O documento apresenta uma resenha de dois livros de poesia moçambicanos recentes: "Mesmos barcos" de Sangare Okapi e "Poemas em sacos vazios que ficam de pé" de Helder Faife. O artigo propõe uma leitura destes livros como exemplos de evocação de algumas margens da nação moçambicana no pós-independência, através da exploração de lugares e espaços como a Ilha de Moçambique.
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
Revista literatas edição 6
1. Literatas
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Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona
Director Editorial: Eduardo Quive * Maputo * 16 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 06 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz
As margens
da nação
na poesia
de Sangare
Okapi e
Hlder Faife pg. 2
RubeRvam Du
NascimeNto
em maputo
Retratos duma viagem interrompida
pg. 10
2. 2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555
Terça-feira, 16 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 2
Em primEira
Espólio é lançado nesta sexta-feira em Maputo
O evento terá lugar nesta sexta-feira, dia 19 de Agosto, no centro cultural Brasil Moçambique, pelas 18:00 Horas
ACOMPANHO A trajetória poética de Rubervam Du comovente espólio de “inutilidades” que só um poeta
Nascimento desde que ele mesmo se autodenominava em sua plenitude poderia transformar em verdadeira
poeta de um livro só: A Profissão dos Peixes, livro que foi poesia.
transformado por seu autor num recital performático, O UNIVERSO da paisagem e dos personagens poderia ser
denominado Corpo-a-corpo, levado com muito sucesso classificado como o de uma verdadeira saga nordestina,
por todo o Brasil. mas que, pela sua extraordinária carga de humanidade,
pode muito bem ser “colada” numa paisagem nórdica,
ERA SUA intenção reeditá-lo a cada cinco anos, sempre americana ou de qualquer recanto do planeta, onde “toda
em edições revistas e diminuídas, até a “impressão da escrita acabou rouca / de tanto exigir da língua / escrita
Pedra/Peixe, em enormes cartazes”, moto-contínuo às ficou vazia / diante do sumiço da ira”.
avessas. Assim foi com a 2ª edição, em 1993 e... bem, o SEM DEIxAR de exercer sua capacidade de indignação,
poeta resolveu mergulhar em outras águas, aumentar o Rubervam mergulhou fundo mesmo foi no ofício da
estoque do oxigênio e de lá, da “Distanteresina”, enviar palavra, da qual se serve para produzir esta poesia que
seus poemas em garrafas que foram sendo recolhidas em veio para ficar, não à superfície, como garrafa enviada
portos sem prévia destinação. por um náufrago qualquer, mas por alguém que sabe
EM 1997, uma dessas garrafas é recolhida por Leila Mic- que a garrafa e a palavra nela contida chegarão ao porto
colis, da Editora Blocos, no porto do Rio de Janeiro, e leva almejado. Dalila Teles Veras
o 1º lugar do 1º Concurso Blocos de Poesia: Marco-Lusbel
desce ao inferno, um livro, no mínimo, perturbador. Sem RUBERVAM DU Nascimento nasceu na Ilha de Upaon-Açu,
descuidar da linguagem, particularíssima, o poeta, na pele Maranhão, vive e trabalha em Teresina. Formado em Ciên-
de Lusbel, vai exercendo seu papel de sedutor de almas, cias Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Piauí.
enquanto, não sem uma fina ironia, vai apontando as Compõe a Editoria de Literatura da Revista de Cultura
feridas sociais. Bons anos depois, uma dessas garrafas é Pulsar. Publicou colunas e artigos literários em revistas
recolhida no porto do Recife, e lá recebe mais um prêmio, e jornais. É verbete da Enciclopédia de Literatura Brasile-
o Prêmio Literário Cidade do Recife, em 2004, com Os ira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Presidiu a
Cavalos de Dom Ruffato, livro premiado e editado pela União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE/PI. Participou
Fundação Cultural da Prefeitura daquela capital. de coletâneas de poesias e contos nas décadas de 70 e
O POETA revira o seu baú de memórias recolhidas em 80. Livros individuais editados: A Profissão dos Peixes, 2ª
suas andanças, mas também recolhas da memória ances- edição, revista e diminuída – Editora Códice/DF (1993);
tral, verdadeiro cavalo de tróia, carregado de surpresas, velas dos barcos de aço / elas rasgaram sem pena asas do Marco-Lusbel desce ao inferno, 1º lugar no 1º Concurso
onde uma avó inca remete a mundos míticos, repletos de oceano”) e abocanha mais um prêmio: VI Prêmio Literário Nacional de Poesia da Editora Blocos/RJ (1997); Os Cava-
simbologias, mas também (novamente) de indignações Asabeça, 2007, cujo resultado é este Espólio, volume para o los de Dom Ruffato, Prêmio Literário “Cidade do Recife”,
sociais. qual não poderia haver título mais adequado. Trata-se de um categoria: poesia 2004 - Fundação de Cultura Cidade do
MUITAS LUAS depois, o nosso poeta mergulha novamente Recife/PE (2005)
em seus baús de inventos e recolhas, e envia mais uma
de suas garrafas que aporta em Sampa (“como costurar
As margens da nação na poesia de Sangare Okapi e Hlder Faife
O artigo propõe uma leitura de Mesmos barcos, de Sangare Okapi (2007), e Poemas em sacos vazios que ficam de pé, de
Helder Faife (2010), como exemplos de evocação de algumas margens da nação moçambicana no pós-independência.
JESSicA FALcONi* corpo, de Sangare Okapi, publicado em 2007, e Poemas em sacos
Pensar nos lugares da nação tem sido, e continua a ser, uma das vazios que ficam de pé, de Helder Faife, editado em 2010. Tratam- razão de evasão e de imaginação erótica, por outro lado continua
práticas centrais nas literaturas surgidas em contextos de domi- se de duas experiências poéticas que, se por um lado se inserem a ser um arquivo líquido de memórias de antigos conflitos, tra-
nação colonial, na medida em que o espaço físico da nação, com nas tendências da poesia moçambicana apontadas por Secco zendo das profundidades as significações violentas que também
todas as suas fronteiras, internas e externas, se faz “significante” de (2006, pp. 229-49), por outro lado partilham desse traço comum a marcam o imaginário a ele ligado. Ainda na esteira da tradição,
um conjunto de questões que envolvem processos e fenômenos outras literaturas pós-coloniais, na medida em que transitam por de fato, a viagem pela geografia líquida, recriada também através
de inclusão e exclusão, conflitos identitários que remetem para distintos espaços e lugares da nação, buscando reinventar esses de recursos gráficos, se faz tentativa de interrogar o passado,
múltiplas memórias, histórias e diásporas. É através da evocação locais, convocando algumas das suas margens. incorporando-se à memória histórica do colonialismo na inter-
dos lugares que, de fato, também se recuperam heranças culturais Inserindo-se naquela que se poderia definir como uma vertente rogação identitária pós-colonial que, de fato, coloca esta herança
e histórias outras, apagadas ou marginalizadas, pelas narrativas índica da poesia moçambicana (LEITE, 2003), o livro de Sangare numa dimensão irônica e contraditória:
coloniais, e/ou pelas novas narrativas nacionais, questionando-se Okapi, como já o subtítulo revela, revisita parte do corpus poético
conceitos de pertença, autenticidade, cidadania. A metáfora do moçambicano e do próprio corpo da nação, percorrendo, de outras (…)
“mapa” é, de fato, frequente nas literaturas pós-coloniais, enquanto formas, o imaginário ligado ao Índico e à ilha de Moçambique, o Nu e vazio regresso pelo túnel da memória
estratégia que, a partir das margens, questiona e reformula as lógi- que remete à notória “marginalidade” do norte em relação ao sul (alguma rede ou algum anzol do chão cavado) ! Que recorda-
cas de inclusão e exclusão, reconfigurando as relações culturais e na configuração política, econômica e identitária do Moçambique ções
identitárias (HUGGAN, 1995, p. 407). Nessa perspectiva, os lugares pós-colonial. para o
da nação proporcionam também um terreno para se equacionarem, O imaginário insular é invocado logo na abertura do livro através de futuro!...
