O "Relatório" do FMI sobre a Educação em Portugal - Comentário Crítico
1. O
“Relatório”
do
FMI
sobre
a
Educação
em
Portugal
Cenário:
1. O
sistema
educativo
tem
menos
sucesso
do
que
a
média
europeia
2. O
sistema
educativo
português
é
mais
fragmentado
do
que
os
sistemas
de
outros
países
europeus
3. A
rede
escolar,
sobretudo
nas
zonas
rurais,
é
pouco
ajustada
4. O
aumento
da
procura
de
ensino
superior
é
um
desafio
5. Os
professores
das
escolas
públicas
constituem
um
grupo
privilegiado
6. Tem
havido
alterações
na
composição
da
procura
de
serviços
de
educação
7. A
redução
do
número
de
alunos
implica
um
significativo
ajustamento
na
rede
escolar
Questões-‐Chave:
1. O
sistema
educativo
tem
um
número
exagerado
de
profissionais
2. A
prevalência
de
rigidez
no
sistema
educativo
agrava
a
tendência
para
o
excesso
de
profissionais
3. Até
agora,
as
reduções
salariais
não
atingiram
os
professores
menos
competentes
ou
mais
bem
pagos
4. O
modelo
de
financiamento
atual
das
escolas
gera
desigualdades
nos
custos
por
aluno
e
nos
recursos
disponíveis
no
conjunto
das
escolas
5. Há
evidências
de
que
os
custos
por
aluno
nas
escolas
com
contrato
de
associação
(“Charter
Schools”)
é
mais
baixo
do
que
nas
escolas
públicas.
Propostas
de
reforma:
1. Melhorar
os
resultados
com
menos
custos
2. Dar
continuidade
à
política
de
agrupamento
de
escolas
3. Alcançar
poupanças
mais
significativas
exige
a
flexibilização
do
sistema
educativo,
reduzindo
o
papel
do
Estado
como
fornecedor
de
serviços
de
educação
a. Implementação
de
uma
fórmula
simples
de
financiamento
por
aluno
b. Aplicar
modelos
de
mobilidade
especial
para
professores
em
excesso
c. Aumentar
as
propinas
dos
alunos
do
ensino
superior.
Declarações
prévias:
1. Portugal
teve
recentemente
a
oportunidade
de
conhecer
um
vigarista
que
se
fez
passar
por
técnico
de
um
serviço
qualquer
da
ONU.
Esse
vigarista
fez,
no
entanto,
declarações
perfeitamente
em
linha
com
as
análises
de
muitos
mui
doutos
comentadores,
deixando
pairar
a
dúvida
preocupante
sobre
a
real
diferença
entre
vigarice
e
douta
autoridade.
Salvaguardo,
portanto,
a
possibilidade
de
o
relatório
a
que
tive
acesso
ter
sido
feito
por
um
ou
vários
vigaristas.
Com
efeito,
apesar
de
nele
constar
explicitamente
que
não
pode
2. ser
distribuído
sem
autorização
explícita
do
Governo
de
Portugal
e
do
FMI,
eu
consegui
uma
cópia
dele
logo
na
primeira
pesquisa
que
fiz
na
Internet.
Pode,
então,
acontecer
que
seja
falsamente
atribuído
a
uma
equipa
de
técnicos
do
FMI.
Se
for
esse
o
caso,
aqui
fica
o
meu
pedido
de
desculpas
sinceras.
O
relatório
que
aqui
se
comenta
é
dito
da
autoria
de
Gerd
Schwartz, Paulo Lopes, Carlos Mulas Granados, Emily Sinnott,
Mauricio Soto, e Platon Tinios, tem 77 páginas e 7 capítulos, e é
identificado com o título “Portugal,
RETHINKING
THE
STATE—SELECTED
EXPENDITURE
REFORM
OPTIONS”, sendo da responsabilidade do “Fiscal
Affairs Department” do FMI.
2. Os meus comentários são completamente independentes de qualquer outra
apreciação sobre o assunto: não li qualquer jornal, não ouvi qualquer
notícia na TV sobre ele. Na verdade, tomei conhecimento desse relatório, a
partir de uma informação única de um colega, segundo a qual o FMI
propunha a dispensa de 50 mil professores, o que, como se verá, não é bem
assim.
3. Esta análise crítica incide exclusivamente sobre o capítulo VI (das páginas
58 a 63) – “Education Spending – a) Background; b) Key Issues; c) Reform
options.”
