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O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA IV
Dezembro 2011
Natalinovas
O Madeiro de Natal
O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA IV
Dezembro 2011
Natalinovas
O Madeiro do Natal
O NATAL
FICHATÉCNICA
Título
ONatal na Voz doPovo deProença-a-NovaIV–Natalinovas
OMadeiro na vidaevoz doPovo deProença-a-Nova
Coordenação
João CrisóstomoManso (VereadordoPelouro daEducação)
Autores
Miró (José Ribeiro Farinha); Orfeu (José Ribeiro Farinha);
Bebé (José Emílio Sequeira Ribeiro), Argonauta (Virgílio Dias
Moreira); Guigui ( Margarida Ferreira Alves); Cravo (Daniel
RodriguesSerrano); Maria Rosário (PatríciaAlexandra Barata
Cardoso); Morena Clara (Bárbara Patrícia da Silva Cruz Vaz);
Alice Maravilhas (Catarina Vilhena); António Tostado
(Gonçalo Grilo); Luísa de Mello (Maria João Bairrada); Gucci
(Renata Fragoso)
Ilustradores
Alfredo Cavalheiro, Francisco José Simões Cabral, Paulo
Santiago, Sílvia Mathys, José Ribeiro Farinha, Maria do
Rosário Barata Cardoso
Colaboradores: Gabinete de Comunicação da Câmara
Municipal de Proença-a-Nova, Carla Gaspar - Biblioteca
Municipal de Proença-a-Nova, Prof. António Gil Martins
Dias, Prof.AlfredoBernardoSerra, Prof.HelenaNunes
Edição
Câmara Municipal deProença-a-Nova
1ª Edição,Dezembro 2011
Tiragem
500exemplares
Impressão
GráficaProencense
DepósitoLegal
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
NOTADEABERTURA
A lareira à volta da qual se junta a família, o lume
bem quente para fritar as filhós, o grande madeiro
nos adros das igrejas, à volta do qual amigos e
vizinhos se juntam em convívio. O fogo é uma
presença constante nas noites frias da quadra
natalícia e um símbolo de partilha e encontro. À
volta da fogueira contam-se histórias, recordam-se
outros tempos, junta-se calor humano ao calor que
daschamaschega.
Escolhida como tema da edição deste ano do
concurso Natalinovas, a tradição do madeiro foi
durante décadas mais do que um momento na noite
de Natal. Prolongava-se por todo o mês de
Dezembro, quando os rapazes começavam a
procurar os maiores cepos para alimentar o fogo.
Continuava nas animadas aventuras para carregar a
madeira, sem os meios que há hoje, até empilhar
lenha suficiente para fazer arder horas e horas a fio a
fogueira do convívio entre gerações, mas sobretudo
entrea rapaziada novadecada povoação.
Nos contos que aqui se recolhem recordam-se esses
momentos, com realismo e nostalgia. Tal como se
procuram as raízes e explicações antropológicas para
este costume. Mas nos textos e poemas desta quarta
edição da iniciativa nada se resume ao madeiro,
porque à semelhança do que tem vindo a acontecer
nos últimos anos é convocada uma panóplia de
temas que ilustra a riqueza da vivência do Natal: da
gastronomia à troca de presentes, do presépio aos
cânticos da quadra, sem esquecer os valores morais e
espirituais e o calor humano de uma noite que se
sonha sempreemfamíliaepaz.
Promover esta recolha significa assegurar a
preservação de memórias e tradições, ao mesmo
a
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
7
tempo que se procura valorizar e estimular a criação
literária, que tem primado pela qualidade. A adesão
à iniciativa, ano após ano, é o melhor sinal de que
vale a pena. Histórias pessoais cruzam-se com a nossa
história comunitária, por isso não haverá quem não
se reveja em pelo menos alguma passagem deste
livro, quenos enriquecea todos.
João Paulo Catarino, Presidente da Câmara
O NATAL
8
8
PREFÁCIO
Os escritos poéticos e as narrativas sobre a tradição do
«MADEIRO» de natal constituem-se nesta quarta edição
do “Natal na Voz do Povo de Proença-a-Nova» como baú
de memórias do ritual genuíno e do espírito autêntico do
madeiro denatal.
Mais uma vez fomos agradavelmente surpreendidos pela
veia literária e originalidade dos autores nos registos e na
abordagemao temadafestivaquadra natalícia.
As histórias contadas memoriam figuras castiças, narram
aventuras e peripécias, aludem aos sentimentos tão
característicos do «ir buscar o madeiro» e de todo o
ambiente social e cultural à sua volta. Com ‘Variações
sobre o madeiro do natal’, Orfeu presenteia-nos com um
extraordinário ensaio evocativo «das muitas tradições
milenares do fogo como objecto de culto» e por
associação cultural a tradição do madeiro ‘que a Igreja
soubeassimilarderitos pagãos daera pré-cristã’.
O calor humano à volta do madeiro é uma referência
comum nos textos. Neles tem expressão a euforia do
ritual e a compreensão dos “donos” do madeiro
«roubado, achado» no campo, porque afinal o madeiro «é
p´ra aquecer o Menino Jesus», como «manda a tradição
ancestral».
Na confirmação do madeiro de Natal como lugar que é
«ponto de encontro, partilha, o eterno retorno ao coração
das raízes», renova-se no madeiro o espírito do natal
porque, como escreve António Tostado, «Não há Natal
semMadeiro, não háMadeiro semNatal!»
Alfredo Bernardo Serra
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
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O NATAL
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OMADEIROEOMENINO
(quadras cerzidas)
Não hánatal semMenino
Nemcalor sembombraseiro;
Não hábafo semburrinho
Nemlenhasembommadeiro.
Está murchoo braseiro
Etirita o Menino:
Pegaifogo ao madeiro,
Deitaicá maisumcopinho!
ÓMenino, vindecá!
Para a roda dafogueira,
Deixaias beatas lá,
Queaquihábrincadeira!
Étão perto o terreiro,
São doispassosdemenino:
Está embrasa o madeiro
Eo petiscojáprontinho…
Não Vos ralha Vosso pai,
Quejáestá a “escarneirar”
E,Vossa mãe,sossegai,
Quesó Vos querespreitar!
Já cá está o Deus-Menino!
Cantemostodos à vez;
Glóriaao Deuspequenino,
Queemdezembro éo seumês
E,à volta domadeiro,
Dancemos comDeustão belo,
Que,desta vez,no terreiro,
Não assenta o caramelo!
Gil– natalde2011
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Natalinovas
O Madeiro do Natal
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O ESPÍRITO DO MADEIRO
Para aquecer o Menino
Na noite da Consoada
Manda a tradição ancestral
Que no adro da igreja
Ou bem no centro da aldeia
Se acenda a grande Fogueira
Do Madeiro de Natal,
Para que à sua volta se viva
O nobre espírito da Quadra
Em paz e alegria sem igual!...
Reza ainda a tradição
Que não se poupe na lenha,
Que cedo os jovens comecem
A juntar uma grande meda,
Oferecida ou roubada
Ou pelos campo achada
Para que na data aprazada
Esteja no adro da igreja
Ou bem no centro da aldeia
Em pirâmide amontoada!...
Todos os caminhos apontam
À Fogueira agora acesa
Para viver em torno dela
Num clima quase irreal
Um convívio sem barreiras
Que olhe a todos por igual!
Alegria transbordante
Festa livre sem fronteiras
Num clima contagiante
Junto às chamas da Fogueira!
Línguas de fogo nas alturas
Sorrindo às estrelas lá no alto!
A incendiar a noite fria e escura
Bailam as labaredas da Fogueira
Derramando sonhos de ventura,
Ilusões de alegria, ainda que breve,
A fazer esquecer mágoas e tristezas…
Mais confiante espera agora o povo
Na animação daquela noite plena,
Que bem depressa chegue um tempo novo!
Ponto de encontro, partilha
Natal, o “eterno retorno”
Ao coração das raízes!
Pela estrada ou por carreiros
Ou tão só pelo pensamento,
Não há muros nem barreiras
Que apaguem os velhos sulcos
Dos trilhos que dão à aldeia
E à Consoada em família
No conforto da lareira!...
Pseudónimo: Miró
Poema inédito, Agosto de 2011
O ESPÍRITO
DO
MADEIRO
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
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VARIAÇÕESSOBREOMADEIRODENATAL
Falar do Madeiro de Natal é evocar uma das muitas tradições milenares do fogo
como objecto de culto, elemento ritual e simbólico que o povo vem celebrando ao
longo de gerações, passando assim o testemunho do que vem de tempos muito
idos. Na nossa terra como pelo País em geral, as gentes das aldeias, crentes na sua
maioria, não deixam extinguir as práticas do passado que, tendo muitas delas
origempagã, foram sabiamenteassimiladaspelaIgreja.
O Madeiro que na noite de Natal brilha no adro da igreja ou no centro de
qualquer aldeia, lugares simbólicos por excelência, propicia um ambiente festivo e
contagiante de encontro e de harmonioso convívio, na celebração colectiva da
noite de Natal pelas populações, a todos unindo num grande abraço. Continua
por isso a representar uma das expressões maiores dos rituais da Natividade que o
povo venera.
A Fogueira ou Madeiro de Natal - e o espaço envolvente - é como que uma grande
lareira ao ar livre, a transposição em escala alargada do madeiro da lareira que, por
tradição e necessidade, se mantém aceso na intimidade do lar e da família. O
madeiro é o elemento primordial do fogo, suporte catalisador da lenha que o
completa. Tanto no recato do lar como no espaço aberto e festivo onde brilha, a
luz e o calor imanados geram uma força marcante que humaniza os locais onde se
mantémaceso.
No adro da igreja ou no centro da aldeia o Madeiro de Natal antes, durante e
depois da missa do Galo é, além de ponto alto das celebrações natalícias, fonte de
animação e de alegria na noite da Consoada. Em casa, à lareira com a família
reunida e feliz, a mesa repleta das óptimas iguarias da quadra, ou em redor do fogo
do Madeiro, uns e outros confraternizando, eis a noite de Natal que se deseja mas
quenemtodos, infelizmente,conseguemviver.
Com saudade recordo o tempo em que me juntava aos rapazes da terra no esforço
de juntar muita lenha que, mesmo nos casos de furto, gozava de alguma tolerância
por parte dos lesados. A utilização de tractores facilita hoje a tarefa mas, no meu
tempo, era tudo arrastado ou carregado pela malta, às vezes ajoujada com molhos
e ramos às costas até ao local da fogueira. Só os madeiros pesados – tanto para a
Fogueira de Natal como para a de S. João, que era famosa na minha aldeia – eram
arrastadosporjuntas debois.
E já que a referi, não resisto à tentação de deixar umas palavras sobre a Fogueira de
S. João: no cimo do monte em frente à aldeia, era erguido um cilindro gigante
composto por pinheiros grandes fixados nos buracos abertos em círculo, cujo
interior era recheado de pinheiros mais pequenos e lenha miúda já seca. Como se
imagina, ao acender-se a fogueira lá no alto, as impressionantes labaredas criavam
imagens fantasmagóricas que se avistavam das aldeias vizinhas. Perante tal
espectáculotoda a genterecuavaespavoridaaos gritos deadmiração edetemor!
Retomando a Festa do Madeiro lembramos muitos momentos felizes vividos à sua
volta! Miúdos e graúdos, novos e velhos, ricos e pobres, todos irmanados no
mesmo espírito de amizade fraterna. Noites para esquecer mágoas e carências e os
graves desníveis sociais que perduram hoje. Gritos e algazarra abafavam os sinos
aaa
17
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IVNA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
que chamavam para a missa do Galo. Com nostalgia recordo, como se em
imagens projectadas desses anos os visse, muitos dos amigos que já não estão entre
nós.
Algumas figuras castiças pululavam, com um grãozinho na asa, em cenas
oradivertidas ora grotescas, no largo da festa. Misturavam-se com os miúdos na
farra, cada qual exibindo o seu número… Ano após ano, enquanto a idade e a
saúde lhes permitiu. Um desses pândegos, mau carácter e carrancudo quando
sóbrio, virava afável e bem-disposto quando estava com os copos. Não dava uma
peça de fruta a uma criança e ai daquele que baixasse um ramo de árvore sua que
era logo corrido à vergastada. Acabou por mudar radicalmente com o nascimento
de um neto, que muito desejara e sempre reclamara à única filha casada. Coisas da
vida…
Voltando à tradição, não variam muito as práticas rituais mas a designação difere
de acordo com a região do País: Madeiro ou Fogueira de Natal, Fogueira do Galo
ou da Consoada, Queima do Cepo, etc., etc. Certas aldeias transmontanas
competem entre si pela maior meda de lenha junta e pela fogueira mais
espectacular. Mas nada de vencedores ou vencidos que a avaliação é feita mais
pelo tamanho da vontade de cumprir a tradição do que pela altura que as chamas
podematingir!
Noutras regiões, o Madeiro deve arder até ao dia de Reis e a tradição manda que se
leve para casa – contra os raios e os trovões - o “fogo sagrado”, transportado em
brasas da Fogueira ou num tição aceso nela. Sem dúvida uma alusão ao mito do
titã Prometeu que “roubou o fogo aos deuses para o entregar aos humanos”,
contra a vontade de Zeus que depois se vingou. Terá sido ajudado por Atena,
deusa da Sabedoria, que “insuflou nas estátuas de argila que o titã tinha
modelado o espírito do sopro divino, tornando-as criaturas à semelhança dos
deuses”... Isto, segundo o mito grego que apareceu pela primeira vez na
“Teogonia” doépicoHesíodo,(Séc.VIII a.C.).
O fascínio do fogo criou inúmeros mitos onde aparece sempre como
protagonista. Na observação dos fenómenos naturais, como as descargas com
faíscas e raios que provocavam incêndios, o homem aprendeu a lidar com o fogo.
Passou a saber dominá-lo e a aperfeiçoar a sua utilização para benefício próprio –
sem descurar os perigos da sua natureza indomável, tantas vezes a provocar
catástrofes - transformando-o num poderoso meio para modificar o mundo.
Companhia do homem nas cavernas a aquecê-lo, a iluminá-lo, a cozer os
alimentos, a afugentar as feras etc., o fogo ajudou a criar as bases do culto social da
reunião dafamíliaemtorno daindispensávelfontedecalor edevida.
Não admira pois que perdurem, profundamente enraizados, tantos vestígios de
rituais com base no fogo e nas fogueiras, muito para além da sua utilização prática
no dia a dia das pessoas. Lembramos, por exemplo, o hábito de saltar o braseiro da
Fogueira de S. João e de outras fogueiras com os pés descalços como purificação e
limpeza contra as doenças, o fogo como expiação e castigo, os diabólicos e
estranhos rituaissatânicos, etc.etc.
Voltamos à celebração do Natal, agora como pretexto para o regresso dos que
vivem fora da terra. Evocar aqui o Madeiro é viajar ao sabor das recordações a
lembrar outros natais, outras gentes. É repisar pela mente os caminhos mágicos da
infância, as corridas pelos campos em competição pela lenha que, dia após dia,
aaaa
O NATAL
18
engrossava a pirâmide que crescia no largo, é lembrar os conflitos com os mais
avarentos que não contribuíam para a Fogueira e obrigavam a rapaziada a devolver
os madeiros roubados… pois não reza a tradição que a lenha deve ser roubada?
…É, enfim, reviver tradições que apesar das mudanças, no essencial, continuam
quase como eram no tempo da meninicedos que regressam hoje com os filhos e os
netos.
As fogueiras e os presépios trazem-nos à memória os belos serões à lareira, a
gastronomia própria da quadra, os odores dos saudosos manjares da Ceia da
Consoada preparados pelas mães sempre presentes. Tantas memórias vivas que
justificam o retorno às raízes, em datas festivas como o Natal ou a Páscoa. Muitos
visitam então a terra de origem para confraternizar com familiares e amigos na
certeza de poderem cruzar-se, à volta da Fogueira ou à saída da missa, com antigos
parceiros de jogos e traquinices e com eles recordar outras tradições vividas na
infância que vão ficando esquecidas. Ao acaso lembro: a Festa do Galo pelo
Carnaval, o cantar das Janeiras pelos Reis, as Maias na Primavera, o Serrar da
Velha, as caqueiradas do Entrudo, os Banhos e a Fogueira de S. João que atrás
referi,etc.etc.