de modo crítico, as continuidades e descontinuidades entre pas- duas epígrafes, que, por via da autoria, remetem simultaneamente (...) (OKAPI, 2007, p.15);
sado e presente, no intuito de continuar a imaginar e criar múltiplos a uma dimensão diaspórica, já que, curiosamente, são ambas Uma estória antiga no tempo se dilui. Inimiga
futuros possíveis.Relativamente a países como Moçambique ou retiradas de obras de autores de origem africana (Maria Orrico e com as chalupas se afunda e
Angola – nações de muitas nações, parafraseando Mia Couto – onde Eduardo Bettencourt Pinto) que residem fora dos seus países de somos nós a dor fecunda.
a construção da nação independente foi imaginada e desenvolvida origem e são ligados à literatura dos Açores. Por tal razão, este Nenhuma alegria trazida das redes nos consola.
dentro das fronteiras herdadas pela dominação colonial, e onde os imaginário híbrido é configurado como um lugar comum, onde Oh! No mar nossas vozes seu templo constroem.
conflitos civis recriaram e impuseram fraturas e descontinuidades se instauram múltiplas e insuspeitadas conexões (GLISSANT, 1996, (idem, p.29)
a partir do próprio espaço físico da nação, a literatura tem percor- 28; ZACCARIA, 2004, 14). Matéria irrefutável na íris, resto de rasto a remo conquistado.
rido e habitado estas geografias fraturadas, ainda não resolvidas, O intenso diálogo intertextual com a tradição poética moçambi- Alguma estória arroto, razão aduzida na rota dos escravos,
desconstruindo-as ou recompondo-as, segundo instâncias e estra- cana marca grande parte da construção do livro de Sangare, em o mesmo cravo ou açafrão para todo o fado.
tégias diversas, no intuito comum de refletir sobre as dinâmicas que que são repropostos muitos dos “tópicos” do imaginário ligado ao (...) (idem, p.37) .
marcam a equação entre desigualdade e diferença. Índico, sedimentado pela poesia anterior. É o caso, por exemplo,
Estas reflexões vêm a propósito da leitura de alguns livros de da dimensão erótica associada à deambulação pelo espaço litoral, A ilha de Moçambique nunca é nomeada, mas sim evocada através
poemas de jovens autores moçambicanos publicados recente- insular e oceânico, tão presente na poesia de Virgílio de Lemos, do jogo intertextual e de um conjunto de referências que remetem
mente, entre os quais Mesmos barcos ou poemas de revisitação do Luís Carlos Patraquim e Eduardo White. Se por um lado o mar é ao seu espaço. Pelos títulos dos poemas, se entrelaçam o roteiro
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(poético e privado) da Ilha de Próspero, de Knopfli, e a errância ressignificando-se, simultaneamente, também, o código do
insular de Virgílio de Lemos: “T. Amizade” (OKAPI, 2007, p.16); vestuário feminino geralmente percebido como tradicional:
“Fortaleza” (idem, p.17); “Língua: ilha ou corpo?” (idem, p.20); “S. 1
Paulo” (idem, p.21). Alguns destes títulos, por outro lado, remetem no norte da capulana
às fronteiras internas da cidade da ilha que, como todas as cidades um nó providencial
coloniais, mostra, na configuração urbanística e arquitetônica, as é cofre seguro
formas de hierarquização criadas pela dominação colonial. o pano mãe
Ao mesmo tempo, dentro dos textos, enunciam-se marcas rela- com que se enroupa
cionadas com a multiplicidade do universo étnico-cultural do agasalha a receita do dia
norte do país, de que a ilha, na poesia, sempre foi metonímia, 2.
evocando-se, por exemplo, a arte e a cultura dos macondes de adentro o soutien
Moçambique (“Varias acções de mapiko”, 2007, p. 36). um depósito profundo
Na seção final do livro, intitulada “Mesmos Barcos”, que recria prudente conta bancária
os fragmentos de prosa poética de Patraquim e Eduardo White, 3.
e no poema que fecha o livro, “O Barco Encalhado”, dedicado
ao poeta Campos de Oliveira, a ilha e o norte do país, as suas
Helder Faife o corpo é um banco muito próximo
(…)
paisagens culturais e identitárias, são recriados na sua diferença, na medida em que antigas e novas subalternidades transitam e se (FAIFE, 2010, p. 14).
permanecendo, simultaneamente, como margens da nação, já reconfiguram entre o ontem e o hoje. No poema “Nas repartições”, enunciado por um sujeito coletivo,
que se reitera a sua “distância” do “centro”, Maputo, que emerge O movimento das margens para o centro enunciado na abertura os códigos oficiais são apropriados e subvertidos para uma
também como lugar de enunciação da poesia, a partir do qual do livro marca a prática cotidiana de uma consistente maioria dos afirmação declarada de insubordinação, na qual o mundo do
se enuncia a “nostalgia” em relação a esta margem, novamente atores envolvidos no comércio informal, configurando-se como um comércio informal é provocatoriamente ressignificado como
ressignficada como lugar de alguma “origem”: trajeto de sobrevivência, portador de uma consciência do estigma espaço de transgressão e liberdade: “cumprimos o expediente/
Aterra a saudade sobre o meu terraço. social e da condição de não-pertença e exclusão. Lidos em contra- nas repartições do dumbanengue/ sem a forca das gravatas/ e
Aço azul do céu. Seta certa perto do peito. ponto com o passado, estes trajetos do presente, que cruzam os não juramos juros/ indispostos a impostos/ transaccionamos
Emakhuwa é como onda no asfalto. limites internos do atual espaço da cidade pós-colonial, por um lado acções da vida ao sol” (FAIFE, 2010, p. 38).
