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FACULDADE VICENTINA

ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ

A CRIAÇÃO - PARTE II:
IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

CURITIBA
2011
2

ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ

A CRIAÇÃO - PARTE II:
IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

Monografia apresentada ao curso de
Bacharelado em Teologia da Faculdade
Vicentina, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Bacharel em Teologia.
Orientador(a): Prof. Dra. Angela Luzia
Miranda.

CURITIBA
2011
3

DEDICATÓRIA

A Deus, razão de tudo que faço.
A Madre Clelia Merloni fundadora do Instituto das apostolas do Sagrado Coração de
Jesus, sua fortaleza e seu exemplo de humildade e fé, me faz perceber que vale a
pena ser fiel a Deus.
Aos meus amados pais Alicio e Lucia Helena que me educaram na fé e me incutiram
o desejo de viver e buscar sempre a verdade.
Ao meu irmão Eloi, que iniciou, percorreu e conclui comigo o caminho desafiador do
conhecimento. Somos vencedores.
A minha avó Tereza, exemplo de fé e confiança em Deus, que me ensinou a superar
as dificuldades e não esmorecer quando as intempéries da vida me assaltam.
As minhas amigas Ir.Rosenilda, Adriana, Ir.Joice e Ir.Maria, irmãs e companheiras
de todas as horas.
Ao Papa João Paulo II (Karol Wojtyla) que me emocionou tantas vezes com sua
coragem, ousadia e determinação.
A minha orientadora professora Angela Luzia Miranda, sua confiança e dedicação
me faz acreditar em minhas capacidades.
Ao meu amigo Anderson, irmão de todas as horas, suas palavras sábias e
iluminadas me serviram de estímulo e força durante a realização deste trabalho.
A Professora Méia, mulher forte, confiante e corajosa, sua esperança inabalável me
impulsiona acreditar e valorizar mais a vida.
A todos aqueles que se utilizam da ciência e dos benefícios proporcionados por ela
para promover a vida e a dignidade humana.
A todos que se dedicam e esforçam-se para promover a paz, a justiça, o diálogo e a
partilha amenizando o conflito entre fé e ciência.
4

A todos que esperam dos avanços científicos a cura ou o alívio de suas dores, para
terem uma vida digna e feliz.
E dedico de modo muito especial a todos aqueles que por um motivo ou outro não
terão a oportunidade de realizar um curso superior.
5

AGRADECIMENTOS

A Deus, que por um derramamento de seu amor criou tudo o que existe e incutiu em
mim a sabedoria e o desejo de querer estar sempre perto da Luz. Que foi criativo.
Seu fôlego de vida em mim me foi sustento e me deu coragem para questionar
realidades e propor sempre um novo mundo de possibilidades
Ao Instituto das Apostolas do Sagrado coração de Jesus, por me oferecer este
curso, dando-me a oportunidade de crescer espiritual e intelectualmente.
A Ir. Neli, Ir.Teodata e Ir.Tereza, por terem me ajudado, apoiado e incentivado; por
compreenderem minha irritação e mau humor quando a inspiração me faltava.
A Professora Angela, pela paciência, confiança e pelas vezes que sentou comigo
para orientar-me e conduzir-me ao melhor caminho, acreditando em minhas
capacidades mesmo quando essas estavam escondidas.
Aos Professores, educadores, que abriram as portas de um universo que não
conhecia, alargando minha compreensão e impulsionando-me a buscar sempre
mais.
A Ir. Rosenilda, que compartilhou comigo todas as angústias durante a realização
deste trabalho, pela ajuda e amparo na hora do desespero final.
A Ir.Carmem, que no decorrer desses quatro anos, me escutou, compreendeu e
ajudou a recomeçar após cada queda.
Aos meus familiares, que mesmo distantes estão sempre muito próximos.
Aos meus amigos que sempre estiveram do meu lado, que mesmo estando
distantes me deram uma palavra de incentivo de apoio me motivando a buscar e
querer sempre mais. .
A “nossa” querida bibliotecária Patrícia pelos empréstimos excessivos, e pela
dedicação à nossa turma.
A comunidade escolar da Rede Sagrado de Educação da Escola social Coração de
Jesus, por me incentivarem dando-me força e ânimo. Nesse meio aprendi o valor da
6

minha fé e da vida humana, e que em muito pouco tempo aprendi a refletir e duvidar
e nunca encarar a realidade como pronta. Aqui aprendi a ver a vida de um jeito
diferente.
Ao Professor Padre Dirceu Keller (in memorian) por testemunhar com sua vida a
alegria de servir. Eu posso dizer que a minha formação, inclusive pessoal, não teria
sido a mesma sem a sua pessoa.
A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para a conclusão deste
trabalho.
7

Quando se considera que o outsiders já estão trabalhando em clones
reprodutores de organismos humanos, impõe-se a perspectiva de que em
pouco tempo a espécie humana talvez possa controlar ela mesma sua
evolução biológica. “Protagonistas da evolução” ou até “brincar de Deus”
são as metáforas para uma autotransformação da espécie que parece
iminente.
Jurgen Habermas
8

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar a trajetória do ambicioso Projeto Genoma
Humano e suas implicações éticas e teológicas. Como se sabe, tal projeto consiste
em mapear e seqüenciar o genoma, favorecendo as pesquisas científicas,
sobretudo, na área da biomedicina. Inclusive, no sentido de descobrir a cura de
doenças e atenuar o sofrimento humano. Não obstante, os benefícios advindos com
suas descobertas, este projeto científico também suscita discussões acerca de suas
possíveis conseqüências, com relação à manipulação genética e à utilização de
embriões humanos. Deste modo, ademais de situar os aspectos históricos do
surgimento do Projeto Genoma Humano, o presente estudo busca trazer à tona
algumas

reflexões éticas

que

acarretam

suas

descobertas,

considerando,

principalmente a leitura do filósofo Jürgen Habermas sobre o futuro da natureza
humana. Do ponto de vista teológico, o trabalho também aponta algumas reflexões
em torno ao tema, considerando o olhar da Igreja Católica em seus documentos
pontifícios.

