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78 I época I 20 de outubro de 2014
todasasGaro
Em seu novo livro,
recém-lançado nos
Estados Unidos,
a atriz americana
Lena Dunham
se afirma como
representante de
uma nova geração
de mulheres
dilemasfemininos
EP855p078_082.indd 78 17/10/2014 17:01:12
otasnumasó
atriz americana Lena Dunham
ficou famosa em 2012, quan-
do estreou o seriado Girls
no canal fechado HBO. Protagonista
e roteirista, ela transpôs para a ficção
os desafios de garotas inteligentes e
descoladas de 20 e poucos anos que
enfrentam o início da vida adulta em
Nova York. Era uma espécie de Sex and
the city para mulheres recém-saídas da
faculdade. Como se sustentar em em-
pregos que parecem becos sem saída
em vez de portas para um futuro pro-
missor? Como aturar namorados que
só pensam neles mesmos ou aspirantes
tão desqualificados que dá vontade de
sair correndo? E outras questões que
atormentam as mulheres antes dos
30 anos. E depois. A série, cuja quar-
ta temporada será exibida no ano que
vem, tornou-se um sucesso de crítica e
público, por retratar, de maneira ori-
ginal, dilemas universais das mulheres
jovens – estejam elas no Brooklyn, em
NovaYork,ou na Mooca, em São Paulo.
Agora,Lena sai da ficção para narrar ex-
periências reais num livro que chegou
às livrarias americanas há três semanas.
Em Not that kind of girl, que será
lançado no Brasil em novembro, pela
Editora Intrínseca, com o título Não
sou uma dessas: uma garota conta tudo
o que “aprende”, Lena conta, do alto
de seus 28 anos, o que aprendeu sobre
amor, sexo e trabalho. É uma espécie de
autoajuda disfarçada de biografia, fór-
mula que tem tudo para fazer sucesso.
No livro, ela conta passagens constran-
gedoramente íntimas de sua vida, para
apontar cobranças impostas às mulhe-
res de sua geração: alcançar a carreira
e o corpo perfeitos e lidar, em silêncio,
com antigos preconceitos que teimam
em se insinuar nos relacionamentos e
no trabalho.“Alguém que critica os va-
lores sociais ajuda a repensá-los”,afirma
o psicólogo Aurélio Fabrício Torres de
Melo, da Universidade Mackenzie, em
São Paulo. “Vozes como essa aparecem
em momentos em que modelos antigos
começam a se esgotar.” s
Júlia Kortemodelo
moderno
lena dunham este
ano, na frança. ela
faz sucesso na TV,
com a série Girls,
e acaba de escrever
um livro que
mistura biografia
e autoajuda
Foto:PatrickFouque/ParisMatch/ContourbyGettyImages
EP855p078_082.indd 79 17/10/2014 17:01:14
da PUC-SP. Essa sensação de alívio
encontra eco até entre mulheres bem-
sucedidas de sua geração, como a atriz
britânica Emma Watson, de 24 anos.“As
mulheres jovens são bombardeadas com
imagens de como ser a mulher perfeita”,
disse Emma. “Aí, Lena aparece e mostra
na TV quão imperfeita ela é, e também
quão desajustados são seus personagens.
Esse é o motivo do sucesso dela.” Emma
se tornou embaixadora da Boa Vontade
da ONU para Mulheres e está empenha-
da em conscientizar os homens de que
eles também devem lutar pelo direito à
igualdade das mulheres.
A própria Lena é defensora dos di-
reitos femininos em sua vida pessoal. O
assunto está presente em seus tuítes e
Lena quer ser a voz da geração de mu-
lheres conhecida como geração Y, que
nasceu entre 1978 e 1998.Elas não carre-
gam bandeiras de transformação muito
definidas, como os jovens da década de
1960,que pregavam o amor livre e o fim
das repressões sociais e culturais.Ou dos
anos 1970, que clamavam por mudan-
ças políticas. As Lenas querem o direito
de ser elas mesmas. Estão às voltas com
padrões corporais opressivos, parceiros
potencialmente agressivos e elevadas ex-
pectativas pessoais, quando se trata de
sexo,amor e carreira.Ao mesmo tempo,
têm um grau de liberdade e um potencial
de realização pessoal inéditos na história
das mulheres. Tudo isso, naturalmente,
embalado pelo mundo hiperconectado,
hiperopinativo e hiperdolorido da in-
ternet,que torna tudo hipercomplicado.
