O CRISTÃO E O MEIO AMBIENTE: o homem como jardineiro
Verdade absoluta
1. Verdade Absoluta
Segundo a tradição taoista não existe uma verdade absoluta que possa
transformar alguém de forma compulsória, pois, tudo depende da qualidade
de quem a recebe. Ou seja: “Se o sujeito errado usar o método certo, ainda
assim o método certo dará errado”.
Nos mosteiros taoistas chineses os monges residentes recebem todas as
noites monges peregrinos que não possuem uma morada fixa, nem a
garantia de uma cabaça com alimento antes de adormecerem. Entretanto,
para que possam usufruir destes benefícios terão que vencer um debate
sobre o Caminho do Tao com os donos dos mosteiros. Caso consigam vencê-
los terão direito ao pernoite e a uma cabaça com alimentos, porém, dia
seguinte terão que continuar o seu caminho. O motivo dessa norma, é que o
vencedor pode ser um ser dotado de um poder de articular bem as palavras,
exprimir suas idéias com desenvoltura e, assim vencer na argumentação por
ter o dom da retórica. Porém, não é o detentor da verdade! Essa verdade
pode estar mais próxima do monge vencido, por não ter ele a facilidade de se
expressar por sua modéstia. Sendo assim, não justifica a permanência do
vencedor no mosteiro, dia seguinte.
Certa vez num mosteiro taoista, no período de Chou (722-481 a.c), dois
irmãos, donos do mosteiro estavam se preparando para receberem a visita
do monge peregrino Hui-Shi, simpático ancião, conhecido por sua grande
sabedoria e conhecedor profundo do Caminho para um debate que
provavelmente seria ele vencedor.
O monge mais velho do mosteiro era o não menos sábio Shang Yang,
conhecido e famoso por não perder nenhum debate filosófico e místico-
espiritual com os monges peregrinos que buscavam abrigo e alimento em seu
mosteiro. Tinha como caçula, um irmão chamado T’ang. Esse, entretanto, era
conhecido por sua arrogância, presunção e falsa modéstia. Acreditava-se que
era assim, porque na sua infância fora ferido por um espinho de roseira em
uma das vistas e, por isso, tornara-se caolho. A sua deficiência não podia ser
escondida, estava “na cara”, literalmente. Sua vaidade fora invadida e o
destino se impôs.
Shang Yang, ao contrário, estava sempre de bom humor, não havia criticas
em suas palavras. Sabia ouvir sem ficar construindo internamente respostas
que por certo abalariam os conceitos dos seus interlocutores. Era um homem
gentil e sábio. Ao saber da visita do ilustre colega, pensou logo em fazer uma
2. cortezia ao sábio monge que fora seu mestre no passado. Evitaria debater
com ele, não era cortês, sabia. Desejava ter a oportunidade de conversar
com ele sobre os “velhos tempos”, quando ele era apenas um jovem
interessado e sonhador.
Hoje, pensara quem haveria de atender à porta do mosteiro seria o seu
irmão mais novo, T’ang. Passaria prá ele essa responsabilidade, sabendo que
ele de antemão ficaria eufórico com essa oportunidade de mostrar-se para o
visitante. Ele, era um esforçado estudioso, conhecia o dharma budista, assim
como, o Hua Hu Ching, últimos ensinamentos de Lao Tzü; estudava o
Caminho da Natureza – o Tao, através de Chuang Tzü, um pensador de
vanguarda, representante da corrente taoísta do pensamento chinês, que era
pródigo em divulgar as suas idéias através de parábolas, alegorias e
paradoxos; sentia-se por isso, seguro e capaz através da sua erudição de
enfrentar qualquer um, apesar de saber intimamente que a sua pretenciosa
iluminação era como uma rã escorregadia, em suas mãos. Isso, o incomodava
muito e contribuía de forma negativa em suas atitudes.
Seu irmão Shang Yang sabia que o mano não possuía as qualidades inerentes
aos iluminados para debater com Hui Shi, porém, era a única saída que tinha
para receber o ilustre sábio sem ter que enfrentá-lo.
Pensou longamente a respeito do tema que passaria para T’ang; era
necessário evitar que o seu irmão cometesse através do debate alguma
crítica leviana, destituída de mérito, que fosse indelicado ao questionar o
saber do seu mestre Hui-Shi, porém, não podia dizê-lo. Sabia que o irmão
não receberia bem a uma orientação baseada nessas premissas.
