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Entrevista

Juan Pablo Meneses
Jornalista chileno, 44anos, tornou-se empresáriode
um menorpor200 eurospara escreverum livrosobre
a venda de futebolistaspara a Europa. Texto: Sara Capelo

D.R.

Todos os
filhos têm
um preço
D

urante dois anos, JuanPablo Meneses percorreu74milquilómetros em nove países da América
Latina, assistiua134jogos de futebol e 89 horas de gravação. Q
ueria tornar-se empresário de uma jovem promessa de futebol como parte da sua investigação para depois escrever um livro. Acabou
por comprar Milo, de 11 anos, ao seu avô
(e sim, o verbo correcto é comprar, apesar
de se falar em direitos de representação,
como afirmou o jornalista ao telefone, do
Chile, com a SÁBADO). Escreveu em Niños
Futbolistas (crianças-futebolistas), editado
em Espanha, que cada vez mais pessoas
querem descobrir o novo Messi e “ganhar
a lotaria”.

28

Comprou um rapaz-futebolista para otrazerpara
Espanha. Porque escolheu este país?

como a de Messi, que é da América Latina
e viajou quando era muito pequeno.

Porque é um lugar onde muitos meninos
latino-americanos sonham jogar. Perguntava-lhes onde gostariam de jogar e nenhum dizia clubes dos seus países.

Perguntei-lhesetinha compradoum rapaz. Comprar é o verbo correcto?

E não lhe falavam de nenhum clube português?

Amaioria dos rapazes não falava de clubes
em Portugal nem em França, Alemanhaou
Inglaterra. Falavam basicamente de Barcelona e Real Madrid, e mais do Barcelona,
pelo Messi e pelo Neymar. São duas histórias muito fortes que mudaram o mercado
do futebol. Para estes rapazes há dois ídolos fortes: Messie Cristiano Ronaldo. Ahistória de Cristiano não é tão de telenovela

Comprar é o verbo correcto, que se usa no
futebol. Todos sabemos que o Barcelona
comprouNeymar. Algumas pessoas dizem
que aquilo que se tem é um direito de representação ou uma tutoria sobre estes rapazes, mas no fundo é comprar.
Comprou o Milo ao avô porcerca de 200 euros?

Esses são os preços por que se pode conseguir um rapaz dessa idade que ainda não
tenha assinado um contrato. Mas cada vez
é mais difícilencontraralgumcom12 anos
8 AGOSTO 2013
Quando perguntou ao Milo o que faria com o
dinheiro, caso tivesse a sorte de se tornar um
futebolista, ele respondeu que compraria produtos de mercearia, como açúcar.

Sim. Perguntei-lhe também a pensar que
ele me iria dizer um carro grande, desportivo parasaire estarcom modelos. Mas ele
dizia-me que queria um automóvel bom
para o usar para trabalhar. E isso demonstraque se vê o futebol como umaformade
sairdapobrezae pagaras necessidades mínimas. E não se tem consciência dos miSÁBADO

lhões que se pode ganhar. Estes rapazes
são, no fundo, uns trabalhadores que por
vezes se traficam de um continente para
outro como escravos, mas que no fundo
não deixam de ser rapazes que estão a jogar futebol.
Diz que apenas 1% dos rapazes têm sorte e por
issoacha queoMiloéum em centenas,ou milhares. Mas e se ele tiver, o que fará o Juan Pablo
com o dinheiro?

Amaioriadestes rapazes, paranão dizertodos, não chegam [a ser bons jogadores].
Digo-lhe que não vai triunfar, porque é o
que dizem as estatísticas. Seria como ganhar a lotaria. Esta é a ambição de empresários: “Podemos comprarrapazes baratos

e pode calhar-nos o novo Messi ou o novo
Cristiano Ronaldo, comprando-o barato.”
O que me vai acontecer, caso ganhe a lotaria, será tema para outro livro.
Falou com os pais de muitos rapazes, perguntando-lhes por quanto vendiam os filhos. Quais
eram as suas reacções?