Palavras-chaves: Projeto Genoma Humano. Teologia. Doutrina Social da Igreja.
Ética. Bioética.
9

Abstract

The present paper presents the trajectory of the ambitious Human Genome Project
and its ethical and theological. As you know, this project is to map and sequence the
genome, promoting scientific research, especially in biomedicine. Also, in order to
find a cure for diseases and relieve human suffering. Nevertheless, the benefits to
their findings, the project also raises scientific discussions about their possible
consequences, in relation to genetic manipulation and the use of human embryos.
Thus, in addition to situate the emergence of the historical aspects of the Human
Genome Project, this study seeks to bring up some ethical reflections that lead to
their findings, considering especially the reading of the philosopher Jürgen Habermas
on the Future of Human Nature. From a theological standpoint, the paper also points
out some reflections on the theme, considering the look of the Catholic Church in his
papal documents.
Keywords: Human Genome Project. Theology. Social Doctrine of the Church.
Ethics. Bioethics.
10

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?” ..................................................... 16
2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17
2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA ................................... 18
2.2.1 DNA: O início ............................................................................................. 18
2.2.2 Contexto Histórico...................................................................................... 20
2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano ................................................... 23
2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS ................................................................... 25
3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA
SOBRE AS IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ....... 31
3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 32
3.2 EUGENISMO SELETIVO ................................................................................. 32
3.3 DIGNIDADE HUMANA ..................................................................................... 36
3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS .............................. 37
3.5 A QUESTÃO MORAL ...................................................................................... 40
3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO.................................................................... 44
4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ................... 47
4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 48
4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA...................................... 49
4.2.1 Uma mentalidade eugenética .................................................................... 50
4.2.2 Dignidade humana ..................................................................................... 53
4.2.3 Sacralidade da vida e a era genética ......................................................... 58
4.2.4 Patentiação ................................................................................................ 61
4.2.5 Clonagem e outras manipulações genéticas ............................................. 62
4.2.6 Biopoder .................................................................................................... 65
4.2.7 Meios de geração da vida .......................................................................... 66
4.2. QUESTÃO MORAL ......................................................................................... 68
4.3 UMA QUESTÃO ATUAL .................................................................................. 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 72
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 81
11

1 INTRODUÇÃO

O Deus da Bíblia é também o Deus do genoma. Pode ser adorado na
catedral ou no laboratório. Sua criação é majestosa, esplêndida, complexa e
bela — e não pode guerrear consigo mesma. Só nós, humanos imperfeitos,
1
podemos iniciar batalhas assim. E só nós podemos acabar com elas.

1

COLLINS, F. A linguagem de Deus. São Paulo: Gente, 2007, p.216.
12

―No principio, Deus criou o céu e a terra... criou o homem e a mulher‖(cf. Gn
1,1;27).2 Durante muitos anos, essa fora uma história conhecida e aceita para
explicar a origem do cosmo e da vida humana. E, neste espaço de tempo, Deus, e
somente Ele fora o único protagonista da história da criação. Até que, em um dado
momento, desse período notável, como se sabe o cientista Darwin apresenta ao
mundo a teoria do evolucionismo e da seleção natural, contestando qualquer
participação divina nesse processo; fazendo com que os argumentos e fundamentos
bíblicos, fossem gradativamente desacreditados por muitos. Foi assim, que o
suposto conflito entre ciência e fé tornou-se veemente.
Desde então, é possível perceber na literatura que alguns autores vem
tentando conciliar ciência e fé, mas os posicionamentos contrários e não ecumênicos
de ambos os lados têm dificultado esta aliança. Com a descoberta de Darwin, os
cientistas têm encontrado, cada vez mais, razões para desacreditar na existência de
Deus. Hoje, com o avanço tecnológico e cientifico, os pesquisadores realizam
grandes descobertas. No entanto, a criação da própria espécie humana é ainda a
maior cobiça no âmbito cientifico.
Pesquisadores de todo o mundo tem se dedicado esmeradamente para
responder aquelas questões intrínsecas da vida humana: Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos?
A ciência propriamente dita, busca fundamentar e provar, através de fatos e
dados concretos, tudo que existe. E é este jeito de ser e agir que a distingue das
demais visões de mundo, pois essa lhe é uma característica própria.
Por isso mesmo, após a grande e frustrante tentativa de responder tais
questionamentos enviando o homem à lua, com o Projeto Apollo; os cientistas
descobriram que as respostas e os segredos da vida humana não estavam a
quilômetros de distância, mas estavam mais perto do que imaginavam isto é, as
respostas que procuravam estavam inseridas dentro de cada célula, surgindo assim,
um novo projeto para conhecer o que havia no interior de cada uma dessas células.
Essa iniciativa gerou o Projeto Genoma Humano: um audacioso projeto
científico consistindo em mapear o genoma e descobrir o sequenciamento do DNA.

2

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição revista, São Paulo: Paulus, 2006.
13

Tal projeto é um marco para a ciência, cujos benefícios são incomensuráveis à
humanidade. A transcrição desses benefícios advindos do projeto genoma mostra
que o desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância na busca
da qualidade de vida para os seres humanos.
Por essa razão, o século XXI possui todas as características de um século
voltado à genética, pois as descobertas advindas do sequenciamento do genoma
ocasionam grandes e profundas mudanças na medicina. Por outro lado, este mesmo
homem que vem realizando estas pesquisas com grande êxito, será responsável por
seus atos e descobertas, bem como será responsável pelas suas implicações e
consequências.
Do ponto de vista ético, uma das conseqüências previstas e/ou possíveis do
Projeto genoma Humano diz respeito ao próprio futuro da natureza humana. Com a
possibilidade da clonagem, inclusive de seres humanos haverá que se refletir sobre
a própria condição humana, tal como sugere o filósofo alemão Habermas.
A parte religiosa também tem acompanhado o caminho percorrido por esse
avanço cientifico e já se pronunciou, algumas vezes, ao perceber que determinadas
pesquisas genéticas poderiam, de certa forma, agredir a sacralidade da vida. De
acordo com seus ensinamentos a Igreja argumenta que a vida é um dom de Deus.
Sendo assim, só Ele pode intervir e inserir alterações nos indivíduos, isto é, em suas
criaturas. Como Senhor da criação, Ele reveste de caráter sagrado cada ser criado e
enaltece a dignidade do ser humano. Por isso mesmo, seu magistério, oferece
várias diretrizes, orientando e ensinando os fiéis a não se tornarem alheios diante
desses problemas éticos surgidos, principalmente, com a descoberta do genoma.
Este trabalho pretende, portanto, oferecer ao leitor uma reflexão aprofundada
dos aspectos históricos, éticos e teológicos do Projeto Genoma Humano,
possibilitando uma melhor compreensão deste fenômeno inédito e extremamente
relevante para a história da humanidade Não obstante, também, apresentará
argumentos fundamentando a posição da Igreja diante das questões genéticas.
Posição esta que visa, não somente opor-se aos avanços científicos e sim contribuir
com as diferentes correntes de pensamentos, fornecendo elementos a questões
relevantes para esse tema.
Desse modo, o trabalho compor-se-á de duas partes. A primeira descreverá a
origem, apresentando o contexto histórico do Projeto Genoma Humano, mostrando
os seus avanços científicos do conhecimento do genoma, seus ―segredos‖ e suas
14

