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Resumo Base dos Textos de Economia Monetária 
Itamar da Silva Nascimento 
Este breve estudo contém uma tentativa de aproximação humilde de 
temas de grande importância e de dificuldade considerável. Abordarei aqui, de 
forma resumida, alguns preceitos e sobre Teoria monetária e crise, sobre a 
ótica keynesiana e Avaliação da riqueza e crise, do ponto de vista de Júlio 
Gomes e Belluzzo do livro Depois da Queda. 
TEORIA MONETÁRIA E CRISE: UMA INTERPRETAÇÃO KEYNESIANA 
Dinheiro e capital 
Começam afirmando que a moeda e a confiança nela são fenômenos 
coletivos, sociais, e que as pessoas só a aceitam porque sabem que o outro 
também esta disposto à aceita-la, como uma forma geral de existência de valor 
das mercadorias, dos contratos e da riqueza. O dinheiro é, portanto, o 
fundamento das relações entre produtores independentes e, por outro lado, o 
único critério quantitativo admissível para a avaliação do enriquecimento 
privado. Ressaltam ainda as três funções da moeda (moeda de conta, meio de 
pagamento e reserva de valor), sendo que esta é exógena, neutra, ou seja, só 
determina o nível geral dos preços, não causando efeito sobre a economia 
“real”. Esta é produto da luta escarniçada pela riqueza, logo não esta á salvo 
de rupturas1 periódicas que podem fazer a sociedade retornar a seu “estado 
primitivo”. Para eles, as crises monetárias são acontecimentos fortuitos ou 
anormais, em geral provocados, num regime de moeda fiduciária, pela ação 
desorganizada do Estado. 
Retratam ainda, que do ponto de vista marxista, o processo de 
socialização (antes dos produtores colocarem seus produtos ao crivo do 
mercado) dos proprietários privados é visto como o resultado de uma 
1 Mas adiante Keynes diz que o dinheiro pode degenerar em duas formas polares indesejáveis: em 
dinheiro-mercadoria, se a autoridade monetária estabelece regras de emissão que impõe um lastro de 
100% formado pelo standard objetivo; ou em fiat money, quando a emissão perde qualquer relação 
com o standard.
institucionalização de uma rivalidade irredutível entre os proprietários de 
riqueza. 
Do ponto de vista da administração do dinheiro, Gomes e Belluzzo 
dizem que a ordem monetária é indissociável da soberania do Estado2, 
implicando a seus proprietários acatarem a moeda como uma convenção 
necessária a realização dos processos de circulação de mercadorias, 
liquidação de dívidas e avaliação de riqueza. Complementam ainda que os 
sistemas monetários contemporâneos são fiduciários, na medida que seu 
funcionamento e reprodução estão fundados na confiança dos possuidores de 
riqueza quanto a observância, pelos bancos centrais, da regras e praticas que 
impõem limites à monetização das dívidas privadas e publicas; e que, 
quaisquer que sejam as formas desses sistemas, devem ser capazes de 
dominar os preços e contratos, desonerar obrigações e permitir transferência 
de poder de compra do presente para o futuro. 
Para eles, a contribuição de Keynes para a teoria monetária e para os 
debates em torno das praticas de gestão de moeda, nasceu em grande 
medidas das criticas as analises derivadas da equação quantitativa da moeda 
de Fisher. Abordam ainda os sobre os depósitos á vista e os depósitos de 
poupança, a capacidade dos bancos expandir o crédito através das taxas de 
desconto do banco central e as varias formas de contabilizar riqueza (títulos, 
estoques de matérias-primas, de bens duráveis de capital)3. 
Fluxos de riqueza e direitos de apropriação. 
Segundo Keynes, a riqueza social é composta pelo capital real (o fixo, o 
circulante e o capital líquido) e pelo capital de empréstimo. O fluxo seria 
proveniente do investimento (I) e do novo capital de empréstimo contratado (B), 
sendo que este fluxo de nova riqueza (W), corresponde ao fluxo da nova 
riqueza em valor real durante determinado período e não a variação d valor de 
riqueza social entre um período e outro. 