Amaioriados pais, se não forem todos, estão dispostos a escutar uma oferta. Por algum motivo vão aos treinos, seguem os filhos [nas suas carreiras]. E paraos pais, todos os filhos têm um preço. Para os pais
dos futebolistas, muito mais.
Em Portugal, há um jogador, Bruma, que se diz
quepodesermuitobom. Eleassinou com oSpor29

t

nessas condições. Imagine como é naAmérica Latina, onde o futuro desses meninos
pode significar o desenvolvimento económico das famílias. É muito forte.
ting quando tinha 13 anos e veio da Guiné. Agora, com 18, está em litígio com o clube: o seu
advogado diz que o contrato que assinou não é
válido e que, como é maior, está livre para um
outroclube. Encontrou problemassemelhantes?

o primeiro jogadordo mundo que é Bolade
Ouro, levado de um continente a outro, e
que foi separado da família aos 13 anos.
Isso não é real. É muito difícil.

Há muitos casos como o de Bruma. Q
uando euestavaafecharo contrato como meu
jogador, recorri a um advogado e manager
de jogadores. Ele explicou-me que cuidados se deve ter para que isso não aconteça.
A compra de rapazes-futebolistas é muito
arriscadae umdos maiores perigos é acontecer o mesmo que ao Sporting.

Também conta a história de Aimar Centeno, que
hoje vende sodas para sobreviver.

É umargentino queganhouumreality show
cujo prémio erajogarno RealMadrid. AArgentina vivia em plena crise económica e

Bruma tem um tutor que é praticamente como
família para ele e é muito importante nas suas
decisões. Estes rapazes que viajam para a Europa também vêm acompanhados de tutores?

O tutor é uma peça-chave, porque é a figura jurídica que se usa numa venda. Não se
estáavenderum rapaz de 10 anos. Ele passa a estar a cargo do tutor. Todos os novos
contratos têm essa figura. E até eu sou um.

Como o filho do jogador do Manchester City Kun
Agüero e da filha de Maradona?

Sim. Esse é o exemplo de um rapaz que antes de nascer já tinha um contrato.
Porque é que diz que Messi é um erro de amostra? O sonho de ter futuro na Europa não é real?

O caso de Messi é único: de um rapaz que
se compra por 13 mil euros e, em pouco
tempo, vale 130 milhões de euros. E quando é algo único, em termos estatísticos, é
umerro de amostra. O problemaé que este
caso acordou a ambição dos empresários
pelo mercado das crianças-futebolistas. É
30

É verdade que outros rapazes foram contratados e hoje são indigentes?

E são muitos. Q
uando chegam, têm tudo.
Q
uando fracassam, têm muito pouco. Na
AméricaLatinahátrês países de onde se levammais crianças: os mais caros são os brasileiros; os uruguaios, que têmmelhorrendimento porquepodemjogarbememqualquer ambiente; e os argentinos, que saem
em maior quantidade porque têm passaportes europeus e são mais.

Sim, todos me dizemisso. Porque isso marca o temperamento desses jovens. No México, com a guerra ao narcotráfico, ou na
Colômbia e no Peru, atribui-se um valor
muito positivo à violência e precariedade
no futebol. Dizem: “Se este tipo pode surgirdeste lugar, naEuropavaiserumêxito.”

Com que idade se compram futebolistas? Creio
que o Real Madrid contratou um com 7 anos,
mas na Holanda há um caso com 18 meses.

No livro mostro a obsessão por conseguir
os jogadores cada vez mais baratos. MaradonachegouàEuropacom22 anos, depois
Saviola com 17 anos. Messi aos 13. Agora
estão a chegar miúdos com 10 anos. E na
Holanda contratou-se uma criança de 18
meses. No futuro vão contratar-se rapazes
antes de nascerem. Tal como no hipismo:
[a escolha far-se-á] por questões de genética. Na América Latina estão a instalar-se
muitas escolas de futebol do Real Madride
do Barcelona. Um rapaz está nessa escola e
levam-no logo para a Europa. É a típica relação comercial entre a Europa e a América
Latina: aquitem-se amatéria-primae aífazse valor com ela.

res. É a demonstração clara de que isto é
comprar e deitar para o caixote do lixo até
que algo resulte.

Disseram-lhe que é preferível que um jogador
venha de um bairro difícil?