implicações históricas para a sociedade bem como as conseqüências; o que resultará
em resposta ao agir de hoje.
Já a segunda parte abordará as questões referentes aos aspectos éticos e
teológicos, ligados ao projeto. Apresentará uma análise dos posicionamentos
estudados no decorrer das pesquisas. Sobretudo evidenciará o posicionamento de
Habermas e o ponto de vista da Igreja Católica, e o porquê de em alguns momentos,
ela ter se distanciado da ciência, principalmente, no que diz respeito ao Projeto
Genoma Humano.
Para a fundamentação teórica, este trabalho utilizará pesquisas bibliográficas,
levantamento de dados, pesquisas documentais e entrevistas. Essas, no entanto,
serão usadas, somente, como fonte de informações e esclarecimentos sobre o tema
estudado, portanto, não terão um caráter quantitativo.
Tendo em vista que os escritos sobre o referido tema são demasiado
complexos por que diz respeito a área da medicina e biologia; portanto requer
conhecimento sobre, o presente trabalho buscará oferecer ao leitor, o conteúdo de
forma clara, simples e objetiva facilitando assim sua assimilação e entendimento do
ponto de vista ético e teológico.
O trabalho será composto por três capítulos. O primeiro será uma linha do
tempo, abordando o avanço, por meio de técnicas médicas e cientificas do
conhecimento do genoma, bem como suas conjecturas e consequências históricas.
O segundo capítulo trata de refletir sobre pontos principais da eugenia;
fundamentados em temas trabalhados pelo filósofo alemão, Jurgen Habermas, em
sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖. Ressaltando que, desde sua origem, as
pesquisas envolvendo o genoma humano tem suscitado discussões e reflexões no
nível ético; tanto na coleta de dados, quanto no uso indevido dessas informações
genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas.
O terceiro capítulo apresentará o resultado de uma pesquisa pautada em
documentos, encíclicas e instruções pontifícias que sustentam o valor inviolável da
vida. Pelo ponto de vista doutrinal católico, a discussão de um tema polemico como
esse contribui para um agir ético do homem pós-moderno, bem como seu modo de
enfrentar a vida em suas mais diferentes nuances.
Nas considerações finais, far-se-á uma análise critica, contemplando os três
capítulos aqui abordados em seus pontos mais significativos. Sobretudo, refletir-seão, cuidadosamente, questões divergentes entre fé e ciência, concernentes às
15

questões genéticas. Particularmente, essas considerações explanarão a saga
científica de criar a vida e a preocupação da Igreja em manter acesa a chama da fé,
não poupando esforços para guardar seus preceitos, defendendo a crença de que a
vida é um dom incomensurável de Deus e compete, somente a Ele criar ou alterar
informações em seus dados genéticos.
Levando em consideração a narrativa do livro de Gênesis sobre a criação do
universo, surge a seguinte pergunta: Será que a semelhança entre Deus e o homem
por Ele mesmo criado torna esse homem capaz de ser um criador também? A
criação, por assim dizer, terá continuação, agora, por mãos humanas? Ou a nova
sociedade de homens, geneticamente perfeitos, ainda é uma utopia?
O leitor acompanhará essa abordagem nos próximos capítulos deste trabalho.
16

2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?”

Ele [o Projeto Genoma Humano] tem sido chamado o Santo Graal da
biologia contemporânea. Custando mais de 2 bilhões de libras, é o projeto
científico mais ambicioso desde o programa Apollo para o pouso do homem
na Lua. Sua realização demandará mais tempo que as missões lunares,
pois só se completará nos primeiros anos do próximo século. Antes mesmo
de concluído, segundo seus defensores, o projeto proporcionará uma nova
compreensão de muitas das enfermidades que afligem a humanidade e
3
novos tratamentos para elas.

3

WILKIE, T. Projeto Genoma Humano: Um conhecimento perigoso. Rio de Janeiro: J.Zahar,
1994, p.11.
17

2.1 INTRODUÇÃO

Foram com essas palavras do título deste capítulo que o jornalista e escritor
Reinaldo José Lopes inicia seu artigo publicado na revista online ―Galileu‖,

4

em que

apresenta a trajetória do cientista Craig Venter, participante e líder do Projeto
Genoma Humano com financiamento particular; fazendo história ao montar uma
célula sintética, provando que criar a vida ―do zero‖ ainda é um sonho distante e
talvez, nem valha à pena.
Como se sabe, o capítulo um do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, narra em
linguagem poética a origem do mundo e revela como Deus criou o universo e a
espécie humana a partir do nada. Milhões e milhões de anos depois, cientistas de
todo planeta voltam seus olhares, atenção e expectativas para uma única
descoberta: o genoma humano. Com a promessa de desvendar os segredos da
vida, esse conhecimento faria toda diferença para a medicina, trazendo alívio às
dores, à cura das doenças, e à criação de novas espécies. Desse modo, o
pesquisador moderno entendeu que aquele que comesse do fruto daquela árvore da
vida; não só teria seus olhos abertos, como também seria deus. Igualmente
prometeu a serpente ao tentar a primeira mulher no Jardim do Édem. Certificando a
ela muito mais que o conhecimento do bem e do mal, prometeu-lhe o poder. Dando
mostra de imensa arrogância, pesquisadores desse projeto gigantesco afirmavam
convictos, que o conhecimento vindo dessa descoberta, mudaria, indubitavelmente,
de modo extraordinário, a história da vida humana. Como assinala a epígrafe deste
capítulo, trata-se de um dos projetos científicos mais ambiciosos da história da
ciência.
Esta parte do trabalho, portanto, delineará o caminho percorrido pelo ambicioso
Projeto Genoma Humano, mostrando os avanços e conquistas alcançadas por meio
de técnicas médicas e científicas advindas com o sequenciamento do genoma. O
mesmo fará uma circunscrição histórica do desenvolvimento das pesquisas que
culminaram na clonagem animal e na tentativa da clonagem humana. Por fim,
desvendará alguns de seus segredos e analisará suas implicações históricas na
sociedade atual, a saber; as futuras consequências como resposta ao agir de hoje.
4

LOPES, R, J. Gênesis, Capítulo Dois?. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/ Revista/
Common/ 0, ERT150469-17933,00. html. Acesso em: 20/07/11.
18

2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA
O Projeto Genoma Humano consiste em descobrir onde se encontra cada um
dos genes ou seu mapeamento, estabelecendo, assim, a sequência de bases de
cada gene, ou o sequenciamento do DNA (Acido Desoxirribonucléico) dos vinte e
três pares de cromossomos humanos e identificando cada uma das três bilhões de
bases que o compõem.
Nosso genoma, o conjunto dos nossos genes, é composto por DNA, que
por sua vez é constituído de uma série de As, Cs,Gs e Ts – 3 bilhões
desses elementos ordenados sequenciamente são a receita de um ser
humano. Para você ter uma idéia da dimensão do nosso genoma, com esse
5
número imenso de letras poderíamos escrever o equivalente a 800 Bíblias.