Para Keynes, citado por Gomes e Belluzzo, a poupança seria um ato 
negativo, uma subtração à renda, ao valor social criado a partir das decisões 
de produção dos capitalistas; e o investimento seria algo positivo, seria uma 
2 É somente a partir dessa soberania do Estado que se tornam possíveis a denominação de contratos e a 
circulação de documentos reconhecimento de dívidas. 
3 Durante o período de produção e acumulação de riqueza no capitalismo, com exceção dos bens 
instrumentais industrializáveis, todos os outros ativos estão sendo avaliados em mercados organizados, 
podendo ser convertido em dinheiro, a forma geral de riqueza.
aposta na apropriação do acréscimo de valor que será gerado, no futuro, pela 
operação corrente de novos bens instrumentais que estão sendo produzidos no 
presente, é uma transferência “forçada” inevitável de riqueza a quem poupa. 
No decorrer deste curso notamos também que poupança4 não determina 
investimento. Evidentemente, Keynes se contrapõe a teoria ortodoxa, que diz 
que a maior disposição dos indivíduos a pouparem, reduziria5 a taxa de juros e 
incentivaria o investimento. O crédito (chamado de finance) viria a cumprir essa 
função (investimento). Logo, como a decisão de investir6 torna a economia 
menos liquida, essa deverá dispor de instituições e mecanismos que 
acomodem as mudanças patrimoniais provenientes das decisões de 
acumulação de capital real. Complementam ainda que, a iliquidez momentânea 
é superada, não partir da poupança, mas em decorrência dos gastos 
monetários que o investimento desencadeia (sob a forma de fluxos) ao ordenar 
a produção de bens que formarão o novo capital real7. 
Citam ainda, de acordo com os estudos de Keynes que, os bancos 
centrais (gestores universais de pagamentos e liquidez) devem manter 
reservas no standard universal ou em uma outra forma que possam ser 
convertidas, de acordo com a taxa de câmbio, sob pena de submeter a 
economia nacional numa severa crise de balanços de pagamentos, seguida de 
um colapso de paridade. 
Prosseguindo os estudos sobre a politica da moeda e a autonomia 
nacional, complementam que; mesmo os bancos sendo capazes de criar 
crédito, eles não podem fazê-lo de forma arbitraria, pois este volume de crédito 
esta determinado; por um lado, pelas necessidades dos negócios; e pelo outro, 
pelo estado das reservas bancarias. Defendeu ainda, o abandono do padrão 
ouro8 e a adoção de regimes de “moeda administrada” e a criação de liquidez. 
4 Definiria o limite que a renda e o emprego poderia alcançar, dado o valor do investimento decidido 
pelos empresários a partir das expectativas de lucros. Concederia apenas o direito de apropriação da 
riqueza a quem poupa – mantendo o consumo total de riqueza inalterado. 
5 Keynes nega essa relação entre poupança e taxa e juros. Esta segundo ele, citado por Gomes e 
Belluzzo, é determinada a partir da disposição do público em deter riqueza sob uma certa forma – a 
forma liquida (a preferência pela liquidez) – dada a quantidade de moeda. 
6 Para Keynes, apud Gomes e Belluzzo, essa demanda por liquidez é o mesmo que demanda por 
empréstimos bancários. 
7 Neste caso, afirmam que o fundo finance deveria ser ampliado, caso contrário, recolocar-se-ia o 
problema da liquidez, com o aumento provável da taxa de juros concorrendo para neutralizar os desejos 
de elevação dos investimentos e da produção. 
8 O padrão ouro dentro do sistema internacional de pagamentos seria atribuído apenas para a fixação 
da unidade de conta da moeda universal (bancor).
AVALIAÇÃO DA RIQUEZA E CRISE 
Demanda efetiva, investimento e flutuações da economia 
Partindo do principio dos estudos de Keynes e Kalecki9, Gomes e 
Belluzzo afirmam que a renda da comunidade será definida pela decisão dos 
empresários em gastar na produção de bens de consumo de bens de 
investimento. Para esses autores, o endividamento é uma condição inerente à 
acumulação capitalista; ou seja, os empresários devem estar 
permanentemente em “déficit corrente” para poderem gerar lucros amanhã. 
