Como base para esta análise foram usados textos diversos, como: A semiótica da canção de Luiz Tatit (1994), artigos da revista Sonora (UNICAMP), e o artigo da Prfa Adriana Facina da Universidade Federal Fluminense entre outros.
1. GÊNERO TEXTUAL MÚSICA
AS SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE O FUNK E O RAP
RESUMO
Esta é uma análise comparativa do gênero textual musica, à luz da Semiótica em
especial a da Canção (Tatit L. 1994), que desvela as possibilidades de uso do
mesmo, como material didático no ensino de línguas. Comparando dois estilos
musicais o Funk e o Rap brasileiros, uma inúmera quantidade de atividades
aplicáveis em sala de aula, foi constatada. Todas essas informações contribuíram
para o estabelecimento de uma interdisciplinaridade, por gerar um dialogo entre a
linguística, a história, a sociologia e a musica entre outras disciplinas, aplicável em
sala de aula.
Palavras-chave: música, educação, gênero textual, Rap, Funk
O FUNK E O RAP
Na analise comparativa do gênero textual musica há que se considerar os diferentes
tipos ou subgêneros que constituem o mesmo. Esses tipos podem ser diferenciados
tanto pelo ritmo quanto pela composição das letras, caso do Funk e do Rap, por
exemplo, que são o foco deste trabalho. Apesar das características próprias, ambos
possuem a mesma origem.
O corpus dessa análise são o Funk da dupla Cidinho & Doca (MC Cidinho e MC
Doca) , “eu só quer ser feliz” e o Rap de Mv Bill, “só Deus pode me julgar”. A análise
comparativa destas duas músicas busca entender pela observação e comparação
suas formas de abordar os temas, sua tipologia textual, estruturas e formação de
sentido.
ESTRUTURA GERAL DA CANÇÃO
Canções populares quase sempre têm uma estrutura bem definida. A estrutura
tipicamente usada tem de três a cinco secções musicais separadas que são
utilizadas em conjunto para formar uma música completa. A estrutura típica de uma
2. canção é geralmente encontrada nesta ordem:
Introdução
Verso
Refrão
Verso
Refrão
Conclusão
A SEMIÓTICA DA CANÇÃO
A Semiótica da Canção estuda o sentido que nasce do encontro da letra com a
melodia. Sua idéia central é a de que a compatibilidade entre as duas componentes
da canção acontece quando o gesto entoativo usado na fala cotidiana é preservado,
como um perfil que orienta o desenvolvimento da melodia. Assim, as ascendências
e descendências que normalmente usamos para nos expressar, são aspectos
reproduzidos no desenvolvimento melódico de uma canção. Os compositores e
intérpretes buscam um equilíbrio entre a conservação dessa voz que fala dentro da
voz que canta, o gesto musical, alguns pendendo mais para a explicitação dessa
presença da entoação, outros mais para a elaboração musical.
Criada por Luiz Tatit, a Semiótica da Canção filia-se à de Linha Francesa, que tem
na Semiótica Tensiva sua face mais avançada e mais musical. Segundo o próprio
Tatit, a Semiótica Tensiva poderia até se chamar Semiótica Musical, dada a
proximidade de muitos dos seus conceitos com o modo pelo qual os músicos
compreendem ou tratam a linguagem a que estão dedicados. Aspectos como
andamento, tonicidade, expansão, concentração, incoatividade (como algo começa),
duratividade (como se desenvolve) e terminatividade (como finaliza), tudo isso é
assunto comum à Música e à Semiótica Tensiva. Nada mais natural que nasça,
dentro dessa teoria, a Semiótica da Canção, embora Tatit sublinhe a diferença entre
canção e música.
3. A HISTÓRIA DO FUNK E O RAP
A origem do termo Funk está fortemente associada ao sexo: “tratava-se de uma
gíria dos negros americanos para designar o odor do corpo durante as relações
sexuais” (MEDEIROS, 2006, p. 13). Foi por volta de 1968 que a gíria “funky” perdeu
seu significado pejorativo e passou a remeter seu sentido a algo como orgulho
negro.
O Funk nasceu nos EUA na metade da década de 1960 como forma de expressão
musical prioritariamente negra. Sua característica marcante sempre foi a dança
sensual que seu ritmo promove, com um rebolado característico que impera até
hoje. Nessa época existia um forte movimento de segregação racial (apartheid) e a
população negra era obrigada a se “separar” da branca por lei.
Um dos pais do Funk, James Brown, acrescentou metais e suingue ao Jazz/R&B
(Rythm and Blue) e tirou a ênfase na letra, transformando-a assim em um ritmo mais
popular. Historicamente o Funk deu origem a outros subgêneros como o rap, disco
music, hip hop, samba funk, etc.
O Funk carioca, uma espécie de subtipo do Funk, surgiu no início dos anos 70 em
bailes da zona sul da cidade, especificamente no Canecão, influenciados pelo ritmo
Miami bass. Posteriormente, quando passam a ser chamados de bailes da pesada,
são transferidos para a periferia, com os bailes acontecendo em diferentes lugares.