Decifrando o mapa do corpo humano, surgiria a capacidade de
conhecer sua personalidade e quais talentos poderiam desenvolver no
decorrer da vida. Informações essas até então desconhecidas para todos e
a cargo apenas do futuro e do destino.
Dessa forma, houve um esforço conjunto desde 1980, aproximadamente, para
decifrar o mapa humano. Cientistas do mundo todo participaram e participam do
Projeto Genoma Humano, trabalhando em conjunto para decifrar o genoma inteiro.
Pode-se dizer que a descoberta do genoma humano abriu as portas para a
genética, de tal maneira que daí surgiram milhares de pesquisas relacionadas a
essa. Dentre tantas, destaca-se a clonagem e células-tronco que, por assim dizer, já
causou e estão causando controvérsias e polêmicas, devido às implicações éticas
que acarretam.
É importante ressaltar que genoma humano, clonagem e células-tronco são
termos geneticamente interligados. Dessa forma, a descoberta de um, favoreceu o
surgimento do outro.

2.2.1 DNA: O início

Cada ser humano é formado por partículas subatômicas denominadas
cientificamente de nêutron, elétron e próton, formando o átomo que dá origem a
moléculas. Essas, por sua vez, organizam-se de tal forma e com tanta complexidade

5

PEREIRA, L, V. Sequenciaram o Genoma Humano... E agora?.São Paulo: Moderna, 2001, p.18.
19

que compõem uma unidade chamada célula. O corpo humano é composto por cerca
de sessenta trilhões de células. No interior de cada uma delas está o núcleo; nele
encontram-se os cromossomos; dentro deles se localiza o ácido desoxirribonucléico;
mais conhecido como o DNA. Um pequeno trecho ou um segmento da molécula de
DNA chama-se gene. Dessa forma, pode-se dizer que a matéria-prima do gene é o
DNA e cada uma das células do corpo humano possui o mesmo mapa genético
herdado dos pais.6
A estrutura do gen contém as informações genéticas responsáveis pelo
código genético que caracteriza os indivíduos, como: a cor dos olhos, dos cabelos, o
formato do nariz, etc. A função dos genes, no entanto, é a produção de proteínas.
Desse modo, o genoma é o conjunto desses genes.
O genoma é o conjunto de instruções necessárias para formar um ser
humano. Essas informações estão no DNA, uma longa molécula em formato
de dupla hélice que carrega os genes compostos por quatro elementos
básicos: adenina(A), Tinina (T), Citosina(C) e Guanina(G).
...Os componentes do DNA seriam as letras.(...)
...Os genes seriam as palavras.(...)
...Os cromossomos seriam os capítulos.(...)
...O DNA seria o texto.(...)
7
...O homem seria uma coleção de 100 trilhões de livros.

Para ler as informações do genoma é preciso, primeiramente, desenrolar os
cromossomos que comparados a um de novelo; a molécula do DNA seria a linha
desse mesmo novelo. Ela é feita de moléculas ainda menores chamadas bases, que
grudando uma nas outras formam uma enorme fita de DNA, que contém três bilhões
de bases; essas, são letras químicas A- adenina, T- tinina, C-citosina e G-guanina;
com as quais se escrevem as informações genéticas. Faz-se necessário ressaltar
que adenina sempre em par com tinina e citosina sempre com guanina.
Nesse alfabeto, de apenas quatro letras, é possível escrever ao longo de
todo o genoma cerca de trinta mil frases diferentes e cada uma contendo milhares
de letras. Dessa forma, cada frase é um gene, e cada gene é um pedaço dessa
longa fita de DNA.

6

LINHARES, S. e GEWANSDSZNAJDER, F. Biología: Programa completo. citocologia,
histologia, origem da vida. São Paulo: Ática, 2002, p.12-17.
7
PESSINE, L; e BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs). Bioética:Alguns desafios.São Paulo: Loyola,
2001, p.248 - 249.
20

Todos os seres humanos possuem em comum 99,9% dos genes, mas este
0,1% corresponde a três milhões de diferenças. Por essa razão, não existe duas
pessoas idênticas.
Todos os seres vivos possuem o mesmo DNA; o que diferencia é sua
sequência: para cada ser há uma sequência própria e essa sequência é denominada
de genoma.
Quando a sequência das letras químicas é alterada, surge a probabilidade de
se provocar mutações. Essas, no entanto, não são necessariamente negativas, pois
são responsáveis por causar as diversidades dos seres vivos, sendo fonte de
inovação para a evolução das espécies.
Pode-se dizer que a descoberta do DNA foi a origem da genética, ou seja,
sua gênese abriu as portas para todas as outras pesquisas relacionadas ao gene
humano. Mas, surge a pergunta: com os avanços científicos, principalmente na área
da genética, está surgindo, hoje, o ―Gênesis, capítulo um, parte dois‖?

2.2.2 Contexto histórico

No ano de 1969, todos os seres humanos se voltaram para o céu,
testemunhando um dos maiores marcos da história da humanidade: a chegada do
homem à lua, com o Projeto Apolo.8 As expectativas eram grandes, pois o homem
ao chegar à lua, supôs que as perguntas mais profundas que calam no coração de
cada ser humano, como: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
Seriam respondidas e, de fato, acreditavam, piamente, nessa idéia.
No entanto, nem tudo é o que parece ser e nem tudo que se imagina e se
deseja, realmente, se concretiza. Dessa forma, todas as expectativas, em relação à
lua, foram duramente frustradas. Descobriram que, no local ―sagrado‖ se
solucionariam todas as questões, desvendando os mistérios mais profundos, no
entanto, as respostas almejadas não vieram. De acordo com RASKIN:
A frustração de não encontrar as respostas para estes enormes dilemas
com a conquista do espaço, fez com que os cientistas fossem procurá-las
em outro lugar. Talvez estas informações estivessem na verdade
escondidas muito mais próximas dos cientistas do que eles mesmos
9
imaginaram quando conceberam o Projeto Apolo que levou o homem à lua.
8

RASKIN, S. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina.Curitiba, 2010.
RASKIN, S. Projeto genoma Humano. Disponível em: http://www.genetika.com. br/informacoes_
genoma.asp. Acesso em: 12/08/11.
9
21

A partir disso, os norte-americanos começaram a refletir se as respostas a
essas questões humanas estariam mesmo a milhões de distância, ou estariam muito
próximas, ou seja, no interior de cada ser humano, mais precisamente, no interior de
cada célula humana. Dessa forma, surgiu a ideia de se criar um projeto, que se
preocupasse em conhecer, profundamente, cada célula, consequentemente a vida
humana.

