Este documento discute três tópicos principais: 1) as dimensões empíricas da inclusão digital entre indivíduos com baixos níveis de escolaridade, 2) os "cronótopos do fosso digital", e 3) como o fosso digital e alfabetização digital estão relacionados. O documento analisa entrevistas realizadas com pessoas de baixa escolaridade para ilustrar como fatores históricos, culturais, educacionais e geracionais influenciam a inclusão digital.
Uma sociedade incluída pode ser mais facilmente "literacizada" informacionalm...
Cronótopos do Fosso Digital
1. Cronótopos do Fosso Digital
Luísa Aires
CETAC.Media/
Universidade Aberta
Participação e Inclusão Digital
Comparação de trajectórias de uso de meios digitais por
diferentes grupos sociais em Portugal e nos Estados Unidos
2. Tópicos
1. Dimensões Empíricas da Inclusão Digital, em
indivíduos com baixos níveis de escolarização.
2. Cronótopos do Fosso Digital.
3. Fosso Digital e Literacia: Algumas reflexões
3. Dimensões Empíricas da Inclusão Digital
Estudo realizado
• Corpus: Entrevistas realizadas a membros das
famílias, com baixos níveis de escolarização;
• Referenciais teóricos: tecnocapital, tecnocompetências e
tecnodisposições (Rojas et al., 2010).
(Aires, Melro, Correia, Ponte &
Azevedo, http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/
article/view/6776)
4. Sub-amostra: Caracterização
Nível de Escolarização
• 16 indivíduos: 1º ciclo de escolaridade (4º ano)
• 1 indivíduo: 2º ano de escolaridade.
• Identificados na amostra global de 65 famílias.
Género
• 13 mulheres e 4 homens
Idade média
• 59,3 anos (idades entre os 43 e os 90 anos).
Usos do Computador e Internet
• Mulheres: Ausência de competências de competências de uso do
computador e da Internet.
5. Dimensões de Análise
Escola
Baixas Expectativas Familiares
Problemas Económicos
Pai/Mãe sem escolarização
0 2 4 6 8 10 12 14
8. Fosso Digital e Literacia
Fosso Digital: Constructo a interpretar no contextos dos
sistemas de práticas culturais locais (Cole, 1986;
Warschawer, 2002; 2010; 2011).
O acesso às TIC está envolvido por um complexo grupo de
dimensões fisicas, digitais, humanas, recursos
sociais, relações.
Literacia: Reenvia para práticas sociais que envolvem o acesso
a artefactos físicos, conteúdos, competências e suporte
social (Warschauer, 2002).
9. Cronótopo
• Matriz espaciotemporal presente em todas as
narrativas (Bakhtin, 1981; Hannan, 2011).
• Configura-se nos discursos dos participantes;
desenvolve-se em processos situados e dinâmicos;
relacional (Brown & Renshaw, 2006).
• Estabelece-se dialogicamente e reflecte a relação
contexto-significado.
• Medeia as configurações socioculturais de
determinado período histórico (Hannan, 2011).
10. Cronótopos do Fosso Digital
1- Famílias Rurais no Estado Novo.
2- A Escola no Feminino; A Escola dos anos 50
3- A Descoberta do Audio-Visual.
4- O Mundo Digital é dos “mais novos”.
11. Análise Cronotópica
Famílias Rurais
.
no Estado Novo
Valores:
Mulher: governo doméstico.
respeito, honestidade, não
subalternidade
roubar,
Actividade agrícola
não matar
Trabalho precoce Analfabetismo
Agregados Baixos
Numerosos rendimentos
12. Famílias Rurais no Estado Novo
“(…) venho de uma família bastante pobre, sem condições algumas, com
7 irmãos e que apenas todos conseguimos a 4ª classe porque nessa
altura, quer dizer, os meus pais não podiam e… e nós tínhamos que
trabalhar, (…)” (Graciete,47).
“(…) comecei a trabalhar muito cedo, com 7 anos a gente já trabalhava
(…)” (Lúcio,69).
Mas na minha sei que é importante ser honesta, não é? E não roubar, não
matar, eu acho que isso é o essencial de tudo, não é? (Maria, 46)
Eu sei lá bem… É uns ricos e outros pobres, só se for isso… Que
aproximação é que há? Somos todos iguais aqui. (Manuel, 62)
13. Análise Cronotópica
.
A Escola no Feminino
A Escola dos Séniores
Elevadas expectativas Histórias familiares de
escolares em relação às analfabetismo
gerações mais novas
Abandono
Trabalho precoce
Escolar
Antecedentes Familiares
Problemas com Baixas Expectativas
Económicos sobre a Escola
14. A Escola no Feminino, a Escola nos Séniores
“Eles bem queriam que os filhos estudassem... Mas como também
éramos dez irmãos, não é, não havia possibilidades. Era só o meu pai e a
minha mãe a trabalhar. Éramos todos pequeninos... Não havia
possibilidades.” (Maria,46).
Qual é a escolaridade dos seus pais? E a dos seus avós?
R.: Eu não sei… Mas acho que a minha mãe não chegou a estudar porque
não sabe ler e o meu pai sabe, é porque andou na escola mas não sei que
escolaridade é que ele tem.” (Lúcia, 55).
Ah, não liguei nunca porque trabalhei sempre, criei as minhas filhas com
muito carinho e muito, e pronto, fiz tudo o que podia, fiz tudo o que podia
com as filhas (Maria, 90).