O Madeiro, como se sabe, remonta a tempos imemoriais. Como muitas outras
tradições ancestrais, tem ascendentes num misto de velhas crenças e superstições
de práticas religiosas com ritos pagãos da era pré-cristã que a Igreja soube
assimilar, como aconteceu com outros ritos. Pensamos estar a tradição do
Madeiro ligada à antiga festa da “Adiafa”, para celebrar as safras das vindimas e da
azeitona com muita animação, bailaricos e comezainas, no solstício de Inverno…
Quando a “mãe – natureza termina um ciclo de parição e entra no pousio, antes
de nova fertilização”. A assimilação ou apropriação por parte da Igreja Católica,
deu-se também com algumas romarias de tradição camponesa e popular ou com
certos ritos como as Maias…
Festas primaveris para celebrar a floração dos campos, promessa de boas
colheitas, as Maias estão hoje em dia praticamente esquecidas. Na minha
juventude participei várias vezes, com a malta jovem da aldeia, (Figueira), nos
festejos anuais. Também aqui, fazendo embora um certo desvio do tema, não
resisto a deixar um cheirinho do saudoso ritual. Decoravam-se as portadas das
casas com raminhos de oliveira e de sobreiro, papoilas, espigas de trigo, etc.
Apanhavam-se depois flores para fazer colares que os jovens exibiam ao pescoço.
Em seguida, rapazes e raparigas iam pelas ruas, os cabelos enfeitados de ramos e
flores e os colares pendentes, a cantar: “Vito-Maio aos moços/ Vito-Maio às
cachopas/ Uma malguinha de castanhas/ Vou pedir por estas portas/… Vito-
Maio, Vito-Maio… Maio,Maio”, etc., a que os moradores correspondiam com
castanhas piladas,confeitos erebuçados…Outros tempos,grande saudade!
FIM
Composição livre sobre o tema proposto, escrito de acordo com a antiga
ortografia
Pseudónimo:Orfeu
Agosto de20011
SAUDADE…
Poucos repararam naquela figura encostada à
parede a um canto. A figura principal era a fogueira que já
crepitava bem no centro daquele largoperto da igreja. Até
os que lhe dirigiam a salvação ficavam sem resposta, o
corpo estava ali mas a mente andava a divagar por outros
lados,poroutras épocas,comoutras gentes…
Por um canto do olho vislumbrou do outro lado
da fogueira o Zeca Bairrada, sorriu, veio-lhe a lembrança
daquela vez que foram para o lado do Labrunhal
“roubar”, não, não foram roubar, foram apropriar-se do
tronco de um sobreiro que o dono tinha cortado e
pensava ter a bom recato, pois tinha-o tapado com ramos,
já que era o mês de Dezembro e a malta da vila se o visse
era certo que o cobiçaria e enquanto não o levassem não
descansavam.No outro diaacabaria o serviçocom a ajuda
do vizinho, até porque o serrote precisava de levar um fio
e acertar-lhe a trava, serviço que faria depois de jantar, já
que as noites eram grandes. Por hora estaria a bom recato,
era perto dacasa, não iahaverproblemas.
O Zeca passou junto à casa do Trocado, ia com a
junta de bois à mão, aguilhada às costas, assobiou, por
entre o portão apareceu a cabeça do Jaquim, ornada pelo
farto bigode que lhe era característico, com os dedos fez
sinal, nove, levantou o polegar, não foi preciso mais nada.
Novehoras, sítiodocostume,Senhora dasNeves…
Ainda se virou para trás e, sem se deter, disse secamente: -
Dizao Diogo eaos domarceneiro.
Passou pela Devesa, o António Russo estava à
porta da tasca do António Serra, o estado era o costume,
já bem aviado, com um abanar de cabeça reprovador foi-
lhe dizendo: - vai curti-la, logo temos serviço, diz ao teu
irmão Alfredo e ao Mudo, o sítio é o do costume, se vires
mais alguém avisa, que eu dou um salto a avisar os do
outeiro.
Seguiu para guardar os bois no curral do patrão,
o tio Chico…, deu a volta pelo outeiro, viu o Luís, deu-lhe
o recado e recomendou-lhe que não se esquecesse do
toucinho para derreter, pois era preciso untar as rodas do
carro de bois que já chiavam muito, recomendou-lhe
ainda quedissesseaos seusirmãosJoséMaria eFernando,
SAUDADE…
19
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
poisera malta deforça.
O Luís, triste, bem lhe disse: - a “velha” viu-me ao
pé da salgadeira, correu comigo de lá, nem me deixa
aproximar e aos meus irmãos é a mesma coisa. Talvez o
Joaquim Bolhalhas arranje, a mãe vai ajudar nas
matanças, sempretraz algum toucinho quelhedão.
-Deixa isso comigo, disse perante tanta
dificuldade, eu peço ao ti Manel da Isna, digo que é para
o carro do meu patrão e fica o caso resolvido, passa é na
cova funda e leva cinco litros do tinto, fica na conta a
pagar depois do peditório no dia da fogueira, o Zé já sabe
disso.
O António, no seu canto esboçou um sorriso,
parecia que o estava a ver a descer a rua todo contente em
direcção a ele, viu logo que havia alguma coisa para
contar e não se enganou, pois mesmo antes de chegar
junto dele já vinha com um sorriso nos lábios que não
enganavaninguém.
-Temos material de primeira para hoje, foi
dizendo, passei lá e vi aquilo, coisa boa, não há melhor
por aí e bom de carregar, é chegar e andar, é preciso avisar
o resto da malta, você avisa aqui os empregados do
Ezequiel, cuidado para ele não ver, pois não gosta, com
medodeirmosa algum clientedeleearranjar chatices.
-Esse deixa-o comigo, tem umas cepas no Vale
Porco, que o “catrapilas” que lá andou arrancou e que
não chegam ao ano novo, disse ao Álvaro do Montinho
para não falar nas cepas, com medo que as fossemos
buscar, mas mesmo estando más de tirar, lá é que não
ficam. Ó Zeca, o unto para as rodas? Aquilo anda a chiar
muito eouve-selonge.
-Para hoje já não dá que o Luís não conseguiu
“passar” o toucinho à velha, amanhã já dá que eu trato
dissono tiManel daIsna.
O António, no seu canto, voltou a sorrir,
lembrou-se das cepas do Ezequiel, ficou desconfiado que
o que ele quis foi ver-se livre delas. Nesse ano, mandou
dar cinco litros de vinho ao pessoal da fogueira e no
chapéu deitou uma nota, isto tinha água no bico, e se elas
custaram a tirar…mas lá équenão ficavam.
Mas com o tal tronco é que foi o bom e o bonito,
a
20
SAUDADE…
primeiro todos estranharam que não fosse preciso levar
carro, só souberam o porquê quando viram que o Zeca já
lá deixara perto o do patrão, só ao pé do carro ele se abriu
comos outros edisseondeestavao tronco.
Munidos do carro, lá vão eles, o Trocato como
sempre era o que manobrava o cabeçalho ajudado pelo
Carlos das águas. O carro chiava mesmo, faltou o unto
nos eixos eissofoi fatal.
O dono do madeiro ouviu barulho, lembrou-se
logo do seu rico tronco e munindo-se de uma forquilha
foiemdefesadomesmo.
Colocando-a à laia de espingarda, ia gritando: -
para trás, senão disparo. Mas aquela malta tinha lá medo,
o medo comiam eles ao jantar antes de vir, não tardou
muito que não estivesse já o Luís do outeiro agarrado a
ele,correndoatéo perigodeseteraleijadoalgum deles.
O homem bem gritava, deixem-no ficar, eu dou-
vos cinco ou dez litros de vinho, mas não o levem! Mas
havia lá vinho que pagasse aquele tronco, foi carregar e
trazer.
Chegados a Proença, foi escondê-lo em sítio
seguro, pois era certo e sabido que o dono viria por ele e
aquele achado tinha que se guardar até ao dia da fogueira,
ainda havia que juntar mais lenha nos dias que ainda
faltavam.
Agora, ali postado, olhando a fogueira de onde
emanava um cheiro irritante de borracha queimada, por
via dos pneus com que a queriam atear, embora ela
teimasse em não arder, o pensamento voou-lhe para
tempos bem distantes em que da fogueira saía aquele
agradável odor a resina, por via do pez catado no alto da
estrada para a Amoreira, junto à fábrica da resina.
Vieram-lhe ainda à mente os primos Álvaro e Tomás
Valada, o Diogo, o Fiel, o João Batista, o Luís Frito, o Zé
Abelha, o Carlos e o Zé Alegre. Sentiu que uma lágrima
lhe escorria pela face quando lembrou os seus irmãos
Américo, Dário e o José, todos já partiram, todos eles
tinhamsidocúmplicesdesta tradição.
Veio-lhe então à lembrança a primeira fogueira
de natal, era ainda miúdo, teria dez doze anos, fora como
acompanhante, já que era companhia quase permanente
a
21
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
SAUDADE…
O NATAL
do Carlos Sequeira, um dos que inauguraram a tradição,
tendo sido mentor desta ideia um médico oriundo das
bandas de Castelo de Vide, de nome Manuel Gregório
Lopes, que bem se lembrava dele. Fora ele que tratara de
sua mãe, doente com gravidade, pese embora não tenha
conseguido salvá-la. Foram à lenha no sítio onde hoje se
situa a creche, onde existiam uns castanheiros secos,
foram elesquecomeçaram a tradição cá na terra.
Sentiu que nova lágrima lhe rolava pela face,
resolveu sair daquele local, sempre conhecera a fogueira
no adro da igreja, sempre a lenha fora trazida pela “malta
nova”, relembrou os últimos resistentes, os irmãos
Rendeiro, o Joaquim, o João e o Domingos, o Paixão, o
Carlos Carvalho, os Baptistas, o Carlos Trocato, os
irmãos Manso, não lembrou mais ninguém porque no
caminhoo interromperam, comvotos deumbomnatal.
Resolveu entrar na igreja, queria ver o presépio,
como era lindo o presépio do seu tempo, quantas vezes
andara ao musgo, ribeiro abaixo, ribeiro acima…
Como era lindo o presépio de então, as figuras
de barro, o lago feito com um espelho, o riacho feito com
prata, o moinho que rodava, a caixa das ofertas em que o
Garcia (que saudades do Manuel Miguez Garcia) fizera
com artes mágicas que aparecesse na caixa uma luz com
letras a dizer «obrigado, boas festas», por cada moeda que
passassena ranhura.
Sorriu quando se lembrou da fórmula que
arranjaram para ver a luz sem pôr as moedas que não
tinham. Fora o Ti Diogo, latoeiro de profissão, quem lhes
arranjara umas latitas que faziam o contacto para que a
luzacendesse…
O padre António Beato bem sabia quem eram os
autores quando as latas apareciam dentro da caixa, mas
também sabia a falta que as moedas faziam naquelas
casas, porissoos desculpava.
Subiu as escadas para a igreja, estão diferentes, as
outras eram emredondo,sinaisdostempos…
Entrou, sentou-se no banco do fundo, àquela
hora ainda a igreja estava vazia, não viu o presépio, tão
pouco sentiu o cheiro da mirra e do incenso, não, já na
a
22
SAUDADE…
era como dantes,a tradição jánão era a mesma.
Agora é a junta de freguesia que arranja a lenha e
faz a fogueira, nem o peditório à entrada da igreja, feito
pela malta da fogueira, lhe escapou. Como era gostoso
ouvir o cantar das moedas a cair na boina, no “garruço”
ou no chapéu que se estendia, como eles sabiam os que de
carteira mais recheada ousavam dar uma nota. Não pôde
deixar de relembrar o amigo Martinho, nunca falhava
coma nota.
Sentiu barulho atrás de si, olhou, era gente que
vinha visitar a igreja, talvez em busca do presépio que não
havia, levantou-se, pegou na bengala e vagarosamente
saiu, rumoa casa.
O frio da noite tornou mais fria a lágrima que
teimava em percorrer-lhe a face, parou no Chão de
Ordem, no que fora, já que agora ali estava um espaço que
era o orgulho desta terra, do bolso do peitilho das calças
retirou um lenço e com ele limpou a face. Tudo tinha
mudado, era o progresso (?), mas a tradição da fogueira
ainda duraria porquanto maistempo?
Pseudónimo: Bebé
Nota do autor: A ficção e a realidade confundem-se e coabitam
nesta história, os nomes são reais, as alcunhas, esses títulos e
brasões de então, também são reais, vão como preito da minha
homenagem a todos aqueles que por esta terra deram algum do
seuesforço, semolhara bensou riquezas.
O narrador que escolhi é uma figura nossa conhecida,
o António Fernandes Miguel “O Rolhas”, é a minha
homenagem a um homem que deu muito de si a todos nós
através dos Bombeiros que serviu durante décadas. Escrevo
esta história em Dezembro de 2010, não sei se a lerá, fica o meu
abraço degratidão.
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
SAUDADE…
O NATAL
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
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AOREDORDOMADEIRO
O madeiro de Natal tem como origem os cultos
pagãos de celebração do solstício de inverno, que era
comemorado com o acendimento de grandes fogueiras
ao arlivre.
Algumas das actuais festas religiosas cristãs são
originárias da adaptação de festas pagãs que a Igreja foi,
digamos assim, cristianizando, mas que mantiveram
sempreummisto depagão ereligioso.
A fogueira ou o madeiro foi uma delas que em
muitas das localidades do nosso Portugal e mais
concretamente no nosso interior se acende na véspera de
Natal, tem na tradição popular o objectivo de aquecer o
Deusmenino.
A fogueira do madeiro sempre me intrigou.
Porquê uma fogueira assim tão grande? Seria para dar nas
vistas e concorrer com a localidade vizinha? Seria porque
as noites de inverno, cheias de denso nevoeiro, eram
escuras que nem bréu e era preciso dar-lhes um pouco
mais de luz? Seria, como me dizia a minha catequista,
para aquecer o menino? E nos países em que o Natal se
comemorava com temperaturas muito altas, o calor do
madeiro seriaapreciadocomo pornós?
Não sei porque era no verão que me vinha à
memória de criança a imagem do madeiro crepitando,
rodeado de gente que de toda a aldeia ali vinha procurar o
calor para o corpo e para a alma e depois todo o
cerimonial com ele associado. Sem dúvida que era, na
geralmente gélida véspera de Natal, que tinha lugar a
queima do madeiro, que depois se prolongava pelo dia de
Natal eatéquereduzidoa cinzasacabavaporseextinguir.
Nos dias quentes de verão abominava o calor
abafado e abrasador mas ao imaginar o madeiro
expelindo calor e luz que dava aconchego na alma e no
corpo, ansiavaporaquelediachegar.
Imaginava-me todo enroupado, estendendo as
mãos para a fogueira e, depois de aquecidas, passar com
elas pelas faces enregeladas, aquele calor não era como o
do verão, sabia bem, curava as feridas do coração e da
a
AO REDOR
DO
MADEIRO
27
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
alma, era um calor muito, muito especial, era o calor do
madeiro deNatal.
O cenário da queima do madeiro despertava em
mim muitas emoções e interrogações, mas passemos às
emoções,as interrogações deixei-asexplícitas atrás.
Na minha aldeia, o madeiro ou fogueira de Natal,
como lhe chamavam, tinha um “élan” especial para mim,
era diferentedoquesepudessefazernoutras localidades.
O meu madeiro era especial, era o melhor das
redondezas, eu não sabia explicar porquê, talvez porque
como a minha aldeia não tinha electricidade, assim o
madeiro podia mostrar toda a sua pujança de
luminosidade. Também não havia capela, e derivado a
não haver capela, era no centro da aldeia que a fogueira
tinha lugar. Até os tractores e outros veículos
motorizados eram apanágio de outras terras mais
populosas.
Mas nem por isso a nossa fogueira do madeiro
deixavadetera pompaecircunstância para todosnós.
Havia que pôr a imaginação a trabalhar e
seleccionar a carroça que estivesse numa cabana, mais
afastada das casas e no dia, geralmente nas vésperas,
depois de se ter sinalizado o “infeliz” que haveria de ficar
sem a lenha que previamente tinha preparado para
aqueceros friosdiasdeinverno,consumava-seo “roubo”.
Combinada a hora da noite, porque era sempre
de noite que acontecia o “crime”, lá íamos à cabana
seleccionada buscar o carro, só que acontecia algumas
vezes que o carro tinha o eixo ainda em madeira e fazia
uma chiadeira medonha que nos denunciaria e acordaria
o respectivo dono e não nos livraríamos de uns
impropérios ou até de algumas pedradas se ele por acaso
acordasse; por isso recorríamos a um estratagema, que era
o de molhar o eixo do carro com água. Resolvida a
situação da chiadeira, uns à frente puxando, outros atrás
empurrando, lá íamos noite dentro rumo ao local do
“crime” parar dar o golpe de misericórdia; e usando a
táctica do silêncio lá se carregava o madeiro ou os
madeiros, tudoisto acompanhadopelabelapinga.
Não se podia carregar muita lenha já que era
utilizando a força braçal que tinha de se puxar o carro e
a
28
AO REDOR
DO
MADEIRO
levá-lo a bom porto, às vezes percorrendo grandes
distâncias eporíngremescaminhos.