Têm mais vontade?
D.R.

t

ENTREVISTA

E força. Aqui usamos a expressão: “Tienen
hambre!” [Têm fome]

Na Holanda
contratou-se
uma criança
de 18 meses. No futuro
vão contratar-se rapazes
antes de nascerem
aquele programade televisão procuravajovens menores de 14 anos que queriam
triunfar [no futebol]. Ele foi a Madrid. Esteve no balneário com Figo, Zidane e foi
treinar. Tinhatantavontade de triunfar, de
sairdapobrezaque, no seujogo dedemonstração, correu muito e lesionou-se. E a sua
carreira ficou por aí. Porque estes rapazes,
tal como são baratos, também são muito
descartáveis. Se não funcionas para um
jogo, arranja-se outro. Ele voltou à Argentina, esteve numclube daprimeiradivisão,
mas estava muito mal psicologicamente.
Foi para a segunda. Agora ainda é da idade
de um futebolista no activo, 26, 27 anos, e
joganum clube de provínciade Buenos Ai-

É verdade que algunssupermercadostêm direitos sobre futebolistas?

Sim. O Barcelonacomprouo Neymarpor53
milhões de euros, dos quais apenas 20 milhões foram para Neymar e o seu ex-clube.
O restante foi para vários intermediários.
Umaparte erade umacadeiade supermercados brasileira, outra de um grupo de investimento russo, outra de um milionário
dasuacidade. Os jogadores e os rapazes-futebolistas são verdadeiros fundos de investimento.
Porque é que diz que a contratação de Neymar
é um fracasso para o Barcelona?

O Messi custou 13 mil euros e este 53 milhões. Nesse sentido é um fracasso, porque
não conseguiramtiraro novo Messidacartola. O Barcelona é a máquina perfeita: não
há no mundo um rapaz de 14 ou 15 anos e
que seja muito bom que já não tenha sido
detectado pelo Barcelona. Este clube tem
umandarcomjogadores de todo o mundo,
daArábia, daÁsia, daAméricaLatina, quevivem longe da família. E o mais perfeito é
que o fazia com uma camisola a dizer Unicef: amarcaqueestácontrao trabalho infantil e a favor dos direitos das crianças.
8 AGOSTO 2013 SÁBADO

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Entrevista Juan Pablo Meneses - Sábado - Portugal

