressão e exclusão nos quais os diferentes são vistos como algo desimportante, que deve ser suprimido ou ignorado. Existem vários fatos curiosos como “educadores” proibindo os surdos de usarem as mãos para sinalizarem, reprimindo qualquer tipo de comunicação se não a oral, chegando ao ponto de terem suas mãos amarradas, método usado para obrigarem oralizar. Gladis Perlin e Karin Strobel que em seu artigo “Fundamentos da educação de surdos, relata: Para ter um modelo cultural realmente venturoso, os povos surdos aspiram pela valorização de língua de sinais como a primeira língua e tendo suas opiniões respeitadas, pois os sujeitos ouvintes continuam sempre decidindo por sujeitos surdos, disputando em relação de poder acima dos lideres surdos em diversas áreas, onde eles são importantes participar e acima de tudo querem a ‘dignidade’ de Ser Surdo! (PERLIN e STROBEL, 2006 p. 27). Um bom exemplo encontra-se no filme “Meu nome é Jonas”, de 1979 demonstra atos preconceituosos que infelizmente ainda são cometidos por pessoas desinformadas. O filme começa com Jonas acordando em uma instituição para deficientes mentais que por um equivoco médico, estava ali há três anos. Seus pais percebendo o absurdo foram retirá-lo. Ao chegarem à casa a família estava reunida para recebê-lo, tentavam se comunicar com ele, mas o pai chama a atenção: “Ele é surdo”. Nesta mesma festa Jonas começa a imitar os seus parentes que dançavam ao som de uma música, eufóricos, todos gritam de felicidade, pois pensam que finalmente ele podia ouvir, o som pára e mesmo assim Jonas continua a dançar.
  • 30. 29 Diante do preconceito dos familiares e vizinhos o pai de Jonas prefere largar a família. A mãe de Jonas procura uma escola para surdos, porém esta não permitia que os surdos fizessem uso de sinais, recomendando aos familiares não incentivarem tal prática, com o argumento de evitar o comodismo, de usar sinais ao invés de aprender falar. Jonas tem um irmão mais novo, este tem um boneco e revistas em quadrinhos do Homem-Aranha, que ao ser visto por Jonas nas revistinhas, torna-se algo assustador, porque sobre a máscara não se pode ver a boca, para ele o Homem- Aranha não tem boca, é como ele, não fala. Isso para ele é uma condenação. Jonas pega o boneco do irmão e joga-o no forno, momentos depois, a mãe encontra o boneco em chamas. A mãe chora desesperada e indaga-se “Não sou culpada”. Em outra cena, Jonas ao ver uma carrocinha de cachorro quente, tenta demonstrar o seu interesse, comunicando-se através de sinais, sua mãe não o compreende, aborrecido, ele a agride. Recontando a história, desvendando fatos perdidos é possível tratar sobre discussões a cerca de diferentes modelos adotados como forma de aprendizagem. Os aspectos históricos que enveredam a educação de surdos são compostos por vários fatos determinantes, assinalado por momentos de transformações e conflito, além do aparecimento de ocasiões oportunas, tendo como principal objetivo estruturar um modelo educacional pautado na língua de sinais. Anterior ao inicio dos debates sobre a educação, por conta da sua “anormalidade”, os surdos eram enxergados como doentes, eximidos de quaisquer competências educacionais, viviam em situação de abandono sendo totalmente rejeitados pela sociedade de forma intransigente, até resguardados em asilos. Passado o tempo os surdos têm seus direitos reconhecidos, fazendo parte da sociedade, porém ainda sob um olhar assistencialista, não havendo instituições de ensino adequadas, tirando-lhes o direito a educação. As primeiras iniciativas de acesso a educação surgem nas famílias, que procuravam desenvolver estratégias para alfabetização e oralização dos surdos, para que estes pudessem pronunciar-se a seu favor, entretanto, estes acontecimentos permaneciam reservados a famílias ricas.
  • 31. 30 A repetição e a memorização eram partes necessárias do processo de ensino: a mente deveria ser impregnada por idéias. Quando o objeto não era acessível, o desenho poderia representá-lo na associação entre o objeto [desenhado], o sinal [gestual ou escrito] e a idéia. Quando desenhos não revelassem com clareza a idéia que a palavra representava, dramatização era utilizada (SOUZA,1996, p. 174 apud. ANDRADE, 2009, p. 44). O contexto nacional aponta os primeiros passos atrelados a educação de surdos, quando D. Pedro I trás o professor francês Hernest Huest, criando no Rio de Janeiro a sede Fundação Nacional dos Surdos-mudos, que passou a ser chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), o qual funciona até os dias de hoje (MACHADO, 2008). Vários absurdos foram e são cometidos contra os surdos, por não conseguirem se comunicar eram e são chamados de “surdo-mudo”, sendo recusada a existência da língua de sinais, desconsiderando suas capacidades comunicativas, também por isso, eram e são tidos como agressivos. Deve ser realmente difícil tentar se comunicar e não ser compreendido. Ao contrário disto, ouvi relatos de algumas professoras que trabalham com surdos, que no início de suas carreiras perdiam a paciência com os alunos, por não conseguirem se comunicar, por não serem entendidas. “Geralmente somos pouco pacientes com eles, porém eles são bem tolerantes conosco”. É preciso estar atento para as diferenças, e não julgar quem é melhor ou pior, podemos refletir sobre isso da seguinte forma: Qual a grande e principal diferença entre um surdo e um ouvinte? Se tomarmos como referência a supremacia dos não-surdos, teremos como respostas: O não-surdo ouve e o surdo não. Porém, existe outro ponto de vista sobre esta questão, a do surdo, que entende-se como diferente do não-surdo em sua forma de comunicação viso-espacial, a língua de sinais, por isso também este grupo constitui uma comunidade, um povo, com sua língua e cultura. Se não há limite entre a grandeza e a pequenez, e nenhum ser humano é exatamente igual ao outro, podemos concluir que ser surdo não é melhor nem pior que ser ouvinte, mas diferente. É por não se tratar necessariamente de uma perda, mas de uma diferença, que muitos surdos, especialmente os congênitos, não têm a sensação de perda auditiva. (MEC, SEESP, 2007, p.37).