Lembra-nos a casa, a cana, o caniço ativam a memória de antigos percursos e antigas fronteiras e, por Através de várias estratégias de subversão do sentido comum, a
ou bambu. Nosso barco encalhado com terra. outro lado, convocam as travessias das migrações contemporâneas, poesia de Helder Faife imagina o modo como esta vária humani-
transportando marítimo o silêncio da Ponta da Ilha que vão alterando também a paisagem das antigas metrópoles: dade subalterna – formada por mulheres, homens e crianças
(tufo mudo na cicatriz da tarde). (…) – habita e marca, com os seus corpos, os seus pensamentos e
Onde em Maputo porque circunsisos garotos somos chegamos a sua insubordinação, o espaço físico da cidade, onde ruas e
nossas garotas o rosto de m´siro maquilham? viemos quentes esquinas são recriadas como lugares de sobrevivência e con-
(OKAPI, 2007, p.49) das gélidas catacumbas do destino testação da nova ordem estabelecida, bem como de nego-
Se, na poesia que tem consolidado o mito da ilha no imaginário infestar o sexo da calçada urbana ciação do direito à presença, no espaço sócio-econômico do
moçambicano, a sua evocação estava fortemente ligada à recu- com nossas trouxas anti-municipais “coração” da nação.
peração e reivindicação de matrizes “orientais”, na construção da de noite somos caçadores de lua A instância de denúncia da desumanização faz com que a
identidade cultural moçambicana, a revisitação pós-colonial de de dia vendedores de rua poesia resista à retórica da idealização da pobreza, salientando,
Sangare Okapi partilha desta instância, resgatando, por outro (FAIFE, 2010, p. 9) pelo contrário, que as dinâmicas da sobrevivência, as leis das
lado, sobretudo, a evocação da ilha e do norte enquanto sig- As trouxas e os sacos, que criam corcundas nos corpos, tornam-se economias, formais e informais, bem como a precariedade das
nificantes de uma diferença ainda percebida como “margem” no marcas desta sobrevivência e desta identidade “anti-municipal”, condições materiais, atingem e reconfiguram constantemente
espaço identitário e político da nação, uma fronteira interna que enquanto sinal de insubordinação perante às regras que regulam as relações sociais e as representações identitárias, recriando
a poesia interroga e tenta incorporar ao imaginário do centro/ o universo de atividades, ao qual vendedoras e vendedores de rua um mundo onde “a vida/ esta que frequentamos/ é um grande
sul moçambicano. não têm acesso. Nos poemas recria-se, de fato, o embate entre dois mercado informal” (FAIFE, 2010, p. 44) e as “pessoas são atm’s1
Outras margens e fronteiras internas marcam também o espaço mundos aparentemente em contraposição: o universo do setor móveis urgentes” (FAIFE, 2010, p. 79). Há, por outro lado, uma
referencial do livro de poemas de Helder Faife, que nos devolvem informal e as suas dinâmicas de “ilegalidade” versus o circuito da vontade de resgatar o direito da “gente anti-municipal” à imag-
um olhar para o espaço urbano: a cidade pós-colonial, por um economia oficial, aliado aos dispositivos da legalidade, como a inação e à beleza, que o poder transfigurador da poesia, de
lado, libertada da autoridade colonial, por outro lado, profunda- repressão exercida pelas autoridades policiais. Por outro lado, em fato, reafirma. Em poemas como “Pagamento”, a dimensão lírica
mente marcada por fenômenos e lógicas de desumanização trazi- sintonia com a já mencionada vertente de crítica da degradação devolve toda a espessura humana da luta pela sobrevivência:
das pela economia neoliberal. Neste aspecto, a cidade africana é, em que se encontra o país, esta contraposição é desconstruída e a mão em flor desabrocha
de fato, um símbolo visual da condição pós-colonial, enquanto subvertida pela denúncia, quer da corrupção, quer da violência que da bolsa para o mundo
lugar de encontros e conflitos entre mundos diferentes e síntese os dispositivos da economia oficial exercem sobre os setores mais cinco dedos em pétalas
poderosa e contraditória de modernidade e tradição, onde novas vulneráveis da sociedade. notas verdes a sorrir
linhas de divisão e “segregação” se entrecruzam e se sobrepõem (…) dentadura em clorofila
às antigas configurações coloniais, cuja memória permanece em num ímpeto de precaução (…)
forma de vestígios disseminados na estrutura do espaço público, recolho as coisas em comércio nas falanges esvoaçam
onde, ao mesmo tempo, emergem novas formas de resistência e gazela furtiva pássaros e borboletas
de reconfiguração identitária (TRIULZI, 1996, 81). sobrevivo na selva urbana alegres porque depois da flor
Partilhando de uma vertente recente da poesia moçambicana à fome predadora vem fruto
que, como observa Carmen Tindó Secco, problematiza a realidade do polícia municipal (FAIFE, 2010, p. 25)
do país a partir da denúncia da fome e da corrupção (SECCO, 2006, (FAIFE, 2010, p.18). Do espaço líquido e insular do Índico ao mundo do comércio
p. 244), a poesia de Helder Faife constrói o seu olhar para o espaço No poema “Cá e lá”, a contraposição entre os dois mundos é con- informal da cidade, a poesia percorre e repensa o mapa da
da cidade pós-colonial a partir do cotidiano da humanidade struída para subverter a lógica de atribução de valor negativo ao nação, devolvendo-nos fragmentos das suas margens, inter-
marginal e submersa, ligada ao chamado setor informal, que se setor informal: rogando as continuidades e descontinuidades entre passado
configura como resposta localizada frente às dinâmicas da pós- cá e presente, entre centros e margens, projetando inquietações
colonialidade global. sentada num banco e contradições que marcam a construção do futuro.
Relativamente às populações das zonas urbanas de Moçambique, a mamana monta a banca
da cidade de Maputo em particular, Teresa Cruz e Silva esclarece prospera o negócio minúsculo REFERÊNCIAS:
os vários fatores que determinaram o aumento progressivo da e lucra sem crises
pobreza urbana e do setor informal, quer em termos quantita- lá CRAVEIRINHA, José. Babalaze das hienas. Maputo: AEMO,
tivos, quer em termos de espectro de atividades envolvidas. O a banca lacra os bancos 1997.
crescimento deste setor, resultante de um conjunto de fenôme- já sem músculos CRUZ e SILVA, Teresa. “Determinantes globais e locais na
nos locais e globais, constitui também uma forma de resposta e decreta a crise emergência de solidariedades sociais: O caso do sector infor-
aos impactos das reformas impostas pela economia neoliberal e (FAIFE, 2010, p.17) mal nas áreas periurbanas da cidade de Maputo”. In: Revista
à ausência do Estado na gestão das consequências sociais destes Conjugando as instâncias da poesia de denúncia social a um certo Crítica de Ciências Sociais. N. 63. Coimbra: CES, Outubro de
impactos, acabando “por espelhar a crise geral que afecta o país” paradigma da poesia do cotidiano, o olhar que o poeta projeta 2002: pp. 75-89.