  • 1. Entrevista Juan Pablo Meneses Jornalista chileno, 44anos, tornou-se empresáriode um menorpor200 eurospara escreverum livrosobre a venda de futebolistaspara a Europa. Texto: Sara Capelo D.R. Todos os filhos têm um preço D urante dois anos, JuanPablo Meneses percorreu74milquilómetros em nove países da América Latina, assistiua134jogos de futebol e 89 horas de gravação. Q ueria tornar-se empresário de uma jovem promessa de futebol como parte da sua investigação para depois escrever um livro. Acabou por comprar Milo, de 11 anos, ao seu avô (e sim, o verbo correcto é comprar, apesar de se falar em direitos de representação, como afirmou o jornalista ao telefone, do Chile, com a SÁBADO). Escreveu em Niños Futbolistas (crianças-futebolistas), editado em Espanha, que cada vez mais pessoas querem descobrir o novo Messi e “ganhar a lotaria”. 28 Comprou um rapaz-futebolista para otrazerpara Espanha. Porque escolheu este país? como a de Messi, que é da América Latina e viajou quando era muito pequeno. Porque é um lugar onde muitos meninos latino-americanos sonham jogar. Perguntava-lhes onde gostariam de jogar e nenhum dizia clubes dos seus países. Perguntei-lhesetinha compradoum rapaz. Comprar é o verbo correcto? E não lhe falavam de nenhum clube português? Amaioria dos rapazes não falava de clubes em Portugal nem em França, Alemanhaou Inglaterra. Falavam basicamente de Barcelona e Real Madrid, e mais do Barcelona, pelo Messi e pelo Neymar. São duas histórias muito fortes que mudaram o mercado do futebol. Para estes rapazes há dois ídolos fortes: Messie Cristiano Ronaldo. Ahistória de Cristiano não é tão de telenovela Comprar é o verbo correcto, que se usa no futebol. Todos sabemos que o Barcelona comprouNeymar. Algumas pessoas dizem que aquilo que se tem é um direito de representação ou uma tutoria sobre estes rapazes, mas no fundo é comprar. Comprou o Milo ao avô porcerca de 200 euros? Esses são os preços por que se pode conseguir um rapaz dessa idade que ainda não tenha assinado um contrato. Mas cada vez é mais difícilencontraralgumcom12 anos 8 AGOSTO 2013
  • 2. Quando perguntou ao Milo o que faria com o dinheiro, caso tivesse a sorte de se tornar um futebolista, ele respondeu que compraria produtos de mercearia, como açúcar. Sim. Perguntei-lhe também a pensar que ele me iria dizer um carro grande, desportivo parasaire estarcom modelos. Mas ele dizia-me que queria um automóvel bom para o usar para trabalhar. E isso demonstraque se vê o futebol como umaformade sairdapobrezae pagaras necessidades mínimas. E não se tem consciência dos miSÁBADO lhões que se pode ganhar. Estes rapazes são, no fundo, uns trabalhadores que por vezes se traficam de um continente para outro como escravos, mas que no fundo não deixam de ser rapazes que estão a jogar futebol. Diz que apenas 1% dos rapazes têm sorte e por issoacha queoMiloéum em centenas,ou milhares. Mas e se ele tiver, o que fará o Juan Pablo com o dinheiro? Amaioriadestes rapazes, paranão dizertodos, não chegam [a ser bons jogadores]. Digo-lhe que não vai triunfar, porque é o que dizem as estatísticas. Seria como ganhar a lotaria. Esta é a ambição de empresários: “Podemos comprarrapazes baratos e pode calhar-nos o novo Messi ou o novo Cristiano Ronaldo, comprando-o barato.” O que me vai acontecer, caso ganhe a lotaria, será tema para outro livro. Falou com os pais de muitos rapazes, perguntando-lhes por quanto vendiam os filhos. Quais eram as suas reacções? Amaioriados pais, se não forem todos, estão dispostos a escutar uma oferta. Por algum motivo vão aos treinos, seguem os filhos [nas suas carreiras]. E paraos pais, todos os filhos têm um preço. Para os pais dos futebolistas, muito mais. Em Portugal, há um jogador, Bruma, que se diz quepodesermuitobom. Eleassinou com oSpor29 t nessas condições. Imagine como é naAmérica Latina, onde o futuro desses meninos pode significar o desenvolvimento económico das famílias. É muito forte.
  • 3. ting quando tinha 13 anos e veio da Guiné. Agora, com 18, está em litígio com o clube: o seu advogado diz que o contrato que assinou não é válido e que, como é maior, está livre para um outroclube. Encontrou problemassemelhantes? o primeiro jogadordo mundo que é Bolade Ouro, levado de um continente a outro, e que foi separado da família aos 13 anos. Isso não é real. É muito difícil. Há muitos casos como o de Bruma. Q uando euestavaafecharo contrato como meu jogador, recorri a um advogado e manager de jogadores. Ele explicou-me que cuidados se deve ter para que isso não aconteça. A compra de rapazes-futebolistas é muito arriscadae umdos maiores perigos é acontecer o mesmo que ao Sporting. Também