  • 32. 31 Ser igual antes de tudo é aceitar e respeitar as diferenças, rompendo parâmetros de categorização entre surdos e não-surdos, vendo em ambos restrições, por exemplo, para o surdo é inviável a comunicação na ausência de luz, enquanto que para o não-surdo torna-se impossível a comunicação debaixo d’água, e em locais barulhentos sem gritar, nestes casos, não há nenhum impedimento de comunicação para o surdo. 3.2 LIBRAS A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS - é vista por muitos como simples mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos, porém ela se constitui de estruturas gramaticais próprias, pois nela encontram-se os diversos coeficientes lingüísticos: fonológico, morfológico, sintático e semântico. Distingui-se da Língua Portuguesa (oral-auditiva) por se enquadrar nos moldes de língua viso-espacial, destarte, a LIBRAS não se resume ao português sinalizado, trata-se de outra língua, assim como o inglês, o espanhol, etc. Grande conquista da comunidade surda, fruto de constantes embates para o reconhecimento nacional como língua oficial da pessoa surda brasileira, constituindo assim um país bilíngüe, com a publicação da lei conhecida como a lei de LIBRAS: LEI N.º 10.436 de 24 de abril de 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de
  • 33. 32 comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República. (BRASIL, 2002) Este acontecimento mudou radicalmente o contexto político, social e educacional do Brasil, sendo agora constitucionalmente um país bilíngüe, abrindo precedente para o reconhecimento da Tupi e da Iorubá, revelando nosso país múltiplo e diverso. É de fundamental importância a difusão, promoção do contato de toda a nação com a LIBRAS, sendo necessário o seu ensino, formação de professores e intérpretes, disponibilizando intérpretes nos locais públicos permitindo a acessibilidade à saúde, educação, trabalho, esporte e lazer, e por fim á mídia em geral. Espera-se com expectativa ações dos poderes públicos dos estados e municípios em articulação com instituições e associações de surdos favorecendo a presença e a assimilação em todo território nacional.
  • 34. 33 Figura 1 – Alfabeto datilologia. Fonte: FENEIS.
  • 35. 34 A LIBRAS têm como característica primordial, o uso da modalidade visuo- espacial, diferindo da oral-auditiva. Outro aspecto que torna a língua de sinais singular é o fato de muitos sinais surgirem a partir de estímulos icônicos, ou seja, está diretamente ligado a representação de seus significados. Mas como em todas as comunidades, existem convenções, e toda regra tem exceção, portanto, existem sinais que não se enquadram neste princípio. Enquanto as línguas orais utilizam de entonação e modulação vocal para distinguir os tipos frasais – exclamativo, interrogativo, exclamativo, imperativo, na LIBRAS, estes estão presentes nas expressões fisionômicas e em movimentos de pescoço . Os sinais se constituem da seguinte forma (CAS, 2010): -Configuração de mão (CM)- São formas utilizadas pelas mãos, que pode ser geralmente do alfabeto manual ou podem ser outras. -Ponto de articulação (PA)- Localização espacial de execução do sinal; -Movimento (M) -Os sinais podem ter movimento ou não; -Orientação (Or) -Direção para onde o sinal se descola no espaço; -Expressões não-manuais (ENM) -Expressões faciais/corporais são fundamentais para o entendimento do sinal, sendo responsáveis pela entonação e intenções Exemplos: TRABALHAR TELEVISÃO QUADRO Figura 2: Exemplos de sinais com configuração de mão em “L” Fonte: CAS
  • 36. 35 3.3 OS SUJEITOS SILENCIADOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS No processo de interação social nota-se uma falta de consideração e respeito das heterogeneidades. As relações humanas se tornam cada vez mais difíceis, pois vivemos em uma sociedade divida por grupos de afinidades, que fechando-se em suas tribos, em fronteiras culturais, repugnam e evitam o intercâmbio igualitário multicultural, silenciando os sujeitos considerados “anormais”. As ideologias que enquadram as pessoas a códigos globais enraizados em fatos históricos ou de razões religiosas são formas de satisfazer um sistema monolítico de segregação que não considera a pluralidade das pessoas. A educação, com todos seus princípios, deveria abster-se destes preceitos, contudo através de seus currículos genéricos negam as diversidades regionais, políticas e religiosas. Como forma de dissolver estes fatos existem propostas de reformulação baseada em conceitos multirreferenciais: A abordagem multiculturalista pretende assim, recontextualizar o papel político da escola discutindo a adoção de novos currículos multirreferenciais que venham incorporar discursos historicamente silenciados e a desprezar potencialmente os silenciadores. Em outras palavras a pedagogia multicultural acredita na valorização da voz do sujeito/professor e na do sujeito/estudante, assim como no desenvolvimento da sensibilidade da escuta às mútiplas vozes, desconstruindo a polarização dos saberes e assumindo, através da prática dialógica, uma perspectiva de construção do conhecimento de forma dialética (MOTA, 2004, p. 20 apud ANDRADE, 2009, p. 75). Ainda há muito à se fazer para que a despolarização de saberes se concretize. Pode-se perceber que alguns educadores assumem posturas diferenciadas buscando tirar os educandos de sua condição de sujeitos passivos, dando-lhes voz, permitindo a participação efetiva em sua formação, criando uma relação dialógica com as multiplicidades identitárias. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um segmento do ensino básico designada para a formação de pessoas com experiências de vida e trabalho diferenciados, caracterizado como educação pública. É uma modalidade que defende o direito do educando a uma formação dentro das necessidades e
  • 37. 36 especificidades de seu tempo humano, assegura o acesso, a permanência e a continuidade no espaço escolar ao longo da vida, como esclarece a LDB nº 9394/96: Da Educação de Jovens e Adultos Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria § 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,mediante cursos e exames. § 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. (BRASIL, 1996). Ainda que seja assegurada e regulamentada por lei, a EJA, em seu percurso ao longo da história, demonstra-se como um ambiente de formação que sempre foi negligenciado pelas gestões públicas, não sendo tratado com sua devida primazia nas políticas educacionais, revelando desajustes nos programas e planos de ensino, o que interfere substancialmente nas condições de aprendizado, colaborando assim para a conservação das desigualdades sociais e repressão de classes. Essa modalidade educativa é bem peculiar, na sua importância social, ética e política. Considerando as individualidades do educando, suas vivências e conhecimentos, o educador deve apropriar-se destes saberes e sempre que possível fazer uso dos mesmos em suas aulas, propondo o diálogo e troca de experiências. No contexto educacional apesar de constar no currículo, não vemos com freqüência trabalhos voltados para estimular as expressões artísticas deste grupo, como mostra professora de teatro da EJA, Carla Carvalho:
  • 38. 37 São jovens e adultos que, pouco, ou nunca, tiveram contato com a escola em seu período regular de aprendizagem. São sujeitos socialmente excluídos que, numa faixa etária tardia, na tentativa de recuperar o “tempo perdido” fora da instituição escolar, não vêem em atividades artísticas a possibilidade de adquirir novos conhecimentos, pois os conhecimentos que esses indivíduos buscam no espaço escolar estão resumidos na aprendizagem disciplinar da escrita e da leitura. (CARVALHO, 2009, p. 40). A EJA é desvirtuada por muitos, vista apenas como um curso compensatório e de caráter supletivo, o que reforça este aspecto é a redução de carga horária, por ser noturno. Para a maioria dos educandos que enxergam na escola uma instituição de saber somente, não percebem que as aulas de artes são possibilidades para fomentar conhecimentos inerentes a eles próprios. No fim da década de 1940, no Brasil, os adultos que não haviam passado pela escolarização, eram vistos como incapazes e marginalizados, tratados psicológica e socialmente como crianças. Não demorou muito para os educadores e psicólogos reconhecerem os equívocos e Paulo Freire expressar seus princípios: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” que influenciaram as propostas curriculares nacionais: Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos Conscientizadora, [...]. Prescindindo da utilização de cartilhas, desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como método Paulo Freire. [...] propunha ainda um momento inicial em que o conteúdo do diálogo educativo girava em torno do conceito antropológico de cultura. Utilizando uma série de ilustrações (cartazes ou slides), o educador deveria dirigir uma discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos homens como produtores de cultura e as diferentes formas de cultura: a cultura letrada e a não letrada, o trabalho, a arte, a religião, os diferentes padrões de comportamento e a sociabilidade. O objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável. Tratava-se também de ultrapassar uma compreensão mágica da realidade e desmistificar a cultura letrada, na qual o educando estaria se iniciando. (BRASIL, 2001, p. 24-25) A partir desta iniciativa surgem outras, baseadas nos fundamentos nos princípios de Freire, onde cada região do país construía suas estratégias de alfabetização de acordo com suas realidades, multiplicando várias formas de acesso dos adultos ao mundo letrado (BRASIL, 2001). A LDB 5692/71 que contemplava o caráter supletivo da EJA, excluindo as demais modalidades, não diferia dos objetivos do Movimento Brasileiro de