A ambição de representar esse gru-
po de vanguarda planetário foi revelada
com essas mesmas palavras por Hannah,
apersonagemdeLenaemGirls,jánopri-
meiro episódio da série:“Talvez eu seja a
voz da minha geração. Ou, pelo menos,
a voz de uma geração”. Estava certa. A
série recebeu dois Globos de Ouro, de
Melhor Atriz e Série de Comédia. No
ano passado, Lena alcançou o status de
personalidade global na lista de pessoas
influentes, publicada anualmente pela
revista americana Time. Seu humor au-
toirônico ganhou simpatia instantânea
das variadas tribos urbanas,que a trans-
formaram numa espécie improvável de
musa. Seu livro – inspirado na obra de
autoajuda Having it all, escrita em 1982
pela jornalista americana Helen Gurley
Brown – coroa sua globalização. Lena
diz ter encontrado no livro antiquado e
bem-comportado de Helen uma men-
sagem essencial à jovem rebelde de 20
anos que ela era quando o leu pela pri-
meira vez: uma mulher pode se tornar
poderosa e sexy, não precisa ter nascido
assim.Era o que a adolescente gordinha,
ansiosa e deslocada precisava ouvir.
A lição aprendida por Lena – e gran-
de parte da razão de seu sucesso entre as
jovens – é que ela não precisa ser nada
especial para ser respeitada ou para se
respeitar. Basta ser ela mesma, com suas
dúvidas, certezas provisórias e incoe-
rências. “Os jovens se sentem aliviados
diante de um modelo que exige menos
perfeição”, diz a psicóloga Paula Peron,
dilemasfemininos
L E n a s D a v i D a r E a L
a m o r
sou de rondônia
e conheci uma garota,
por quem me apaixonei,
num congresso no rio
Grande do sul. Durante
um ano, nos relacionamos
à distância. Estava quase
me mudando para
Porto alegre quando
terminamos. sofri
como se tivéssemos
convivido pessoalmente”
érica pascoal, 23 anos
80 I época I 20 de outubro de 2014
EP855p078_082.indd 80 17/10/2014 17:01:23
nas fotos que publica no Instagram. Na
série de TV e no livro, sua militância é
mais sutil. Ela prefere usar as experiên-
cias para provocar reflexão.A exposição
frequente de sua nudez no programa da
televisão é uma maneira de desafiar pa-
drões de beleza. Vários quilos além das
modelos longilíneas e das atrizes esquáli-
das,ela causa estranheza ao exibir pneu-
zinhos e coxas gordas sem pudor. No
livro, diz que o caminho até a aceitação
de seu corpo não foi um passeio. “Não
era obesa,mas um cara mais velho disse
no colégio que eu parecia uma bola de
boliche vestida com um chapéu”,escreve.
Conta que o medo de se tornar viciada
em contar calorias fez com que relaxasse
demais com a alimentação e ganhasse
peso. “As jovens não são maduras para
entender que padrões de perfeição são
só fantasia”, diz a psicóloga brasileira
Andrea Calçada, da Universidade Na-
cional de Lomas de Zamora, na Argen-
tina. “Quando elas se identificam com
uma personagem que foge dos padrões,
é mais fácil aceitar-se.”