Com avanços e recuos, safanão daqui e dali, o
carro ia vencendo a pouco e pouco a distância até ao
centro da aldeia, parando aqui e ali para descansar, ou
simplesmente para perscrutar o silêncio da noite, não
viesse o dono do carro ou da lenha ao nosso encontro e só
de imaginar o que seria, nos levava a tomar todas as
precauçõespossíveiseimaginárias.
Nós, os mais jovens, sentíamo-nos seguros já que
eram sempre os mais “velhos” que comandavam e
assumiam as responsabilidades, na eventualidade de
sermos descobertos pelos donos do carro ou da lenha, o
crime era sempre cometido na véspera, para evitar que a
vítima não tivesse hipótese de reaver a sua lenha ou o seu
carro.
Era com um mito de alegria e espanto que no dia
em que se acendia a fogueira e toda a aldeia convergia
paro o largo onde na noite anterior se tinham amontoado
os troncos em forma de pirâmide, havia sempre alguém
que, olhando para a pilha de madeira e ainda meio
estupefacto, exclamava: - ah, seus malandros! Quem é que
foi roubar a minha lenha? Um silêncio foi a resposta que
obteve. Vendo que ninguém se acusava e que não lhe
restava outra alternativa senão juntar-se ao grupo e
participar, com voz de constrangimento, atalhou: - é para
aquecero menino,então está bem.
Acender a fogueira era uma tarefa para os mais
velhos, muitas das vezes a lenha encontrava-se verde ou
molhada, o que obrigava a ter de iniciar a combustão com
petróleo ou outra lenha mais seca, o que por vezes
originava uma labareda repentina, da qual era preciso
precaver.
Confessado o crime, e porque já não havia nada a
fazer, ladrões e vítima selavam a sentença de absolvição
com um copo de tinto ou aguardente que alguém tinha
trazido para aquecer por dentro, porque por fora o calor
provenientedafogueira era agora abrasador.
O carro que tinha servido de transporte da lenha,
já tinha sido recolhido na sua cabana e muitas das vezes o
seu dono nem sabia que o tínhamos utilizado, mas havia
a
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
AO REDOR
DO
MADEIRO
O NATAL
sempre alguém que dava com a língua nos dentes
enquanto se aquecia ao redor da fogueira e se descaía
para o dono do carro, que estupefacto respondia: - não
deipornada, ainda bem.
Do meu ponto de observação de verão, continuo
a observar a fogueira do madeiro da minha aldeia, que
para mim era a mais grandiosa de todas as que podia
haver.Era a minhafogueira.
Nascida da escuridão da noite, sem electricidade
na aldeia, as labaredas da fogueira ainda no seu começo,
lançam-se rumo ao céu num clarão intenso que ilumina
tudo ao redor, projectando no branco das paredes das
casas circundantes as silhuetas das pessoas que se
encontram postadasao redordofogo.
É um cenário que me deixa sem palavras e até me
interrogo se, naquele momento, o menino Jesus não
estaria ele também por ali aquecendo-se. Mas o menino
Jesus também tem frio!? Interrogava-me eu. Não me dizia
a minhacatequista quea fogueira era para o aquecer?
O ambiente continuava de uma beleza
encantadora e todos pareciam irmanados por uma
auréola mística.
Do meu posto de observação, vejo o garrafão a
passar de mão em mão e pratos de filhós quentinhas que
vieram da casa ali mesmo ao lado, para acompanhar a
bebida, toda a aldeia está ali presente, ninguém veio por
obrigação, das bocas soltam-se mil e uma histórias, cada
um à sua maneira tenta viver aquele momento.
Esquecem-se desavenças, fala-se do tempo que não vai
criador, das chuvas que já vão chegando, do vinho que
está cozendo, lançam-se palpites para o novo ano e até
alguns namoricos seiniciam.
O madeiro continua em erupção forte, e cada vez
que alguém o atiça, uma salva de milhentas faúlhas
reluzentes se elevam obrigando a que os mais friorentos
seafastem.
Os miúdos, à falta de brinquedos, vão ocupando
o tempo, correndo ao redor da fogueira ou entrando nas
conversas dos mais velhos, tentando descobrir qual o
presente que o Menino lhes trará naquela, mas que
nunca passarádeumpardemeias,uns docestalvez,umas
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AO REDOR
DO
MADEIRO
filhoses de certeza e para que tal aconteça há que deixar o
sapato na chaminé. Porquê deixar um presente num
sapato? Quelocal maisinestético!Interrogava-meeu.
As doze badaladas estão próximas, um frio gélido
sopra do norte, o céu não deixa ver as estrelas, se deixasse
poderia ser que encontrássemos a do pastor, há quem
alvitre entre os presentes; se chover é capaz de nevar e logo
outro retorquiu; seria bom, seria um Natal abençoado e
peloNatal quer-sefrio,a vervamos.
Os resistentes que ainda se mantêm ao redor da
fogueira, vão rodando os corpos, ora o peito, ora as costas
em direcção à fogueira, para se manterem quentes, as
histórias finalizaram-se, bebem-se os derradeiros copos e
agora é a expectativa do dia que está para nascer que é
motivo de conversa. Com a temperatura cada vez mais
baixa e com o céu toldado de negras nuvens, alguém
alvitra: - julgo que vai mesmo nevar, outros, mais
incrédulos,apelidam-nodeadivinho.
A fogueira é agora um braseiro imenso, um ou
outro estão carregando as baterias para chegarem ainda
quentes a suas casas, o braseiro ilumina tudo ao redor,
ainda está aqui para durar por muitas horas, exclamam os
que se vão retirando, seguindo cada um a sua direcção e
levando no coração e na alma o calor motivado pela
fogueira epeloencontro comos amigos.
Os últimos a deixarem o conforto da madeiro já
foram presenteados com alguns, embora poucos flocos
de neve, mas como tinha acontecido das outras vezes
foram-se deitar, pensando que não passaria daquilo,
porquea altitudenão davaazo a muita neve.
Bem se enganaram porque ao acordar, na manhã
seguinte, um espesso manto de neve cobria os telhados
das casas, os campos e até as árvores estavam vergadas ao
peso de tanta neve; ao redor da fogueira e até onde ainda
chegava o calor do braseiro a neve não se agarrou,
podendo observar-se um círculo onde eram visíveis os
paralelos da calçada e que permitia que os mais
madrugadores e curiosos se aproximassem das
derradeiras brasas quesoltavamo últimosuspiro.
Os incrédulos do dia anterior eram agora
questionados perante a evidência do nevão que tinha
a
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
AO REDOR
DO
MADEIRO
O NATAL
32
caído, pelos que na noite anterior, empiricamente
observando as escuras nuvens e o abaixamento da
temperatura, pressagiaram a queda.
Alguém que entretanto chegou, com a voz ainda
um pouco roufenha mas denotando alegria, depois de
dar os bons dias aos presentes, lançou para o ar: - eu bem
sabia que Deus Nosso Senhor nunca ia deixar o Menino
sem um bonito lençol de branco. Ele aí está para ele se
deitar.
O madeiro começava a dar sinais de estertor. Das
chaminés das casas saíam colinas de fumo branco que
subiam na vertical como a querer tocar o céu, associando-
se à festa, até ao largo chegavam já os cheiros dos acepipes
próprios da época, que as mulheres em casa preparavam,
o quefazia crescera água na boca.
O madeiro cumpriu a sua missão aquecendo o
Menino e criando ao seu redor um clima em que cada
um, à sua maneira, de coração nas mãos, pôde viver
momentos de união com todos os seus vizinhos,
esquecendodesavençaserancores.
Contente pela união que criou, o madeiro
exalavaagora os últimossuspiros eporfimextinguiu-se.
Assim foi o madeiro da minha juventude, que do meu
posto de observação de Verão ficou marcado no meu
subconscienteeagora convosco aquipartilho.
Argonauta
AO REDOR
DO
MADEIRO
O MADEIRO DE NATAL
O madeiro é o lenho
Que na fogueira arde,
É a tradição de Natal
Que se celebra em Portugal.
Esta tradição é tao linda,
E tantos anos ela tem,
Vem celebrar o Deus menino
Lá nascido em Belém.
Esta época é festiva,
É de paz e de amor,
O madeiro vai arder
Para nos dar o seu calor.
Com o madeiro a arder
Vão as pessoas conviver.
E em redor da fogueira
Prevalece a brincadeira.
Nem o frio da noite
Faz gelar a amizade.
Ao redor do madeiro
Não há ódio, nem maldade.
Todos ali se vão juntar
Para o Natal celebrar,
Esta tradição é digna
Deste cantar popular.
Vêm velhos e novos
E todos ali se juntam.
A falar e a cantar
Não dão pelo tempo passar.
Esta tradição é tão linda
E se vive em Portugal
Por esse mundo fora
Jamais haverá igual.
O MADEIRO
DE NATAL
33
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
Não me quero alongar mais
Por agora vou terminar
A todos um Feliz Natal
Quero eu assim desejar.
Guigui
O NATAL
34
O MADEIRO
DE NATAL
ERAUMAVEZUM MADEIRO
Uns dias antes do Natal, João andou à procura do
madeiro ideal para a fogueira de Natal. Como ele adorava
ver o madeiro a arder sobre aquele fogo que aquecia a
todos, que por lá estavam. Era ele que todos os anos se
oferecia para o ir procurar, mas cada vez se tornava mais
difícil, já que, no verão os fogos queimavam muitas
árvores e outras eram cortadas. Mesmo assim ele adorava
procurá-lo. Lembrava-lhe os seus anos de criança, em que
eleiavero madeiro na vésperadeNatal, ao ladodaigreja.
Agora ele já tinha crescido, tinha mulher e filhos e queria
que eles também pudessem ver a beleza do madeiro a
arder. Mas naquele dia, não estava a ser tarefa fácil, pois
não encontrava o madeiro ideal em lugar nenhum. Até
que de repente, sem pensar duas vezes, desatou a correr
para ele. Finalmente, tinha encontrado o madeiro ideal e
desatou a cortá-lo até que ouviu uma voz: - Porque estás a
cortar-me?-perguntou a voz.
O João não acreditava no que ouvia, pois é impossível um
madeiro falar.Econtinuou a cortar, como senada fosse.
?Tu não meouviste?-disseoutra veza voz.
?Estása aleijar-mecomesseinstrumento.
? Quem está aí?- perguntou o João – eu não estou a gostar
dabrincadeira.
?Sou eu!Aárvore.- disseela.
? Mas, não pode ser! As árvores não falam!- disse João já
umpouco assustado.
? Isso é o que tu pensas! - disse a árvore - nós sempre
falámos, mas vocês é que não nos entendiam, porque nós
só falamos a nossa língua, mas se nós quiséssemos,
falávamos a vossa língua, sem problemas nenhuns. Eu
nem posso agora estar a falar contigo, pois a nossa
primeira regra é nunca falar com humanos, foi a mãe
naturezaquefezas regras. Elaétão bonita! - disseele
?Conseguesdizer-mecomo elaé?-perguntou o João.
? Sim! Ela é toda verde com um vestido de flores, com
todos as cores do arco-íris, os seus sapatos são de seda, e os
seus cabelos são soltos e selvagens. É tão gira – dizia ele
todo babado! - Mas pronto!
Já tenho mulher e filhos, que por acaso estás a pisá-los,
a
ERA
UMA VEZ
UM MADEIRO
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
agora! - disse ele, reparando que João os estava a pisar.
Desculpem–disseo João, arrependido.
Não faz mal.-respondemeles–jáestamos habituados.
Chiu- disse uma voz vinda de uma árvore majestosa –
não veemqueeleéumhumano?
Esta é a minha mulher, a Fauna. A propósito, eu não me
chegueia apresentar! Quedistraído!
Eu sou Junco. Este é o meu filho, esta é a flor e esta é a
folha.-disseo Junco.
? Se a poluição sabe que nós estamos a falar com um
humano ela corta a nossa raiz e usa-a como lenha na sua
fogueira! - dissea Fauna.
Queméessatal poluição? –perguntou o João.
Não conheces? - disse a Fauna. - vocês devem andar um
bocado desatualizados! Não se fala de outra coisa aqui na
floresta! Ela suja a água o ar e a terra. Resumindo ela suja
e estraga tudo. Ela é tão má. Estás ver esses troncos aí no
chão?-pergunta ela. - são vocês que os cortam
contribuindo assim para a poluição, massacrando-nos.
Olha só o corte que tu fizeste ao meu querido junquinho.
Aposto que és tão mau como a poluição. Afinal és tu que
a ajudas, sujando tudo. Vocês homens só se interessam
porvocês.-disseFauna.
- Ei!- respondeu-lhe João - Fala por ti, eu não sabia que
vocês falavam nem que tinham sentimentos, vocês foram
sempre tão quietinhas e nunca se mexiam, e nós sabíamos
lá o que vocês sentiam!- disse João zangado- mas agora que
penso melhor és capaz de ter razão. E a mãe natureza não
podefazernada?- perguntou.
-Coitada da mulher- disse- ela bem tenta, mas a poluição é
mais forte, pois ela tem-vos a vocês a ajudá-la- respondeu
Fauna.
O João já irritado continua a cortar, até que, o madeiro
caiu e o levou para ao pé da igreja. À noite, por volta das
dez horas, acenderam a fogueira. Quando chegou a meia-
noite, foram à missa do galo e depois foram-se deitar. No
outro dia era Natal. Era uma festa porque Jesus tinha
nascido. Foram todos à missa e quando acabou limparam
tudoo quetinhasujadono diaanterior.
Eassimsepassaestediaemalgumas aldeiasdopaís.
Cravo
?
36
ERA
UMA VEZ
UM MADEIRO
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
38
O DIA EM QUE A FOGUEIRA AQUECEU
CORAÇÕES
Há muitos, muitos anos existiam uma aldeia, situada na
encosta da serra, onde reinava o silêncio. Apenas se
ouviam pássaros a chilrear, o vento a soprar entre as
árvores, a água correndo numa fonte que ficava no centro
da aldeia, o sapateado de um burro, carregando lenha
para a fogueira do frio que se avizinhava, e muitos outros
sons banais, aos quais nos habituamos a ouvir no nosso
diaa dia.
Mas todos estes sons são inúteis, quando se vive na aldeia
do silêncio. Silêncio este, que morava dentro dos próprios
habitantes e que fazia com que não houvesse um simples “
Bom dia” entre vizinhos ou até mesmo um “Pode ajudar-
me?” entre agricultores de hortas vizinhas. Assim, e com
todo este silêncio interior, naquela aldeia, todos eram
desconhecidos, todos viviam a sua própria vida, todos, lá
bemno fundodoseuprópriosilêncioeram infelizes.
Até que chega o inverno e o silêncio torna-se ainda maior.
Agora também, ele permanece nas casas dos habitantes
silenciosos, pois com o frio as portas das casas fecham-se
para os barulhosdomundo exterior.
Viviam o frio junto às lareiras, pequenas, que cada um
acendia em sua casa. Lareiras estas que apenas aqueciam o
exteriordecada um.
Mas certa noite, como por magia, surgiu um sujeito
carregado de cepas. Parecia mesmo aquele homem gordo
das barbas que se veste de vermelho pelo natal. Mas não
era, pois ele era ainda mais gordo, velho, barbudo, e por
aquele seu carregamento, estranho e misterioso.
Calmamente e em silêncio o senhor gordo, velho e de
barbas, deixou as cepas junto a uma capelinha (um pouco
esquecidapeloshabitantes)epartiunovamente.
O silêncio perdurou por mais algum tempo, até que chega
silenciosa aquela noite especial, a noite de Natal! Uma
noite como outra qualquer para aqueles habitantes, mas
queestariaprestesa deixardeo ser.
E foi assim, que naquela noite, ao despertar do canto forte
deumgalo, tudomudou.Oshabitantesmovidospela
O DIA EM
QUE A
FOGUEIRA
AQUECEU
CORAÇÕES
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
curiosidade, de saber que som tão forte era aquele,
agasalharam-se e dirigiram-se para a rua. Lá fora um
enorme clarão de luz vindo de ao pé da capelinha,
iluminava toda a aldeia. Então, todos os habitantes
decidiram ir ver o que se passava. Eles iam tão surpresos,
quequasepareciamformigasao ataquedeumaçucareiro.
À medida que se aproximavam, iam-se sentindo mais
quentes, tanto por dentro como por fora, até que
chegaram junto do clarão. Todos ficaram surpreendidos
quando viram que era uma enorme fogueira,
completamente diferente de todas as que faziam nas suas
casas, ebemmaispoderosa.
E foi graças aquela fogueira, e aquele homem velho,
gordo e de barbas, que tudo mudou na aldeia do silêncio.