  • 39. 38 Alfabetização – MOBRAL - quanto a profissionalização para o mercado de trabalho e a visão da leitura e da escrita apenas como decodificação de signos. Somente com a nova LDB nº 9394/96, art.37 e art.38, é que passa-se a contemplar as várias modalidades de educação de jovens e adultos e uma melhor adequação as novas exigências sociais. No período da ditadura, inicio da década de 1970 observa-se as primeiras iniciativas para a criação do MOBRAL, que era um projeto concebido com o objetivo de abolir o analfabetismo em uma década. Passado esse tempo, no qual deveria cumprir sua finalidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - faz um levantamento registrando no censo que mais de 25% da população com mais de 15 anos encontrava-se em situação de analfabetismo. O MOBRAL fez várias modificações em seus programas passando por diversas alterações, investindo na ampliação do atendimento de comunidades rurais e educação infantil. Em 1971, começa-se a implementar o ensino supletivo, estabelecendo os Centros de Estudos Supletivos por todo o Brasil, no intuito de constituírem-se em moldes para o ensino dos anos vindouro, propondo a escolarização da maioria da população atendendo às demandas do mercado de trabalho competitivo e cada vez mais exigente. Não era exigida freqüência, e isto fez com que os índices de evasão fossem elevados, o atendimento individual impediu a socialização do aluno com os demais colegas, buscando apenas uma formação rápida com propósito de atender aos critérios mercadológicos reduzindo a escola à mera busca do diploma sem refletir sobre a função do aprendizado como fator formador de opiniões e caráter, tornando-os analfabetos funcionais. Os Centros de Estudos Supletivos não alcançaram suas metas, por conta do descrédito político e financeiro impedindo uma realização plena, e em seus desígnios havia vários interesses de instituições privadas de ensino. Com a extinção do MOBRAL, com o fim da ditadura, o país passando por processos de democratização foi possível o aumento das ações da EJA, mobilizando professores e educados em favor da educação para todos. A constituição de 1988 passou a garantir de forma institucional o ensino público e gratuito, inclusive para os que já se encontravam fora da idade regular de aprendizagem.
  • 40. 39 No ano de 2003, o Ministério da Educação declara a necessidade de priorizar alfabetização de jovens e adultos, criando a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, com a finalidade de acabar com o analfabetismo no período do primeiro mandato do governo Lula. Onde o Ministério de Educação – MEC- colaborando com os organismos estatais, e Organizações Não Governamentais - ONGs, na realização e desenvolvimento de projetos de iniciativas de alfabetização de jovens e adultos e formação de alfabetizadores. É lei o direito ao ensino fundamental aos cidadãos brasileiros de todas as faixas etárias, expandido as possibilidades educacionais, permitindo o acesso para indivíduos que agora ultrapassaram a idade de escolarização regular. Além da extensão, a qualificação pedagógica de programas de educação de jovens e adultos, uma exigência de justiça social, para que a ampliação das oportunidades educacionais não se reduza a uma ilusão e a escolarização tardia de milhares de cidadãos não se configure como mais uma experiência de fracasso e exclusão. A EJA geralmente é oferecida pelas escolas no período noturno, para atender aos educandos que em sua maioria trabalham durante o dia. Caracterizando uma educação de e com os trabalhadores. A EJA deve muito de suas conquistas ao educador Paulo Freire que com suas iniciativas e criação de estratégias de alfabetização e educação de jovens e adultos, desenvolvidos primeiramente no Rio Grande do Norte, logo ganhando repercussão nacional, passando a ser exercitado por vários educadores em todo o Brasil, aportada na apreensão da escrita associada a edificação de saberes de forma dialógica e mútua entre professor e educando.
  • 41. 40 4 A ARTE EM LIBRAS PARA SURDOS ATRAVÉS DO PALHAÇO No fim do semestre 2009.1, finalizando o projeto de TCC, já com intenções de aprofundar e desenvolver um trabalho de teatro com surdos. Refletindo sobre minha formação acadêmica até aquele instante, percebi que nas práticas de docência sempre estive envolvido com experiências que não me exigiram muito trabalho, e numa tentativa de sair desta região de “conforto” resolvi alçar vôos mais altos (coisas de palhaço), e encarar um “desafio radical”, no qual desprendesse de mim um maior empenho e constante pesquisa – Vivenciar uma experiência com educandos surdos da EJA. O Projeto de pesquisa A Pureza do Silêncio teve como proposta a realização de aulas de teatro, a partir de técnicas de construção do palhaço no CAS Wilson Lins, instituição estadual de ensino especializada no atendimento de surdos. As aulas aconteceram no turno noturno todas as segundas, terças e quartas-feiras, e estas foram ministradas de setembro a dezembro do ano de 2009 para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esta experiência constituiu-se por conta do estágio curricular obrigatório do curso de Graduação em Licenciatura em Teatro, que contou com a orientação da professora Cecília Accioly, licenciada em dança e mestre pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas (PPGAC-UFBA). Foi adotado como metodologia para sistema de acompanhamento dos estágios, encontros semanais, juntamente com um grupo de mais cinco colegas, onde compartilhávamos e discutíamos sobre nossas práticas em sala de aula, visto que cada um estava buscando e vivenciando em suas aulas linguagens diferentes (Teatro de Cordel, Teatro de Revista, Corporeidade, Iluminação, Teatro do oprimido),e mesmo assim conseguíamos estabelecer um dialogo coerente, e conciso. As aulas do estágio foram planejadas a partir de experiências pessoais com a arte do palhaço e com a LIBRAS, adequadas às vivências dos educandos, numa tentativa de associação destas formas de expressão e comunicação (Surdos – LIBRAS X Teatro – Palhaço), lançar um olhar sobre o mundo dos surdos e enxergar
  • 42. 41 em sua forma de comunicação potencialidades corporais em comum com a técnica do palhaço, criando um diálogo onde várias discussões podem se entrelaçar. Uma delas seria: a linguagem do palhaço sendo ela universal poder-se-ia, através desta técnica fomentar a formação de platéia para o “teatro surdo”, e incentivar espetáculos com propostas acessíveis, onde todo e qualquer indivíduo, pudesse prestigiar, algo muito diferente dos espetáculos texto-cêntricos que estamos acostamos à assistir? Como o próprio subtítulo do trabalho diz: A fusão entre a arte do palhaço e Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro, trata-se de uma tentativa de explorar o domínio gestual dos surdos presente na LIBRAS, e usar a arte do palhaço, como um modo de expressão artística para os surdos. Estava em busca de uma instituição na qual pudesse desenvolver esta pesquisa, quando fui informado da existência do CAS Wilson Lins. O Centro de capacitação de profissionais da Educação e de atendimento a pessoas com Surdez (C.A.S) Wilson Lins, escola estadual de ensino fundamental, instituição especializada na educação e atendimento aos surdos. Locada á Rua Raimundo Pereira, S/N, no bairro de Ondina da cidade de Salvador. Figura 3: Brasão do CAS Wilson Lins No ano de 2009, esta instituição completou 50 anos de existência e de serviços prestados á comunidade surda. Em 1959, o então secretário de educação do estado da Bahia, Wilson Lins, refletiu sobre a necessidade de um local que atendesse a população surda, foi e fundada a escola que leva o seu nome. Após 46 anos em consonância com a política nacional de educação inclusiva para surdos, a
  • 43. 42 comunidade escolar constituiu um projeto que transformou a escola num centro de apoio ao surdo. O papel do grupo era possibilitar, com apoio SEC/MEC, a criação de um espaço de formação continuada de professores, de professores interpretes, de instrutores surdos e interpretes de Língua Brasileira de Sinais e demais profissionais que atuam na área da surdez. O objetivo principal é oferecer suporte ao sistema de ensino, a partir de parcerias e convênios entre órgãos governamentais, principalmente Instituições de Ensino Superior – IES - , Secretarias de Educação e órgãos não-governamentais, para o desenvolvimento de formações (PLANO DE ATENDIMENTO, 2004 apud. ANDRADE, 2009, p. 14) Na minha primeira visita ao CAS fui recepcionado por um porteiro surdo, que ao tentar se comunicar comigo, viu que não o entendia e me encaminhou a secretária. Apresentei-me a coordenadora pedagógica, expliquei a minha proposta e entreguei para ela uma cópia do meu projeto de pesquisa explanando um pouco sobre as minhas intenções e perspectivas com aquele trabalho. Ela quis saber se eu dominava a Língua de Sinais - LIBRAS, ao que respondi que sabia um pouco, que estava estudando para ampliar o meu vocabulário. Havia planejado em meu projeto, o desenvolvimento do trabalho com adolescentes, e na tentativa de organizar os horários, a coordenadora quis saber qual seria a faixa etária para desenvolver o trabalho, me disse que a escola dispunha de crianças e adolescente no turno diurno e à noite havia turmas de jovens e adultos. Ao ser mencionado “jovens e adultos”, me surpreendi, pois, até então não havia pensado nesta possibilidade, a qual despertou-me grande interesse. Respondi-lhe que trabalharia com jovens e adultos, escolha esta que foi reforçada por ela, por ser um público que nem sempre tem oportunidades de participar destes projetos, ressaltou ainda que, por eu não dominar a LIBRAS seria melhor, visto que o adulto surdo em suas relações busca outras formas de comunicação além da LIBRAS e tem mais facilidade para ensiná-la. Ficou então decido que seria desenvolvido teatro com surdos da EJA. Em conversa com a vice-diretora do noturno, ela propôs que o trabalho fosse desenvolvido com a turma da 4° série do EJA, com os alunos da professora Cíntia Barbosa de Oliveira. Esta ao ser consultada ficou de acordo. Fomos então à sala de aula onde eles estavam, lembro-me da surpresa deles ao me verem entrar na sala, uma figura um tanto quanto pitoresca (alto, magrelo, cabeludo), recordo-me também