Outro dilema retratado por Lena no
livro – e vivido no dia a dia pelas garo-
tas de sua geração – é o embate entre os
limites impostos pela biologia e as no-
vas demandas sociais. Como respeitar o
relógio biológico, ter filhos no auge da
fertilidade,antes dos 30 anos,e,ao mes-
mo tempo, estudar, trabalhar e alcançar
o esperado sucesso profissional? Lena diz
ter se sentido pressionada ao ser diag-
nosticada com endometriose,faz alguns
anos.Se não for tratada,essa doença ute-
rina pode levar à infertilidade. “Desde
que me entendo por gente, sempre quis
ser mãe”, escreve Lena. Tendo contado
isso, ela narra um sonho em que não dá
conta de cuidar dos próprios animais
de estimação. Talvez ainda não seja a
hora para ela... A radialista paulistana
Jaqueline Ferreira, de 29 anos, passou
por uma situação parecida ao receber
o diagnóstico de endometriose há dois
os. “A médica disse que eu deveria
gravidar o mais cedo possível”, diz
queline.“Estava acabando a faculdade,
abalhando exaustivamente, não tinha
ma relação estável nem estrutura algu-
a para conceber uma criança.”Diz que
solveu seguir com seus planos e lidar
m a possível infertilidade quando (e
) quiser ter filhos. No futuro. s
auToral
Capa do livro
de lena dunham,
lançado há três
semanas nos eua.
os ensaios falam
de amor e sexo,
trabalho, amizade
e percepção
do corpo
t r a b a l h o
Depois de trabalhar
em grandes empresas,
comecei a me incomodar
com cobranças que não
eram saudáveis. Pedi
demissão e passei a fazer
trabalhos de relações
públicas como freelancer.
Percebi que não preciso ser
workaholic para provar meu
valor. Ter um tempo para
mim me faz mais produtiva”
Flávia costa, 32 anos
20 de outubro de 2014 I época I 81
an
en
Jaq
tra
um
ma
res
com
se)
Fotos: Rogério Cassimiro/ÉPOCA e reprodução
EP855p078_082.indd 81 17/10/2014 17:01:28
Quando se trata de tabus sexuais,
Lena mostra que até garotas como ela,
que têm uma consciência profunda da
necessidade de ser respeitadas, podem
ter dificuldade em fazer valer suas von-
tades. Ela afirma que um parceiro a en-
ganou e não usou preservativo numa
transa. Ela só descobriu depois, quando
viu a camisinha pendurada num vaso.
Alguns capítulos à frente, diz ter demo-
rado muito tempo para admitir para si
mesma que aquilo que acontecera na-
quela noite fora mais que um desrespei-
to profundo.Tratara-se,segundo ela, de
violência sexual. O rapaz se aproveitara
dela, que havia misturado álcool e dro-
gas, para fazer sexo sem consentimento.
Ela afirma que foi vítima de um estupro
e tinha dificuldade em aceitar isso. É
algo próximo da experiência de muitas
garotas, que, frequentemente, desco-
brem que pode ser enorme a distância
entre a expectativa de sexo idealizada
por elas e o que acontece na prática com
alguns parceiros.
Nesse mesmo tópico, o sexo imper-
feito, seu livro contém relatos engraça-
dos.A história de Lena sobre a perda de
sua virgindade oscila entre o trágico e
o cômico. “Ele estava nervoso. E, num
rompimento foi real e, provavelmente,
desproporcional,diz ela.A facilidade da
comunicação virtual aumentara tanto
a convivência que a relação se tornara
intensa demais. E implodiu antes mes-
mo de ter começado.A publicitária Éri-
ca Pascoal, de 23 anos, chegou a uma
conclusão parecida, também sofrendo.
Ela quase se mudou de Rondônia, onde
morava, para Porto Alegre, para viver
com uma garota que conhecera num
congresso.O relacionamento à distância
durou um ano e terminou antes que ela
fizesse as malas. “A gente podia se falar
o tempo todo. Há um desgaste”, diz ela.
Os temas abordados por Lena vão
além dos desafios do coração e de man-
ter padrões estéticos. Ela também trata
da maneira como a geração Y encara o
mundo do trabalho.Eles têm muito ím-
peto para fazer e transformar. Também
têm uma reserva em se doar à carreira e
abrir mão de outras ambições pessoais.