Comentário
Crítico
1. As
bases
em
que
assenta
a
parte
em
apreço
do
referido
relatório,
as
questões-‐
chave
e
a
proposta
de
reforma
do
sistema
educativo
não
se
articulam
entre
si,
nem
apresentam
o
mínimo
de
consistência
que
um
grupo
de
especialistas
deveria
ser
capaz
de
garantir.
a. Poderíamos
relacionar,
por
exemplo,
a
ineficiência
do
sistema
educativo
com
a
questão
importante
que
diz
respeito
à
prevalência
de
rigidez
no
sistema,
mas
as
propostas
de
reforma
não
respondem
a
nada
que
se
pareça
ou
possa,
por
lapso,
ser
confundido
com
essa
ineficiência
e
rigidez.
b. A
excessiva
(por
comparação
com
alguns
–
não
todos
–
os
países
da
UE)
fragmentação
do
sistema
educativo
também
poderia
relacionar-‐
se
com
a
questão
da
dita
rigidez,
mas
nas
propostas
de
reforma
nada
se
diz
a
esse
respeito.
Note-‐se
a
este
propósito
que
os
técnicos
do
FMI
não
identificam
sequer
corretamente
os
quatro
ciclos
de
escolaridade
em
Portugal:
atribuem
dois
ao
ensino
básico
e
dois
ao
ensino
secundário;
ora,
isso
é
o
que
acontece
em
Espanha,
por
exemplo,
mas
em
Portugal
três
são
ditos
do
ensino
básico
e
só
um
do
ensino
secundário.
c. O
apregoado
desajuste
(importava
saber
a
quê)
da
rede
escolar
nas
zonas
rurais
poderia
servir
para
explicar
por
que
razão
as
escolas
mais
caras
não
são
as
que
obtêm
os
melhores
resultados
e
para
explicar
uma
parte
dos
custos
acrescidos
nas
escolas
públicas,
mas
3. não
serve
para
nada,
isto
é,
não
é
articulado
nem
com
a
realidade
social
do
país,
nem
com
qualquer
medida
eficaz
de
reforma
(os
autores
reconhecem
que
a
continuação
da
política
de
agrupamentos
de
escolas
já
não
trará
grandes
benefícios).
Contraditoriamente,
é
assumido
que
as
escolas
em
ambientes
socio-‐económicos
menos
vantajosos
têm
melhores
resultados
e
são
mais
baratas.
Sem
outra
explicação
adicional,
seria
legítimo
deduzir
do
que
fica
dito
que
as
escolas
das
zonas
rurais
se
inserem
em
ambientes
sócio-‐económicos
mais
vantajosos
e
são
mais
caras.
Ainda
que
não
seja
esta
a
ideia
que
se
pretende
transmitir,
a
falta
de
rigor
é,
neste
caso,
demasiado
inaceitável,
uma
vez
que
tem
origem
em
supostos
técnicos
bem
documentados
e
competentes.
d. O
ponto
da
proposta
de
reforma
que
se
refere
à
melhoria
de
resultados
com
redução
de
custos
só
diz:
“To this end, the government
will have to make difficult choices based on cost-efficiency and
effectiveness considerations”. Rigorosamente mais nada. Não sei quanto
se paga a estes técnicos para os compensar por uma reflexão desta ordem
de importância, mas é por afirmações deste género que tomei, em devido
tempo, a precaução de salvaguardar a possibilidade de o relatório que
estou a comentar poder não ser genuíno. O termo “difficult choices”
deveria ser banido da linguagem política, porque só pode ser identificado
com a incompetência dos decisores.
2. Esta
parte
do
relatório
contém
falsidades
graves:
a. Os
professores
são
um
grupo
privilegiado
em
relação
à
sociedade
em
geral
e
aos
funcionários
públicos
em
particular,
dizem
os
relatores.
Isto
é
falso.
Os
professores
recebem
um
salário
que
não
é
superior
ao
de
outros
profissionais
com
formaçã.
o
superior
que
exerçam
uma
profissão
de
acordo
com
a
sua
formação.
Por
outro
lado,
os
salários
dos
técnicos
superiores
do
Estado
não
apresentam
discrepâncias
com
os
dos
professores.
b. As
reduções
salariais
não
atingiram
os
professores
mais
bem
pagos.
Esta
afirmação
é
ridiculamente
falsa.
Os
mais
bem
pagos
foram
mais
atingidos
pelas
reduções
salariais
do
que
os
menos
bem
pagos.
c. As
reduções
salariais
não
atingiram
os
professores
menos
competentes.