  • 44. 43 do aluno Diógenes fazendo um sinal de “Paz e Amor”, ao qual todos riram, com esta reação já me senti mais á vontade. Disse meu nome, em LIBRAS, fiz meu Sinal4, apresentei a proposta para eles (Enquanto eu falava, a professora Cíntia fazia a interpretação em LIBRAS). Todos de acordo, ficou acertado que a professora Cíntia me acompanharia para dar o devido suporte na comunicação. Nas noites de quartas-feiras do mesmo período em que estava ministrando as aulas no CAS, nas adjacências meu orientador de TCC, Demian Reis 5, estava ministrando uma oficina “Em busca de um corpo cômico” na Escola de Dança da UFBA. E assim que terminava minhas aulas, me encaminhava para a oficina, onde experimentava e dialogava com exercícios da Palhaçaria criando relações com o processo que estava desenvolvendo com meus alunos. Grande parte dos educandos que freqüentam o CAS é oriunda de regiões periféricas e ou de bairros populares de Salvador. Alguns com os quais trabalhei, moram atualmente no Subúrbio Ferroviário, porém, nasceram e viveram sua infância no interior do estado da Bahia. Figuras estupendas, de uma sensibilidade que fica difícil mensurar em palavras. Cada um com as suas peculiaridades foram se inserindo no processo. Juntos fomos criando uma identidade e um ambiente confortável para o trabalho em grupo. Os educandos que estavam inseridos nesta prática são alunos da Educação de Jovens e Adultos, como discorre Simone Andrade, são: [...] homens e mulheres marcados duplamente pela exclusão social socioeducacional: primeiro, por terem nascido privados da audição, constituindo-se, assim, como sujeitos através de uma língua espaço-visual, distinta da maioria da população, que utiliza a língua oral-auditiva; segundo por pertencerem a classes populares, que, no seu percurso de vida não tiveram a oportunidade de freqüentar escola, ou, quando tiveram acesso à escolaridade, foram alvo de uma educação que não reconhecia os seus processos específicos de aprendizagem.(ANDRADE, 2009, p.19) Na primeira aula, dia 31 de agosto de 2009, estive presente em sala, mas somente para a observação, justamente neste dia a professora Cíntia estava dando 4 Todo surdo e ou ouvintes que estão inseridos numa comunidade surda têm um sinal geralmente associado á alguma característica física da pessoa.O meu por exemplo refere-se aos meus cabelos cacheados e a minha magreza. 5 Pesquisador da arte da palhaçaria, palhaço com dez anos de experiência, e Doutorando do Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas (PPGAC – UFBA).
  • 45. 44 aula sobre folclore, lendas, e a cada explanação da professora, os alunos faziam intervenções contando histórias de suas vidas, de quando moravam no interior. Era algo belíssimo de vê. Ao terminar a aula estava muito empolgado, pois percebi que desenvolveríamos um bom trabalho. Conforme ratifica Oliver Sacks: Basta observar duas pessoas comunicando-se na língua de sinais para percebemos que esta possui uma qualidade divertida, um estilo muito diferente do da língua falada. Seus usuários tendem a improvisar, a brincar com os sinais, a trazer todo o seu humor, sua imaginação, sua personalidade para o que estão comunicando, de modo que o uso da língua de sinais não é só a manipulação de símbolos segundo regras gramaticais, mas irredutivelmente, a voz do usuário, uma voz com força especial, porque é emitida, de um modo muito imediato, com o corpo. Pode-se ter ou imaginar uma fala sem um corpo, mas não se pode ter uma língua de sinais sem um corpo. O corpo e a alma do usuário dessa língua, sua identidade humana única, expressam-se continuamente no ato de comunicar-se. (SACKS, 1998, p. 133-134) Nas primeiras aulas que de fato ministrei, ressaltei e deixei claro para eles que aquele espaço era um momento onde poderiam brincar e se divertir com liberdade. Trabalhei exercícios de interação, nos quais insistia que eles se olhassem uns aos outros. Os olhos, como se diz popularmente são as “janelas d’alma”, através deles somos capazes de expressar os mais diversos sentimentos. Maria de Souza em seu artigo “Janelas do Humor: O olhar como sede de expressão no palhaço relata: Singela, inocente e ao mesmo tempo desconcertante, a ação de olhar tem poderes e encantos. Se a riqueza da expressão e sua comunicação mais direta está na face, os olhos são a confirmação, a certeza de se alcançar outra pessoa, de tocá-la à distância e o melhor, sem violência: com amor e humor. (SOUZA, 2007, p. 69). O olhar é quem nos denuncia, quando muitas vezes estamos tristes ou ao deixarmos as lágrimas rolarem. Ressaltei o quanto seria importante essa entrega, olhar permitir-se ser olhado, que em cena o olhar torna-se fundamental, especialmente para comunicação interna, estabelece-se uma relação de cumplicidade, tudo o que não pode ser dito no momento do espetáculo é transmitido pelos olhos. O palhaço partilha de muitos de seus sentimentos apenas com o olhar, que de forma constante busca outro olhar na platéia, para que esta relação se estabeleça. Sendo este também elemento fundamental para as línguas de sinais (viso-espacial).