Essa nova perspectiva, então, deu origem ao tão evidenciado Projeto

Genoma Humano.
Embora tenha sido concebida uma proposta originária 1984, o Projeto teve
seu início oficial somente em 1990, com prazo de conclusão de quinze anos, tal
como afirma a pesquisadora Lygia Pereira:
Em 1988, a Human Genome Organization (Organização do Genoma
Humano, HUGO) foi fundada por cientistas norte americanos para
coordenar os esforços de sequenciamento do genoma humano
internacionalmente. Essa ousadia foi formalmente proposta ao Congresso
dos Estados Unidos em 1990 como um plano de 15 anos a ser executado
10
por um consórcio de pesquisadores: o Projeto Genoma Humano (PGH).

Inicialmente, a direção do projeto ficou por conta de James D.Watson, cujo
cargo era o de chefe dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Tendo a
participação de cinco mil cientistas de duzentos e cinquenta laboratórios diferentes,
possuía um orçamento variando de três a cinqüenta e três bilhões de dólares. Com
isso, o projeto recebeu apoio financeiro do Departamento de Energia dos Estados
Unidos (DOE), esse também havia planejado e financiado o Projeto Apolo.
Ao denominar o Projeto Genoma Humano e seus objetivos, Wilkie afirma:
Ele tem sido chamado o Santo Graal da biologia contemporânea. Custando
mais de 2 bilhões de libras, é o projeto científico mais ambicioso desde o
programa Apollo para o pouso do homem na Lua. Sua realização
demandará mais tempo que as missões lunares, pois só se completará nos
primeiros anos do próximo século. Antes mesmo de concluído, segundo
seus defensores, o projeto proporcionará uma nova compreensão de muitas
das enfermidades que afligem a humanidade e novos tratamentos para
11
elas.

Grandes e esperançosas eram as expectativas em relação ao Projeto
Genoma Humano. Por suas promessas miraculosas fora até mesmo comparado ao

10
11

PEREIRA, L, V. ob.cit., p. 35.
WILKIE, T. ob.cit., p.11.
22

Santo Graal.12 Quando suas contribuições eram ainda um enigma, um mistério a ser
desvendado, seus defensores afirmavam que suas descobertas trariam a cura de
muitos, senão de todos os males da vida humana e proporcionaria novas
perspectivas e vigor, tal como prometia a lenda do Santo Graal àqueles que o
possuíssem.

Segundo os celtas o ―caldeirão mágico‖ (Santo Graal), traria

prosperidade, renovação e, até mesmo, um certo tipo de ressurreição. Com as
novas possibilidades geradas pelo Projeto Genoma, os cientistas vão mais além, isto
é, não se interessam tanto em ressuscitar um ser. Tem-se observado que na
realidade, hoje, o desejo veemente dos cientistas se concentra em apenas um e
talvez um único ponto: eles querem criar a vida.
Wilkie ainda diz que o conhecimento genético proporcionado pelo Projeto
Genoma Humano, segundo seus idealizadores, transformará o mundo científico,
bem como a medicina atenuará o sofrimento humano e revolucionará o século XXI,
tornando-o século da genética e inaugurando uma nova era da área biomédica.
(...) Trata-se [o Projeto Genoma Humano] do mais audacioso e certamente
do maior esforço jamais empreendido na biologia, que fará do século XXI a
era do gene. Embora possa ser comparado ao programa Apollo, o Projeto
genoma Humano vai transformar a vida e a história humana mais
profundamente que todas as sofisticadas invenções tecnológicas da era
espacial. Seu impacto excederá de muito a compreensão e o tratamento
13
dos defeitos já mencionados de um único gene.

Vale ressaltar que este projeto é um trabalho a ser realizado em longo prazo.
Desde o anúncio do primeiro esboço, estima-se ainda mais 40 anos para ser
totalmente compreendido e entendido. Não obstante, um ano depois de seu
seqüenciamento, alguns tipos de doenças já eram diagnosticadas com testes
genéticos, porque usavam como sustentação as informações disponibilizadas pelo
Projeto Genoma Humano. Hoje, após 10 anos das descobertas do genoma, o
aconselhamento para reprodução, utilizando informações genéticas possibilita a um
casal saber, antecipadamente, se terão filhos saudáveis e normais ou não.
Futuramente, estima-se que grande parte das doenças hereditárias serão
eliminadas, realizando as correções nos genes defeituosos que ocasionam as
12

Santo Graal: Salvo algumas variantes, as várias narrativas identificam-no como sendo a taça que
Jesus usou na última ceia, na qual José de Arimatéia teria recolhido seu sangue após o soldado ter
atravessado seu lado com uma lança, este, teria conservado e escondido, por sua preciosidade e
sacralidade este fora objeto de desejo muitos anos mais tarde instigando valentes cavaleiros a
arriscar sua vida para conquistá-lo ou defendê-lo. (Cf. BRUNEL, P. (Org.) - Dicionário de Mitos
Literários, Rio de Janeiro: Editora UnB, 1997, p.422-429)
13
WILKIE, T. ob.cit., p.13.
23

doenças. Sem falar ainda, no avanço das indústrias farmacêuticas, que poderão
fornecer o medicamento personalizado, isto é, de acordo com o paciente e a doença
que esse desenvolve; diminuindo assim, os efeitos colaterais.
Considerando os efeitos históricos de seu surgimento, e para uma
compreensão histórica mais detalhada do caminho percorrido pelo Projeto Genoma
Humano, faz-se necessário também uma abordagem mais profunda e organizada de
sua cronologia, situando o início desse projeto da ciência, que, por vezes, fora
considerado uma ideia superficial. É o passo a seguir.

