ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade (Acórdão 0057920-68.2016.8.19.0000)
Lei nº 4.960/2008, do Município do Rio de Janeiro, que dispõe sobre a obrigatoriedade de divulgação de condições de segurança em locais destinados à exibição de espetáculos. A competência legislativa dos municípios, afora em matéria tributária, delimita-se pelo art. 358 da Constituição Estadual, que reproduz simetricamente o art. 30 da CRFB, restringindo-se aos “assuntos de interesse local” (inciso I) e a “suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber” (inciso II). Matéria, todavia, que já é objeto de tratamento exaustivo por diversos diplomas estaduais (por todos, a Lei nº 1.535/89). Impossibilidade de tratamento legislativo do tema no âmbito municipal, por inexistir na legislação estadual lacuna ou omissão que justifique a edição de lei supletiva, a qual, em todo caso, deveria descer a maiores minúcias, enquanto que, ao revés, o diploma impugnado é mais genérico que a legislação estadual. Tema, ademais, que não se restringe à órbita do interesse local, mas transborda as fronteiras da referida unidade federativa. Extra-polação dos limites de competência legislativa impostos pelo art. 358, incisos I e II, da Constituição fluminense. Procedência do pedido.
CRÉDITOS: Eduardo Banks
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ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade (Acórdão 0057920-68.2016.8.19.0000)
1. Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Órgão Especial
1
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Av. Erasmo Braga, 115, 9º andar – Sala 906 – Lâmina I
Centro – Rio de Janeiro/RJ
Tel.: + 55 21 3133-2501 – setoe.seciv@tjrj.jus.br
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Nº 0057920-68.2016.8.19.0000
REPRESENTANTE: PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO
REPRESENTADO: (1) GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
REPRESENTADO: (2) PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Redator: DESEMBARGADOR ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA
A C Ó R D Ã O
REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO
DIRETA. LEI ESTADUAL 6.998, de 8.05.2015. OBJEÇÃO DE
CONSCIÊENCIA. COMPETENCIA MATERIAL DA UNIÃO.
FALTA DE COMPETENCIA COMUM OU CONCORRENTE DO
ESTADO (CF, 23 e 24). INOCORRENCIA DE COMPETENCIA
SUPLEMENTAR (CF, 24, § 2º). HIPÓTESES FÁTICAS QUE
DEPENDEM DE LEI NACIONAL. DIREITO CIVIL, DIREITO DO
TRABALHO, DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO
ADMINISTRATIVO. COMPETENCIAS EXCLUSIVAS DA UNIÃO
FEDERAL. LEI ESTADUAL QUE CRIA HIPÓTESE
INEXISTENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. “FORO ÍNTIMO”
E “PRINCÍPIOS” DO INTERESSADO. FLAGRANTE
INCONSTITUCIONALIDADE.
1. É da competência exclusiva da União a promulgação de lei que
trate de outras hipóteses fáticas de objeção de consciência, além
daquela prevista expressamente no artigo 143, § 1º da
Constituição Federal.
2. Lei estadual que estabelece a isenção da prática de obrigação
a todos impostas por alegação de “violação às convicções
filosóficas, éticas, morais e religiosas”, viola a reserva
constitucional da competência material exclusiva da União
Federal.
3. Lei estadual que, além disso, ainda permite a abstenção da
prática de por motivos de “foro íntimo” ou por “princípios” do
interessado, se revela absolutamente insindicável pela autoridade
pública, pois assente em subjetividade absoluta do indivíduo,
sequer prevista na Constituição Federal.
4. Possibilidade da existência e da previsão legal de outras
hipóteses fáticas para a objeção de consciência, mas que
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ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA:13932 Assinado em 04/09/2019 16:48:13
Local: GAB. DES ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA
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dependem de lei nacional, por adentrar ramos do Direito de
competência exclusiva da União.
Conhecimento e procedência da representação.
VISTOS, relatados e discutidos esta AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 0057920-68.2016.8.19.0000 em que é
Representante o PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO e Representado (1) o GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO e Representado (2) o PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
ACORDAM os Desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em CONHECER e JULGAR
PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO, na forma do voto do Desembargador
Redator.
Rio de Janeiro, 02 de Setembro de 2019.
Rogerio de Oliveira Souza
Desembargador Redator
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O Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro representou pela
inconstitucionalidade da Lei Estadual 6.998, de 8 de maio de 2015, que “Dispõe
sobre o direito de objeção de consciência como escusa ao princípio
constitucional insculpido no artigo 9º, § 1º, da Constituição Estadual”.
Adota-se o relatório de index 00097.
A representação merece ser provida, porquanto a lei estadual,
embora se deva reconhecer seu mérito, extrapola, em muito, a competência
das Assembleias para legislar sobre matéria que é exclusiva da União.
O texto da lei é o seguinte:
Dispõe sobre o direito à objeção de consciência como escusa ao princípio
ao princípio constitucional insculpido no artigo 9º, § 1º, da Constituição
Estadual.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro DECRETA:
Art. 1º. Todo cidadão tem direito à objeção de consciência, com base no
disposto no § 1º do artigo 9º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
combinado com o artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal.
Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se objeção de consciência a
possibilidade de recusa por um indivíduo da prática de um ato que colida
com suas convicções filosóficas, éticas, morais e religiosas, por imperativo
de sua consciência, desde que esta recusa não configure violação a direitos
de outros cidadãos expressos no artigo 9º da Constituição do Estado do Rio
de Janeiro.
Art. 3º. A objeção de consciência pode se dar no campo do exercício
profissional, por motivos de religião, ou por qualquer outro que agrida os
princípios e o foro íntimo do indivíduo.
Art. 4º. No exercício da objeção de consciência, além dos argumentos
éticos, morais ou religiosos, poderá ser exigida, do cidadão, a apresentação
de histórico que comprove seu envolvimento com a convicção alegada, a
fim de fundamentar sua recusa à prática do ato.
Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
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É flagrante a violação à competência estabelecida pela
Constituição Federal unicamente à União Federal para dispor sobre a matéria
de “objeção de consciência”, porquanto os artigos 23 e 24, que tratam,
respectivamente, da competência comum e da competência concorrente, não
elencam tal matéria como da alçada legislativa estadual.
Como a competência constitucional material é taxativa, não se
pode concluir que a atuação do Estado-membro é suplementar, pois a objeção
de consciência não é norma geral, habilitando sua atuação supletiva (CF, 24, §
2º).
É de se considerar também como elemento da
inconstitucionalidade intrínseca da lei estadual seus termos absolutamente
abertos em seus conceitos: “convicções filosóficas, éticas, morais e religiosas,
por imperativo de sua consciência”, conforme está no artigo 2º, mas que
alcança altitudes jurídicas que sequer tem assento no Texto Constitucional
Maior, dispondo o artigo 3º que se pode opor “por qualquer outro que agrida os
princípios e o foro íntimo do indivíduo”.
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, inciso VI que
“é inviolável a liberdade de consciência e de crença” e inciso VIII que “ninguém
será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a
todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A inviolabilidade da liberdade de consciência – é o que interessa
aqui, especialmente - é garantia constitucional.
A liberdade de consciência engloba a liberdade de crença, de
religião, de filosofia e de opção política, constituindo atuações práticas daquela.
A leitura sistemática dos demais incisos do artigo 5º da
Constituição Federal não exclui, por evidente, a liberdade artística, de criação,
científica, de comunicação e todas as demais formas de manifestação da
liberdade do pensamento e de consciência.
Ainda assim, não se inclui o que o legislador estadual fez inserir
no artigo 3º da Lei, ao tratar do “foro íntimo” e dos “princípios” do indivíduo.
Embora não se possa adentrar, com certeza matemática, no
pensamento e na consciência do indivíduo, o “foro íntimo” refoge, inteiramente,
de qualquer atuação estatal na verificação de que o seu exercício estaria sendo
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usado como verdadeiro subterfúgio para subtrair alguém de “obrigação legal a
todos imposta”.
O “foro íntimo” não é passível de sindicância exterior, bastando a
pura e simples manifestação de vontade do interessado.
O mesmo quanto aos “princípios” professados por determinado
indivíduo.
E a tanto a Constituição Federal não avançou em termos de
garantia de inviolabilidade do pensamento e de suas manifestações para
colocar alguém à margem das obrigações gerais exigíveis dos demais.
Apenas a União, através do Congresso Nacional, poderia
disciplinar mais amiúde as hipóteses de objeção de consciência que a
Constituição Federal entendeu por bem garantir como meio eficaz e idôneo
para eximir alguém da prática ou da abstenção de conduta a todos os demais
imposta.
Ao dispor sobre a possibilidade de apresentar objeção de
consciência para a “prática de um ato” (art. 1º), o legislador estadual, de
maneira indireta, adentrou em searas do Direito que a ele não compete
materialmente, seja porque abre ensanchas para que o beneficiário da lei deixe
de praticar ato a que está obrigado, pela lei ou pelo contrato, seja porque
possibilitaria que todos os demais Estados da Federação entendessem como
objeção de consciência qualquer outro comportamento que não aquele
indicado pela Lei Maior.
A Constituição Federal se refere à objeção de consciência apenas
no artigo 143, § 1º ao dispor sobre a possibilidade de recusa ao serviço militar,
aos alistados que “alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como
tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política”, mas a
interpretação sistemática do artigo 5º e seus incisos permite concluir que outras
hipóteses fáticas podem ocorrer, com fundamento da inviolabilidade da
“liberdade de consciência” (inciso VI).
No entanto, por incorrer, forçosamente, em áreas do Direito Civil,
do Direito do Trabalho, do Direito Tributário, do Direito Penal, do Direito
Administrativo e quiçá, outras ainda, somente a Lei Nacional pode ter o condão
de dispor, especificamente, sobre quais outras hipóteses fáticas o interessado
pode fazer objeção de consciência para “eximir-se de obrigação legal a todos
imposta”.
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Do exposto, o voto é no sentido de conhecer a representação e
julga-la procedente a fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei
Estadual 6.998, de 8 de maio de 2015, com efeitos desde a sua publicação.
Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2019.
Rogerio de Oliveira Souza
Desembargador Redator
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