Neste caso, a redução de investimento pode significar para algumas empresas, 
uma redução do endividamento, contudo, o efeito macro é o contrario, pois 
retira das empresas em seu conjunto a capacidade de servir a dívida passada. 
Por fim ressaltam que tanto os problemas correntes, quanto os patrimoniais 
tem suas origens nas variações dos fluxos, particularmente no investimento. 
O significado da crise 
Além da definição básica de riqueza no mundo capitalista (soma de 
todos os ativos reais), Keynes, segundo os mesmos autores acima citados, 
afirma que a riqueza possui ainda outra dimensão na economia empresarial 
capitalista. Para ele, essa riqueza é necessariamente propriedade de alguém, 
ela deve ter uma eficácia em função de si mesma, que, por seu turno, 
corresponde á capacidade de reproduzir10 seu próprio valor e ainda gerar um 
excedente. 
Complementam inda que a eficiência – medida da rentabilidade 
esperada – é do capital, ou seja, do estoque de ativos instrumentais enquanto 
riqueza. A taxa de juros é a taxa de conversão da riqueza, em suas várias 
formas, na riqueza liquida e não apenas a taxa fixada nos contratos de dívidas. 
Para eles, a avaliação da riqueza capitalista está submetida a três 
medidas simultâneas: i) a rentabilidade esperada de um ativo de capital, ii) a 
avaliação em função de sí mesma deve ser reconhecida socialmente, e iii) a 
variação esperada do poder de compra dos ativos, admitidas flutuações no 
9 “Os trabalhadores gatam o que ganham e os capitalistas ganham o que gastam” - Kalecki 
10 Essa capacidade dos ativos se reproduzirem foi chamado por Keynes de eficácia marginal do capital.
valor do dinheiro. Ou seja, Keynes estava interessado em determinar o sistema 
de preços dos ativos, á valorização das várias classes de riqueza e as 
condições que podem proporcionar variações de fluxos de nova riqueza real, 
de produção corrente e de emprego. 
Enfatizam ainda que, Keynes já tinha observado que caso ocorresse 
uma descoordenação ou anarquia nas decisões, esta poderia despertar o 
temor dos detentores de riqueza – logo estes adotariam a preferência por um 
ativo único, imaginariamente dotado de valor absoluto. Contudo ressalta 
Keynes, que esse ativo não pode ser produzido privadamente, que seria uma 
ilusão os produtores acharem que estão produzindo dinheiro, tão logo o 
mercado se negaria a transformar o dinheiro particular em dinheiro social11. 
São enfáticos, afirmando que na crise não são os movimentos correntes 
de acumulação produtiva que deprimem a acumulação interna das empresas e 
agravem os problemas de endividamento e risco; e sim, que a avaliação da 
riqueza (as expectativas de longo prazo) e a incerteza radical (não apenas o 
risco) paralisam e negam os novos fluxos de investimento. 
Discorrem ainda sobre os problemas das crises financeiras dos estados 
para as decisões privadas, principalmente à ocorrida nos anos 80. 
Descrevem também sobre a crise monetária e a gestão da moeda, 
dizendo que nos sistemas monetários modernos, a moeda é administrada em 
primeira instancia pelos bancos que tem o poder de avaliar o crédito de cada 
um dos centros privados de produção e de geração de renda, e com base 
nisto, emitir obrigações contra sí próprios, ou seja, dinheiro; sempre com a 
chancela do Estado12, através do banco central, que referenda ou não crédito 
que os agentes julgam ter direito e que é concedido pelos bancos. 
Descrevem ainda sobre as funções do banco central, a natureza dos 
juros, a armadilha da liquidez e outros temas de grande importância, mas que 
devido à extensão deste artigo não serão abordados aqui, ficando apenas á 
título de curiosidade e conhecimento, podendo ser aprofundados nos trabalhos 
dos próprios autores, Keynes, Wicksell, e outros. 
11 Isto leva a crer que os detentores de riqueza supõem a existência de uma medida e forma de 
enriquecimento que não são constestados por ninguém. Daí a importância do estado de confiança para 
a preservação do valor do dinheiro. 