2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano

Em 1953, o biólogo norte-americano, James Dewey Watson e os físicos
ingleses, Francis Harry Compton Crick e Maurice Hugh Frederick Wilkins, bem como
a cristalográfica inglesa, Rosalind Franklin, descobrem a estrutura de dupla hélice
do DNA. Esta e outras descobertas levaram, então, a um salto qualitativo na área da
biologia, principalmente na área molecular nos setores da genética.14
No ano de 1980, iniciam-se as primeiras discussões sobre o Projeto Genoma
Humano. Desse modo, o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE)
promoveu um workshop, avaliando os métodos disponíveis para detecção de
mutações e, durante esses trabalhos, divulgou-se a idéia de mapear o genoma
humano.
Em 1987, com iniciativa do Departamento de Energia dos Estados Unidos, foi
iniciado o Projeto Genoma Humano, com um financiamento inicial de 50 bilhões de
dólares e uma duração prevista de 20 anos. No entanto, somente em 1989 e,
oficialmente, em 1990, o Projeto Genoma Humano saiu do papel e de discursos
meramente teóricos e passou para a prática, dando início às pesquisas laboratoriais.
Assim, cientistas de vários países começaram a desenvolver o Projeto Genoma
Humano, patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) e pelo Departamento
de Energia americanos (DOE).
O chefe do Instituto Nacional de Saúde (NIH), James Wyngaarden, convocou
uma reunião na Virgínia, cidade de Reston, em fevereiro de 1988. Após muita
reflexão e discussão, uma vez que havia relutância por parte do Instituto Nacional de

14

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs) Bioética:... ob. cit., p.245.
24

Saúde (NIH), em relação às pesquisas do Projeto Genoma Humano, acabaram por
firmar algumas propostas e objetivos a serem alcançados com o andamento do
programa. Dessa forma, em maio desse mesmo ano, Wyngaarden convidou James
Watson para ser o diretor do Projeto Genoma Humano. Assim, em outubro, ele foi
nomeado oficialmente para dirigir o projeto. Nesta mesma data, o Departamento de
Energia dos Estados Unidos (DOE) assinou um acordo juntamente com o Instituto
Nacional de Saúde (NIH); ambos assumiram cooperarem entre si para a realização
do Projeto Genoma Humano.15
Em 1997, o Brasil une-se aos demais países que já colaboravam no Projeto
Genoma Humano, enviando cientistas para realização de pesquisas. No entanto, o
projeto em si já estava quase no término. As pesquisas brasileiras, então,
consistiram, apenas, no tratamento do câncer. Dessa forma, os pesquisadores
brasileiros deram origem ao Projeto Genoma do Câncer. Os responsáveis em
financiar estes pesquisadores, foi primeiramente e principalmente a Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); depois, o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e o Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (PADCT).16
No ano de 1998, surge uma nova e importante descoberta: as células-tronco.
Essas deveriam permitir, supostamente, ao longo de décadas, a criação de tecidos e
órgãos inteiros em laboratório. No entanto, eram apenas as primeiras discussões e
conjecturas dessa recente descoberta.
Em maio deste mesmo ano, a empresa CELERA, sob a direção de Craig
Venter e financiamento particular, entrou com uma proposta de mapear o genoma
em menor tempo que o setor público. Venter ainda comunicou, que sequenciaria
todo o genoma em apenas dois anos, ou seja, cinco antes que o projeto público.
Essa informação gerou um impasse entre os cientistas do projeto público. Esses, por
sua vez, decidiram adiantar as pesquisas evitando, porém, que se perdessem todo
investimento aplicado neste projeto, e, o que é pior: impedir o patenteamento das
descobertas.
Dessa forma, no dia 26 de junho de 2000, após negociações:

15

ECHTERHOFF, G. Direito à Privacidade dos dados Genéticos. Curitiba: Juruá Editora, 2010,
p.36 - 37.
16
ECHTERHOFF. ob. Cit., p.38 - 39.
25

em uma atitude politicamente correta, os líderes de ambos os grupos,
Francis Collins (projeto público) e Craig Venter (projeto privado)
concordaram em revelar juntos, da Casa Branca para o mundo, que tinham
17
praticamente concluído um primeiro esboço do Genoma Humano.

Dessa forma, dez anos se passaram desde a conclusão do Projeto Genoma
Humano e, certamente a primeira e grande conquista alcançada foi a não
privatização das informações adquiridas com o mapeamento e sequenciamento do
Projeto Genoma Humano, como também os esforços para se chegarem a essa
conquista foram louváveis. Certamente, sem a publicação dos resultados do Projeto
Genoma Humano, não seria possível o acesso às maravilhosas descobertas pelos
cientistas que foram apresentadas toda a sociedade. Se assim não fosse, poder-seia compará-lo a um livro com páginas, contendo o mapa do tesouro da vida,
seguramente lacrado a sete chaves ao longo do processo evolutivo, e o acesso às
informações patrimoniais contidas nesse livro, seria dado selo do patenteamento,
circunscrita no universo de poucos.18

2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS

Indubitavelmente, o mega projeto sobre a identificação do genoma humano,
trouxe, com suas descobertas, grandes consequências para a história: interferindo
expressivamente em questões governamentais, principalmente, entre os países,
que estavam mais envolvidos com o direito da patente dos genes descobertos;
possibilitando a clonagem, as descobertas com células-troncos, a produção de seres
das mais variadas espécies e os transgênicos; enfim, essas e muitas outras
inovações mudaram o rumo da história humana.
A formação de duas equipes, a CELERA liderada por Venter e com
financiamento particular e a outra do setor público para mapear o genoma, como já
citado anteriormente, fora algo positivo, pois o grande esforço e empenho por parte
dos pesquisadores de ambas as equipes para que se atingissem os objetivos
almejados, consequentemente, gerou um certo tipo de competição na área das
pesquisas, sendo essa de fundamental importância, porque, ao final, foi apresentado
à sociedade um resultado mais satisfatório e de melhor qualidade.
Porém,
17
18

RASKIN, S. Projeto Genoma... ob. Cit.,
Id. ibid.
26

Exatamente quando a notoriedade de Venter como líder no campo de
sequenciamento do DNA, estava nas alturas, ele se viu envolvido numa
controvérsia amarga sobre a questão das patentes dos genes.O problema
da proteção da patente para a sequência do DNA tem forte carga emocional
19
e grande complexidade legal.

Nesse sentido, em se tratando dos resultados, esses só tiveram livre acesso
graças à coordenação, por parte do setor público, que pouco a pouco revelava o
segredo dos estudiosos. A sequência divulgada na internet, por exemplo, fazia com
que todo e qualquer plano de patenteamento por parte da Celera se tornasse sem
sentido. No entanto, fora, extremamente importante esta rivalidade entre as equipes,
pois serviu para que as pesquisas tomassem, gradualmente, mais rapidez, como
também chamou a atenção da humanidade sobre o patenteamento genético.
Vale ressaltar que os conhecimentos adquiridos nas pesquisas realizadas
com as informações proporcionadas pelo projeto, também gerou o avanço desses
estudos. Assim como o grande investimento, no campo científico, tornou possível
encontrar algumas respostas para muitas interrogações pertinentes, à vida do
homem. Questionamentos esses, que vêm acompanhando o evoluir humano desde
um passado muito longínquo.