Lena diz que sua ânsia por realizar seu
sonho de ser escritora a deixava pros-
trada. Na série Girls, esse conflito apa-
rece de maneira clara. Seu personagem
patina até encontrar um trabalho que
considera adequado a suas aspirações.
Quando encontra, torna-se obsessiva,
o tipo de pessoa que não queria ser.
Percebeu que precisava repensar sua
definição de sucesso e encontrar novas
formas de trabalhar.
Foi o que aconteceu com Flávia Costa,
de 32 anos. Ela pediu demissão de um
trabalho em que as cobranças passavam
do limite que ela considerava saudável.
Tornou-se freelancer e,hoje,diz estar fe-
liz. “Sou eu que escolho meus projetos.
Se preciso trabalhar no final de semana
ou até mais tarde, não sofro, porque a
escolha é minha”, diz. Para a geração de
Lena e Flávia, o poder de decisão tem
de estar na mão delas.“Esses jovens são
mais apegados à liberdade de escolha
que à formalidade das organizações”,
diz Anderson Sant’Anna, da Fundação
Dom Cabral, em Minas Gerais.
Ao discutir as características e as
angústias vividas por garotas como as
brasileiras Flávia,Érica e Jaqueline,Lena
deixa de ser um tipo específico de garota,
como sugere no título de seu livro, para
se tornar todas elas: divertida, ansiosa,
amorosa, complexa, questionadora.
A cara de toda uma geração. u
dilemasfemininos
consentimento pela igualdade entre os
sexos, nenhum de nós gozou.”
Para Lena, a idealização das relações
afetivas e sexuais pode ser ainda maior
para a nova geração, graças à internet.
Ela chegou a essa conclusão depois de
terminar um de seus primeiros rela-
cionamentos, que se desenrolara intei-
ramente no mundo virtual. A dor do
L E n a s D a v i D a r E a L
Há dois anos,
recebi o diagnóstico
de endometriose, uma
doença uterina que
pode causar infertilidade.
a médica me disse
que eu deveria engravidar
o mais cedo possível.
Eu estudava,
trabalhava e não
tinha uma relação
estável. Me senti
pressionada e fragilizada”
Jaqueline Ferreira, 29 anos
c o r p o
82 I época I 20 de outubro de 2014 Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA
EP855p078_082.indd 82 17/10/2014 17:01:35

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Lena Dunham e os dilemas da geração Y

  • 1. 78 I época I 20 de outubro de 2014 todasasGaro Em seu novo livro, recém-lançado nos Estados Unidos, a atriz americana Lena Dunham se afirma como representante de uma nova geração de mulheres dilemasfemininos EP855p078_082.indd 78 17/10/2014 17:01:12
  • 2. otasnumasó atriz americana Lena Dunham ficou famosa em 2012, quan- do estreou o seriado Girls no canal fechado HBO. Protagonista e roteirista, ela transpôs para a ficção os desafios de garotas inteligentes e descoladas de 20 e poucos anos que enfrentam o início da vida adulta em Nova York. Era uma espécie de Sex and the city para mulheres recém-saídas da faculdade. Como se sustentar em em- pregos que parecem becos sem saída em vez de portas para um futuro pro- missor? Como aturar namorados que só pensam neles mesmos ou aspirantes tão desqualificados que dá vontade de sair correndo? E outras questões que atormentam as mulheres antes dos 30 anos. E depois. A série, cuja quar- ta temporada será exibida no ano que vem, tornou-se um sucesso de crítica e público, por retratar, de maneira ori- ginal, dilemas universais das mulheres jovens – estejam elas no Brooklyn, em NovaYork,ou na Mooca, em São Paulo. Agora,Lena sai da ficção para narrar ex- periências reais num livro que chegou às livrarias americanas há três semanas. Em Not that kind of girl, que será lançado no Brasil em novembro, pela Editora Intrínseca, com o título Não sou uma dessas: uma garota conta tudo o que “aprende”, Lena conta, do alto de seus 28 anos, o que aprendeu sobre amor, sexo e trabalho. É uma espécie de autoajuda disfarçada de biografia, fór- mula que tem tudo para fazer sucesso. No livro, ela conta passagens constran- gedoramente íntimas de sua vida, para apontar cobranças impostas às mulhe- res de sua geração: alcançar a carreira e o corpo perfeitos e lidar, em silêncio, com antigos preconceitos que teimam em se insinuar nos relacionamentos e no trabalho.