(CRUZ E SILVA, 2006, p. 86) e, noutra perspectiva, por marcar de para a cidade pós-colonial utiliza o poder transfigurador da poesia, FAIFE, Helder. Poemas em sacos vazios que ficam de pé. Maputo:
modo significativo a paisagem urbana. para também subverter percepções e representações comuns. Edição Gráfica A2 Design, Lda.; TDM, 2010. (Concurso Literário
O belo texto de abertura do livro de Helder Faife anuncia a viagem As personagens e as dinâmicas relativas ao mundo do comércio TDM, Prêmio Poesia, 2010).
por este universo subalterno que os poemas irão cumprir, suger- informal são, de fato, representandas, em vários poemas, através de GLISSANT, Edouard. Poetica del diverso (trad. it.de Poetique de
indo, ao mesmo tempo, a ideia de um movimento quase que estratégias de imitação e apropriação dos códigos da economia e do la relation por Francesa Neri). Roma: Meltemi, 1996.
subterrâneo das margens para o centro: “Tímido curso de águas trabalho “formais”, da lei e da administração, produzindo um efeito HUGGAN, Graham. “Decolonizing the Map”. In: ASHCROFT et
domésticas suburba o lustro urbano destas páginas” (FAIFE, 2010, de subversão, que procura reatribuir, a estes sujeitos subalternos, alii (ed.) The post-colonial Studies Reader. London: Routledge,
p.5). A referência ao célebre verso de José Craveirinha anuncia o poder de resistência e de negociação da sua identidade social 1995.
também o diálogo com o seu legado ético e poético. Definida dentro do espaço da cidade e da nação. É o caso, por exemplo, de LEITE, Ana Mafalda. Literaturas africanas e formulações pós-
como “gente anti-municipal” (idem, ibidem), a humanidade pro- poemas como “Entro para relento”, em que o espaço ocupado pelo coloniais. Lisboa: Colibri, 2003.
tagonizada nos poemas remete às figuras dos subúrbios, à “gente vendedor torna-se “alcatifado de asfalto/ mobilado de esquinas/ OKAPI, Sangare. Mesmos barcos ou poemas de revisitação
a trouxe-mouxe” (CRAVEIRINHA, 1997, p.11) de que José Craveir- com o perfume da poeira/ o candeeiro do sol/ o vento é ar condi- do corpo. Maputo: Associação dos Escritores Moçambicanos,
inha sempre se fez porta-voz nos poemas de denúncia do colo- cionado” (FAIFE, 2010, p. 11); “Banco” que alude à grande presença 2007.
nialismo e, posteriormente, em Babalaze de hienas, denunciando das mulheres na gestão de atividades do setor informal (CRUZ e SECCO, Carmen Lucia Tindó Ribeiro. “Entre sonhos e memórias: trilhas
a violência e a desumanização trazidas pela guerra civil. Se este SILVA, 2002, p. 82) e em que os códigos da economia formal são da poesia moçambicana”. In: Poesia sempre. Ano 13, número 23, 2006,
legado de Craveirinha é visível em todo o livro, é também pelo apropriados pelo corpo do agente feminino do comércio informal, pp. 229-249.
cotejo do presente com o passado, em alguns de seus poema, que TRIULZI, Alessandro. “African cities, historical memory and street
se torna patente a condição pós-colonial da nação e da cidade, buzz”. In: CHAMBERS, I. and CURTI, L., (ed.). The post-colonial question:
common skies, divided horizons. London: Routledge, 1996, pp.78–91.
ZACCARIA, Paola. La lingua che ospita. Roma: Meltemi, 2004
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Terça-feira, 16 de Agosto de 2011 LiTERATURA MOÇAMBicANA 4
Luís Bernardo Honwana
Luís BerNArdo Honwana
esCrITor moçAmBICANo, de nome
completo Luís Augusto Bernardo
Manuel, nascido em 1941, em Louren-
ço Marques (actual Maputo). Viveu em
Moamba, província de Maputo, até aos
17 anos. Frequentou o liceu daquela
cidade, onde exerceu também a profis-
são de jornalista, tendo frequentado
posteriormente um estabelecimento
de Ensino Superior no Porto. Estudou
desenho e pintura durante algum
tempo e participou em exposições
de arte. Publicou, em 1964, um livro
de contos intitulado Nós Matamos o
Cão Tinhoso , uma das obras mais mar-
cantes da literatura moçambicana.
AS MÃOS DOS PRETOS
LUíS BERNARDO HONwANA
Já nem sei a que propósito é que isso vinha, mas o Senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós
deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de dizer
na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores do que nós, voltou a falar nisso de as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim porque
eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.
Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agoraé ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as palmas das mãos assim
tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem
fazer e que não deva ficar senão limpa.
O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse-me que tudo o que me tinham contado era
aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
“Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido
e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes;
como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que
as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”.
Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.
Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta.
Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam
branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem
para o mundo.
Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco de Vírginia e de mais não sei aonde. Já se
vê que a Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos desbotarem à força de tão lavadas.
Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são sempre mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!
A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar
o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de
se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto:
“Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles
e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos
reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos
e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo
sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por
não serem pretos”.
Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido
FICHA TÉCNICA
Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa
Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 *
Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com)
Coordenador: Amosse Mucavele (amosse1987@yahoo.com.br)
Editor - Canto da Poesia: Rafael Inguane (inguane.rafael@hotmail.com)
Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.
Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*
Brasil: Itapema - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.
Design e páginação: Eduardo Quive
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Terça-feira, 16 de Agosto de 2011 cRÓNicA / cONTO 5
FiLosoFonias rapsódicas
MORTE A DENTRO MARcELO SORiANO - BRASiL
m.m.soriano@gmail.com
DAviD BAMO - MATOLA
Nota preliminar: Antes de
prosseguir com este artigo,
Marx de Jesus é meu nome, lembro ao leitor que me dirijo à
nasci num quarto trancado com
livros de Marx e Pepetela. CPLP (Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa), portanto,
Eis que uma jovem escura, podemos encontrar gerúndios,
com curas um pouco por todo futuros do pretérito, expressões
o corpo delira de paixões por etnocêntricas, familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros.
ouvir a voz firme do magro jovem e pequeno radialista de Oxalá, que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas
Lourenço Marques.
para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre nós.
Um mês foi muito de mais para a tal, de nome Ginoca, interessar Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011.
se pelos lençóis do pequeno e grande Marx de Jesus, jovem
cuja reputação é de torturador de donzelas de tudo o quanto
é comunidade. Aos 20 anos magoara incontáveis corações da 1. mICroCoNTos à BrAsILeIrA
meninada.
...................................
A Ginoca, habituada a vidas e paixões cheias de carinho e atenção,
aceitava daquele modo uma nova etapa e oposta ao que os outros O AlíviO de OlíviA... Duas vogais que mudavam de lugar...
rapazes aldeianos, citadinos e camponeses a haviam habituada,
pois com Marx passaria o resto da vida levando e sendo enfiada ...................................
em todas suas covas, isto é, a frente, atrás, e até na boca.
Quebrou a cara com um soco no espelho.
A orgia entre estes dois aventureiros dos prazeres carnais, tem
inicio justamente na primeira visita que a Ginoca faz a casa do ...................................
seu tão amado namorado, que por longos meses estivera na vida
boémia, entretido nas bebidas e mulheres da vida, tendo ficado Cobriu as idéias com palavras para que ficassem nuas...
uma grande marca da desprevenção. Era sexo sem compromisso
mais tão envolvente que hipotecara alguma coisa na estrutura ...................................
imunológica do Marx. Contudo, ele não seropositivo, mas diga
ao bem da verdade, era escravo do sexo. Morreu de não rir.