conta a história de Aimar Centeno, que hoje vende sodas para sobreviver. É umargentino queganhouumreality show cujo prémio erajogarno RealMadrid. AArgentina vivia em plena crise económica e Bruma tem um tutor que é praticamente como família para ele e é muito importante nas suas decisões. Estes rapazes que viajam para a Europa também vêm acompanhados de tutores? O tutor é uma peça-chave, porque é a figura jurídica que se usa numa venda. Não se estáavenderum rapaz de 10 anos. Ele passa a estar a cargo do tutor. Todos os novos contratos têm essa figura. E até eu sou um. Como o filho do jogador do Manchester City Kun Agüero e da filha de Maradona? Sim. Esse é o exemplo de um rapaz que antes de nascer já tinha um contrato. Porque é que diz que Messi é um erro de amostra? O sonho de ter futuro na Europa não é real? O caso de Messi é único: de um rapaz que se compra por 13 mil euros e, em pouco tempo, vale 130 milhões de euros. E quando é algo único, em termos estatísticos, é umerro de amostra. O problemaé que este caso acordou a ambição dos empresários pelo mercado das crianças-futebolistas. É 30 É verdade que outros rapazes foram contratados e hoje são indigentes? E são muitos. Q uando chegam, têm tudo. Q uando fracassam, têm muito pouco. Na AméricaLatinahátrês países de onde se levammais crianças: os mais caros são os brasileiros; os uruguaios, que têmmelhorrendimento porquepodemjogarbememqualquer ambiente; e os argentinos, que saem em maior quantidade porque têm passaportes europeus e são mais. Sim, todos me dizemisso. Porque isso marca o temperamento desses jovens. No México, com a guerra ao narcotráfico, ou na Colômbia e no Peru, atribui-se um valor muito positivo à violência e precariedade no futebol. Dizem: “Se este tipo pode surgirdeste lugar, naEuropavaiserumêxito.” Com que idade se compram futebolistas? Creio que o Real Madrid contratou um com 7 anos, mas na Holanda há um caso com 18 meses. No livro mostro a obsessão por conseguir os jogadores cada vez mais baratos. MaradonachegouàEuropacom22 anos, depois Saviola com 17 anos. Messi aos 13. Agora estão a chegar miúdos com 10 anos. E na Holanda contratou-se uma criança de 18 meses. No futuro vão contratar-se rapazes antes de nascerem. Tal como no hipismo: [a escolha far-se-á] por questões de genética. Na América Latina estão a instalar-se muitas escolas de futebol do Real Madride do Barcelona. Um rapaz está nessa escola e levam-no logo para a Europa. É a típica relação comercial entre a Europa e a América Latina: aquitem-se amatéria-primae aífazse valor com ela. res. É a demonstração clara de que isto é comprar e deitar para o caixote do lixo até que algo resulte. Disseram-lhe que é preferível que um jogador venha de um bairro difícil? Têm mais vontade? D.R. t ENTREVISTA E força. Aqui usamos a expressão: “Tienen hambre!” [Têm fome] Na Holanda contratou-se uma criança de 18 meses. No futuro vão contratar-se rapazes antes de nascerem aquele programade televisão procuravajovens menores de 14 anos que queriam triunfar [no futebol]. Ele foi a Madrid. Esteve no balneário com Figo, Zidane e foi treinar. Tinhatantavontade de triunfar, de sairdapobrezaque, no seujogo dedemonstração, correu muito e lesionou-se. E a sua carreira ficou por aí. Porque estes rapazes, tal como são baratos, também são muito descartáveis. Se não funcionas para um jogo, arranja-se outro. Ele voltou à Argentina, esteve numclube daprimeiradivisão, mas estava muito mal psicologicamente. Foi para a segunda. Agora ainda é da idade de um futebolista no activo, 26, 27 anos, e joganum clube de provínciade Buenos Ai- É verdade que algunssupermercadostêm direitos sobre futebolistas? Sim. O Barcelonacomprouo Neymarpor53 milhões de euros, dos quais apenas 20 milhões foram para Neymar e o seu ex-clube. O restante foi para vários intermediários. Umaparte erade umacadeiade supermercados brasileira, outra de um grupo de investimento russo, outra de um milionário dasuacidade. Os jogadores e os rapazes-futebolistas são verdadeiros fundos de investimento. Porque é que diz que a contratação de Neymar é um fracasso para o Barcelona? O Messi custou 13 mil euros e este 53 milhões. Nesse sentido é um fracasso, porque não conseguiramtiraro novo Messidacartola. O Barcelona é a máquina perfeita: não há no mundo um rapaz de 14 ou 15 anos e que seja muito bom que já não tenha sido detectado pelo Barcelona. Este clube tem umandarcomjogadores de todo o mundo, daArábia, daÁsia, daAméricaLatina, quevivem longe da família. E o mais perfeito é que o fazia com uma camisola a dizer Unicef: amarcaqueestácontrao trabalho infantil e a favor dos direitos das crianças. 8 AGOSTO 2013 SÁBADO