“Alguém que critica os va- lores sociais ajuda a repensá-los”,afirma o psicólogo Aurélio Fabrício Torres de Melo, da Universidade Mackenzie, em São Paulo. “Vozes como essa aparecem em momentos em que modelos antigos começam a se esgotar.” s Júlia Kortemodelo moderno lena dunham este ano, na frança. ela faz sucesso na TV, com a série Girls, e acaba de escrever um livro que mistura biografia e autoajuda Foto:PatrickFouque/ParisMatch/ContourbyGettyImages EP855p078_082.indd 79 17/10/2014 17:01:14
  • 3. da PUC-SP. Essa sensação de alívio encontra eco até entre mulheres bem- sucedidas de sua geração, como a atriz britânica Emma Watson, de 24 anos.“As mulheres jovens são bombardeadas com imagens de como ser a mulher perfeita”, disse Emma. “Aí, Lena aparece e mostra na TV quão imperfeita ela é, e também quão desajustados são seus personagens. Esse é o motivo do sucesso dela.” Emma se tornou embaixadora da Boa Vontade da ONU para Mulheres e está empenha- da em conscientizar os homens de que eles também devem lutar pelo direito à igualdade das mulheres. A própria Lena é defensora dos di- reitos femininos em sua vida pessoal. O assunto está presente em seus tuítes e Lena quer ser a voz da geração de mu- lheres conhecida como geração Y, que nasceu entre 1978 e 1998.Elas não carre- gam bandeiras de transformação muito definidas, como os jovens da década de 1960,que pregavam o amor livre e o fim das repressões sociais e culturais.Ou dos anos 1970, que clamavam por mudan- ças políticas. As Lenas querem o direito de ser elas mesmas. Estão às voltas com padrões corporais opressivos, parceiros potencialmente agressivos e elevadas ex- pectativas pessoais, quando se trata de sexo,amor e carreira.Ao mesmo tempo, têm um grau de liberdade e um potencial de realização pessoal inéditos na história das mulheres. Tudo isso, naturalmente, embalado pelo mundo hiperconectado, hiperopinativo e hiperdolorido da in- ternet,que torna tudo hipercomplicado. A ambição de representar esse gru- po de vanguarda planetário foi revelada com essas mesmas palavras por Hannah, apersonagemdeLenaemGirls,jánopri- meiro episódio da série:“Talvez eu seja a voz da minha geração. Ou, pelo menos, a voz de uma geração”. Estava certa. A série recebeu dois Globos de Ouro, de Melhor Atriz e Série de Comédia. No ano passado, Lena alcançou o status de personalidade global na lista de pessoas influentes, publicada anualmente pela revista americana Time. Seu humor au- toirônico ganhou simpatia instantânea das variadas tribos urbanas,que a trans- formaram numa espécie improvável de musa. Seu livro – inspirado na obra de autoajuda Having it all, escrita em 1982 pela jornalista americana Helen Gurley Brown – coroa sua globalização. Lena diz ter encontrado no livro antiquado e bem-comportado de Helen uma men- sagem essencial à jovem rebelde de 20 anos que ela era quando o leu pela pri- meira vez: uma mulher pode se tornar poderosa e sexy, não precisa ter nascido assim.Era o que a adolescente gordinha, ansiosa e deslocada precisava ouvir. A lição aprendida por Lena – e gran- de parte da razão de seu sucesso entre as jovens – é que ela não precisa ser nada especial para ser respeitada ou para se respeitar. Basta ser ela mesma, com suas dúvidas, certezas provisórias e incoe- rências. “Os jovens se sentem aliviados diante de um modelo que exige menos perfeição”, diz a psicóloga Paula Peron, dilemasfemininos L E n a s D a v i D a r E a L a m o r sou de rondônia e conheci uma garota, por quem me apaixonei, num congresso no rio Grande do sul. Durante um ano, nos relacionamos à distância. Estava quase me mudando para Porto alegre quando terminamos. sofri como se tivéssemos convivido pessoalmente” érica pascoal, 23 anos 80 I época I 20 de outubro de 2014 EP855p078_082.indd 80 17/10/2014 17:01:23