A paixão dela, a Ginoca, pelo Marx estava disposta a tudo, ...................................
enfrentar a todos, queriam a jovem, também radialista, remar
contra a maré, pese embora a barreira da idade, porque ela era Doce menina se fez bela dona, que se fez linda senhora, que se fez sereno cadáver,
mais velha que o moço. Ginoca só queria saber do “saboroso que se fez livre pó... E se refez nas tintas de Renoir.
pénis do Marx”, julgava a morena.
...................................
Hoje, passam 10 anos desde que Marx e Ginoca se conheceram.
Por heroína do destino, mesmo depois de ter passado por várias
mulheres, Marx de Jesus casara com ela. Não foram felizes, são 2. LITerATurA VIsuAL
décadas onde a voz da traição gritou mais alto que a força do
pouco amor que um dia lhes uniu.
Ginoca abandonou um tal de Rony, que provavelmente teria
sido um homem certo da sua vida. E o Marx fora abandonado
pela maior paixão da sua vida, a formosa Defa. Hoje em dia o
Rony é um louco que anda sem norte e nem sul, percorre ruas
e avenidas da cidade de Maputo, come lixo e até fezes. Rony não
suportou o adeus da sua amada Ginoca.
A Defa está internada no Hospital Central de Maputo, dizem
que tem uma doença que os médicos não conseguem curar. Faz
necessidades maiores sentada. O marido dela morreu vítima da
mesma doença.
Marx e Ginoca vivem os piores momentos das suas vidas. Já não
tem sentido partilhar a mesma cama. Os seus dois filhos, a Gisela
e o Marx Júnior nem tão pouco lhes admiram porque as duas
pobres crianças testemunharam graves discussões dos pais, para
além do adultério que nunca conseguiram esconder, a traição.
3.moNóLogos PósTumos Com QuINTANA - PArTe V
Marx e Ginoca estão a pagar pelas enganações da paixão. Deixaram
as vontades falarem mais alto que a razão dos seus sentimentos.
Um tem a raiva do outro......são dez anos de um casamento “ Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.”
que de recordação só tem a sentença ditada na Comunidade Mário Quintana
Imaculada Conceição, no bairro da Malanga, pelo Padre João Luís
Gonzaga. As lágrimas fazem o dia a dia daquele casal que perdera
esperanças de viver. Amizade não existe, camaradagem nem se Eu a ele: O Escritor é o verdadeiro mestre-cuca. Alimentos para as cucas.
fala, solidariedade não há hipótese de existir. É a morte viva Macarronadas esferográficas.
do Marx e da Ginoca, que vontade de cometer um suicídio não
lhes falta. A amargura de ter assumido um amor inventado pela Ele a mim: Assim como um louco que fala sozinho, os escritores são aqueles tipos
aparência gera dor e pavor aos dois e aos poucos vão morrendo que vivem escrevendo consigo mesmos.
por dentro
(3.) CoNTINuA NA PróxImA edIção..
6. 6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555
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- discurso dirEcto
“Refuto a ideia da participação do e
AMOSSE MUcAvELE se destina à leitura fácil de um texto de puro entreteni- gerALdo LImA: De certo modo sim.
mento. Busco, na escrita, provocar a reflexão, o espan-
Literatas – Na infância qual foi o seu primeiro contacto to.
marcante com a escrita? Tenho consciência de que o
Literatas – O escritor angolano José Agualusa disse
Geraldo Lima: Não me recordo de um momento marcante. certa vez que “o escritor africano deve sair do gheto”. papel do escritor extrapola, de
O contacto com o texto dava-se somente na escola, pois não
havia livros em casa. Li pouco na infância, apenas textos
Sendo o escritor a voz dos que não têm voz, a sua
intervenção social não só deve cingir-se à escrita num
alguma maneira, o mero ato de
das cartilhas, ou seja, fragmentos. Assim, comecei a es-
crever também um pouco tarde, depois dos dezasseis anos
país com baixos níveis de leitura, o escritor deve se escrever. Ainda mais em socie-
expor na sociedade. comunga da mesma ideia? O ser
de idade, creio. Coisas rudimentares, sem muita bagagem
literária, pois nesse período minha leitura era basicamente
escritor compensa? E qual é o papel do escritor? dades tão carentes de uma voz
de gibis e dos chamados bolsilivros de bang-bang.
que se destaque pela criatividade
Literatas – Que espaço os livros ocupam no seu dia-a-dia? A e pela lucidez das ideias. É, em
leitura, de alguma forma, influencia no seu trabalho e no
seu quotidiano?
gerALdo LImA: Os livros têm uma presença marcante no meu
dia a dia. Tenho por regra ler todos os dias, nem que seja
apenas uma página. Estou sempre lendo. Como escritor, não
posso abrir mão da leitura, pois a partir dela posso chegar
também a ideias para compor meus textos. Não concebo o
escritor que não leia. Leitura e escrita não se dissociam. Sou
professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira; tenho
então, dessa forma, um compromisso profissional também
com o ato de ler.
Literatas – O escritor peruano Mário vargas Llosa certa vez
disse o seguinte: “a minha passagem pelo jornalismo foi
fundamental como escritor”. como porta-voz da sociedade
você percebe na literatura ou no jornalismo uma função
definida ou mesmo prática?
gerALdo LImA: Talvez essa função seja mais definida no jor-
nalismo, que tem, basicamente, o objectivo de informar. A
literatura é escorregadia, ora tende para um lado, ora para
outro. O que eu sei é que o texto literário refuta o aspecto
panfletário. Mais do que informar ou doutrinar, seu objec-
tivo é desnortear, deslocar o leitor do seu eixo de certezas e
tranquilidade. Para o poeta Manoel de Barros, por exemplo,
a poesia é um “inutensílio”. Ou seja, num primeiro momento,
não serve para nada, não tem um sentido prático, e é isso que
a salva de ser usada como instrumento. É claro que o texto
literário pode servir como instrumento de crítica social, mas
o que não se deve perder de vista é o seu carácter essencial-
mente literário, ou seja, a sua literariedade. O discurso político
ou de crítica social por si só não basta para validar a qualidade
literária de um texto.
Literatas – Quais são os autores imprescindíveis nas suas
leituras como escritor e leitor? E quais nunca o abandonam?
gerALdo LImA: Machado de Assis é o primeiro. Com ele apren-
di a ousar, a brincar com a forma do texto (tenho em mente,
agora, o seu Memórias Póstumas de Brás Cubas). A ironia
machadiana está presente também em minha escrita. Cito
também como imprescindíveis para a minha escrita e para
minhas leituras escritores como Kafka, Dostoiévski, Beckett,
Ionesco, Lima Barreto, Cruz e Sousa, Carlos Drummond de
Andrade, João Cabral de Melo Neto, Jorge Luis Borges, Gra-
ciliano Ramos, Léopold Senghor, Edgar Allan Poe, Saramago,
Nelson Rodrigues, Clarice Lispector... Desses, estão sempre
comigo, na hora em que estou escrevendo, Machado de Assis,
Kafka, Clarice Lispector e Dostoiévski.