Ligado ao público jovem, esse gênero musical tornou-se um dos maiores
fenômenos sociais de massa do país.
No início dos anos 2000, o Funk carioca perdeu um pouco da sua característica
original e tornou-se conhecido no mundo todo quando djs como Diplo e Marlboro
passaram a “exportar” essa modalidade sonora.
Por fim temos o funk ostentação, original de são Paulo, onde os temas centrais
abordados nas músicas referem-se ao consumo e a propriamente dita ostentação,
onde grande parte dos representantes procura cantar sobre carros, motos, bebidas
e outros objetos de valor, além de fazerem frequentemente citações à mulheres e
4. ao modo como alcançaram um maior poderio de bens materiais, exaltando a
ambição de sair da favela e conquistar os objetivos.
O Rap, um subgênero do Funk, também conhecido como emeceeing (de onde vem
a sigla MC – mestre de cerimônia) possui um discurso rítmico ou de poesia que
pode ser interpretado a capella ou sobre o sampler de outra música.
A origem do Rap remonta à Jamaica, mais ou menos na década de 1960 quando
surgiram os sistemas de som, que eram colocados nas ruas dos guetos jamaicanos
para animar bailes. Esses bailes serviam de fundo para o discurso dos "toasters",
autênticos mestres de cerimônia que comentavam, nas suas intervenções, assuntos
como a violência das favelas, a situação política da Ilha, sexo e drogas.
No início da década de 1970 muitos jovens jamaicanos foram obrigados a emigrar
para os Estados Unidos, devido a uma crise econômica e social que se abateu
sobre a ilha, levando com eles a tradição dos bailes de rua e seus ritmos.
CARACTERÍSTICAS DO FUNK BRASILEIRO DE PERIFERIA
Estrutura: letra pobre e repetitiva assim como a melodia, esta, marcada por uma
batida de musica eletrônica acelerada e sobreposta ou intercalada por mixagens
diversas.
Composição: o estilo musical é fruto de uma cultura de apologia ao consumo e ao
sexo, é um movimento cultural voltado para as grandes periferias brasileiras e as
classes menos privilegiadas que as povoam, em especial o publico adolescente. É
de fácil assimilação e memorização, usando gírias próprias do estilo (funkeiro).
Estilos mais comuns de FUNK: o ostentação e o melody (com letras mais
românticas).
CARACTERÍSTICA DO RAP:
Estrutura: suas letras possuem um formato de discurso poético sendo o texto mais
importante que a melodia. Como o Funk também tem uma batida bem marcada,
mas com uma melodia mais densa e pesada.
Composição do Rap: de caráter mais político o canto do rapper é mais uma
declamação do que um cantar propriamente. Decorre sobre temas como a vida na
5. periferia, religião, trafico de drogas, o submundo dos crimes, violência doméstica,
poder judiciário e a vida dos detentos em presídios de regime fechado.
A INTERTEXTUALIDADE ENTRE O FUNK BRASILEIRO DE PERIFERIA E O
RAP
Ambos estilos musicais, o Funk e o Rap, dialogam tanto na ideologia como no ritmo
e na origem. A intertextualidade nas letras do FUNK e do Rap se dá pelas partes
onde falam sobre miséria, cultura, ideologia, religião, política, consumo e sociedade.
Os dois estilos de música possuem letras pesadas. O FUNK brasileiro de periferia
faz apologia a ostentação, a lascívia, muitas vezes denegrindo a imagem da mulher,
e usa de um linguajar chulo e palavrões. Já o Rap faz uma critica socioeconômica,
em especial ao governo e seus aparatos de segurança, falando sobre crimes como
morte, extorsão, e a sociedade elitista.
O CORPUS
CIDINHO & DOCA, “EU SÓ QUERO É SER FELIZ”
A letra deste Funk tradicional carioca, o “Proibidão”, tem uma estrutura diferente do
padrão clássico de canção, uma vez que inicia-se pelo refrão que é repetido várias
vezes no decorrer da mesma, fazendo dessa repetição uma forma de lamentação
ou súplica pela paz e pelo direito de andar tranquilamente nas ruas da favela e
menciona Deus.
Ele tem como tema a desigualdade social, falta de segurança, além dos contrastes
entre pontos positivos e negativos da cidade de rio de janeiro.
A tipologia textual é predominantemente argumentativa discursiva e expositiva,
porém com traços de narração sendo assim heterogênea, e um eu lírico expresso
na primeira pessoa.
A estrutura da canção possui a batida tradicional do funk que possui um ritmo mais
acelerado que o Rap, mas ainda tem a lírica fortemente presente ao contrario dos
atuais funks paulistas, onde a melodia ou mixagens são o foco da composição. A
letra apresenta rimas emparelhadas e estrofes em quadra.
6. Abaixo, trecho da canção:
Eu só quero é ser feliz,
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é.
E poder me orgulhar,
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.
Fé em Deus, DJ
Eu só quero é ser feliz,
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é.
E poder me orgulhar,
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.
repete refrão
Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer,
Com tanta violência eu sinto medo de viver.
Pois moro na favela e sou muito desrespeitado,
A tristeza e alegria aqui caminham lado a lado.