Com todo aquele calor e luz, o Silêncio que morava
dentro dos habitantes desapareceu, e no lugar deste
surgiu um Coração, cheio de amor, alegria, paz, e muitos
outros sentimentos,que jamais haviam sido
experimentadosnaquelaaldeia.
Hoje naquela aldeia, já se fala, já se ama, já se ri, já se
sente! E isso é o que o natal traz às pessoas. Traz amor,
felicidade,alegria,paz,...
Basta que alguém nos aqueça, basta que alguém faça algo
diferente,para tudoemnós mudar!
Maria Rosário
40
O DIA EM
QUE A
FOGUEIRA
AQUECEU
CORAÇÕES
OMADEIRODENATAL
Certo dia, há muitos, muitos anos, num pinhal perto de
Sobreira Formosa, ouviam-se os machados dos
lenhadores a cortar alguns pinheiros para o inverno, pois
o tempo estava cada vez mais frio e a chuva já havia
começado a cair. Ao pôr do sol todos os machados foram
arrumados e cada um dos lenhadores foi para a sua casa,
ficando a floresta totalmente silenciosa, ouvindo-se
apenas o piar das corujas, e o som da chuva que começara
a cair. No entanto, à medida que a noite avançava, a
floresta ganhavavidacomo setratassedemagia.
Desde que o sol se levanta até que se deita, as árvores e as
flores ficam muito quietas, sempre na mesma posição, a
não ser quando passa uma rajada de vento e as folhas
começam a dançar no meio de toda a agitação. Já os
animais da floresta, parecem todos sempre muito
agitados e que não ouvem nem entendem aquilo que
dizemos.
Mas à noite é que descobrimos verdadeiramente o que é a
floresta. As árvores já não se movem só quando há vento,
e os animais já não parecem tão abstraídos do que os
rodeia, pois quando a noite cai, a floresta acorda e vive as
suas vidascomo sefossempessoas.
Assim, esta noite a conversa na floresta era sobre a vinda
dos lenhadores e do facto de estes terem cortado muitas
árvores.
- Já viu “Tio”! Eles levaram as árvores só deixaram os
madeiros. Será que doeu muito? – perguntou um
pequeno pinheiro, a um pinheiro muito grande que não
tinhasidocortado.
- Não, não doeu nada – respondeu um madeiro, duma
das árvores mais altas que havia sido cortada – Sinto
como se me tivesse saído um peso de cima. E não é uma
sensação nada má.
- Mas “Tio” – continuava o pequeno pinheiro, que tratava
todos os pinheiros mais velhos, ou o que restava deles,
por “Tio” – Não sente que lhe falta qualquer coisa? Se
agora mecortassemo tronco, eunão seio quefazia.
- Temos de aprender a viver com isso. E é a vida, nada fica
da mesma forma durante muito tempo. E para estarem a
a
O MADEIRO
DE NATAL
41
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
cortar as árvores é porque o inverno está perto. E eu gosto
muito de saber isso, pois com o inverno vem o Natal, que
é a melhor altura da vida de um madeiro grande e velho
como eu.
- Porquê“Tio?No Natal nasce-lheo tronco outra vez?
- Não, pinheirinho, nesta altura os lenhadores vêm
buscar os madeiros como eu, para fazer uma grande
fogueira na rua, em torno da qual se junta toda a aldeia
para conversarepara seaquecerna noitefria.
- Ah!Eissonão dói,como quando énos incêndios?
- Não, só sentimos que o nosso peso diminui, e depois
tornamo-nos ar. Mas só não dói na altura do Natal,
porque nos incêndios, já ouvi outras árvores dizer, que
dóimuito.
- Ah, assim não me importava de ficar sem o meu tronco.
E“Tio”,eutenhodeesperar muito atémetornar ar?
- Não sei. Sabes no Natal também se cortam algumas
árvores pequenas como tu, para enfeitar dentro de casa e
ficarem perto do presépio. E depois, se isso acontecer, o
teu pequeno madeiro também vai para a fogueira. Se não
fores cortado, tens de esperar até ficares grande como eu
fiquei,para ficaresar.
E assim, continuaram na conversa vários pinheiros, a
falar do Natal, até que o sol voltou a nascer e a floresta
voltou a ficartoda muito parada.
Passadas algumas semanas, o Natal tinha chegado e
muitos pinheiros pequenos haviam sido cortados,
restando apenas o seu madeiro. Dias depois, os madeiros
foram todos recolhidos para a famosa fogueira de Natal,
em que os madeiros se tornavam ar. No entanto, um
madeiro tinha sido deixado para trás, era o madeiro do
pequeno pinheiro, que tantas perguntas tinha feito sobre
o Natal, ao “Tio”. Agora este madeiro era o único no
meio de todos aqueles altos pinheiros, que o tentavam
consolar.
- E agora o que me vai acontecer? Não me vai crescer o
tronco outra vez. E também não vou ficar ar, na fogueira
de Natal. Estou aqui sozinho, sou o único madeiro e não
sirvo para nada.
- Não estás nada sozinho – respondeu um pinheiro mais
a
O NATAL
42
O MADEIRO
DE NATAL
velho – Nós estamos aqui contigo para te fazer
companhia, entendo que estejas triste, mas tens de te
animar.
No entanto, nada animava o pequeno madeiro, mas a
certa altura nessa noite, noite de Natal, o pequeno
pinheiro viu uma sombra passar no céu por cima da sua
cabeça, mas não era nenhum pássaro, era o trenó do Pai
Natal. O madeiro do pinheirinho reconheceu o trenó
com as renas, porque o “Tio” tinha-lhe contado sobre um
homem de barbas brancas com uma grande barriga, que
no Natal realiza os desejos e entrega presentes a todos os
meninos que se portam bem. Então o madeiro começou a
pedir com muita força, que o Pai Natal fizesse com que ele
ficassear.
O Pai Natal ouviu o desejo deste madeiro, e parou o trenó
perto deleeperguntou:
- Queméo madeiro quequerserar?
- Sou eu Pai Natal, eu queria muito ir para a fogueira e
ficar ar, mas não pude, por isso o Pai Natal podia fazer
comqueeuficassear.
- Bem, eu acho que sei de uma coisa, – disse o Pai Natal –
que é melhor do que ficar ar. Se quiseres posso
transformar-tenisso.
- Sim.Sim,PaiNatal, porfavor.
- Está bem – e, calmamente, o Pai Natal tirou um pó de
dentro de um saco que tinha no bolso, e deitou-o em cima
do madeiro. O madeiro como por magia, saiu da terra e
começou a flutuar no ar, e a sua madeira parecia que
começava a ser talhada em várias partes, mas não
conseguia perceberemquê.
Depois da madeira ser talhada, foi embrulhada em papel
muito bonito, cheio de bonecos, e arrumada dentro do
saco doPaiNatal.
Passado algum tempo, os embrulhos foram deixados em
várias casas debaixo da árvore de Natal, e algumas horas
depois, o pequeno pinheirinho sentiu que o papel em
que estava embrulhado era rasgado, e aí é que as várias
partes do madeiro souberam o que eram. Eram
brinquedos para as crianças, uma parte era uma caixa de
música, outra parte um comboio, e ainda outra, um
a
43
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O MADEIRO
DE NATAL
carrinho, entre muitas outras coisas. E quando as
crianças começaram a brincar com os seus presentes, o
pinheirinho, agora transformado em brinquedo, soube
qual era a sensação melhor do que ser transformado em
ar, a sensação de alegria e de amor que as crianças
transmitiam ao brincar, e isso era melhor que qual quer
coisa. O Pai Natal tinha razão, existe uma sensação
melhordoquenos tornarmos ar, sentirmo-nosamados.
Morena Clara
O NATAL
44
O MADEIRO
DE NATAL
OMADEIRODENATAL
Era uma vez um menino que se chamava Manuel e
gostavamuito doNatal.
Na sua terra era tradição pelo Natal ir ao pinhal buscar
um Madeiro para meter na fogueira, para aquecer o
meninoJesus.
O Manuel lá foi para o pinhal cumprir a tradição da sua
terra. Quando chegou a casa já estava quase a anoitecer e
o Manuel eos paisforam comera sua ceia.
Depois da ceia, foram fazer as filhós para comer no dia
seguinte.
Naquele dia de Natal, as pessoas conviviam junto da
fogueira eo Manuel eos seusamigosbrincavam.
À meia-noite era costume irem à missa do Galo. Depois
da missa, as pessoas iam novamente para junto da
fogueira.
No dia seguinte, o Manuel viu os presentes, que estavam
junto da chaminé, que o menino Jesus lhe tinha deixado.
E abriu um, era um pijama. O Manuel gostou muito do
presente.
Depois de experimentar o pijama foi à janela. Estava a
nevar. O Manuel também gostava muito de neve, por
isso, foi vestir uma roupa quente para ficar bem
agasalhado e foi para a rua procurar os amigos para
brincar.
O Manuel brincou, brincou, brincou até quando a mãe o
chamou para ir almoçar. Disse adeus aos amigos e foi
almoçar.
Depois do almoço, o Manuel chamou os pais para irem
brincarcomelepara a neve.
Como já tinham as mãos muito frias foram para casa
aquecer-sena lareira.
O Manuel voltou a ir brincar com os amigos, enquanto a
mãe lhe foi preparando o lanche para quando ele tivesse
fome.
O Manuel convidou os amigos para irem lanchar com ele
eelesaceitaram.
Depois de lancharem, os amigos foram-se embora e o
Manuel foi abrir o resto dos presentes, que ainda estavam
junto à chaminé.
45
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O MADEIRO
DE NATAL
Passadas duas horas, já era hora de jantar. Os pais do
Manuel tinham convidado uns primos para irem lá
jantar. O Manuel ficou muito contente, porque já não
tinhaprimoshámuito tempolá emcasa.
Os primos foram-se embora e o Manuel e os pais foram
dormir.
Eassimsepassou umNatal na terra ena casa doManuel.
Alice Maravilhas
O NATAL
46
O MADEIRO
DE NATAL
47
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
48
OMADEIRODENATAL
Era uma vez um menino chamado Joaquim que vivia
numa aldeiapequenina perdidano meiodopinhal.
Nessa terra, as pessoas eram boas e simples. Cultivavam
os camposeajudavam-semutuamente.
As crianças frequentavam a escola e foi aí que o pequeno
Joaquim questionou a professora acerca da origem e do
significadodoNatal.
Aprofessora deuuma pista…Umapalavra… Equal era??
…Madeiro.
Se até aqui Joaquim se encontrava cheio de dúvidas, a
partirdaquiéqueJoaquimnão maissossegou!
No entanto, pôs-sea pensar:
“Se o Natal é a chama acesa do amor, da amizade, da
família, da paz, como poderia existir essa chama sem a
lareira? Semas pinhas?Semo madeiro? ...
O madeiro depois de ateado produz o calor que junta a
família, primeiro nos preparativos do jantar, depois
aquecendo o ambiente e, finalmente, fazendo as filhós e a
cevada,quesabemtão bemtomar pelanoitedentro…Ese
essanoiteélonga…
Éa noitedeNatal!!
E depois, quando saímos para visitarmos o menino que
nasceu, tão pobrezinho, embrulhado em paninhos e
deitado numas palhinhas, temos outra fogueira onde
impera o madeiro…
Aí a chama é bem maior pois não é só a minha família, são
todasas famíliasreunidas…
Eentão éaíqueserealizeo verdadeiro Natal!
E por sinal, se na nossa terra, uma das maiores riquezas é a
floresta, não teremos nós razões para celebrar melhor o
Natal, nesta zona denominadaZONADOPINHAL??
NãoháNatalsemMadeiro,não háMadeiro semNatal!”
Esta foi a conclusão doJoaquim,quetal?
António Tostado
49
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O MADEIRO
DE NATAL
O NATAL
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51
OMADEIRODENATAL
Era Natal, e com ele o Inverno. Na casa dos avós já
chegavam os netos, vindos da cidade, o que trazia algum
rebuliçoà aldeia.
De manhã muito cedo, a Joana acordava com o crash dos
ovos quea avócolocavano alguidarpara fazeras filhós.
Oavôacordavao Pedro eo João queainda dormitavam:
- Meninos, o sol já se levantou e na calçada já se ouvem os
tratores que se dirigem para a serra para trazer os
madeiros para a noitedeNatal.
OJoão eo Pedro perguntaram emcoro:
- Óavô,o queéissodoMadeiro deNatal?
- Sentem-se que eu conto a história. Sabem, falar de um
madeiro ou de um cepo é tudo a mesma coisa. Nas
aldeias, uma parte da consoada é passada à volta de uma
fogueira, no largo da igreja, e já diziam os meus pais que
era para aquecero Menino Jesus.
AJoana muito sorrateira interrompeu:
- Dequefalam vocêshátanto tempo?
- Não interrompas, deixa o avô continuar! - reclamou o
João.
Eo avôcontinuou:
À meia-noite, à hora da missa do Galo, as pessoas
reúnem-se à volta do calorzinho da fogueira que lhes dá
uma alegria especial, as conversas e as risadas fazem com
que todos se sintam mais amigos e mais solidários. O
Natal éuma verdadeira festa!
- Ó avô, diz-me uma coisa, quando tu tinhas a nossa idade
e não havia tratores, como é que transportavam os
madeiros para a fogueira? - perguntou a Joana.
- Era em carros de bois, os rapazes novos, e no meu tempo
havia cá muitos, iam por montes e vales em busca dos
melhores cepos. Às vezes, havia rivalidades com as aldeias
vizinhaspara verquemtinhaa maiorfogueira.
- Joana, Joana! - chamavaa avó.
- Pois, minha filha, contam-se muitas histórias à volta do
Madeiro, o mais importante é que ele seja um sinal de
união tão necessário como o presépio nas nossas casas. Ia-
meesquecendo,a massadasfilhósjádeveestarpronta,
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O MADEIRO
DE NATAL
O NATAL
52
O NATAL
vou acender a lareira, colocar o tacho e assim
continuarmos o espírito de Natal e aguardando a chegada
dosteuspaispara juntos celebrarmos esta grande festa!
Luísa de Mello
O MADEIRO
DE NATAL
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OMADEIRODENATAL
Na noite de Natal, numa aldeia, sentado ao pé da
sua lareira, um velho começou a contar uma história de
Natal ao seu neto que tinha vindo da cidade para passar o
Natal comos seusavós.
- Avô?! - pergunta o neto - Quando vinha para a tua casa,
reparei numa grande fogueira que estava a arder no largo
da aldeia. Porque é que as pessoas fazem essa fogueira tão
grande, avô?Não têmlareiras emcasa?
- Sabes, meu filho! Um dia, há muitos anos atrás, em
pleno Inverno, num dia em que estava muito frio, os
pastores que guardavam as suas ovelhas lá nos montes
distantes, quando o dia estava a chegar ao fim, foram
surpreendidos por um forte nevão. Os que estavam mais
perto conseguiram chegar a casa antes de a noite ficar
escura e os campos cheios de neve. Um deles, porém, que
andava mais longe, com a neve e a noite escura, perdeu o
rumo de casa. A família, depois de esperar algum tempo,
começou a ficar preocupada, e a sua mulher resolveu ir
perguntar a um pastor seu vizinho se tinha visto o seu
marido. Este, por sua vez, respondeu-lhe que, a última vez
queo vira, eleestavadoladodelá damontanha.
Com o desespero a aumentar, as pessoas
começaram a perguntar umas às outras se sabiam novas
do pastor. A mensagem foi passando e as pessoas da
aldeia saíram à rua, a comentar o sucedido e sem saberem
o que fazer. Como o frio era muito e a noite estava escura,
um deles resolveu ir buscar lenha para fazer uma fogueira.
Aos poucos, cada um dos aldeões foi buscar mais e mais
lenha para que a fogueira fosse maior, não só para
aquecer mas também para iluminar enquanto resolviam
o quefazer.
Enquanto isto, lá no meio do monte, o pastor e
as suas ovelhas continuavam perdidos. Este, que
conhecia bem o monte, quando viu que não conseguia
chegar a casa por causa da neve e da noite serrada,
resolveu abrigar-se numa caverna que havia ali perto. E
então, conduzindo o rebanho, abrigou-sena dita caverna.
Ofrioera muito, eo pastor, aliparado, jáestavaa
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O MADEIRO
DE NATAL
O NATAL
54
O NATAL
enregelar. Lembrou-se então de se aconchegar no meio
das suas ovelhas. A certa altura, o pastor reparou num
grande clarão do outro lado do monte e, pensando ser um
sinal, decidiu segui-lo, levando o seu rebanho. Lá foi ele,
sem saber para onde ia, apenas com a sua melhor guia, a
esperança devoltarpara junto dosseus.
Na aldeia, o ambiente era cada vez mais pesado e
as únicas palavras que se ouviam eram: «Onde está ele?»,
«Seráquevolta?», «Estará elevivo? Edopastor, nemsinais!