  • 46. 45 Na proposta de liberação e interação do grupo, busquei trabalhar com algumas brincadeiras que envolvia música, dança e ritmo. Por exemplo, “Escravos de Jó”, entretanto ao invés da música, combinamos contar e simultaneamente coreografávamos, conforme as cadências ritmadas. Sem o som eles dançaram e exploraram possibilidades corporais, algo que é natural deles, pois já o fazem em seu cotidiano, com a Língua de Sinais. Um dia levei a peteca para ser usada apenas durante o aquecimento, mas eles se envolveram de tal forma, que a aula ficou apenas no jogo. Em momentos que percebia o espírito competitivo superando o de brincar, reforcei que o mais importante era se divertir. A partir desta aula, percebi um maior empenho deles nas atividades, creio que através da brincadeira da peteca, tenham compreendido a relação da diversão e do desprendimento. O cinema mudo foi uma formidável ferramenta para introduzir o universo do palhaço, e usando referências já conhecidas por eles como o Charles Chaplin. Assistimos ao filme “O circo”, e pude perceber o quanto ficaram empolgados, e como já era esperado riram bastante, teceram comentários. Lembro-me de um deles, falando que quando era criança, sempre assistia, mas que ultimamente não se ver mais na televisão como antigamente. Figura 4 – Capa do Filme o Circo (1928) Neste filme Charles Chaplin mais uma vez faz uso de situações cotidianas, encarnado no papel de vagabundo, é confundido com um ladrão de carteira, quando perseguido por um policial busca refúgio dentro de um circo, interferindo por acaso
  • 47. 46 nas apresentações. A platéia vai ao delírio por pensar que ele faz parte do espetáculo, o dono circo ao perceber o quanto o vagabundo cativa a platéia, convida-o para fazer um teste. Entrando no universo mágico do picadeiro, Chaplin faz releituras de clássicas cenas circenses. As aulas de sensibilização, proporcionaram vários momentos interessantes, um dia propus a experimentação de vários sentimentos: alegria, medo, amor, saudade, raiva. Um dos momentos desta aula consiste no exercício “abandono do bebê”, que trata-se de estabelecer uma relação de afeto com um boneco, como se fosse seu próprio filho, mas por conta das adversidades, é necessário abdicar-se da criança. Ao fim desta aula, no momento de avaliação, eles demonstraram o quão ficaram tocados, um deles se lembrou de quando criança, sua mãe não o deixava sozinho, o protegia bastante, que ela tinha medo dele se perder ou de acontecer algo de ruim com ele, e que depois que ela morreu, ele veio para Salvador morar com o pai, aqui ficou com medo de sair de casa, pois havia criado uma espécie de dependência à presença da mãe, até que seu pai foi lhe ensinando e mostrando as coisas, a cidade. Em outro depoimento uma educanda que é mãe, falou da saudade que sentia de sua filha, que mora no interior com a avó. Esta aula ficou marcada pela exposição e partilha de sensações e sentimentos, sendo um importante marco nas relações de confiança do grupo. Tomando como referência Wuo que associa o nariz de palhaço a uma “pérola vermelha” (WUO, 2005). Apropriei-me desta metáfora e associei o processo de iniciação de um palhaço ao ato de mergulhar em águas profundas em busca de ostras. Um momento que vale ressaltar foi o dia em que levei o nariz. Espalhei ostras feitas de papel pela sala, sinalizando que dentro delas havia pérolas, pedi que fossem em busca das ostras como mergulhadores. Depois que cada um estava com a sua ostra pedi para abrirem e tamanha foi a surpresa e alegria deles ao verem o conteúdo das ostras. Ensinei-lhes a colocar o nariz e disse que colocar o nariz é como trocar de roupa, ninguém pode vê, por isso viramos de costas para colocá-lo. Quando eles colocaram o nariz, foi a minha surpresa, pois começaram brincar de forma espontânea, e ficou um pouco difícil controlá-los. Maravilhoso! Eis aí o poder da máscara, que apesar de seu pequeno tamanho, contem possibilidades infinitas. Outro episódio interessante foi quando a minha orientadora de estágio, Cecília Accioly, foi fazer uma visita a escola, e apreciar o meu trabalho, só que justamente
  • 48. 47 naquele dia havia planejado com o Demian Reis (Orientador de meu TCC) uma visita ao CAS, na qual ele faria alguns exercícios com os meus alunos. Assim que cheguei à escola, Cecília já estava esperando-me, disse a ela o que havia planejado para aquele dia, ela me disse pra fazer pelo menos um aquecimento, para que ela pudesse me ver em ação. Pouco depois o Demian me ligou, dizendo que havia ocorrido um imprevisto e não poderia ir. Desliguei o celular, olhei para a Cecília e disse: “Ele não vem.”, ao que ela me respondeu “Se vira”. Abri então a minha mochila na tentativa de encontrar uma solução. Encontrei um rolo de fita isolante, lembrei-me de um exercício de Ana Elvira Wuo “corda bamba” (2005, p. 132-135). Fiz com eles o exercício, todavia ao invés de corda uma tira de fita isolante colada ao chão, sinalizei que aquilo representava uma corda muito alta, a qual eles teriam que atravessar, olhando para frente, buscando de forma verdadeira representar quais as sensações e sentimentos que caberia aquela situação, logo aceitaram a proposta e com grande maestria o fizeram. No filme “O circo” mostra o Chaplin, atravessando uma corda bamba, e para abrilhantar mais a cena surgem os macacos que haviam fugido de suas jaulas e contracenam com o destemido subindo em sua cabeça e tirando sua roupa em cena. Os educandos ao lembrarem do filme, começaram a brincar atrapalhando a travessia um dos outros. Este exercício resultou numa apresentação. O CAS Wilson Lins promoveu no dia 21 de outubro de 2009, o “III Seminário Caminhos para a inclusão do surdo: Ciência, Práticas Pedagógicas e Perspectivas”. Na oportunidade, meus alunos fizeram uma primeira mostra do processo que estavam vivenciando em minhas aulas, foi apresentado o exercício da perola vermelha, que com alguns ajustes foi à cena. Além desta apresentação, na manhã de domingo do dia 22 de novembro de 2009 foi realizada a mostra cênica dos meus alunos no Teatro Martim Gonçalves – Escola de Teatro da UFBA. Exercícios como o da corda bamba e da pérola vermelha, integraram as cenas.