Eu faço uma oração para uma santa protetora,
Mas sou interrompido à tiros de metralhadora.
Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela,
O pobre é humilhado, esculachado na favela.
Já não aguento mais essa onda de violência,
Só peço a autoridade um pouco mais de competência.
repete refrão
Diversão hoje em dia, não podemos nem pensar.
Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar.
Fica lá na praça que era tudo tão normal,
Agora virou moda a violência no local.
Pessoas inocentes, que não tem nada a ver,
Estão perdendo hoje o seu direito de viver.
7. Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela,
Só vejo paisagem muito linda e muito bela.
Quem vai pro exterior da favela sente saudade,
O gringo vem aqui e não conhece a realidade.
Vai pra zona sul, pra conhecer água de côco,
E o pobre na favela, vive passando sufoco.
Trocaram a presidência, uma nova esperança,
Sofri na tempestade, agora eu quero abonança.
O povo tem a força, precisa descobrir,
Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui.
repete refrão
MV BILL, “SÓ DEUS PODE ME JULGAR”
Este Rap de forte teor crítico a sociedade, usa do discurso religioso em seu titulo,
aborda a forma de encarar a realidade pelas classes menos favorecidas,
principalmente afrodescendentes, diante da corrupção e a má distribuição de renda
do Brasil.
A canção tem como tema principal em sua letra a desigualdade social e a
corrupção.
Em sua tipologia textual existe a predominância de traços descritivos, mas também
há a dissertação argumentativa e expositiva, formando uma sequência tipológica
heterogênea, enunciada por um eu lírico em primeira pessoa.
Quanto a estrutura tem como base o rap tradicional rimado, neste caso rima
emparelhada em quadra e um diferencial, a introdução musical é feita por violino e
trompete, nada comum neste tipo de música.
Seguem alguns trechos, para observação:
Vai ser preciso muito mais pra me fazer recuar
Minha auto-estima não é fácil de abaixar
Olhos abertos fixados no céu
Perguntando a Deus qual será o meu papel.
8. Fechar a boca e não expor meus pensamentos
Com receio que eles possam causar constrangimentos
Será que é isso? Não cumprir compromisso
Abaixar a cabeça e se manter omisso.
A hipocrisia, a demagogia
se entregue à orgia, sem ideologia,
a maioria fala de amor no singular
Se eu falo de amor é de uma forma impopular
É! Mantenho minha cabeça em pé!
Fale o que quiser, pode vir que já é!
Junto com a ralé Sem dar marcha ré!
Só Deus pode me julgar, por isso eu vou na fé !
Soldado da guerra a favor da justiça
Igualdade por aqui é coisa fictícia
Você ri da minha roupa, ri do meu cabelo
Mas tenta me imitar se olhando no espelho
Preconceito sem conceito que apodrece a nação
Filhos do descaso mesmo pós-abolição
Mais de 500 anos de angústia e sofrimentos
Me acorrentaram, mas não meus pensamentos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O volume de informação gerado por esta análise, apontou para uma diversidade de
ações pedagógicas possíveis de serem ministradas em sala de aula, contribuindo
para o estimulo do estudo de línguas. Também ficou comprovado a grande valia do
uso da música no estudo da lingüística, dos gêneros textuais, sendo ela um deles, e
de línguas em geral pelas várias formas de enfoque que a análise deste tema nos
oferece. A partir desse estudo, um plano de aula para o ensino fundamental e médio
foi criado.
9. REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA:
MEDEIROS J., Funk Carioca: Crime ou Cultura?: o som dá medo e prazer. 2006 –
Ed. Terceiro Nome
EDUARDO, A guerra não declarada na visão de um favelado. 2012
http://www.aguerranaodeclaradanavisao.com.br
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Funk paulista troca violência por luxo
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http://vejasp.abril.com.br/materia/funk-ostentacao-paulista
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O FUNK DA OSTENTAÇÃO EM SÃO PAULO
Jovens MCs transformam o estilo criado no Rio de Janeiro num hino à exaltação da
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Rafael de Pino
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O FUNK NO BRASIL: MÚSICA DESINTERMEDIADA NA CIBERCULTURA
Lucina Reitenbach Viana
http://www.sonora.iar.unicamp.br/index.php/sonora1/article/viewFile/32/31
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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DA CANÇÃO
Matéria:
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Kristoff Silva, kristoffsilva@gmail.com
http://rbec.ect.ufrn.br/index.php/Cais_uma_análise_ancorada_na_Semiótica_da_Ca
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ARTIGO
“NÃO ME BATE DOUTOR”: FUNK E CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
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Federal Fluminense. adriana.facina@hotmail.com.
http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19190.pdf
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Autora: Iara Rosa Farias - irfarias@ig.com.br
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Site Brasil Escola
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http://www.brasilescola.com/artes/funk.htm
Tribo Funk
http://www.tribofunk.com/historia/
Complexo Funk
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Coluna repórter terra
História do funk: do soul ao batidão
http://www.terra.com.br/reporterterra/funk/historia_do_funk.htm
consulta 25/10/2014