O que, no entanto, são interrogações atuais, já

fizeram parte do universo pensante de muitos.
Muitas conjecturas para a história humana foram obtidas com o Projeto
Genoma Humano. Esse projeto abriu múltiplas possibilidades, e dele presumiram-se
muitas inovações, que revolucionariam a ciência médica.
No âmbito da genética, já se tornou possível sequenciar e analisar, por
completo, o genoma de três mil espécies diferentes de mamíferos, muito próximos
ao homem, organizado por escala hierárquica das espécies, destacando, por
exemplo, o camundongo, o rato e o chimpanzé. Com a ajuda das ciências e com
inúmeros estudos, comprovou-se, cientificamente, que a espécie humana e as
demais espécies, são muito parecidas no tamanho de seus genomas e
assemelham-se, também, no número de genes, ou seja, apenas 0,01% do genoma
faz a diferença. Com isso, esvaem-se os critérios utilizados até então, para,
geneticamente, explicar o fator que torna os seres humanos mais ―evoluídos‖ que
outras espécies. Assim, o avanço da genética possibilitou essa descoberta, isto é,
19

DAVIES, K. Decifrando o genoma: a corrida para desvendar o DNA humano. São Paulo:
Companhia das letras, 2001, p.97.
27

por qual razão as doenças encontradas em animais; também podem contaminar
humanos ou vice-versa.
Explorando exatamente essas informações genéticas, os cientistas encontram
explicações para determinadas doenças que atingem o homem e são, ainda, pouco
compreendidas atualmente, como: o mal de alzheimer, a esquizofrenia, o autismo, a
suscetibilidade à AIDS e à malária. Dentre essas explicações, também está o de
devolver movimentos aos paraplégicos, injetando células-tronco corrigindo o dano.
Em 30 anos: Doenças hereditárias serão eliminadas com a correção de
genes defeituosos. Os cientistas conhecerão os mecanismos genéticos
envolvidos no processo de envelhecimento. A análise completa do genoma
de uma pessoa será um exame comum de uma pessoa e custará menos
de 1.000 dólares. Os testes laboratoriais, como os de sangue, serão
substituídos por análises computadorizadas de células, mesmo nas
20
doenças mais comuns.

Há pouco tempo, na era pré-genômica, nem mesmo Darwin imaginava que
existiria, em breve, ferramentas superpotentes como as usadas atualmente, capazes
de explicar os fenômenos da evolução das espécies. Tudo isso, a ciência tem nas
mãos, graças à descoberta do sequenciamento do genoma e ao grande empenho e
esforços por parte de muitos pesquisadores da área. Certamente, esse ramo da
genética vem fascinando inúmeros estudiosos em todo o mundo e trará, em breve,
muitas outras informações e descobertas surpreendentes para toda a humanidade.
Vale lembrar ainda, que esse ―avanço genético‖ trouxe inúmeros benefícios à
vida humana no aspecto econômico e no social. O homem desenvolveu tecnologias
capazes de sequenciar o genoma em muito menos tempo, com a utilização de
poucos recursos financeiros e com maior qualidade e precisão.
No entanto, de acordo com pensamento de pesquisadores, como o
geneticista Raskim, a ciência não pára e o que os estudiosos almejam, no momento,
é, em menos de cinco anos, alcançar a capacidade de sequenciar o genoma no
período de um dia e no valor de aproximadamente dois mil reais.21
As opções abertas pelo Projeto Genoma Humano serão novas, mas os
princípios morais básicos que nortearão as escolhas que faremos entre elas
não o são. Outros fizeram escolhas análogas no passado.(...) O
22
conhecimento do passado é um guia indispensável para o futuro.

20

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs). Bioética:...ob. cit., p.250.
Id. ibid.
22
WILKIE, ob.cit., p.26.
21
28

O século XXI possui todas as características para ser o século da genética,
pois as descobertas advindas do sequenciamento humano ocasionarão grandes e
profundas mudanças na medicina. Por outro lado, os cientistas estarão atentos à
responsabilidade de que seus atos, atitudes e descobertas podem ocasionar à
humanidade e a permanência de todo tipo de vida no planeta terra.
O estudo do genoma humano descobriu porque determinadas doenças
aparecem com tanta incidência em determinadas épocas da história. O que fazer
para retardar e aperfeiçoar a vida de pessoas portadoras de doenças genéticas.
Com o avanço das descobertas genéticas, conclui-se que, num futuro não
muito distante, alguns tipos de doenças serão diagnosticadas no primeiro dia de vida
de um bebê, isto é, essas descobertas possibilitarão saber se o recém nascido
possui a probabilidade de desenvolver tal doença, se é herdeiro de certas cargas
genéticas que o tornam refém de sua condição. Muitos serão beneficiados pela
eficácia de um diagnóstico preciso e precoce facilitando assim o início do tratamento
evitando sintomas e sinais decorrentes da manifestação das mesmas. A utopia
proveniente desse estudo é que a medicina deixe de ser uma ciência curativa e
venha ser preventiva e profilática. Dessa forma, os médicos terão mais tempo para
se dedicarem ao cuidado integral de seus pacientes, prescrevendo remédios
personalizados com base no código genético de cada indivíduo e, quem sabe, no
futuro, um pouco mais distante, mudar o genoma desse paciente, impedindo que ele
seja acometido pela doença que trazia graças à herança genética herdada de seus
antepassados.
Pretende-se, num futuro bem próximo, em torno de 20 anos, que o
conhecimento completo do material genético permita o acesso a medicações
individualizadas para cada paciente, respeitando a carga genética que ele carrega
em si. Tentar-se-á que os medicamentos sejam específicos para determinada
doença e determinado paciente, e os remédios por ele ingeridos, tragam efeitos
colaterais menores ao seu organismo. Conhecendo o genoma, as tendências
genéticas prevenirão o desenvolvimento de certas doenças. Tudo isso, porém, será
possível se cruzarmos uma boa dose de comprometimento pessoal com a vida
humana, aliada a uma extenuante pesquisa no campo genético, para que se formem
médicos capazes de optar pela vida em todos os momentos e de diferentes pontos
de vista.
29

Em 10 anos: Testes genéticos estarão disponíveis para o diagnóstico
antecipado e preciso de mais de 25 doenças, como o câncer, diabetes e
enfarte. A terapia gênica, hoje ainda restrita e ineficaz, começará a ter seus
primeiros sucessos nas doenças cardíacas, hemofilia e alguns tumores. O
diagnóstico precoce e a consequente mudança de hábitos de vida
23
permitirão diminuir o risco de surgimento de doenças genéticas.