Isto
é
absolutamente
ridículo.
O
sistema
de
avaliação
de
desempenho
de
professores
tornou-‐se
inútil
devido
ao
congelamento
de
progressões
na
carreira.
Portanto,
os
menos
competentes
não
foram
penalizados,
porque
os
mais
competentes
também
não
foram
premiados.
d. O
modelo
de
financiamento
atual
das
escolas
gera
desigualdades
nos
custos
por
aluno
e
nos
recursos
disponíveis
no
conjunto
das
escolas.
Afinal,
essas
desigualdades
não
têm
a
ver
com
o
desajuste
da
rede
escolar,
como
é
dito
noutro
ponto?
Modelo
de
financiamento
é
uma
coisa;
rede
escolar
e
custos
a
ela
associados
é
outra.
e. Há
evidências
de
que
os
custos
por
aluno
nas
escolas
com
contrato
de
associação
(“Charter
Schools”)
é
mais
baixo
do
que
nas
escolas
públicas.
4. Essas
evidências
referem-‐se
às
transferências
do
Estado
e
não
ao
custo
das
escolas.
A
escolas
“charter”
que
os
senhores
do
FMI
conhecem
em
países
como
os
EUA,
a
Suécia,
etc.,
são
escolas
completamente
públicas
de
gestão
privada;
as
escolas
“charter”
em
Portugal
só
são
parcialmente
públicas;
um
número
variável
de
alunos
paga
mensalidades
tal
como
pagariam
num
colégio
privado.
Qualquer
que
seja
a
origem
dessas
evidências
(Tribunal
de
Contas
ou
outra),
o
estudo,
tal
como
é
apresentado
neste
relatório,
não
é
sério.
A
comparação
dos
custos
das
escolas
com
contrato
de
associação
com
os
custos
das
escolas
públicas
não
são
sérios,
são
mesmo
intelectualmente
desonestos,
se
às
escolas
com
contrato
de
associação
não
forem,
como
não
são,
contabilizados
os
custos
de
atividades
com
apoios
educativos
(que
não
se
relacionem
com
a
educação
especial),
com
salas
de
estudo
e
outras
pagas
pelos
pais
e
que
nas
escolas
públicas
são
gratuitas,
e
as
mensalidades
dos
alunos
que
não
são
abrangidos
pelo
contrato
de
associação.
3. As
propostas
de
reforma
do
sistema
educativo
não
são
propostas
dignas
de
técnicos
competentes
na
área
da
educação.
a. Segundo
estes
técnicos,
muita
coisa
ficará
milagrosamente
resolvida,
se
o
Estado
se
afastar
da
gestão
das
escolas
públicas.
Para
além
da
profunda
ignorância
sobre
a
cultura
portuguesa
e
os
condicionalismos
que
ela,
muito
legitimamente
(pelo
menos
tanto
como
em
qualquer
outro
país),
impõe
às
decisões
políticas,
os
técnicos
revelam
não
ter
qualquer
ideia
sobre
o
que
é
necessário
fazer,
que
não
seja
a
de
dizer
que
outros,
que
não
os
nossos
governantes,
resolverão
os
problemas
só
porque
as
suas
açoes
serão
determinadas
pela
necessidade
de
lucro.
Quanto
aos
governantes
atuais,
terão
certamente
razão,
mas
a
proposta
que
fazem
é
idiota.
b. O
que
não
ficar
resolvido
pelo
maravilhoso
estímulo
do
lucro,
será
resolvido
pela
redução
dos
salários
dos
professores.
Esta
visão
alucinada
da
realidade
não
é,
de
forma
alguma,
a
que
seria
legítimo
esperar
de
técnicos
credenciados.
c. Finalmente,
com
uma
medida
simples,
a
da
mobilidade
especial
forçada
dos
professores
(a
voluntária
–
as
reformas
voluntárias
–
revela-‐se
insuficiente
e
cara
para
o
Estado
porque
aumenta
os
custos
com
pensões
de
reforma)
o
governo
poderá
dispensar
30
a
50
mil
professores
desde
já,
e
seguramente
mais
num
futuro
próximo.
Esta
alucinação
já
é
própria
de
um
sociopata.
Com
efeito,
desta
forma
simples,
todos
os
problemas
da
escola
ficarão
resolvidos.
Fico por aqui, por hoje.
9 de Janeiro, 2013
Jorge Barbosa