12 Esse sistema não permite ao Estado executar diretamente a tarefa de integrar moeda ao circuito 
mercantil, apenas garantir a confiança/validade dos contatos mercantis privados, seus termos e suas 
condições sob a forma monetária.
REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS: 
GOMES, BELLUZZO. Depois da Queda. [ ]: [ ]. Apostila da disciplina de 
Economia Monetária do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da 
UFMT. Cap. 1 e 2

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Resumo depois da queda cap.1 e 2 de Julio Gomes e Belluzzo

  • 1. Resumo Base dos Textos de Economia Monetária Itamar da Silva Nascimento Este breve estudo contém uma tentativa de aproximação humilde de temas de grande importância e de dificuldade considerável. Abordarei aqui, de forma resumida, alguns preceitos e sobre Teoria monetária e crise, sobre a ótica keynesiana e Avaliação da riqueza e crise, do ponto de vista de Júlio Gomes e Belluzzo do livro Depois da Queda. TEORIA MONETÁRIA E CRISE: UMA INTERPRETAÇÃO KEYNESIANA Dinheiro e capital Começam afirmando que a moeda e a confiança nela são fenômenos coletivos, sociais, e que as pessoas só a aceitam porque sabem que o outro também esta disposto à aceita-la, como uma forma geral de existência de valor das mercadorias, dos contratos e da riqueza. O dinheiro é, portanto, o fundamento das relações entre produtores independentes e, por outro lado, o único critério quantitativo admissível para a avaliação do enriquecimento privado. Ressaltam ainda as três funções da moeda (moeda de conta, meio de pagamento e reserva de valor), sendo que esta é exógena, neutra, ou seja, só determina o nível geral dos preços, não causando efeito sobre a economia “real”. Esta é produto da luta escarniçada pela riqueza, logo não esta á salvo de rupturas1 periódicas que podem fazer a sociedade retornar a seu “estado primitivo”. Para eles, as crises monetárias são acontecimentos fortuitos ou anormais, em geral provocados, num regime de moeda fiduciária, pela ação desorganizada do Estado. Retratam ainda, que do ponto de vista marxista, o processo de socialização (antes dos produtores colocarem seus produtos ao crivo do mercado) dos proprietários privados é visto como o resultado de uma 1 Mas adiante Keynes diz que o dinheiro pode degenerar em duas formas polares indesejáveis: em dinheiro-mercadoria, se a autoridade monetária estabelece regras de emissão que impõe um lastro de 100% formado pelo standard objetivo; ou em fiat money, quando a emissão perde qualquer relação com o standard.
  • 2. institucionalização de uma rivalidade irredutível entre os proprietários de riqueza. Do ponto de vista da administração do dinheiro, Gomes e Belluzzo dizem que a ordem monetária é indissociável da soberania do Estado2, implicando a seus proprietários acatarem a moeda como uma convenção necessária a realização dos processos de circulação de mercadorias, liquidação de dívidas e avaliação de riqueza. Complementam ainda que os sistemas monetários contemporâneos são fiduciários, na medida que seu funcionamento e reprodução estão fundados na confiança dos possuidores de riqueza quanto a observância, pelos bancos centrais, da regras e praticas que impõem limites à monetização das dívidas privadas e publicas; e que, quaisquer que sejam as formas desses sistemas, devem ser capazes de dominar os preços e contratos, desonerar obrigações e permitir transferência de poder de compra do presente para o futuro. Para eles, a contribuição de Keynes para a teoria monetária e para os debates em torno das praticas de gestão de moeda, nasceu em grande medidas das criticas as analises derivadas da equação quantitativa da moeda de Fisher. Abordam ainda os sobre os depósitos á vista e os depósitos de poupança, a capacidade dos bancos expandir o crédito através das taxas de desconto do banco central e as varias formas de contabilizar riqueza (títulos, estoques de matérias-primas, de bens duráveis de capital)3. Fluxos de riqueza e direitos de apropriação. Segundo Keynes, a riqueza social é composta pelo capital real (o fixo, o circulante e o capital líquido) e pelo capital de empréstimo. O fluxo seria proveniente do investimento (I) e do novo capital de empréstimo contratado (B), sendo que este fluxo de nova riqueza (W), corresponde ao fluxo da nova riqueza em valor real durante determinado período e não a variação d valor de riqueza social entre um período e outro. Para Keynes, citado por Gomes e Belluzzo, a poupança seria um ato negativo, uma subtração à renda, ao valor social criado a partir das decisões de produção dos capitalistas; e o investimento seria algo positivo, seria uma 2 É somente a partir dessa soberania do Estado que se tornam possíveis a denominação de contratos e a circulação de documentos reconhecimento de dívidas. 3 Durante o período de produção e acumulação de riqueza no capitalismo, com exceção dos bens instrumentais industrializáveis, todos os outros ativos estão sendo avaliados em mercados organizados, podendo ser convertido em dinheiro, a forma geral de riqueza.