  • 4. nas fotos que publica no Instagram. Na série de TV e no livro, sua militância é mais sutil. Ela prefere usar as experiên- cias para provocar reflexão.A exposição frequente de sua nudez no programa da televisão é uma maneira de desafiar pa- drões de beleza. Vários quilos além das modelos longilíneas e das atrizes esquáli- das,ela causa estranheza ao exibir pneu- zinhos e coxas gordas sem pudor. No livro, diz que o caminho até a aceitação de seu corpo não foi um passeio. “Não era obesa,mas um cara mais velho disse no colégio que eu parecia uma bola de boliche vestida com um chapéu”,escreve. Conta que o medo de se tornar viciada em contar calorias fez com que relaxasse demais com a alimentação e ganhasse peso. “As jovens não são maduras para entender que padrões de perfeição são só fantasia”, diz a psicóloga brasileira Andrea Calçada, da Universidade Na- cional de Lomas de Zamora, na Argen- tina. “Quando elas se identificam com uma personagem que foge dos padrões, é mais fácil aceitar-se.” Outro dilema retratado por Lena no livro – e vivido no dia a dia pelas garo- tas de sua geração – é o embate entre os limites impostos pela biologia e as no- vas demandas sociais. Como respeitar o relógio biológico, ter filhos no auge da fertilidade,antes dos 30 anos,e,ao mes- mo tempo, estudar, trabalhar e alcançar o esperado sucesso profissional? Lena diz ter se sentido pressionada ao ser diag- nosticada com endometriose,faz alguns anos.Se não for tratada,essa doença ute- rina pode levar à infertilidade. “Desde que me entendo por gente, sempre quis ser mãe”, escreve Lena. Tendo contado isso, ela narra um sonho em que não dá conta de cuidar dos próprios animais de estimação. Talvez ainda não seja a hora para ela... A radialista paulistana Jaqueline Ferreira, de 29 anos, passou por uma situação parecida ao receber o diagnóstico de endometriose há dois os. “A médica disse que eu deveria gravidar o mais cedo possível”, diz queline.“Estava acabando a faculdade, abalhando exaustivamente, não tinha ma relação estável nem estrutura algu- a para conceber uma criança.”Diz que solveu seguir com seus planos e lidar m a possível infertilidade quando (e ) quiser ter filhos. No futuro. s auToral Capa do livro de lena dunham, lançado há três semanas nos eua. os ensaios falam de amor e sexo, trabalho, amizade e percepção do corpo t r a b a l h o Depois de trabalhar em grandes empresas, comecei a me incomodar com cobranças que não eram saudáveis. Pedi demissão e passei a fazer trabalhos de relações públicas como freelancer. Percebi que não preciso ser workaholic para provar meu valor. Ter um tempo para mim me faz mais produtiva” Flávia costa, 32 anos 20 de outubro de 2014 I época I 81 an en Jaq tra um ma res com se) Fotos: Rogério Cassimiro/ÉPOCA e reprodução EP855p078_082.indd 81 17/10/2014 17:01:28