Literatas – Neste mundo cada vez mais globalizado, tão
afeito ao imagético, com um nível elevado de analfabetis-
mo, e atrasado culturalmente: O que te leva a dedicar-se à
arte de escrever numa era onde ler um livro não é a palavra
de ordem?
gerALdo LImA: A necessidade de expressão. Só assim sei exi-
stir. Só assim posso existir. É através da acção de escrever, de
criar mundos ficcionais, que consigo me situar como cidadão.
Se o meu texto será lido por milhões ou por meia dúzia, pouco
importa. Sei que escrevo para um leitor capaz de se emocio-
nar, para alguém que vai se enxergar no meu texto, e isso é
que importa. Tenho plena consciência de que meu texto não
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- discurso dirEcto
escritor como militante partidário”
onde possa publicar o seu
parte, o papel do intelectual trabalho, e em seguida
como Sartre o via. Ser essa alguém que compre e leia a
mesma, creio que em
voz crítica, que desvela os Portugal e no Brasil
acontece o inverso, há
males da sociedade. Talvez a tanta facilidade de
publicar. E com isso não
recompensa maior esteja aí. corre-se o risco de se ter muita
Mas vejo também, com certo obra imatura nas
prateleiras? Ou mesmo por
receio, essa actuação muito parte dos escritores
consagrados
exposta do escritor. Refuto, por publicarem livros de
exemplo, a ideia da partici- auto-ajuda?
pação do escritor como mili- gerALdo LImA: De fato, há
bastantes editoras no Brasil,
tante partidário. Guardo, e não param de publicar.
Mas não creio que haja tanta
de memória, um poema facilidade assim para os novos
autores publicarem, não. No
de um poeta brasiliense da Brasil, os novos autores, e
também os que estão fora
década de 70, que diz assim: do chamado eixo Rio - São
Paulo, esbarram nas mesmas
“militar/não milito, /militar/ dificuldades para encontrar
uma editora que publique e
me limita”. É claro que esse distribua seus textos. É difícil
chegar lá. Há uma política per-
poema foi escrito no contexto versa aí no meio, a tal lógica do
mercado, a visão do capital. E
histórico da ditadura militar a maioria dos leitores prefere a
literatura de entretenimento,
no Brasil, mas isso não exclui os livros de auto-ajuda, princi-
palmente os que vêm de fora.
a interpretação que dei a ele Esses, sim, encontram espaço
nas editoras e nas gôndolas
para responder a questão posta das livrarias. Estão sempre
expostos para atrair o leitor
aqui. Gosto mais do escritor de amenidades.
como escafandrista das solidões Literatas – Que obra, de
um escritor de qualquer
e fraquezas humanas. quadrante do mundo, os
moçambicanos deviam ler
urgentemente? E como
Literatas – A língua nos une, mas continuamos muito formar leitores?
distantes um do outro. Em termos globais, qual é o
estado clínico da literatura de expressão portuguesa?
E o que a literatura do seu país recebe dos outros
gerALdo LImA: do indivíduo. Em relação a
quadrantes lusófonos, concretamente os africanos, Se ainda não leram, deveriam isso, penso como Platão: “... O
refiro-me a literatura moçambicana, angolana,
guineense, cabo-verdiana. ler, urgentemente, a obra de conhecimento que penetra na
Dostoiévski. Há que se experi- alma pela força não cria raízes
gerALdo LImA: O estado clínico não é dos melhores.
Talvez os portugueses estejam em melhor situação mentar, para nunca mais nela”
que os brasileiros, já que ganharam um Prémio Nobel
esquecer, esse mergulho nos
com o Saramago. No Brasil temos grandes escritores,
mas ainda não conseguimos implacar um Nobel. Falta,
creio, maior divulgação dos nossos autores lá fora, um tormentos da alma humana.
AUTOBiOGRAFiA
trabalho de marketing pesado, envolvendo editores sou AuTor dos livros A noite dos vagalumes
e governo. A importância da Língua Portuguesa deve Depois desse mergulho, estamos (contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária),
ser destacada também no cenário internacional, pois Baque (contos, LGE Editora/FAC), Nuvem muda a
está entre as línguas com o maior número de falantes preparados para entender as todo instante (infantil, LGE Editora) e UM (romance,
no mundo. Penso que actualmente tem havido uma LGE Editora/FAC).Participei das antologias: Anto-
repercussão maior das obras de autores africanos no complexidades do ser humano. logia do conto brasiliense (Projecto Editorial, org.
Brasil, refiro-me a autores como Ondjaki, José Agua- por Ronaldo Cagiano)e Todas as gerações - o conto
lusa e Mia Couto. Creio que há um marketing maior Formam-se leitores permitindo brasiliense contemporâneo (LGE Editora, org. por
na divulgação das obras desses autores entre nós. Só Ronaldo Cagiano). Participei, também, do Projeto
não saberia quantificar a influência que essa literatura que crianças tenham acesso Portal: revista Solaris e revista Neuromancer, org.
africana exerce actualmente na produção de alguns por Nelson de Oliveira.
autores brasileiros. aos livros de forma prazerosa, mANTÉm o blog: http:// http://baque-blogdoger-
aldolima.blogspot.com/
Literatas – Se em Moçambique, Angola, cabo-verde, lúdica, para que esse gosto
São-Tomé, Timor Leste, e.t.c., o grande problema que
cruza o caminho do escritor é encotrar uma Editora pela leitura crie raiz na alma
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no rEcanto dE apoLo...
Encantado silêncio das
areias de Maputo Poesia na árvore Amanhecer
BáRBARA LiA - BRASiL PEDRO DU BOiS - BRASiL
Entre estrelas
SAMUEL cOSTA - iTAJAí - BRASiL
Eu prefiro frases feitas... Amanheço em nuvens de inver-
entre algas
Lê-las, e pensar que são minhas! no.
entre brancos lençóis
Dizer: Eu te amo... No esfriar da hora sou corpo
e paredes brancas.
Usando velhos clichês despertado. Sigo o leito do rio
Vermelha viagem da vida nas veias.
Finjo ser poeta ao largo: estrito ao peito
Instante que precede ao nascimento,
Às vezes contista... da mulher amada no anunciar
também à morte.
Uso velhos clichés horas anteriores de refúgio. Acordo
A morte é um silêncio suspenso
‘’Porque dizer eu te amo... e levanto em ensolarados passos.
e o sol, um silêncio vermelho.
Não é dizer bom dia!’’
Nuvens em seu passeio
Escuto velhas músicas! Da manhã retiro a necessidade
diante da janela deste apartamento.
E chego a pensar que a dor é minha. da utilidade. Sou repositório
Tem uma sinfonia em tons vários
Mas não é!!! da inatividade.
a gritar – Silêncio!
Penso em ser prosador...
Silencio.
Para voltar para a minha infância...
Branca, como estrelas e algas.
