31. Inocência
Oh inocência que perdi entre uma dor e outra
E cuja falta me angustia
A tua ausência me secou os olhos
Cujos espelhos não te refletem mais
Oh inocência dos balbucios
Que as palavras corretas me roubaram
Inocência dos primeiros passos
Que a passada firme foi esmagando
Inocência do desapego
De não imaginar ciladas
De perceber borboletas e passarinhos
Nos canteiros dos cemitérios.
Inocência que cheirava a jasmim
Que tinha a maciez dos lençóis bordados
Dos olhos vigilantes da minha mãe
E dos açúcares da minha avó
32. Inocência que via nas imagens dos santos
Nas falas dos religiosos
Nos cachorros vadios
Que se espalhava em cachos e em peles sem cicatrizes
Mas o tempo devorador
Roubou essa inocência
Sua cartilha sem poesia foi me mostrando a mágoa
A revolta, a estupidez humana
E eu, videira fértil, sequei os frutos
Estanquei a fonte dos risos
Mandei embora a gentileza
E me fechei na indiferença do medo
E nunca mais voltei a ser eu mesmo.