  • 5. Quando se trata de tabus sexuais, Lena mostra que até garotas como ela, que têm uma consciência profunda da necessidade de ser respeitadas, podem ter dificuldade em fazer valer suas von- tades. Ela afirma que um parceiro a en- ganou e não usou preservativo numa transa. Ela só descobriu depois, quando viu a camisinha pendurada num vaso. Alguns capítulos à frente, diz ter demo- rado muito tempo para admitir para si mesma que aquilo que acontecera na- quela noite fora mais que um desrespei- to profundo.Tratara-se,segundo ela, de violência sexual. O rapaz se aproveitara dela, que havia misturado álcool e dro- gas, para fazer sexo sem consentimento. Ela afirma que foi vítima de um estupro e tinha dificuldade em aceitar isso. É algo próximo da experiência de muitas garotas, que, frequentemente, desco- brem que pode ser enorme a distância entre a expectativa de sexo idealizada por elas e o que acontece na prática com alguns parceiros. Nesse mesmo tópico, o sexo imper- feito, seu livro contém relatos engraça- dos.A história de Lena sobre a perda de sua virgindade oscila entre o trágico e o cômico. “Ele estava nervoso. E, num rompimento foi real e, provavelmente, desproporcional,diz ela.A facilidade da comunicação virtual aumentara tanto a convivência que a relação se tornara intensa demais. E implodiu antes mes- mo de ter começado.A publicitária Éri- ca Pascoal, de 23 anos, chegou a uma conclusão parecida, também sofrendo. Ela quase se mudou de Rondônia, onde morava, para Porto Alegre, para viver com uma garota que conhecera num congresso.O relacionamento à distância durou um ano e terminou antes que ela fizesse as malas. “A gente podia se falar o tempo todo. Há um desgaste”, diz ela. Os temas abordados por Lena vão além dos desafios do coração e de man- ter padrões estéticos. Ela também trata da maneira como a geração Y encara o mundo do trabalho.Eles têm muito ím- peto para fazer e transformar. Também têm uma reserva em se doar à carreira e abrir mão de outras ambições pessoais. Lena diz que sua ânsia por realizar seu sonho de ser escritora a deixava pros- trada. Na série Girls, esse conflito apa- rece de maneira clara. Seu personagem patina até encontrar um trabalho que considera adequado a suas aspirações. Quando encontra, torna-se obsessiva, o tipo de pessoa que não queria ser. Percebeu que precisava repensar sua definição de sucesso e encontrar novas formas de trabalhar. Foi o que aconteceu com Flávia Costa, de 32 anos. Ela pediu demissão de um trabalho em que as cobranças passavam do limite que ela considerava saudável. Tornou-se freelancer e,hoje,diz estar fe- liz. “Sou eu que escolho meus projetos. Se preciso trabalhar no final de semana ou até mais tarde, não sofro, porque a escolha é minha”, diz. Para a geração de Lena e Flávia, o poder de decisão tem de estar na mão delas.“Esses jovens são mais apegados à liberdade de escolha que à formalidade das organizações”, diz Anderson Sant’Anna, da Fundação Dom Cabral, em Minas Gerais. Ao discutir as características e as angústias vividas por garotas como as brasileiras Flávia,Érica e Jaqueline,Lena deixa de ser um tipo específico de garota, como sugere no título de seu livro, para se tornar todas elas: divertida, ansiosa, amorosa, complexa, questionadora. A cara de toda uma geração. u dilemasfemininos consentimento pela igualdade entre os sexos, nenhum de nós gozou.” Para Lena, a idealização das relações afetivas e sexuais pode ser ainda maior para a nova geração, graças à internet. Ela chegou a essa conclusão depois de terminar um de seus primeiros rela- cionamentos, que se desenrolara intei- ramente no mundo virtual. A dor do L E n a s D a v i D a r E a L Há dois anos, recebi o diagnóstico de endometriose, uma doença uterina que pode causar infertilidade. a médica me disse que eu deveria engravidar o mais cedo possível. Eu estudava, trabalhava e não tinha uma relação estável. Me senti pressionada e fragilizada” Jaqueline Ferreira, 29 anos c o r p o 82 I época I 20 de outubro de 2014 Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA EP855p078_082.indd 82 17/10/2014 17:01:35