Aonde corro e corro de novo...
Perderam
Passeio brancas areias de Maputo,
Corro entre becos e vielas...
olhando ao redor em busca de Mia Couto
ansiando que ele me ensine a estrondar
...de braços abertos!
a sua
juventude
Finjo ser poeta...
o encanto.
...na pós-modernidade!
A ignorar regras, rimas e métricas...
in Noir (2006) NELSON LiNEU
A desdenhar de antigas elegias!
Todas as velhas fórmulas prontas e acabadas.
iDENTiDADE DO SOL Velhas formas de amar musas intocadas...
Finjo ser versejador... Como latas tocadas ao meu ouvido
Nos tempos modernos! oiço falar-se ou os próprios heróis
ALBERTO ARAúJO - MAPUTO
E em meus versos! que eu duvido
Um ente desponta,
E aponta o que é ser belo, Sinto que não fosses embora... que se achem tal
E da beleza nascem palavras.
Estas perdida...entre os meus versos... dizerem que perderam a sua juventude.
Singrando pela alma
Vão-se as palavras entintadas e solfejadas, Mais profanos...
As quais o tempo fez produzi-las
Finjo...que não te perdi para sempre, Heróis, lutar jovem
Certas, se fazem fato central de uma vida.
Por esse motivo nunca as Às vezes leio velhas poesias. pela independência do seu país
deixarão adormecidas no cais,
Aneladas a tristezas e angústias Mas, só às vezes... é perder a juventude?
Tampouco dá guarida aos proveitos do que se fez.
E penso que são meus...
Apenas o querer que, as palavras ditas no papel
Sejam viajadas através do tempo, Aqueles idílios de saudade... Corrompendo-me como nunca fiz,
Fazendo-se cantigas no coração de quem ama
Assim o tornando um ser meramente feliz. Eu gostaria ser um poeta. admito que perderam a juventude.
Para pensar que não te perdi para sempre... Agora é para ganhar a velhice
Imortalizar-te-ia em meus versos! a qualquer custo?
Às vezes penso ser poeta!
Na pós-modernidade!
A usar velhos clichés!
E digo: ’’Dizer te amo...não é dizer bom dia’’
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canto da poEsia
inconsolado A Preta Manifesto contra
iziDiNE JAiME PETER PEDRO PiERRE PETROSSE minha natureza
Ando sozinho
Mesmo com gente movendo me os pés. vicENTE SiTOE
Me acho na vida. O dia estava deserto e cheio de tristeza. I
Decidi ir ao bar Magostosa. Um dia conheci o Nada
Um sorriso me arquiteta um novo rosto. do qual advinha tudo
Não me acho em lágrimas, Cheguei, Era igual à inexistência
Chorar é tão inútil como lembrar o que se foi Entrei, e residia em mim
e nunca tivemos. E sentei -me numa mesa.
Lá estava ela, Não entendendo a sua essência
Me encanta a minha pobre alma A minha fiel amante, busquei explicação em todo o universo
O pouco na vida é um muito que tenho. A minha mulande mulandinha, Até no Mundo da Sofia
Querer ter como outros A minha preta. Mas não decifrei o sinistro em mim
é tornar me pobre na riqueza que é minha.
Com o seu traje habitual. Havia nele algo de cósmico
Sou um tudo nesse vazio que me molda a vida. Bem geladinha e transpirando. Uma sobrenaturalidade natural
Não preciso embanceirar-me cores As gotas escorriam pelo seu corpo esbelto. Como se fosse óbvio
Para aceite como tal. que tenho várias existências
Sorriu para mim,
Pois... Retribui lambuzando os beiços. Noutro dia conheci a Vida
Aproximou-se exibindo a sua beleza, Ela estava fora de qualquer corpo
No meu grito minúsculo E sentou-se sobre a mesa. Não tinha nem a alma
Não me importam os muitos que ouvem Era a existência em sujeito
Mas os poucos que entendem. Projectou o seu olhar
No fundo do meu olhar. A vida levitava entre as ruas
No meu verso triste Não resiste, De geração à geração
Não me importam os que me secam as lágrimas Apliquei os meus lábios nela. De uma nação à outra
Mas os que choram comigo. Transportando o mesmo nada
Demo-nos um beijo longo, suculento
E altamente refrescante. Mas quando conheci a Morte
Um beijo com uma mistura de malte, Percebi que a minha vida não tem sentido
cevada, açúcar e água. Sou apenas uma ideia
Beijos com um sabor sem igual. um pensamento na cabeça da natureza
Beijamo-nos a noite toda, II
Até que eu não pudesse mais, Sou uma poeira orgânica andante
Pois já estava aturdido. Sou uma poeira cósmica pensante
Morte que traz a vida Demos um beijo de despedida
Esboço de um erro permanente
Uma ideia que inventou a si mesma
Com esperanças de um reencontro, e inventou muitas outras
Mas antes da minha partida,
Sussurrei Uma partícula quântica indivisível
ARTHUR DELLARUBiA “ Minha preta, tu és mesmo boa”. Pedaço de um sonho surreal
Significado oculto de um Nada
Sou campo de manifestações alheias
Talvez queira Sou a essência das reticências
Perder-me para além fronteiras
Exportar-me para que me recebas importado
Como um presente espero que me recebas embalado No fim da alegria do Estou cansado das loucuras da vida
Cansado das suas crónicas irónicas
Ate que a morte nos separe
Acho que não minha querida
Paizinho Cansado do preço das suas aventuras
Por isso escrevo este manifesto
Talvez alguém me vai ouvir
E certo que ainda te amo repare
Quase morto de4c saudades estou,
BENJAMiM TOMAS Cansado das psicologias da vida
nos encontraremos noutra vida segunda as quais ninguém é saudável
Estava o presente prometido pelo papai. apenas há pessoas não diagnosticadas
Que tu mesmo desejaste paixão Fatigado pelas matemáticas subtraentes
E como um, virei minha doce dama O inicio das aulas no carrinho novo de arame, … mais um amigo, menos dois
Embalado e soterrado naquele lindo caixão Naquele carro que todo paizinho dissolve-se
Com a promessa de casarmo-nos em espírito e alma Na avenida da felicidade. Me ensinem a fórmula da lucidez
Quero provar a minha sanidade mental
Para discordamos dessas míseras palavras Pequeno menino conduzindo na estrada da inocência Estou é cansado de ser confundido
Ate que a morte nos separe não existe Um carro de arame lindo, bordado nas mãos do pai. Que alguém feche o meu inconsciente
Pois ainda penso em ti, meu doce querubim Não quero mais viver de memórias esquecidas
Doce anjo, que me agasalha no frio, minha fada Lá brincava o menino
Sob o transito inocente do alcatrão. Sou reflexo do meu passado
Motivo das minhas lágrimas de saudade Será este um presente dos pais?!... e espelho do meu próprio futuro
E desse meu suicídio, que agora e absurdo Sou a parte descartável da natureza
Que me faz gemer nesse tédio, que e essa imortalidade Quando entre repentino som de travagem Pensando sobre vários nadas em mim...