Entretanto, o pastor chegara ao cimo da
montanha, donde ao longe avistara a sua aldeia e, lá bem
no centro, a enorme fogueira que o tinha conduzido ali.
Ansioso por chegar e pensando na preocupação daqueles
que lhe querem bem, lá continuou, sempre
acompanhadopelassuas ovelhas.
Era quase madrugada quando o pastor chegou à
aldeia. Lá na praça, exaustos e com frio, estava um grupo
de pessoas das que tinham esperado por ele a noite
inteira. Da fogueira já só restava um pequeno brasio. Aos
poucos e poucos, as pessoas foram acordando e, vendo ali
o pastor, gritaram: - «Viva!», «Urra!», pois, após uma longa
espera, o seu pastor tinha voltado são e salvo, com o seu
rebanho!
A partir dessa altura, na noite de Natal, e em
muitos lugares,continua a fazer-seesta grande fogueira.
- Foi muito bonita, a história, avô! Agora entendo o
porquê daquela grande Fogueira, no largo da aldeia! - diz
o neto.
- Pois, meu rico filho! Neste mundo tudo faz sentido,
ainda quemuitas vezesnão sesaiba o motivo!
Gucci
O MADEIRO
DE NATAL
O Natal na Voz do Povo 4
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O Natal na Voz do Povo 4

  • 1. O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV Dezembro 2011 Natalinovas O Madeiro de Natal
  • 2.
  • 3.
  • 4.
  • 5. O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV Dezembro 2011 Natalinovas O Madeiro do Natal
  • 6. O NATAL FICHATÉCNICA Título ONatal na Voz doPovo deProença-a-NovaIV–Natalinovas OMadeiro na vidaevoz doPovo deProença-a-Nova Coordenação João CrisóstomoManso (VereadordoPelouro daEducação) Autores Miró (José Ribeiro Farinha); Orfeu (José Ribeiro Farinha); Bebé (José Emílio Sequeira Ribeiro), Argonauta (Virgílio Dias Moreira); Guigui ( Margarida Ferreira Alves); Cravo (Daniel RodriguesSerrano); Maria Rosário (PatríciaAlexandra Barata Cardoso); Morena Clara (Bárbara Patrícia da Silva Cruz Vaz); Alice Maravilhas (Catarina Vilhena); António Tostado (Gonçalo Grilo); Luísa de Mello (Maria João Bairrada); Gucci (Renata Fragoso) Ilustradores Alfredo Cavalheiro, Francisco José Simões Cabral, Paulo Santiago, Sílvia Mathys, José Ribeiro Farinha, Maria do Rosário Barata Cardoso Colaboradores: Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, Carla Gaspar - Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova, Prof. António Gil Martins Dias, Prof.AlfredoBernardoSerra, Prof.HelenaNunes Edição Câmara Municipal deProença-a-Nova 1ª Edição,Dezembro 2011 Tiragem 500exemplares Impressão GráficaProencense DepósitoLegal
  • 7. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 9. NOTADEABERTURA A lareira à volta da qual se junta a família, o lume bem quente para fritar as filhós, o grande madeiro nos adros das igrejas, à volta do qual amigos e vizinhos se juntam em convívio. O fogo é uma presença constante nas noites frias da quadra natalícia e um símbolo de partilha e encontro. À volta da fogueira contam-se histórias, recordam-se outros tempos, junta-se calor humano ao calor que daschamaschega. Escolhida como tema da edição deste ano do concurso Natalinovas, a tradição do madeiro foi durante décadas mais do que um momento na noite de Natal. Prolongava-se por todo o mês de Dezembro, quando os rapazes começavam a procurar os maiores cepos para alimentar o fogo. Continuava nas animadas aventuras para carregar a madeira, sem os meios que há hoje, até empilhar lenha suficiente para fazer arder horas e horas a fio a fogueira do convívio entre gerações, mas sobretudo entrea rapaziada novadecada povoação. Nos contos que aqui se recolhem recordam-se esses momentos, com realismo e nostalgia. Tal como se procuram as raízes e explicações antropológicas para este costume. Mas nos textos e poemas desta quarta edição da iniciativa nada se resume ao madeiro, porque à semelhança do que tem vindo a acontecer nos últimos anos é convocada uma panóplia de temas que ilustra a riqueza da vivência do Natal: da gastronomia à troca de presentes, do presépio aos cânticos da quadra, sem esquecer os valores morais e espirituais e o calor humano de uma noite que se sonha sempreemfamíliaepaz. Promover esta recolha significa assegurar a preservação de memórias e tradições, ao mesmo a NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV 7
  • 10. tempo que se procura valorizar e estimular a criação literária, que tem primado pela qualidade. A adesão à iniciativa, ano após ano, é o melhor sinal de que vale a pena. Histórias pessoais cruzam-se com a nossa história comunitária, por isso não haverá quem não se reveja em pelo menos alguma passagem deste livro, quenos enriquecea todos. João Paulo Catarino, Presidente da Câmara O NATAL 8 8
  • 11. PREFÁCIO Os escritos poéticos e as narrativas sobre a tradição do «MADEIRO» de natal constituem-se nesta quarta edição do “Natal na Voz do Povo de Proença-a-Nova» como baú de memórias do ritual genuíno e do espírito autêntico do madeiro denatal. Mais uma vez fomos agradavelmente surpreendidos pela veia literária e originalidade dos autores nos registos e na abordagemao temadafestivaquadra natalícia. As histórias contadas memoriam figuras castiças, narram aventuras e peripécias, aludem aos sentimentos tão característicos do «ir buscar o madeiro» e de todo o ambiente social e cultural à sua volta. Com ‘Variações sobre o madeiro do natal’, Orfeu presenteia-nos com um extraordinário ensaio evocativo «das muitas tradições milenares do fogo como objecto de culto» e por associação cultural a tradição do madeiro ‘que a Igreja soubeassimilarderitos pagãos daera pré-cristã’. O calor humano à volta do madeiro é uma referência comum nos textos. Neles tem expressão a euforia do ritual e a compreensão dos “donos” do madeiro «roubado, achado» no campo, porque afinal o madeiro «é p´ra aquecer o Menino Jesus», como «manda a tradição ancestral». Na confirmação do madeiro de Natal como lugar que é «ponto de encontro, partilha, o eterno retorno ao coração das raízes», renova-se no madeiro o espírito do natal porque, como escreve António Tostado, «Não há Natal semMadeiro, não háMadeiro semNatal!» Alfredo Bernardo Serra NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV 9
  • 13. OMADEIROEOMENINO (quadras cerzidas) Não hánatal semMenino Nemcalor sembombraseiro; Não hábafo semburrinho Nemlenhasembommadeiro. Está murchoo braseiro Etirita o Menino: Pegaifogo ao madeiro, Deitaicá maisumcopinho! ÓMenino, vindecá! Para a roda dafogueira, Deixaias beatas lá, Queaquihábrincadeira! Étão perto o terreiro, São doispassosdemenino: Está embrasa o madeiro Eo petiscojáprontinho… Não Vos ralha Vosso pai, Quejáestá a “escarneirar” E,Vossa mãe,sossegai, Quesó Vos querespreitar! Já cá está o Deus-Menino! Cantemostodos à vez; Glóriaao Deuspequenino, Queemdezembro éo seumês E,à volta domadeiro, Dancemos comDeustão belo, Que,desta vez,no terreiro, Não assenta o caramelo! Gil– natalde2011 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV 11
  • 14. 12
  • 15. 13 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV Natalinovas O Madeiro do Natal
  • 17. O ESPÍRITO DO MADEIRO Para aquecer o Menino Na noite da Consoada Manda a tradição ancestral Que no adro da igreja Ou bem no centro da aldeia Se acenda a grande Fogueira Do Madeiro de Natal, Para que à sua volta se viva O nobre espírito da Quadra Em paz e alegria sem igual!... Reza ainda a tradição Que não se poupe na lenha, Que cedo os jovens comecem A juntar uma grande meda, Oferecida ou roubada Ou pelos campo achada Para que na data aprazada Esteja no adro da igreja Ou bem no centro da aldeia Em pirâmide amontoada!... Todos os caminhos apontam À Fogueira agora acesa Para viver em torno dela Num clima quase irreal Um convívio sem barreiras Que olhe a todos por igual! Alegria transbordante Festa livre sem fronteiras Num clima contagiante Junto às chamas da Fogueira! Línguas de fogo nas alturas Sorrindo às estrelas lá no alto! A incendiar a noite fria e escura Bailam as labaredas da Fogueira Derramando sonhos de ventura, Ilusões de alegria, ainda que breve, A fazer esquecer mágoas e tristezas… Mais confiante espera agora o povo Na animação daquela noite plena, Que bem depressa chegue um tempo novo! Ponto de encontro, partilha Natal, o “eterno retorno” Ao coração das raízes! Pela estrada ou por carreiros Ou tão só pelo pensamento, Não há muros nem barreiras Que apaguem os velhos sulcos Dos trilhos que dão à aldeia E à Consoada em família No conforto da lareira!... Pseudónimo: Miró Poema inédito, Agosto de 2011 O ESPÍRITO DO MADEIRO 15 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 18. O NATAL 16 VARIAÇÕESSOBREOMADEIRODENATAL Falar do Madeiro de Natal é evocar uma das muitas tradições milenares do fogo como objecto de culto, elemento ritual e simbólico que o povo vem celebrando ao longo de gerações, passando assim o testemunho do que vem de tempos muito idos. Na nossa terra como pelo País em geral, as gentes das aldeias, crentes na sua maioria, não deixam extinguir as práticas do passado que, tendo muitas delas origempagã, foram sabiamenteassimiladaspelaIgreja. O Madeiro que na noite de Natal brilha no adro da igreja ou no centro de qualquer aldeia, lugares simbólicos por excelência, propicia um ambiente festivo e contagiante de encontro e de harmonioso convívio, na celebração colectiva da noite de Natal pelas populações, a todos unindo num grande abraço. Continua por isso a representar uma das expressões maiores dos rituais da Natividade que o povo venera. A Fogueira ou Madeiro de Natal - e o espaço envolvente - é como que uma grande lareira ao ar livre, a transposição em escala alargada do madeiro da lareira que, por tradição e necessidade, se mantém aceso na intimidade do lar e da família. O madeiro é o elemento primordial do fogo, suporte catalisador da lenha que o completa. Tanto no recato do lar como no espaço aberto e festivo onde brilha, a luz e o calor imanados geram uma força marcante que humaniza os locais onde se mantémaceso. No adro da igreja ou no centro da aldeia o Madeiro de Natal antes, durante e depois da missa do Galo é, além de ponto alto das celebrações natalícias, fonte de animação e de alegria na noite da Consoada. Em casa, à lareira com a família reunida e feliz, a mesa repleta das óptimas iguarias da quadra, ou em redor do fogo do Madeiro, uns e outros confraternizando, eis a noite de Natal que se deseja mas quenemtodos, infelizmente,conseguemviver. Com saudade recordo o tempo em que me juntava aos rapazes da terra no esforço de juntar muita lenha que, mesmo nos casos de furto, gozava de alguma tolerância por parte dos lesados. A utilização de tractores facilita hoje a tarefa mas, no meu tempo, era tudo arrastado ou carregado pela malta, às vezes ajoujada com molhos e ramos às costas até ao local da fogueira. Só os madeiros pesados – tanto para a Fogueira de Natal como para a de S. João, que era famosa na minha aldeia – eram arrastadosporjuntas debois. E já que a referi, não resisto à tentação de deixar umas palavras sobre a Fogueira de S. João: no cimo do monte em frente à aldeia, era erguido um cilindro gigante composto por pinheiros grandes fixados nos buracos abertos em círculo, cujo interior era recheado de pinheiros mais pequenos e lenha miúda já seca. Como se imagina, ao acender-se a fogueira lá no alto, as impressionantes labaredas criavam imagens fantasmagóricas que se avistavam das aldeias vizinhas. Perante tal espectáculotoda a genterecuavaespavoridaaos gritos deadmiração edetemor! Retomando a Festa do Madeiro lembramos muitos momentos felizes vividos à sua volta! Miúdos e graúdos, novos e velhos, ricos e pobres, todos irmanados no mesmo espírito de amizade fraterna. Noites para esquecer mágoas e carências e os graves desníveis sociais que perduram hoje. Gritos e algazarra abafavam os sinos aaa
  • 19. 17 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IVNA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV que chamavam para a missa do Galo. Com nostalgia recordo, como se em imagens projectadas desses anos os visse, muitos dos amigos que já não estão entre nós. Algumas figuras castiças pululavam, com um grãozinho na asa, em cenas oradivertidas ora grotescas, no largo da festa. Misturavam-se com os miúdos na farra, cada qual exibindo o seu número… Ano após ano, enquanto a idade e a saúde lhes permitiu. Um desses pândegos, mau carácter e carrancudo quando sóbrio, virava afável e bem-disposto quando estava com os copos. Não dava uma peça de fruta a uma criança e ai daquele que baixasse um ramo de árvore sua que era logo corrido à vergastada. Acabou por mudar radicalmente com o nascimento de um neto, que muito desejara e sempre reclamara à única filha casada. Coisas da vida… Voltando à tradição, não variam muito as práticas rituais mas a designação difere de acordo com a região do País: Madeiro ou Fogueira de Natal, Fogueira do Galo ou da Consoada, Queima do Cepo, etc., etc. Certas aldeias transmontanas competem entre si pela maior meda de lenha junta e pela fogueira mais espectacular. Mas nada de vencedores ou vencidos que a avaliação é feita mais pelo tamanho da vontade de cumprir a tradição do que pela altura que as chamas podematingir! Noutras regiões, o Madeiro deve arder até ao dia de Reis e a tradição manda que se leve para casa – contra os raios e os trovões - o “fogo sagrado”, transportado em brasas da Fogueira ou num tição aceso nela. Sem dúvida uma alusão ao mito do titã Prometeu que “roubou o fogo aos deuses para o entregar aos humanos”, contra a vontade de Zeus que depois se vingou. Terá sido ajudado por Atena, deusa da Sabedoria, que “insuflou nas estátuas de argila que o titã tinha modelado o espírito do sopro divino, tornando-as criaturas à semelhança dos deuses”... Isto, segundo o mito grego que apareceu pela primeira vez na “Teogonia” doépicoHesíodo,(Séc.VIII a.C.). O fascínio do fogo criou inúmeros mitos onde aparece sempre como protagonista. Na observação dos fenómenos naturais, como as descargas com faíscas e raios que provocavam incêndios, o homem aprendeu a lidar com o fogo. Passou a saber dominá-lo e a aperfeiçoar a sua utilização para benefício próprio – sem descurar os perigos da sua natureza indomável, tantas vezes a provocar catástrofes - transformando-o num poderoso meio para modificar o mundo. Companhia do homem nas cavernas a aquecê-lo, a iluminá-lo, a cozer os alimentos, a afugentar as feras etc., o fogo ajudou a criar as bases do culto social da reunião dafamíliaemtorno daindispensávelfontedecalor edevida. Não admira pois que perdurem, profundamente enraizados, tantos vestígios de rituais com base no fogo e nas fogueiras, muito para além da sua utilização prática no dia a dia das pessoas. Lembramos, por exemplo, o hábito de saltar o braseiro da Fogueira de S. João e de outras fogueiras com os pés descalços como purificação e limpeza contra as doenças, o fogo como expiação e castigo, os diabólicos e estranhos rituaissatânicos, etc.etc. Voltamos à celebração do Natal, agora como pretexto para o regresso dos que vivem fora da terra. Evocar aqui o Madeiro é viajar ao sabor das recordações a lembrar outros natais, outras gentes. É repisar pela mente os caminhos mágicos da infância, as corridas pelos campos em competição pela lenha que, dia após dia, aaaa