  • 3. aposta na apropriação do acréscimo de valor que será gerado, no futuro, pela operação corrente de novos bens instrumentais que estão sendo produzidos no presente, é uma transferência “forçada” inevitável de riqueza a quem poupa. No decorrer deste curso notamos também que poupança4 não determina investimento. Evidentemente, Keynes se contrapõe a teoria ortodoxa, que diz que a maior disposição dos indivíduos a pouparem, reduziria5 a taxa de juros e incentivaria o investimento. O crédito (chamado de finance) viria a cumprir essa função (investimento). Logo, como a decisão de investir6 torna a economia menos liquida, essa deverá dispor de instituições e mecanismos que acomodem as mudanças patrimoniais provenientes das decisões de acumulação de capital real. Complementam ainda que, a iliquidez momentânea é superada, não partir da poupança, mas em decorrência dos gastos monetários que o investimento desencadeia (sob a forma de fluxos) ao ordenar a produção de bens que formarão o novo capital real7. Citam ainda, de acordo com os estudos de Keynes que, os bancos centrais (gestores universais de pagamentos e liquidez) devem manter reservas no standard universal ou em uma outra forma que possam ser convertidas, de acordo com a taxa de câmbio, sob pena de submeter a economia nacional numa severa crise de balanços de pagamentos, seguida de um colapso de paridade. Prosseguindo os estudos sobre a politica da moeda e a autonomia nacional, complementam que; mesmo os bancos sendo capazes de criar crédito, eles não podem fazê-lo de forma arbitraria, pois este volume de crédito esta determinado; por um lado, pelas necessidades dos negócios; e pelo outro, pelo estado das reservas bancarias. Defendeu ainda, o abandono do padrão ouro8 e a adoção de regimes de “moeda administrada” e a criação de liquidez. 4 Definiria o limite que a renda e o emprego poderia alcançar, dado o valor do investimento decidido pelos empresários a partir das expectativas de lucros. Concederia apenas o direito de apropriação da riqueza a quem poupa – mantendo o consumo total de riqueza inalterado. 5 Keynes nega essa relação entre poupança e taxa e juros. Esta segundo ele, citado por Gomes e Belluzzo, é determinada a partir da disposição do público em deter riqueza sob uma certa forma – a forma liquida (a preferência pela liquidez) – dada a quantidade de moeda. 6 Para Keynes, apud Gomes e Belluzzo, essa demanda por liquidez é o mesmo que demanda por empréstimos bancários. 7 Neste caso, afirmam que o fundo finance deveria ser ampliado, caso contrário, recolocar-se-ia o problema da liquidez, com o aumento provável da taxa de juros concorrendo para neutralizar os desejos de elevação dos investimentos e da produção. 8 O padrão ouro dentro do sistema internacional de pagamentos seria atribuído apenas para a fixação da unidade de conta da moeda universal (bancor).