Depois de meditar a respeito, concluiu que o tema poderia ser expresso
através de imagens, - uma metáfora de sinais, pensou! Tratou logo de
procurar o seu irmão e passar o tema com as suas características. Teria que
debater com o peregrino visitante com as mãos, através de gestos e vencê-lo,
se possível.
T’ang, após ser notificado por seu irmão mais velho, ficou eufórico, sorriu
com a certeza que seria vitorioso, antecipadamente. A partir desse
momento, uma “multidão” passou a fazer companhia dos pensamentos de
T’ang, sua inquietação era grande, não havia mais espaço na sua mente para
o “novo”. Numa visão analítica junguiana, o ser está “tomado pela anima”,
perdeu o “feeling”, estava agora inquieto com a demora do peregrino.
Ao cair da tarde, bate à porta do mosteiro o velho monge Hui Shih, com um
sorriso que revelava paz e sabedoria, sendo prontamente recebido por T’ang
que foi logo dizendo: - Olha hoje o debate é comigo, meu irmão não se sente
3. em condições de enfrentá-lo. - O nosso tema para o debate tem que ser
desenvolvido através de gestos, com as nossas mãos, estamos de acordo?
O velho monge curvou-se com as mãos postas, em sinal de reverência,
consideração e respeito pelo jovem monge.
- Pode começar, avisou T’ang!
Mestre Hui Shih fitou-o demoradamente, o suficiente para deixar T’ang
incomodado com essa atitude, depois, levantou a sua mão direita e mostrou
o dedo indicador prá ele. T’ang inquietou-se ainda mais, porém, depois de
uma breve pausa, mostrou os seus dois dedos da sua mão para o velho
monge. Mestre Hui Shih, com um sorriso discreto, levantou novamente a sua
mão direita e mostrou os seus três dedos prá T’ang.
Essa nova atitude do velho monge foi tomada por T’ang com surpresa e certa
irritação, pois, de imediato e de forma agressiva levantou e mostrou para o
sábio monge o seu punho fechado em riste. Hui Shih olhou admirado para o
jovem monge e, inclinando-se com suas mãos postas, reverenciou mais uma
vez o jovem monge, saindo em direção aos jardins do mosteiro, onde se
encontrava o seu antigo discípulo Shang Yang, que ao vê-lo saindo, não se
conteve em interpelá-lo: - Não consigo entender o que possa ter acontecido
com o meu mestre para que esteja indo embora do nosso mosteiro? - O
senhor foi molestado pelo meu irmão? – Não, de maneira alguma, Shang! -
Seu irmão é um jovem muito sábio, não consegui derrotá-lo através do
debate com as mãos.
- Como? Arguiu Shang pro seu mestre. – Vou te contar como foi belo esse
enfrentamento filosófico místico-espiritual, ainda mais, por ter ele usado
uma técnica apurada de interpretação metafórica de imagens e sinais. Isso
requer uma qualidade espiritual muito sutil, fora do comum, é a abordagem
mais próxima da verdade absoluta. Lembra-te quando eu te instruia a
respeito do Caminho Perfeito, que sempre estamos processando nossas
experiências de acordo com os nossos pontos de vista, que voce sempre se
transforma na interpretação quando a internaliza, logo amigo, somos feitos
da mesma essência dos nossos pensamentos, assim, não devemos julgar de
forma crítica e severa as imagens externas. – Por isso, quando apontei o
dedo indicador quis dizer que só havia um Buda, o que seu irmão sabiamente
devolveu, mostrando-me dois dedos da sua mão, - Buda e o seu Dharma;
alegrei-me por saber que era um ser que manifestava o Tao com muita
sabedoria; tive então que acrescentar mais um dedo, mostrando os tres
dedos da minha mão direita para concluir que além de Buda e o seu Dharma,
faltavam os seus discípulos, pois sem eles, de nada adiantariam os dois. Aí,
4. para surpresa minha, seu irmão fecha o seu punho e mostra-me sua mão
fechada à minha frente, vibrando com o entusiasmo dos jovens dotados de
luz. Confesso, não tive mais argumentos para retrucar o que ele acabara de
me mostrar. Aquela imagem dizia o que todos precisam saber: - Todos tres
argumentos são na verdade, uma só coisa! Que gesto poderia eu apresentar
para dar continuidade ao debate? Ele acabara de sintetizar o tema, não havia
mais o que se discutir.
-Parabéns! Você tem um jovem irmão que é uma grande promessa para as
gerações vindouras, aquelas que buscam o despertar búdico do ser espiritual.