  • 20. O NATAL 18 engrossava a pirâmide que crescia no largo, é lembrar os conflitos com os mais avarentos que não contribuíam para a Fogueira e obrigavam a rapaziada a devolver os madeiros roubados… pois não reza a tradição que a lenha deve ser roubada? …É, enfim, reviver tradições que apesar das mudanças, no essencial, continuam quase como eram no tempo da meninicedos que regressam hoje com os filhos e os netos. As fogueiras e os presépios trazem-nos à memória os belos serões à lareira, a gastronomia própria da quadra, os odores dos saudosos manjares da Ceia da Consoada preparados pelas mães sempre presentes. Tantas memórias vivas que justificam o retorno às raízes, em datas festivas como o Natal ou a Páscoa. Muitos visitam então a terra de origem para confraternizar com familiares e amigos na certeza de poderem cruzar-se, à volta da Fogueira ou à saída da missa, com antigos parceiros de jogos e traquinices e com eles recordar outras tradições vividas na infância que vão ficando esquecidas. Ao acaso lembro: a Festa do Galo pelo Carnaval, o cantar das Janeiras pelos Reis, as Maias na Primavera, o Serrar da Velha, as caqueiradas do Entrudo, os Banhos e a Fogueira de S. João que atrás referi,etc.etc. O Madeiro, como se sabe, remonta a tempos imemoriais. Como muitas outras tradições ancestrais, tem ascendentes num misto de velhas crenças e superstições de práticas religiosas com ritos pagãos da era pré-cristã que a Igreja soube assimilar, como aconteceu com outros ritos. Pensamos estar a tradição do Madeiro ligada à antiga festa da “Adiafa”, para celebrar as safras das vindimas e da azeitona com muita animação, bailaricos e comezainas, no solstício de Inverno… Quando a “mãe – natureza termina um ciclo de parição e entra no pousio, antes de nova fertilização”. A assimilação ou apropriação por parte da Igreja Católica, deu-se também com algumas romarias de tradição camponesa e popular ou com certos ritos como as Maias… Festas primaveris para celebrar a floração dos campos, promessa de boas colheitas, as Maias estão hoje em dia praticamente esquecidas. Na minha juventude participei várias vezes, com a malta jovem da aldeia, (Figueira), nos festejos anuais. Também aqui, fazendo embora um certo desvio do tema, não resisto a deixar um cheirinho do saudoso ritual. Decoravam-se as portadas das casas com raminhos de oliveira e de sobreiro, papoilas, espigas de trigo, etc. Apanhavam-se depois flores para fazer colares que os jovens exibiam ao pescoço. Em seguida, rapazes e raparigas iam pelas ruas, os cabelos enfeitados de ramos e flores e os colares pendentes, a cantar: “Vito-Maio aos moços/ Vito-Maio às cachopas/ Uma malguinha de castanhas/ Vou pedir por estas portas/… Vito- Maio, Vito-Maio… Maio,Maio”, etc., a que os moradores correspondiam com castanhas piladas,confeitos erebuçados…Outros tempos,grande saudade! FIM Composição livre sobre o tema proposto, escrito de acordo com a antiga ortografia Pseudónimo:Orfeu Agosto de20011
  • 21. SAUDADE… Poucos repararam naquela figura encostada à parede a um canto. A figura principal era a fogueira que já crepitava bem no centro daquele largoperto da igreja. Até os que lhe dirigiam a salvação ficavam sem resposta, o corpo estava ali mas a mente andava a divagar por outros lados,poroutras épocas,comoutras gentes… Por um canto do olho vislumbrou do outro lado da fogueira o Zeca Bairrada, sorriu, veio-lhe a lembrança daquela vez que foram para o lado do Labrunhal “roubar”, não, não foram roubar, foram apropriar-se do tronco de um sobreiro que o dono tinha cortado e pensava ter a bom recato, pois tinha-o tapado com ramos, já que era o mês de Dezembro e a malta da vila se o visse era certo que o cobiçaria e enquanto não o levassem não descansavam.No outro diaacabaria o serviçocom a ajuda do vizinho, até porque o serrote precisava de levar um fio e acertar-lhe a trava, serviço que faria depois de jantar, já que as noites eram grandes. Por hora estaria a bom recato, era perto dacasa, não iahaverproblemas. O Zeca passou junto à casa do Trocado, ia com a junta de bois à mão, aguilhada às costas, assobiou, por entre o portão apareceu a cabeça do Jaquim, ornada pelo farto bigode que lhe era característico, com os dedos fez sinal, nove, levantou o polegar, não foi preciso mais nada. Novehoras, sítiodocostume,Senhora dasNeves… Ainda se virou para trás e, sem se deter, disse secamente: - Dizao Diogo eaos domarceneiro. Passou pela Devesa, o António Russo estava à porta da tasca do António Serra, o estado era o costume, já bem aviado, com um abanar de cabeça reprovador foi- lhe dizendo: - vai curti-la, logo temos serviço, diz ao teu irmão Alfredo e ao Mudo, o sítio é o do costume, se vires mais alguém avisa, que eu dou um salto a avisar os do outeiro. Seguiu para guardar os bois no curral do patrão, o tio Chico…, deu a volta pelo outeiro, viu o Luís, deu-lhe o recado e recomendou-lhe que não se esquecesse do toucinho para derreter, pois era preciso untar as rodas do carro de bois que já chiavam muito, recomendou-lhe ainda quedissesseaos seusirmãosJoséMaria eFernando, SAUDADE… 19 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 22. O NATAL poisera malta deforça. O Luís, triste, bem lhe disse: - a “velha” viu-me ao pé da salgadeira, correu comigo de lá, nem me deixa aproximar e aos meus irmãos é a mesma coisa. Talvez o Joaquim Bolhalhas arranje, a mãe vai ajudar nas matanças, sempretraz algum toucinho quelhedão. -Deixa isso comigo, disse perante tanta dificuldade, eu peço ao ti Manel da Isna, digo que é para o carro do meu patrão e fica o caso resolvido, passa é na cova funda e leva cinco litros do tinto, fica na conta a pagar depois do peditório no dia da fogueira, o Zé já sabe disso. O António, no seu canto esboçou um sorriso, parecia que o estava a ver a descer a rua todo contente em direcção a ele, viu logo que havia alguma coisa para contar e não se enganou, pois mesmo antes de chegar junto dele já vinha com um sorriso nos lábios que não enganavaninguém. -Temos material de primeira para hoje, foi dizendo, passei lá e vi aquilo, coisa boa, não há melhor por aí e bom de carregar, é chegar e andar, é preciso avisar o resto da malta, você avisa aqui os empregados do Ezequiel, cuidado para ele não ver, pois não gosta, com medodeirmosa algum clientedeleearranjar chatices. -Esse deixa-o comigo, tem umas cepas no Vale Porco, que o “catrapilas” que lá andou arrancou e que não chegam ao ano novo, disse ao Álvaro do Montinho para não falar nas cepas, com medo que as fossemos buscar, mas mesmo estando más de tirar, lá é que não ficam. Ó Zeca, o unto para as rodas? Aquilo anda a chiar muito eouve-selonge. -Para hoje já não dá que o Luís não conseguiu “passar” o toucinho à velha, amanhã já dá que eu trato dissono tiManel daIsna. O António, no seu canto, voltou a sorrir, lembrou-se das cepas do Ezequiel, ficou desconfiado que o que ele quis foi ver-se livre delas. Nesse ano, mandou dar cinco litros de vinho ao pessoal da fogueira e no chapéu deitou uma nota, isto tinha água no bico, e se elas custaram a tirar…mas lá équenão ficavam. Mas com o tal tronco é que foi o bom e o bonito, a 20 SAUDADE…
  • 23. primeiro todos estranharam que não fosse preciso levar carro, só souberam o porquê quando viram que o Zeca já lá deixara perto o do patrão, só ao pé do carro ele se abriu comos outros edisseondeestavao tronco. Munidos do carro, lá vão eles, o Trocato como sempre era o que manobrava o cabeçalho ajudado pelo Carlos das águas. O carro chiava mesmo, faltou o unto nos eixos eissofoi fatal. O dono do madeiro ouviu barulho, lembrou-se logo do seu rico tronco e munindo-se de uma forquilha foiemdefesadomesmo. Colocando-a à laia de espingarda, ia gritando: - para trás, senão disparo. Mas aquela malta tinha lá medo, o medo comiam eles ao jantar antes de vir, não tardou muito que não estivesse já o Luís do outeiro agarrado a ele,correndoatéo perigodeseteraleijadoalgum deles. O homem bem gritava, deixem-no ficar, eu dou- vos cinco ou dez litros de vinho, mas não o levem! Mas havia lá vinho que pagasse aquele tronco, foi carregar e trazer. Chegados a Proença, foi escondê-lo em sítio seguro, pois era certo e sabido que o dono viria por ele e aquele achado tinha que se guardar até ao dia da fogueira, ainda havia que juntar mais lenha nos dias que ainda faltavam. Agora, ali postado, olhando a fogueira de onde emanava um cheiro irritante de borracha queimada, por via dos pneus com que a queriam atear, embora ela teimasse em não arder, o pensamento voou-lhe para tempos bem distantes em que da fogueira saía aquele agradável odor a resina, por via do pez catado no alto da estrada para a Amoreira, junto à fábrica da resina. Vieram-lhe ainda à mente os primos Álvaro e Tomás Valada, o Diogo, o Fiel, o João Batista, o Luís Frito, o Zé Abelha, o Carlos e o Zé Alegre. Sentiu que uma lágrima lhe escorria pela face quando lembrou os seus irmãos Américo, Dário e o José, todos já partiram, todos eles tinhamsidocúmplicesdesta tradição. Veio-lhe então à lembrança a primeira fogueira de natal, era ainda miúdo, teria dez doze anos, fora como acompanhante, já que era companhia quase permanente a 21 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV SAUDADE…
  • 24. O NATAL do Carlos Sequeira, um dos que inauguraram a tradição, tendo sido mentor desta ideia um médico oriundo das bandas de Castelo de Vide, de nome Manuel Gregório Lopes, que bem se lembrava dele. Fora ele que tratara de sua mãe, doente com gravidade, pese embora não tenha conseguido salvá-la. Foram à lenha no sítio onde hoje se situa a creche, onde existiam uns castanheiros secos, foram elesquecomeçaram a tradição cá na terra. Sentiu que nova lágrima lhe rolava pela face, resolveu sair daquele local, sempre conhecera a fogueira no adro da igreja, sempre a lenha fora trazida pela “malta nova”, relembrou os últimos resistentes, os irmãos Rendeiro, o Joaquim, o João e o Domingos, o Paixão, o Carlos Carvalho, os Baptistas, o Carlos Trocato, os irmãos Manso, não lembrou mais ninguém porque no caminhoo interromperam, comvotos deumbomnatal. Resolveu entrar na igreja, queria ver o presépio, como era lindo o presépio do seu tempo, quantas vezes andara ao musgo, ribeiro abaixo, ribeiro acima… Como era lindo o presépio de então, as figuras de barro, o lago feito com um espelho, o riacho feito com prata, o moinho que rodava, a caixa das ofertas em que o Garcia (que saudades do Manuel Miguez Garcia) fizera com artes mágicas que aparecesse na caixa uma luz com letras a dizer «obrigado, boas festas», por cada moeda que passassena ranhura. Sorriu quando se lembrou da fórmula que arranjaram para ver a luz sem pôr as moedas que não tinham. Fora o Ti Diogo, latoeiro de profissão, quem lhes arranjara umas latitas que faziam o contacto para que a luzacendesse… O padre António Beato bem sabia quem eram os autores quando as latas apareciam dentro da caixa, mas também sabia a falta que as moedas faziam naquelas casas, porissoos desculpava. Subiu as escadas para a igreja, estão diferentes, as outras eram emredondo,sinaisdostempos… Entrou, sentou-se no banco do fundo, àquela hora ainda a igreja estava vazia, não viu o presépio, tão pouco sentiu o cheiro da mirra e do incenso, não, já na a 22 SAUDADE…
  • 25. era como dantes,a tradição jánão era a mesma. Agora é a junta de freguesia que arranja a lenha e faz a fogueira, nem o peditório à entrada da igreja, feito pela malta da fogueira, lhe escapou. Como era gostoso ouvir o cantar das moedas a cair na boina, no “garruço” ou no chapéu que se estendia, como eles sabiam os que de carteira mais recheada ousavam dar uma nota. Não pôde deixar de relembrar o amigo Martinho, nunca falhava coma nota. Sentiu barulho atrás de si, olhou, era gente que vinha visitar a igreja, talvez em busca do presépio que não havia, levantou-se, pegou na bengala e vagarosamente saiu, rumoa casa. O frio da noite tornou mais fria a lágrima que teimava em percorrer-lhe a face, parou no Chão de Ordem, no que fora, já que agora ali estava um espaço que era o orgulho desta terra, do bolso do peitilho das calças retirou um lenço e com ele limpou a face. Tudo tinha mudado, era o progresso (?), mas a tradição da fogueira ainda duraria porquanto maistempo? Pseudónimo: Bebé Nota do autor: A ficção e a realidade confundem-se e coabitam nesta história, os nomes são reais, as alcunhas, esses títulos e brasões de então, também são reais, vão como preito da minha homenagem a todos aqueles que por esta terra deram algum do seuesforço, semolhara bensou riquezas. O narrador que escolhi é uma figura nossa conhecida, o António Fernandes Miguel “O Rolhas”, é a minha homenagem a um homem que deu muito de si a todos nós através dos Bombeiros que serviu durante décadas. Escrevo esta história em Dezembro de 2010, não sei se a lerá, fica o meu abraço degratidão. 23 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV SAUDADE…
  • 27. 25 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 29. AOREDORDOMADEIRO O madeiro de Natal tem como origem os cultos pagãos de celebração do solstício de inverno, que era comemorado com o acendimento de grandes fogueiras ao arlivre. Algumas das actuais festas religiosas cristãs são originárias da adaptação de festas pagãs que a Igreja foi, digamos assim, cristianizando, mas que mantiveram sempreummisto depagão ereligioso. A fogueira ou o madeiro foi uma delas que em muitas das localidades do nosso Portugal e mais concretamente no nosso interior se acende na véspera de Natal, tem na tradição popular o objectivo de aquecer o Deusmenino. A fogueira do madeiro sempre me intrigou. Porquê uma fogueira assim tão grande? Seria para dar nas vistas e concorrer com a localidade vizinha? Seria porque as noites de inverno, cheias de denso nevoeiro, eram escuras que nem bréu e era preciso dar-lhes um pouco mais de luz? Seria, como me dizia a minha catequista, para aquecer o menino? E nos países em que o Natal se comemorava com temperaturas muito altas, o calor do madeiro seriaapreciadocomo pornós? Não sei porque era no verão que me vinha à memória de criança a imagem do madeiro crepitando, rodeado de gente que de toda a aldeia ali vinha procurar o calor para o corpo e para a alma e depois todo o cerimonial com ele associado. Sem dúvida que era, na geralmente gélida véspera de Natal, que tinha lugar a queima do madeiro, que depois se prolongava pelo dia de Natal eatéquereduzidoa cinzasacabavaporseextinguir. Nos dias quentes de verão abominava o calor abafado e abrasador mas ao imaginar o madeiro expelindo calor e luz que dava aconchego na alma e no corpo, ansiavaporaquelediachegar. Imaginava-me todo enroupado, estendendo as mãos para a fogueira e, depois de aquecidas, passar com elas pelas faces enregeladas, aquele calor não era como o do verão, sabia bem, curava as feridas do coração e da a AO REDOR DO MADEIRO 27 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 30. O NATAL alma, era um calor muito, muito especial, era o calor do madeiro deNatal. O cenário da queima do madeiro despertava em mim muitas emoções e interrogações, mas passemos às emoções,as interrogações deixei-asexplícitas atrás. Na minha aldeia, o madeiro ou fogueira de Natal, como lhe chamavam, tinha um “élan” especial para mim, era diferentedoquesepudessefazernoutras localidades. O meu madeiro era especial, era o melhor das redondezas, eu não sabia explicar porquê, talvez porque como a minha aldeia não tinha electricidade, assim o madeiro podia mostrar toda a sua pujança de luminosidade. Também não havia capela, e derivado a não haver capela, era no centro da aldeia que a fogueira tinha lugar. Até os tractores e outros veículos motorizados eram apanágio de outras terras mais populosas. Mas nem por isso a nossa fogueira do madeiro deixavadetera pompaecircunstância para todosnós. Havia que pôr a imaginação a trabalhar e seleccionar a carroça que estivesse numa cabana, mais afastada das casas e no dia, geralmente nas vésperas, depois de se ter sinalizado o “infeliz” que haveria de ficar sem a lenha que previamente tinha preparado para aqueceros friosdiasdeinverno,consumava-seo “roubo”. Combinada a hora da noite, porque era sempre de noite que acontecia o “crime”, lá íamos à cabana seleccionada buscar o carro, só que acontecia algumas vezes que o carro tinha o eixo ainda em madeira e fazia uma chiadeira medonha que nos denunciaria e acordaria o respectivo dono e não nos livraríamos de uns impropérios ou até de algumas pedradas se ele por acaso acordasse; por isso recorríamos a um estratagema, que era o de molhar o eixo do carro com água. Resolvida a situação da chiadeira, uns à frente puxando, outros atrás empurrando, lá íamos noite dentro rumo ao local do “crime” parar dar o golpe de misericórdia; e usando a táctica do silêncio lá se carregava o madeiro ou os madeiros, tudoisto acompanhadopelabelapinga. Não se podia carregar muita lenha já que era utilizando a força braçal que tinha de se puxar o carro e a 28 AO REDOR DO MADEIRO