  • 4. AVALIAÇÃO DA RIQUEZA E CRISE Demanda efetiva, investimento e flutuações da economia Partindo do principio dos estudos de Keynes e Kalecki9, Gomes e Belluzzo afirmam que a renda da comunidade será definida pela decisão dos empresários em gastar na produção de bens de consumo de bens de investimento. Para esses autores, o endividamento é uma condição inerente à acumulação capitalista; ou seja, os empresários devem estar permanentemente em “déficit corrente” para poderem gerar lucros amanhã. Neste caso, a redução de investimento pode significar para algumas empresas, uma redução do endividamento, contudo, o efeito macro é o contrario, pois retira das empresas em seu conjunto a capacidade de servir a dívida passada. Por fim ressaltam que tanto os problemas correntes, quanto os patrimoniais tem suas origens nas variações dos fluxos, particularmente no investimento. O significado da crise Além da definição básica de riqueza no mundo capitalista (soma de todos os ativos reais), Keynes, segundo os mesmos autores acima citados, afirma que a riqueza possui ainda outra dimensão na economia empresarial capitalista. Para ele, essa riqueza é necessariamente propriedade de alguém, ela deve ter uma eficácia em função de si mesma, que, por seu turno, corresponde á capacidade de reproduzir10 seu próprio valor e ainda gerar um excedente. Complementam inda que a eficiência – medida da rentabilidade esperada – é do capital, ou seja, do estoque de ativos instrumentais enquanto riqueza. A taxa de juros é a taxa de conversão da riqueza, em suas várias formas, na riqueza liquida e não apenas a taxa fixada nos contratos de dívidas. Para eles, a avaliação da riqueza capitalista está submetida a três medidas simultâneas: i) a rentabilidade esperada de um ativo de capital, ii) a avaliação em função de sí mesma deve ser reconhecida socialmente, e iii) a variação esperada do poder de compra dos ativos, admitidas flutuações no 9 “Os trabalhadores gatam o que ganham e os capitalistas ganham o que gastam” - Kalecki 10 Essa capacidade dos ativos se reproduzirem foi chamado por Keynes de eficácia marginal do capital.
  • 5. valor do dinheiro. Ou seja, Keynes estava interessado em determinar o sistema de preços dos ativos, á valorização das várias classes de riqueza e as condições que podem proporcionar variações de fluxos de nova riqueza real, de produção corrente e de emprego. Enfatizam ainda que, Keynes já tinha observado que caso ocorresse uma descoordenação ou anarquia nas decisões, esta poderia despertar o temor dos detentores de riqueza – logo estes adotariam a preferência por um ativo único, imaginariamente dotado de valor absoluto. Contudo ressalta Keynes, que esse ativo não pode ser produzido privadamente, que seria uma ilusão os produtores acharem que estão produzindo dinheiro, tão logo o mercado se negaria a transformar o dinheiro particular em dinheiro social11. São enfáticos, afirmando que na crise não são os movimentos correntes de acumulação produtiva que deprimem a acumulação interna das empresas e agravem os problemas de endividamento e risco; e sim, que a avaliação da riqueza (as expectativas de longo prazo) e a incerteza radical (não apenas o risco) paralisam e negam os novos fluxos de investimento. Discorrem ainda sobre os problemas das crises financeiras dos estados para as decisões privadas, principalmente à ocorrida nos anos 80. Descrevem também sobre a crise monetária e a gestão da moeda, dizendo que nos sistemas monetários modernos, a moeda é administrada em primeira instancia pelos bancos que tem o poder de avaliar o crédito de cada um dos centros privados de produção e de geração de renda, e com base nisto, emitir obrigações contra sí próprios, ou seja, dinheiro; sempre com a chancela do Estado12, através do banco central, que referenda ou não crédito que os agentes julgam ter direito e que é concedido pelos bancos. Descrevem ainda sobre as funções do banco central, a natureza dos juros, a armadilha da liquidez e outros temas de grande importância, mas que devido à extensão deste artigo não serão abordados aqui, ficando apenas á título de curiosidade e conhecimento, podendo ser aprofundados nos trabalhos dos próprios autores, Keynes, Wicksell, e outros. 11 Isto leva a crer que os detentores de riqueza supõem a existência de uma medida e forma de enriquecimento que não são constestados por ninguém. Daí a importância do estado de confiança para a preservação do valor do dinheiro. 12 Esse sistema não permite ao Estado executar diretamente a tarefa de integrar moeda ao circuito mercantil, apenas garantir a confiança/validade dos contatos mercantis privados, seus termos e suas condições sob a forma monetária.
  • 6. REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS: GOMES, BELLUZZO. Depois da Queda. [ ]: [ ]. Apostila da disciplina de Economia Monetária do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da UFMT. Cap. 1 e 2