  • 49. 48 Figura 5: Mostra no Teatro Martim Gonçalves dia 22/11/2009. Foto: Alberto Gonçalves Em ordem da esquerda para a direita: Diógenes, Joelson, Anderson, Ana Cristina e Eliza. No dia 09 de dezembro de 2009 fizemos outra apresentação na Escola de Dança da UFBA, por ocasião do encerramento da Oficina “em busca de um corpo cômico” ministrado por Demian Reis. Nesta oportunidade houve uma um grande encontro das diferenças, que por fim se igualavam no palhaço. Além dos meus alunos, se apresentaram os alunos concluintes da oficina do Demian, e os artistas convidados: O Palhaço Sabiá e a palhaça cadeirante Ninfa Cunha que dividiu a cena com Deo Carvalho. Em ambas as apresentações foram aplicados um questionário à platéia, como forma de avaliação do processo e entender as impressões do público. E no dia 09 de dezembro de 2009 quis avaliar também a questão do artista que se apresentou para a platéia de surdos. O que muito contribuiu para reflexão e construção deste trabalho. Um dos relatos que me chamou a atenção foi da aluna de Demian, ela escreve: Para mim foi um grande privilégio, além de um desafio. Acho que falar com o corpo, se fazer compreender sem emitir uma palavra certamente foi algo novo que me gerou frio na barriga e ao mesmo tempo satisfação em perceber que existe algo que é muito universal
  • 50. 49 Figura 6 - Apresentação na Escola de Dança da UFBA No dia 10 de dezembro de 2009, dia do palhaço, os meus alunos tiveram a oportunidade de prestigiar-me em cena, juntamente com outros palhaços, a noite foi composta por diversos números, sob a direção de Demian Reis, no Cabaré Total, espaço de apresentações, que está se consolidando cada vez mais como momento de encontro mensal de palhaços, da cidade de Salvador. Acontecendo geralmente na ultima sexta de cada mês, no entanto em dezembro de 2009, o evento se deu numa quinta-feira, por conta da festividade do dia do palhaço. Foram homenageados o Nani Colombaioni, grande mestre de palhaçaria e o palhaço Pinduca, o mais velho da Bahia, 94 anos e ainda em atividade.
  • 51. 50 Figura 7 – Cartaz do Cabaré Total de Dezembro de 2009. Figura 8- Cena do Cabaré Total de Dezembro de 2009.
  • 52. 51 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O caminho do palhaço é de “pureza”, pois ele só quer amar e ser amado, e ele vive isto ao extremo, de modo incondicional. É um caminho de “silêncio” porque a maioria das transformações que um palhaço pode nos proporcionar são internas, no íntimo do ser. Coloca-nos em situações surpreendentes que nos faz refletir sobre a nossa condição. Este processo que intitulo A Pureza do Silêncio: a fusão entre a arte do palhaço e a Língua Brasileira de Sinais enquanto poética corporal no ensino de teatro, não almeja por um manual de como trabalhar teatro com surdos da EJA, mas aponta uma das diversas possibilidades de atividades teatrais, que podem ser realizadas por qualquer sujeito, eliminando as justificativas de marginalização das diferenças em suas múltiplas manifestações. É também uma provocação para que se pense a acessibilidade em suas várias instâncias sejam elas estruturais, políticas, psicológicas e culturais, rompendo qualquer tipo de barreira que insista manter vivo em nós o preconceito e a discriminação. Esta experiência me fez abrir os olhos, espero que outros olhares voltem suas atenções aos surdos, estudantes da EJA e para as diferenças, e que situações como estas deixem de ser vistas como “exóticas” e passem a serem realizadas como ações político-pedagógicas, pois se for feito com cuidado e sinceridade, como qualquer processo educativo, as retribuições serão incalculáveis. Fica na memória os momentos de extrema felicidade e de descobertas que vivi neste período. Partilho alguns deles aqui. Se eu tenho algum mérito nisto tudo, é o de conseguir orientá-los apenas, pois, o que seria de mim, que não domino a LIBRAS, se eles não fossem extremamente generosos e pacientes, e se já não houvesse neles uma pré-disposição corporal e artística extremamente rica. Experiências como esta reforçam a importância da arte na escola como área de conhecimento, reivindicando o seu papel formador, saindo da margem da educação e deixando de ser as aulas alternativas que sempre se resumem a oficinas trabalhadas de modo extracurricular.