15. Análise Cronotópica
A Descoberta do Audio-visual
Função Lúdica Filmes, Comédia,
Função Informativa Acção, Novelas
Baixo consumo Inicial
Contexto:
Elevado consumo actual
café, vizinhos
Acesso tardio à
Televisão
(casamento, adolescê
ncia)
16. A Descoberta da Televisão
Primeiro íamos ver a televisão ao vizinho, quando tivemos nossa primeira
televisão eu já era casada, com subsídio do Natal eu e meu marido fomos
comprar a televisão e o aspirador de pó. (Silvina, 73)
Não tivemos rádio ou televisão (…) Sim *agora+ tenho televisão, mas não por
cabo. Já a tive depois de casada e acho que já tinha as minhas duas filhas
mais velhas (Maria, 57)
(…) Televisão já...já eu era casada, quando eu tinha televisão. [E quem é
que a comprou?] Fui eu e o meu marido. (Antónia, 65)
E televisões, tem televisões cá em casa?
Tenho, tenho 3: uma na cozinha, uma na sala e outra no quarto da filha.
E rádio, tem rádio cá em casa?
Tenho, tenho 2: um está no meu quarto e o outro está no quarto da filha.”
(Ana Paula, 43)
17. A Descoberta da Televisão
“Eu só conheci a televisão sabes quê? Quando eu fui pó café, a primeira
televisão que veio pas Cabanas foi a nossa lá pó café.“ (Dália, 78).
Uma vez ou outra. A leitura não é muito a minha praia. (…) Revistas
também, uma vez ou outra. (…) Eu vejo mais televisão. (Alice, 45)
Na televisão. É mais fácil na televisão (…) Música portuguesa e alguma
também estrangeira. Mas gosto sobretudo de música portuguesa (Custódia,
55)
“Prefiro a televisão porque não sei mexer na Internet.” (Alice,45).
18. .
Análise Cronotópica
O Mundo Digital
“é dos mais novos”
Importância para os mais Criação de condições para uso
novos de TIC na família
Valor de uso das Desconhecimento das
TIC vantagens de uso
Vantagens no uso da
Internet Útil , mas má
Iliteracia Digital
“A Internet serve para pesquisar o mundo”
19. O Mundo Digital “é dos mais novos”
Não sei lá mexer nas teclas. (Maria, 46)
[Se usasse, seria para] “se calhar o que não dá para ver na televisão,
investigar se calhar sei lá, acontecimentos ou coisas do género. Às vezes ir
buscar um bocadinho a vida dos artistas ou uma coisa do género. Fazer
assim uma cusquice. (Maria, 46)
Eles (os filhos) tinham prometido que iam-me ensinar e nunca me
ensinaram. (Alice, 45)
Olha, se queres que eu te diga eu não sei. Eu sei que o computador é
preciso mas pró que é eu não sei (…). É coisas que eu não dou valor nem
me interessa nem, nem quero saber disso para nada, nem tenho que lidar
com ele nem quero saber disso. Eh. (Dália,78)
20. O Mundo Digital “é dos mais novos”
Eu não uso computador, nem Internet. Não sei por, nem fazer nada, mas
sei que tem, porque já pedi informações a minha neta, ai ela vai ali saber.
Outro dia precisava de um endereço e ela usou ali a Internet e logo me deu
a informação, mas eu não sei como fazer. Com essa idade já não tenho
paciência para aprender a utilizar o computador e a Internet. (Silvina, 73)
Comunicação. Falar... com a família, com amigos. Eu acho que é muito
importante. Tar um do lado, outro do outro e através de comunicar tão, tão
a falar uns com os outros. Acho que isso que é muito importante. (Graciete,
47)
21. O Mundo Digital “é dos mais novos”
Até por motivos profissionais é mais a Internet (…) Não. Nunca aprendi.
Quer dizer, nunca aprendi, nunca tive nenhum curso, nenhuma formação.
(Leonel, 59).
Acho que sim... que é uma coisa muito boa. (…) Não utilizo... nem sei
mexer. Nem sei mexer nele. (…) É assim... também talvez nunca
precisasse. Porque se eu, se... se eu precisasse talvez tivesse aprendido.
Mas também nunca precisei, não é? O meu trabalho como não... não é
preciso computador. (Graciete,47)
Eles [jovens] têm de andar mais para a frente do que nós. Os meus pais...
Os meus pais ainda eram piores do que nós. Não é? Era um tempo mais
atrasado, agora é que tem de evoluir mais, não é? Mas era um tempo
mais atrasado do que agora. Agora tem é de se ir para a frente. Evoluir.
(Maria,46).
22. 3. Fosso Digital e Literacia: Algumas reflexões
Dinâmicas sociais e culturais na constituição familiar.
– Contextualização espaciotemporal da Família no Estado
Novo
• Marcas ideológicas nos percursos de vida,
estruturalmente ligados à Igreja Católica e servindo
directamente propósitos conservadores (P. Delgado,
2009).
• Ausência de valores como a autonomia, a iniciativa, a
reflexividade.
23. 3. Fosso Digital e Literacia: Algumas reflexões
• Fosso digital e baixos níveis de escolaridade: Predomínio
das Mulheres (até aos anos 60, a escolaridade básica não
atingia igualmente os dois sexos) (C.Ponte)
- Prolongamento desta realidade nas duas primeiras
décadas da democracia.
• Mulheres e Iliteracia digital – Actividades profissionais
menos exigentes em termos tecnológicos (desempenham
tarefas mais “domésticas” e tradicionais).
• Geração dos mais novos: novas configurações e culturais
familiares (menos filhos, maior investimento educacional e
tecnológico)
- Um passo de gigante para a diluição do fosso digital?
24. 3. Fosso Digital e Literacia: Algumas reflexões
Cronótopos: Instrumentos analíticos a aprofundar.
Dimensões do Fosso digital:
– Histórico-culturais (políticas, económicas)
– Axiológicas
– Educativas
– Geracionais
– Género
Pedagogia Pública: Ênfase nos processos e lugares da Educação
Informal (Sandlin, O’Malley & Burdick, 2011).