Shang Yang, não acreditava no que ouvia do velho mestre, pois, para ele, seu
irmão ainda engatinhava em sabedoria, apesar de deter uma vasta cultura
sobre a filosofia místico-espiritual oriental, daquele “poço” não se podia
beber água límpida, pois, de tão revolto e inquieto suas águas estavam cheias
da lama do fundo; era um ser que discriminava quem vinha “beber” da sua
água, precisava saber antes se era nobre e sábio ou ignorante e pobre. Sua
vaidade pessoal cristalizava seus conhecimentos, tirando de si a sutileza e a
modéstia inerentes. Como então poderia ter derrotado o seu mestre? “Não
procures onde tem Buda e onde não tem”. Lembrou-se do conselho do seu
mestre e aquietou-se. “O Trilhar, é mais importante no caminho da
iluminação, pois não possui uma chegada como meta, à única permanência é
a mutação.”
Essa dinâmica do Caminho diz que não são necessários os “12 passos” para
se alcançar a iluminação, assim, quem sabe se ela não se deu ao ter como
seu interlocutor o sábio monge a sua frente? Como o Caminho é o Seguir,
não olhou mais para traz, o momento presente era único.
Shang Yang dirigiu-se então para uma ala do mosteiro com a finalidade de
meditar, já tinha cuidado do jardim e aprendido algo significativo com o seu
antigo mestre; interiorizar era necessário para integralizar o seu ser.
Passados algumas horas, apareceu seu irmão T’ang batendo fortes os seus
pés no chão do velho mosteiro, interrompendo a meditação de Shang com
uma indagação: - Onde está aquele velho idiota que você considera mestre e
iluminado? Shang olhou indagativo para seu irmão e perguntou: - Por quê? -
Ele já se foi. - Soube que você o venceu, parabéns!
- Aquele velho é muito estúpido e indelicado! - Passei as informações que
você
me deu para o nosso debate, e ele as usou para me afrontar. – Não foi essa a
impressão que você causou para ele, em contra partida, - disse Shang Yang.
5. - Ele o considerou sábio! – Que nada! – Ele saiu daqui foi com medo de
apanhar, pois, se fica mais tempo era o que ia acontecer. – Porque essa
agressividade toda com um ancião respeitoso como ele?
- Bom, disse T’ang, se você não acredita, sou obrigado a contar para você o
que aconteceu, pois, só assim você me dará razão. – O debate começou com
ele, depois de passar longo tempo me olhando, mostrou-me um dedo bem
na minha cara, dizendo que eu apenas possuía um olho, ou seja, que eu era
caolho! –Apesar da indelicadeza inicial, tentei reverter aquele quadro,
mostrando dois dedos, para ele saber que apesar da minha deficiência física
ainda jovem, ele, um ancião, ainda possuía os dois olhos intactos! – Tentei
ser cortês, apesar da atitude dele comigo. – Qual não foi a minha surpresa,
quando ele demonstrou desconsiderar a minha polidez sorrindo na minha
cara, mostrou-me os três dedos dele, para que eu tomasse conhecimento da
sua opinião: Ele possuía dois, e, eu um, totalizando assim, tres. – Não
agüentei com tanta falta de respeito! –Mostrei o meu punho fechado, bem
no meio da sua cara, ameaçando agredi-lo por este motivo. – Ele, Shang,
percebeu que eu não estava brincando e levantou-se apressadamente,
saindo por aí. – Com essas atitudes, não sei quem poderá dar um pernoite e
alimentos para um velho como esse! – O que você acha disso, Shang?
Shang Yang, ao ouvir aquelas críticas do seu irmão, emudeceu, preferindo o
eloqüente silêncio. Certos argumentos não merecem resposta alguma, nem
reparos argumentativos. É melhor calar-se e jamais responder, pois não há a
menor possibilidade de se passar informações esclarecedoras para quem não
possui um espírito receptivo para a beleza milenar das mensagens deixadas
há tanto tempo pelos mestres iluminados.
Quem tem a dificuldade de entender o contexto, critica o texto, como
pretexto... Pode ser também a paranoia da critica e perseguição...
Observe o estrago que uma versão com intenção faz quando esse alguém
“planta banana esperando colher laranja”...
Se você não abre o seu coração para as belas mensagens dos mestres
espirituais, algum dia um cardiologista o fará para retirar o lixo que o
bloqueia!
José Alfredo Bião Oberg