  • 31. levá-lo a bom porto, às vezes percorrendo grandes distâncias eporíngremescaminhos. Com avanços e recuos, safanão daqui e dali, o carro ia vencendo a pouco e pouco a distância até ao centro da aldeia, parando aqui e ali para descansar, ou simplesmente para perscrutar o silêncio da noite, não viesse o dono do carro ou da lenha ao nosso encontro e só de imaginar o que seria, nos levava a tomar todas as precauçõespossíveiseimaginárias. Nós, os mais jovens, sentíamo-nos seguros já que eram sempre os mais “velhos” que comandavam e assumiam as responsabilidades, na eventualidade de sermos descobertos pelos donos do carro ou da lenha, o crime era sempre cometido na véspera, para evitar que a vítima não tivesse hipótese de reaver a sua lenha ou o seu carro. Era com um mito de alegria e espanto que no dia em que se acendia a fogueira e toda a aldeia convergia paro o largo onde na noite anterior se tinham amontoado os troncos em forma de pirâmide, havia sempre alguém que, olhando para a pilha de madeira e ainda meio estupefacto, exclamava: - ah, seus malandros! Quem é que foi roubar a minha lenha? Um silêncio foi a resposta que obteve. Vendo que ninguém se acusava e que não lhe restava outra alternativa senão juntar-se ao grupo e participar, com voz de constrangimento, atalhou: - é para aquecero menino,então está bem. Acender a fogueira era uma tarefa para os mais velhos, muitas das vezes a lenha encontrava-se verde ou molhada, o que obrigava a ter de iniciar a combustão com petróleo ou outra lenha mais seca, o que por vezes originava uma labareda repentina, da qual era preciso precaver. Confessado o crime, e porque já não havia nada a fazer, ladrões e vítima selavam a sentença de absolvição com um copo de tinto ou aguardente que alguém tinha trazido para aquecer por dentro, porque por fora o calor provenientedafogueira era agora abrasador. O carro que tinha servido de transporte da lenha, já tinha sido recolhido na sua cabana e muitas das vezes o seu dono nem sabia que o tínhamos utilizado, mas havia a 29 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV AO REDOR DO MADEIRO
  • 32. O NATAL sempre alguém que dava com a língua nos dentes enquanto se aquecia ao redor da fogueira e se descaía para o dono do carro, que estupefacto respondia: - não deipornada, ainda bem. Do meu ponto de observação de verão, continuo a observar a fogueira do madeiro da minha aldeia, que para mim era a mais grandiosa de todas as que podia haver.Era a minhafogueira. Nascida da escuridão da noite, sem electricidade na aldeia, as labaredas da fogueira ainda no seu começo, lançam-se rumo ao céu num clarão intenso que ilumina tudo ao redor, projectando no branco das paredes das casas circundantes as silhuetas das pessoas que se encontram postadasao redordofogo. É um cenário que me deixa sem palavras e até me interrogo se, naquele momento, o menino Jesus não estaria ele também por ali aquecendo-se. Mas o menino Jesus também tem frio!? Interrogava-me eu. Não me dizia a minhacatequista quea fogueira era para o aquecer? O ambiente continuava de uma beleza encantadora e todos pareciam irmanados por uma auréola mística. Do meu posto de observação, vejo o garrafão a passar de mão em mão e pratos de filhós quentinhas que vieram da casa ali mesmo ao lado, para acompanhar a bebida, toda a aldeia está ali presente, ninguém veio por obrigação, das bocas soltam-se mil e uma histórias, cada um à sua maneira tenta viver aquele momento. Esquecem-se desavenças, fala-se do tempo que não vai criador, das chuvas que já vão chegando, do vinho que está cozendo, lançam-se palpites para o novo ano e até alguns namoricos seiniciam. O madeiro continua em erupção forte, e cada vez que alguém o atiça, uma salva de milhentas faúlhas reluzentes se elevam obrigando a que os mais friorentos seafastem. Os miúdos, à falta de brinquedos, vão ocupando o tempo, correndo ao redor da fogueira ou entrando nas conversas dos mais velhos, tentando descobrir qual o presente que o Menino lhes trará naquela, mas que nunca passarádeumpardemeias,uns docestalvez,umas 30 AO REDOR DO MADEIRO
  • 33. filhoses de certeza e para que tal aconteça há que deixar o sapato na chaminé. Porquê deixar um presente num sapato? Quelocal maisinestético!Interrogava-meeu. As doze badaladas estão próximas, um frio gélido sopra do norte, o céu não deixa ver as estrelas, se deixasse poderia ser que encontrássemos a do pastor, há quem alvitre entre os presentes; se chover é capaz de nevar e logo outro retorquiu; seria bom, seria um Natal abençoado e peloNatal quer-sefrio,a vervamos. Os resistentes que ainda se mantêm ao redor da fogueira, vão rodando os corpos, ora o peito, ora as costas em direcção à fogueira, para se manterem quentes, as histórias finalizaram-se, bebem-se os derradeiros copos e agora é a expectativa do dia que está para nascer que é motivo de conversa. Com a temperatura cada vez mais baixa e com o céu toldado de negras nuvens, alguém alvitra: - julgo que vai mesmo nevar, outros, mais incrédulos,apelidam-nodeadivinho. A fogueira é agora um braseiro imenso, um ou outro estão carregando as baterias para chegarem ainda quentes a suas casas, o braseiro ilumina tudo ao redor, ainda está aqui para durar por muitas horas, exclamam os que se vão retirando, seguindo cada um a sua direcção e levando no coração e na alma o calor motivado pela fogueira epeloencontro comos amigos. Os últimos a deixarem o conforto da madeiro já foram presenteados com alguns, embora poucos flocos de neve, mas como tinha acontecido das outras vezes foram-se deitar, pensando que não passaria daquilo, porquea altitudenão davaazo a muita neve. Bem se enganaram porque ao acordar, na manhã seguinte, um espesso manto de neve cobria os telhados das casas, os campos e até as árvores estavam vergadas ao peso de tanta neve; ao redor da fogueira e até onde ainda chegava o calor do braseiro a neve não se agarrou, podendo observar-se um círculo onde eram visíveis os paralelos da calçada e que permitia que os mais madrugadores e curiosos se aproximassem das derradeiras brasas quesoltavamo últimosuspiro. Os incrédulos do dia anterior eram agora questionados perante a evidência do nevão que tinha a 31 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV AO REDOR DO MADEIRO
  • 34. O NATAL 32 caído, pelos que na noite anterior, empiricamente observando as escuras nuvens e o abaixamento da temperatura, pressagiaram a queda. Alguém que entretanto chegou, com a voz ainda um pouco roufenha mas denotando alegria, depois de dar os bons dias aos presentes, lançou para o ar: - eu bem sabia que Deus Nosso Senhor nunca ia deixar o Menino sem um bonito lençol de branco. Ele aí está para ele se deitar. O madeiro começava a dar sinais de estertor. Das chaminés das casas saíam colinas de fumo branco que subiam na vertical como a querer tocar o céu, associando- se à festa, até ao largo chegavam já os cheiros dos acepipes próprios da época, que as mulheres em casa preparavam, o quefazia crescera água na boca. O madeiro cumpriu a sua missão aquecendo o Menino e criando ao seu redor um clima em que cada um, à sua maneira, de coração nas mãos, pôde viver momentos de união com todos os seus vizinhos, esquecendodesavençaserancores. Contente pela união que criou, o madeiro exalavaagora os últimossuspiros eporfimextinguiu-se. Assim foi o madeiro da minha juventude, que do meu posto de observação de Verão ficou marcado no meu subconscienteeagora convosco aquipartilho. Argonauta AO REDOR DO MADEIRO
  • 35. O MADEIRO DE NATAL O madeiro é o lenho Que na fogueira arde, É a tradição de Natal Que se celebra em Portugal. Esta tradição é tao linda, E tantos anos ela tem, Vem celebrar o Deus menino Lá nascido em Belém. Esta época é festiva, É de paz e de amor, O madeiro vai arder Para nos dar o seu calor. Com o madeiro a arder Vão as pessoas conviver. E em redor da fogueira Prevalece a brincadeira. Nem o frio da noite Faz gelar a amizade. Ao redor do madeiro Não há ódio, nem maldade. Todos ali se vão juntar Para o Natal celebrar, Esta tradição é digna Deste cantar popular. Vêm velhos e novos E todos ali se juntam. A falar e a cantar Não dão pelo tempo passar. Esta tradição é tão linda E se vive em Portugal Por esse mundo fora Jamais haverá igual. O MADEIRO DE NATAL 33 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 36. Não me quero alongar mais Por agora vou terminar A todos um Feliz Natal Quero eu assim desejar. Guigui O NATAL 34 O MADEIRO DE NATAL
  • 37. ERAUMAVEZUM MADEIRO Uns dias antes do Natal, João andou à procura do madeiro ideal para a fogueira de Natal. Como ele adorava ver o madeiro a arder sobre aquele fogo que aquecia a todos, que por lá estavam. Era ele que todos os anos se oferecia para o ir procurar, mas cada vez se tornava mais difícil, já que, no verão os fogos queimavam muitas árvores e outras eram cortadas. Mesmo assim ele adorava procurá-lo. Lembrava-lhe os seus anos de criança, em que eleiavero madeiro na vésperadeNatal, ao ladodaigreja. Agora ele já tinha crescido, tinha mulher e filhos e queria que eles também pudessem ver a beleza do madeiro a arder. Mas naquele dia, não estava a ser tarefa fácil, pois não encontrava o madeiro ideal em lugar nenhum. Até que de repente, sem pensar duas vezes, desatou a correr para ele. Finalmente, tinha encontrado o madeiro ideal e desatou a cortá-lo até que ouviu uma voz: - Porque estás a cortar-me?-perguntou a voz. O João não acreditava no que ouvia, pois é impossível um madeiro falar.Econtinuou a cortar, como senada fosse. ?Tu não meouviste?-disseoutra veza voz. ?Estása aleijar-mecomesseinstrumento. ? Quem está aí?- perguntou o João – eu não estou a gostar dabrincadeira. ?Sou eu!Aárvore.- disseela. ? Mas, não pode ser! As árvores não falam!- disse João já umpouco assustado. ? Isso é o que tu pensas! - disse a árvore - nós sempre falámos, mas vocês é que não nos entendiam, porque nós só falamos a nossa língua, mas se nós quiséssemos, falávamos a vossa língua, sem problemas nenhuns. Eu nem posso agora estar a falar contigo, pois a nossa primeira regra é nunca falar com humanos, foi a mãe naturezaquefezas regras. Elaétão bonita! - disseele ?Conseguesdizer-mecomo elaé?-perguntou o João. ? Sim! Ela é toda verde com um vestido de flores, com todos as cores do arco-íris, os seus sapatos são de seda, e os seus cabelos são soltos e selvagens. É tão gira – dizia ele todo babado! - Mas pronto! Já tenho mulher e filhos, que por acaso estás a pisá-los, a ERA UMA VEZ UM MADEIRO 35 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 38. O NATAL agora! - disse ele, reparando que João os estava a pisar. Desculpem–disseo João, arrependido. Não faz mal.-respondemeles–jáestamos habituados. Chiu- disse uma voz vinda de uma árvore majestosa – não veemqueeleéumhumano? Esta é a minha mulher, a Fauna. A propósito, eu não me chegueia apresentar! Quedistraído! Eu sou Junco. Este é o meu filho, esta é a flor e esta é a folha.-disseo Junco. ? Se a poluição sabe que nós estamos a falar com um humano ela corta a nossa raiz e usa-a como lenha na sua fogueira! - dissea Fauna. Queméessatal poluição? –perguntou o João. Não conheces? - disse a Fauna. - vocês devem andar um bocado desatualizados! Não se fala de outra coisa aqui na floresta! Ela suja a água o ar e a terra. Resumindo ela suja e estraga tudo. Ela é tão má. Estás ver esses troncos aí no chão?-pergunta ela. - são vocês que os cortam contribuindo assim para a poluição, massacrando-nos. Olha só o corte que tu fizeste ao meu querido junquinho. Aposto que és tão mau como a poluição. Afinal és tu que a ajudas, sujando tudo. Vocês homens só se interessam porvocês.-disseFauna. - Ei!- respondeu-lhe João - Fala por ti, eu não sabia que vocês falavam nem que tinham sentimentos, vocês foram sempre tão quietinhas e nunca se mexiam, e nós sabíamos lá o que vocês sentiam!- disse João zangado- mas agora que penso melhor és capaz de ter razão. E a mãe natureza não podefazernada?- perguntou. -Coitada da mulher- disse- ela bem tenta, mas a poluição é mais forte, pois ela tem-vos a vocês a ajudá-la- respondeu Fauna. O João já irritado continua a cortar, até que, o madeiro caiu e o levou para ao pé da igreja. À noite, por volta das dez horas, acenderam a fogueira. Quando chegou a meia- noite, foram à missa do galo e depois foram-se deitar. No outro dia era Natal. Era uma festa porque Jesus tinha nascido. Foram todos à missa e quando acabou limparam tudoo quetinhasujadono diaanterior. Eassimsepassaestediaemalgumas aldeiasdopaís. Cravo ? 36 ERA UMA VEZ UM MADEIRO
  • 39. 37 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 41. O DIA EM QUE A FOGUEIRA AQUECEU CORAÇÕES Há muitos, muitos anos existiam uma aldeia, situada na encosta da serra, onde reinava o silêncio. Apenas se ouviam pássaros a chilrear, o vento a soprar entre as árvores, a água correndo numa fonte que ficava no centro da aldeia, o sapateado de um burro, carregando lenha para a fogueira do frio que se avizinhava, e muitos outros sons banais, aos quais nos habituamos a ouvir no nosso diaa dia. Mas todos estes sons são inúteis, quando se vive na aldeia do silêncio. Silêncio este, que morava dentro dos próprios habitantes e que fazia com que não houvesse um simples “ Bom dia” entre vizinhos ou até mesmo um “Pode ajudar- me?” entre agricultores de hortas vizinhas. Assim, e com todo este silêncio interior, naquela aldeia, todos eram desconhecidos, todos viviam a sua própria vida, todos, lá bemno fundodoseuprópriosilêncioeram infelizes. Até que chega o inverno e o silêncio torna-se ainda maior. Agora também, ele permanece nas casas dos habitantes silenciosos, pois com o frio as portas das casas fecham-se para os barulhosdomundo exterior. Viviam o frio junto às lareiras, pequenas, que cada um acendia em sua casa. Lareiras estas que apenas aqueciam o exteriordecada um. Mas certa noite, como por magia, surgiu um sujeito carregado de cepas. Parecia mesmo aquele homem gordo das barbas que se veste de vermelho pelo natal. Mas não era, pois ele era ainda mais gordo, velho, barbudo, e por aquele seu carregamento, estranho e misterioso. Calmamente e em silêncio o senhor gordo, velho e de barbas, deixou as cepas junto a uma capelinha (um pouco esquecidapeloshabitantes)epartiunovamente. O silêncio perdurou por mais algum tempo, até que chega silenciosa aquela noite especial, a noite de Natal! Uma noite como outra qualquer para aqueles habitantes, mas queestariaprestesa deixardeo ser. E foi assim, que naquela noite, ao despertar do canto forte deumgalo, tudomudou.Oshabitantesmovidospela O DIA EM QUE A FOGUEIRA AQUECEU CORAÇÕES 39 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 42. O NATAL curiosidade, de saber que som tão forte era aquele, agasalharam-se e dirigiram-se para a rua. Lá fora um enorme clarão de luz vindo de ao pé da capelinha, iluminava toda a aldeia. Então, todos os habitantes decidiram ir ver o que se passava. Eles iam tão surpresos, quequasepareciamformigasao ataquedeumaçucareiro. À medida que se aproximavam, iam-se sentindo mais quentes, tanto por dentro como por fora, até que chegaram junto do clarão. Todos ficaram surpreendidos quando viram que era uma enorme fogueira, completamente diferente de todas as que faziam nas suas casas, ebemmaispoderosa. E foi graças aquela fogueira, e aquele homem velho, gordo e de barbas, que tudo mudou na aldeia do silêncio. Com todo aquele calor e luz, o Silêncio que morava dentro dos habitantes desapareceu, e no lugar deste surgiu um Coração, cheio de amor, alegria, paz, e muitos outros sentimentos,que jamais haviam sido experimentadosnaquelaaldeia. Hoje naquela aldeia, já se fala, já se ama, já se ri, já se sente! E isso é o que o natal traz às pessoas. Traz amor, felicidade,alegria,paz,... Basta que alguém nos aqueça, basta que alguém faça algo diferente,para tudoemnós mudar! Maria Rosário 40 O DIA EM QUE A FOGUEIRA AQUECEU CORAÇÕES