Agora que que o altíssimo deu-te O estrondo do pneu rebentou! É pena que até o Nada termina
de novo a vida daquele mundo E o Paizito estava em baixo do grande camião
Uma voz gritou,
Choro… Mamãaaaaa!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Olhando para o teu novo futuro e feliz,
pequena princesa
Talvez eu queira ser o teu anjo de guarda, minha paixão
Dar-te o rumo quando perderes-te para alem fronteiras
Importante em minha mente,
já que foste exportada do meu coração Conteúdos desta página são da inteira responsábilidade do
Amor sem separação, e a vida… grupo Canto da Poesia do Facebook : http://www.facebook.
Bruta paixão
Que a morte a leva para mesma vida com/groups/185846178099556/
Reencarnação.
Recolha de Rafael Inguane - chuchueta@hotmail.com
10. Terça-feira, 16 de Agosto de 2011
10 BLA BLA BLA Exero 01, 5555
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Em outras paLavras
A interrupção das Viagens
mesmo tempo, ao dobro, numa só vez para um sofredor do povo, era inacreditável
MAURO BRiTO - MAPUTO aquela cena, parecia combinação de me fazer cair no desespero de afligir até no mais
fundo do ser. Uns no silêncio, uns bebendo algumas garrafadas de 2M, e outros ainda
-Não apague a luz, por agora não, por favor. recolhiam os cansaços. Não entendia com bons olhos aquele afrontamento.
Implorava eu ao motorista do autocarro onde viajara, a minha voz tudo dizia, A minha imploração parecia não ter parido frutos naquele mato com coelhos
sem mascara, como quando o cão é deixado pelo proprietário, para entrar em novas surdos, não convencera os viajantes daquele tempo, todos distraídos nos seus mentes e o meu ego, livros e citações. O pronunciamento da hospedeira não teve
estradas, chorando o cãozinho de manso só pela alma, em latir internamente animal, afazeres, alimentando as suas crias e suas bocas, sob o comando do motorista espaço no meu pensamento, descartei de imediato.
o choro não invade sequer os ossos que fazem o corpo. Enunciava pedires de favores Freitas, como era conhecido. Homem de varias viagens no seu currículo, fretava de Isso sim é que nutrição mental, queria mesmo é ler e debruçar aquelas palavras
sem muitos cortejos fúnebres. lá para cá. Sem respostas cedidas a mim, notei que o meu pedido fora condenado que o Mia escrevera naquelas páginas elucidativamente, mas que para muitos não
-Ao menos deixe-me terminar este capítulo onde me encontro, não demoro ao fracasso, nem um sim para apoiar na minha candidatura de leitura condigna passavam de letras órfãs; queria me suicidar naquele mato sem coelhos. Sem que
muitas horas, é que gosto muito de literatura, aprendi debaixo do cajueiro a ler e e fértil, se confirmara mais uma vez o insucesso de ler histórias e contos da boca, desse conta, o machimbombo avançava freneticamente, apetrechado de luzes,
a escrever. oralmente divulgados no tempo. A injustiça era tanta que nem conversas se faziam minhas vontades abafadas, maus agoiros serão? Aos bocados diminuía meus des-
-Nem mais, estamos já a começar a viajem, o sol já se pôs, e não quero diminuir a ouvir, todos no silêncio, ouvia-se apenas o motor roncar sem parar. Era injusto que contentamentos guardando-os para outra parte, a segunda; recolhi-me num silêncio
minha bateria de energias, uma boa musica caia vos muito bem, não essas colecções se estavam a comportar daquele jeito, sem explicações a dar, não reclamara apenas de quase séculos, o mencionado cenário ficou parecendo um funeral de alguém sem
que nada dizem, parecem jornais em bancas, anunciando fofocas diárias para tirarem por mim, pensava nos outros que compartilham das mesmas ideias, e ainda pelos belezas nem posses. Ergui as minhas mãos na cabeça, juntando conformidades no
nossos tostões do bolso mal cozido. que gastam noites e tintas redigindo textos e rabiscos, mesmo para aqueles que alheio, pensamento ausente.
O meu implorar preenchera vazio do cair da tarde, já diz o adágio despovoado, rabiscam e os guardam nas gavetas, pelas editoras, produtores, até chegar aos Recolhi o aconchego do livro, enterrei as palavras sem cerimónias, amaldiçoei os
que só chora quem precisa de mamar, chorava eu na minha própria personagem para leitores, reclamara por causa das noites perdidas pelo escritor, no suor para casar passageiros presentes, terminando-lhes a vida terrena, injustos com o justo.
ver o meu pedido satisfeito, infelizmente na lei do ser natural as coisas não funcio- palavras em verdadeiras obras de arte. O que faz de um livro, bom livro são as De repente a luz caiu como um véu negro, acalmando o escuro sombrio, tudo tem
nam de tal forma, ganha quem fizer parte do grupo dos apoiantes de maior numero palavras que lá misturam se, em versos, estrofes, parágrafos, o que faz do bolo um sombra, até agulha que seja; eu apalpava sem vergonha palavras no velho livro, letra
absoluto, a regra de sinais na matemática chama-nos para o mesmo ponto de vista, sucesso são os ingredientes e a forma como são misturados. a letra sem deixar nada para trás, o parágrafo anterior puxava-me para o próximo.
o resultado da soma de dois números de sinais contrários é ditado pelo numero de O meu devaneio foi interrompido por uma voz, era a hospedeira do autocarro, Afinei a vista como um gato de noite, espreitando os espíritos, no momento em
maior valor absoluto, no caso recente eu era o menor absoluto. Simplesmente não sabe desses autocarros que nada falta, tudo de bom, casa de banho, música, pro- que aguçava mais a vista para vislumbrar palavras, uma voz surgiu, anunciando o
tinha poderes perante o motorista e os restantes viajantes. Me rendo já. jecção de filmes, tudo para não cair em atenção total: início do verdadeiro percurso. Iniciávamos a partida ao nosso destino, passávamos
A lua ocupara já o seu devido lugar, dançando entre algumas estrelas no nascente, Temos água, sumos e refrigerantes, estão a temperatura ambiente, quem quiser já pela ponte do rio limpopo, cabisbaixos e desatinados, todos distraídos pelo
pendura-se ao alto do mais alto da noite brava, no autocarro, mulheres, crianças, que me diga. Dirigia-se a passageirada. escuro e pelas vozes atrapalhadiças, então lembrei me que nunca lutara e denun-
e jovens como eu, gozavam dos saltos oferecidos pela estrada mal concebida, não O meu olhar para com ela já era mais apurado, confiante em mim mesmo, ciara atrocidades por causa destas bisbilhotices, apenas os livros e as palavras de
nacionais. O soprar do inverno quase que me congelara as reclamações de direito, para que pudesse denunciar sem arrepios os meus desagrados, nada de sumos e ensinamentos, que antes lera, ficaram semeadas no meu subconsciente como uma
estava com a pele nua, num castigo total de corpo e alma, sofria dois castigos ao refrescantes, agora nem nunca, ideias e acontecimentos e que melhor refrescam as gota de esperança