  • 43. OMADEIRODENATAL Certo dia, há muitos, muitos anos, num pinhal perto de Sobreira Formosa, ouviam-se os machados dos lenhadores a cortar alguns pinheiros para o inverno, pois o tempo estava cada vez mais frio e a chuva já havia começado a cair. Ao pôr do sol todos os machados foram arrumados e cada um dos lenhadores foi para a sua casa, ficando a floresta totalmente silenciosa, ouvindo-se apenas o piar das corujas, e o som da chuva que começara a cair. No entanto, à medida que a noite avançava, a floresta ganhavavidacomo setratassedemagia. Desde que o sol se levanta até que se deita, as árvores e as flores ficam muito quietas, sempre na mesma posição, a não ser quando passa uma rajada de vento e as folhas começam a dançar no meio de toda a agitação. Já os animais da floresta, parecem todos sempre muito agitados e que não ouvem nem entendem aquilo que dizemos. Mas à noite é que descobrimos verdadeiramente o que é a floresta. As árvores já não se movem só quando há vento, e os animais já não parecem tão abstraídos do que os rodeia, pois quando a noite cai, a floresta acorda e vive as suas vidascomo sefossempessoas. Assim, esta noite a conversa na floresta era sobre a vinda dos lenhadores e do facto de estes terem cortado muitas árvores. - Já viu “Tio”! Eles levaram as árvores só deixaram os madeiros. Será que doeu muito? – perguntou um pequeno pinheiro, a um pinheiro muito grande que não tinhasidocortado. - Não, não doeu nada – respondeu um madeiro, duma das árvores mais altas que havia sido cortada – Sinto como se me tivesse saído um peso de cima. E não é uma sensação nada má. - Mas “Tio” – continuava o pequeno pinheiro, que tratava todos os pinheiros mais velhos, ou o que restava deles, por “Tio” – Não sente que lhe falta qualquer coisa? Se agora mecortassemo tronco, eunão seio quefazia. - Temos de aprender a viver com isso. E é a vida, nada fica da mesma forma durante muito tempo. E para estarem a a O MADEIRO DE NATAL 41 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 44. cortar as árvores é porque o inverno está perto. E eu gosto muito de saber isso, pois com o inverno vem o Natal, que é a melhor altura da vida de um madeiro grande e velho como eu. - Porquê“Tio?No Natal nasce-lheo tronco outra vez? - Não, pinheirinho, nesta altura os lenhadores vêm buscar os madeiros como eu, para fazer uma grande fogueira na rua, em torno da qual se junta toda a aldeia para conversarepara seaquecerna noitefria. - Ah!Eissonão dói,como quando énos incêndios? - Não, só sentimos que o nosso peso diminui, e depois tornamo-nos ar. Mas só não dói na altura do Natal, porque nos incêndios, já ouvi outras árvores dizer, que dóimuito. - Ah, assim não me importava de ficar sem o meu tronco. E“Tio”,eutenhodeesperar muito atémetornar ar? - Não sei. Sabes no Natal também se cortam algumas árvores pequenas como tu, para enfeitar dentro de casa e ficarem perto do presépio. E depois, se isso acontecer, o teu pequeno madeiro também vai para a fogueira. Se não fores cortado, tens de esperar até ficares grande como eu fiquei,para ficaresar. E assim, continuaram na conversa vários pinheiros, a falar do Natal, até que o sol voltou a nascer e a floresta voltou a ficartoda muito parada. Passadas algumas semanas, o Natal tinha chegado e muitos pinheiros pequenos haviam sido cortados, restando apenas o seu madeiro. Dias depois, os madeiros foram todos recolhidos para a famosa fogueira de Natal, em que os madeiros se tornavam ar. No entanto, um madeiro tinha sido deixado para trás, era o madeiro do pequeno pinheiro, que tantas perguntas tinha feito sobre o Natal, ao “Tio”. Agora este madeiro era o único no meio de todos aqueles altos pinheiros, que o tentavam consolar. - E agora o que me vai acontecer? Não me vai crescer o tronco outra vez. E também não vou ficar ar, na fogueira de Natal. Estou aqui sozinho, sou o único madeiro e não sirvo para nada. - Não estás nada sozinho – respondeu um pinheiro mais a O NATAL 42 O MADEIRO DE NATAL
  • 45. velho – Nós estamos aqui contigo para te fazer companhia, entendo que estejas triste, mas tens de te animar. No entanto, nada animava o pequeno madeiro, mas a certa altura nessa noite, noite de Natal, o pequeno pinheiro viu uma sombra passar no céu por cima da sua cabeça, mas não era nenhum pássaro, era o trenó do Pai Natal. O madeiro do pinheirinho reconheceu o trenó com as renas, porque o “Tio” tinha-lhe contado sobre um homem de barbas brancas com uma grande barriga, que no Natal realiza os desejos e entrega presentes a todos os meninos que se portam bem. Então o madeiro começou a pedir com muita força, que o Pai Natal fizesse com que ele ficassear. O Pai Natal ouviu o desejo deste madeiro, e parou o trenó perto deleeperguntou: - Queméo madeiro quequerserar? - Sou eu Pai Natal, eu queria muito ir para a fogueira e ficar ar, mas não pude, por isso o Pai Natal podia fazer comqueeuficassear. - Bem, eu acho que sei de uma coisa, – disse o Pai Natal – que é melhor do que ficar ar. Se quiseres posso transformar-tenisso. - Sim.Sim,PaiNatal, porfavor. - Está bem – e, calmamente, o Pai Natal tirou um pó de dentro de um saco que tinha no bolso, e deitou-o em cima do madeiro. O madeiro como por magia, saiu da terra e começou a flutuar no ar, e a sua madeira parecia que começava a ser talhada em várias partes, mas não conseguia perceberemquê. Depois da madeira ser talhada, foi embrulhada em papel muito bonito, cheio de bonecos, e arrumada dentro do saco doPaiNatal. Passado algum tempo, os embrulhos foram deixados em várias casas debaixo da árvore de Natal, e algumas horas depois, o pequeno pinheirinho sentiu que o papel em que estava embrulhado era rasgado, e aí é que as várias partes do madeiro souberam o que eram. Eram brinquedos para as crianças, uma parte era uma caixa de música, outra parte um comboio, e ainda outra, um a 43 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O MADEIRO DE NATAL
  • 46. carrinho, entre muitas outras coisas. E quando as crianças começaram a brincar com os seus presentes, o pinheirinho, agora transformado em brinquedo, soube qual era a sensação melhor do que ser transformado em ar, a sensação de alegria e de amor que as crianças transmitiam ao brincar, e isso era melhor que qual quer coisa. O Pai Natal tinha razão, existe uma sensação melhordoquenos tornarmos ar, sentirmo-nosamados. Morena Clara O NATAL 44 O MADEIRO DE NATAL
  • 47. OMADEIRODENATAL Era uma vez um menino que se chamava Manuel e gostavamuito doNatal. Na sua terra era tradição pelo Natal ir ao pinhal buscar um Madeiro para meter na fogueira, para aquecer o meninoJesus. O Manuel lá foi para o pinhal cumprir a tradição da sua terra. Quando chegou a casa já estava quase a anoitecer e o Manuel eos paisforam comera sua ceia. Depois da ceia, foram fazer as filhós para comer no dia seguinte. Naquele dia de Natal, as pessoas conviviam junto da fogueira eo Manuel eos seusamigosbrincavam. À meia-noite era costume irem à missa do Galo. Depois da missa, as pessoas iam novamente para junto da fogueira. No dia seguinte, o Manuel viu os presentes, que estavam junto da chaminé, que o menino Jesus lhe tinha deixado. E abriu um, era um pijama. O Manuel gostou muito do presente. Depois de experimentar o pijama foi à janela. Estava a nevar. O Manuel também gostava muito de neve, por isso, foi vestir uma roupa quente para ficar bem agasalhado e foi para a rua procurar os amigos para brincar. O Manuel brincou, brincou, brincou até quando a mãe o chamou para ir almoçar. Disse adeus aos amigos e foi almoçar. Depois do almoço, o Manuel chamou os pais para irem brincarcomelepara a neve. Como já tinham as mãos muito frias foram para casa aquecer-sena lareira. O Manuel voltou a ir brincar com os amigos, enquanto a mãe lhe foi preparando o lanche para quando ele tivesse fome. O Manuel convidou os amigos para irem lanchar com ele eelesaceitaram. Depois de lancharem, os amigos foram-se embora e o Manuel foi abrir o resto dos presentes, que ainda estavam junto à chaminé. 45 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O MADEIRO DE NATAL
  • 48. Passadas duas horas, já era hora de jantar. Os pais do Manuel tinham convidado uns primos para irem lá jantar. O Manuel ficou muito contente, porque já não tinhaprimoshámuito tempolá emcasa. Os primos foram-se embora e o Manuel e os pais foram dormir. Eassimsepassou umNatal na terra ena casa doManuel. Alice Maravilhas O NATAL 46 O MADEIRO DE NATAL
  • 49. 47 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 51. OMADEIRODENATAL Era uma vez um menino chamado Joaquim que vivia numa aldeiapequenina perdidano meiodopinhal. Nessa terra, as pessoas eram boas e simples. Cultivavam os camposeajudavam-semutuamente. As crianças frequentavam a escola e foi aí que o pequeno Joaquim questionou a professora acerca da origem e do significadodoNatal. Aprofessora deuuma pista…Umapalavra… Equal era?? …Madeiro. Se até aqui Joaquim se encontrava cheio de dúvidas, a partirdaquiéqueJoaquimnão maissossegou! No entanto, pôs-sea pensar: “Se o Natal é a chama acesa do amor, da amizade, da família, da paz, como poderia existir essa chama sem a lareira? Semas pinhas?Semo madeiro? ... O madeiro depois de ateado produz o calor que junta a família, primeiro nos preparativos do jantar, depois aquecendo o ambiente e, finalmente, fazendo as filhós e a cevada,quesabemtão bemtomar pelanoitedentro…Ese essanoiteélonga… Éa noitedeNatal!! E depois, quando saímos para visitarmos o menino que nasceu, tão pobrezinho, embrulhado em paninhos e deitado numas palhinhas, temos outra fogueira onde impera o madeiro… Aí a chama é bem maior pois não é só a minha família, são todasas famíliasreunidas… Eentão éaíqueserealizeo verdadeiro Natal! E por sinal, se na nossa terra, uma das maiores riquezas é a floresta, não teremos nós razões para celebrar melhor o Natal, nesta zona denominadaZONADOPINHAL?? NãoháNatalsemMadeiro,não háMadeiro semNatal!” Esta foi a conclusão doJoaquim,quetal? António Tostado 49 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O MADEIRO DE NATAL
  • 53. 51 OMADEIRODENATAL Era Natal, e com ele o Inverno. Na casa dos avós já chegavam os netos, vindos da cidade, o que trazia algum rebuliçoà aldeia. De manhã muito cedo, a Joana acordava com o crash dos ovos quea avócolocavano alguidarpara fazeras filhós. Oavôacordavao Pedro eo João queainda dormitavam: - Meninos, o sol já se levantou e na calçada já se ouvem os tratores que se dirigem para a serra para trazer os madeiros para a noitedeNatal. OJoão eo Pedro perguntaram emcoro: - Óavô,o queéissodoMadeiro deNatal? - Sentem-se que eu conto a história. Sabem, falar de um madeiro ou de um cepo é tudo a mesma coisa. Nas aldeias, uma parte da consoada é passada à volta de uma fogueira, no largo da igreja, e já diziam os meus pais que era para aquecero Menino Jesus. AJoana muito sorrateira interrompeu: - Dequefalam vocêshátanto tempo? - Não interrompas, deixa o avô continuar! - reclamou o João. Eo avôcontinuou: À meia-noite, à hora da missa do Galo, as pessoas reúnem-se à volta do calorzinho da fogueira que lhes dá uma alegria especial, as conversas e as risadas fazem com que todos se sintam mais amigos e mais solidários. O Natal éuma verdadeira festa! - Ó avô, diz-me uma coisa, quando tu tinhas a nossa idade e não havia tratores, como é que transportavam os madeiros para a fogueira? - perguntou a Joana. - Era em carros de bois, os rapazes novos, e no meu tempo havia cá muitos, iam por montes e vales em busca dos melhores cepos. Às vezes, havia rivalidades com as aldeias vizinhaspara verquemtinhaa maiorfogueira. - Joana, Joana! - chamavaa avó. - Pois, minha filha, contam-se muitas histórias à volta do Madeiro, o mais importante é que ele seja um sinal de união tão necessário como o presépio nas nossas casas. Ia- meesquecendo,a massadasfilhósjádeveestarpronta, NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O MADEIRO DE NATAL
  • 54. O NATAL 52 O NATAL vou acender a lareira, colocar o tacho e assim continuarmos o espírito de Natal e aguardando a chegada dosteuspaispara juntos celebrarmos esta grande festa! Luísa de Mello O MADEIRO DE NATAL
  • 55. 53 OMADEIRODENATAL Na noite de Natal, numa aldeia, sentado ao pé da sua lareira, um velho começou a contar uma história de Natal ao seu neto que tinha vindo da cidade para passar o Natal comos seusavós. - Avô?! - pergunta o neto - Quando vinha para a tua casa, reparei numa grande fogueira que estava a arder no largo da aldeia. Porque é que as pessoas fazem essa fogueira tão grande, avô?Não têmlareiras emcasa? - Sabes, meu filho! Um dia, há muitos anos atrás, em pleno Inverno, num dia em que estava muito frio, os pastores que guardavam as suas ovelhas lá nos montes distantes, quando o dia estava a chegar ao fim, foram surpreendidos por um forte nevão. Os que estavam mais perto conseguiram chegar a casa antes de a noite ficar escura e os campos cheios de neve. Um deles, porém, que andava mais longe, com a neve e a noite escura, perdeu o rumo de casa. A família, depois de esperar algum tempo, começou a ficar preocupada, e a sua mulher resolveu ir perguntar a um pastor seu vizinho se tinha visto o seu marido. Este, por sua vez, respondeu-lhe que, a última vez queo vira, eleestavadoladodelá damontanha. Com o desespero a aumentar, as pessoas começaram a perguntar umas às outras se sabiam novas do pastor. A mensagem foi passando e as pessoas da aldeia saíram à rua, a comentar o sucedido e sem saberem o que fazer. Como o frio era muito e a noite estava escura, um deles resolveu ir buscar lenha para fazer uma fogueira. Aos poucos, cada um dos aldeões foi buscar mais e mais lenha para que a fogueira fosse maior, não só para aquecer mas também para iluminar enquanto resolviam o quefazer. Enquanto isto, lá no meio do monte, o pastor e as suas ovelhas continuavam perdidos. Este, que conhecia bem o monte, quando viu que não conseguia chegar a casa por causa da neve e da noite serrada, resolveu abrigar-se numa caverna que havia ali perto. E então, conduzindo o rebanho, abrigou-sena dita caverna. Ofrioera muito, eo pastor, aliparado, jáestavaa NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV O MADEIRO DE NATAL
  • 56. O NATAL 54 O NATAL enregelar. Lembrou-se então de se aconchegar no meio das suas ovelhas. A certa altura, o pastor reparou num grande clarão do outro lado do monte e, pensando ser um sinal, decidiu segui-lo, levando o seu rebanho. Lá foi ele, sem saber para onde ia, apenas com a sua melhor guia, a esperança devoltarpara junto dosseus. Na aldeia, o ambiente era cada vez mais pesado e as únicas palavras que se ouviam eram: «Onde está ele?», «Seráquevolta?», «Estará elevivo? Edopastor, nemsinais! Entretanto, o pastor chegara ao cimo da montanha, donde ao longe avistara a sua aldeia e, lá bem no centro, a enorme fogueira que o tinha conduzido ali. Ansioso por chegar e pensando na preocupação daqueles que lhe querem bem, lá continuou, sempre acompanhadopelassuas ovelhas. Era quase madrugada quando o pastor chegou à aldeia. Lá na praça, exaustos e com frio, estava um grupo de pessoas das que tinham esperado por ele a noite inteira. Da fogueira já só restava um pequeno brasio. Aos poucos e poucos, as pessoas foram acordando e, vendo ali o pastor, gritaram: - «Viva!», «Urra!», pois, após uma longa espera, o seu pastor tinha voltado são e salvo, com o seu rebanho! A partir dessa altura, na noite de Natal, e em muitos lugares,continua a fazer-seesta grande fogueira. - Foi muito bonita, a história, avô! Agora entendo o porquê daquela grande Fogueira, no largo da aldeia! - diz o neto. - Pois, meu rico filho! Neste mundo tudo faz sentido, ainda quemuitas vezesnão sesaiba o motivo! Gucci O MADEIRO DE NATAL