De forma bastante análoga, o conhecimento dos nossos genes terá impactos
diferentes na vida humana. O perfil genético de uma pessoa será utilizado para que
ela, sabendo de suscetibilidade genética, desenvolva um estilo de vida saudável e,
ao longo de sua existência, explore seu patrimônio genético.
Ao analisar o Projeto Genoma Humano, constatou-se que as mudanças
proporcionadas por ele são profundas e o benefício por ele trazido é incomensurável
à humanidade. A transcrição dos benefícios advindos esse projeto mostrou que o
desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância para a busca
de um constante aperfeiçoamento da qualidade de vida dos seres humanos.
A humanidade, diante dos novos conhecimentos decorrentes da genética,
constata o fortalecimento de ideais advindos de um determinismo genético que, por
vezes, desemboca num obcecado ideal de melhorar a espécie humana. No entanto,
a preocupação que perpassa esta pesquisa se concentrou no alcance do poder do
conhecimento genético, células-tronco, clonagem humana, avaliando a relevância da
informação genética frente aos interesses econômicos que possam pautar sua
indevida utilização.
Observa-se que os benefícios desse grandioso projeto, devesse, sempre, ser
bem divulgados. No entanto, quanto aos aspectos negativos, aquilo que, de certa
forma, estaria do ponto de vista ético, na zona de perigo foram, muitas vezes,
ignorados e refutados. Seria muito mais conveniente evidenciar a parte brilhante do
projeto, isto é, as promessas de um mundo novo: filhos geneticamente perfeitos,
diagnósticos antecipados de doenças hereditárias e um futuro promissor para a
ciência médica.
No entanto, com o passar do tempo, os pesquisadores do projeto
descobriram que não bastava, apenas, diagnosticar os problemas, mas para que a
descoberta tivesse realmente valor e sentido era preciso muito mais; necessitava de
algo concreto, ou seja, desenvolver tratamentos eficazes para solucionar os casos

23

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs) Bioética...ob. cit., p.250.
30

diagnosticados, e nesse sentido, pouco se fez com as informações que adquiriram.
Desse modo, acabaram por descobrir que a ciência biológica era por assim dizer,
muito mais complexa do que imaginavam e, diante de um vasto universo obscuro, só
surgiram mais dúvidas.
Assim, aqueles que acreditavam em que decifrariam a vida humana a partir
do

genoma,

enganaram-se

completamente.

Atualmente,

não

obstante,

os

conhecimentos proporcionados pela sequência do mesmo, fizeram com que os
pesquisadores se deparassem, muito mais, com perguntas do que respostas. E,
diante de alguns dilemas da vida humana, só lhes restam afirmar como Sócrates:
―só sei que nada sei‖ .
Tal como observa Wilkie:
Talvez seja este, portanto o desafio final proposto pelo Projeto Genoma
Humano: redefinir nosso sentido de nosso próprio valor moral e descobrir
um meio de afirmar, em face de todos os detalhes técnicos da genética, que
a vida é maior que o DNA de que brotou, que os seres humanos conservam
um valor moral irredutível que transcende a sequência de 3 bilhões de pares
24
de base contidas no genoma humano.

Contudo, tem-se observado, que mesmo para os melhores cientistas e
pesquisadores, o conhecimento pleno ainda não está acessível e disponibilizado.
Deste modo, ainda há muito que fazer para que todas as informações e descobertas
provindas do sequenciamento do genoma possam realmente, contribuir para a maior
descoberta científica: desvendar o segredo da vida.

24

WILKIE, T. ob.cit., p.215.
31

3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA SOBRE AS
IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

Devemos considerar a possibilidade, categorialmente nova, de intervir no
genoma humano como aumento de liberdade, que precisa ser
normativamente regulamentado, ou como a autopermissão para
transformações que dependem de preferências e que não precisam de
25
nenhuma autolimitação?

25

HABERMAS,J. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.18.
32

3.1 INTRODUÇÃO

Atualmente, a humanidade tem-se deparado com um momento novo, a era
tecnológica funcional. Tem-se observado que certos dilemas éticos tratados
incorretamente, parecem expor o discurso normativo liberal a uma dificuldade lógica.
As novas pesquisas que utilizam a manipulação genética da natureza e de seres
humanos, após o sequenciamento do genoma humano, fenômeno não recente na
história, têm causado alterações na autocompreensão normativa, surgindo a
necessidade de uma nova regulamentação da questão moral.
Por isso mesmo, nesta parte do trabalho, far-se-á uma reflexão, de alguns
pontos principais da eugenia, fundamentando-os em alguns temas trabalhados pelo
filósofo alemão, Jurgen Habermas, em sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖.
Nessa obra, Habermas questiona o caminho percorrido pela humanidade em
relação à eugenia; seria ela liberal ou conservadora? O que devemos esperar
moralmente com a biotecnia? Quais as implicações das pesquisas genéticas para a
integridade moral da espécie?
Vale ressaltar que, desde sua origem, as pesquisas envolvendo o genoma
humano e, consequentemente, clonagem e células-tronco, têm suscitado discussões
e reflexões sobre a ética, tanto na coleta de dados, quanto no uso que se faz das
informações genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas.
Com Jurgen Habermas, o presente capítulo fará uma abordagem mais
aprofundada de temas importantes e relevantes que surgiram com as descobertas
do genoma, como: dignidade humana, manipulação genética, biopoder, eugenismo
seletivo e a questão moral, dentro de uma perspectiva filosófica.

3.2 EUGENISMO SELETIVO

Primeiramente, Habermas reconhece dois tipos de eugenia: a primeira referese a eugenia negativa. Essa consiste em utilizar-se das informações obtidas com o
sequenciamento do genoma humano, através de novas técnicas modernas, para a
prevenção de doenças ou melhoramento das condições de tratamentos. A outra é a
eugenia positiva. Essa é a preocupante, pois se utiliza das mesmas informações
citadas acima, não para melhorar as condições de vida, mas para excluir e
discriminar os genomas possuidores de defeitos, bem como, alterar suas
33

informações genéticas, manipulando a vida e possibilitando a criação de um novo
ser humano, livre de qualquer imperfeição.
Nesse caso, pode-se observar que Habermas as distingue como eugenia
liberal e eugenia conservadora. Desse modo, ele é a favor de uma regulamentação
que visa orientar e guardar, juridicamente, essas pesquisas genéticas, a fim de
evitar a eugenia liberal que busca o aperfeiçoamento da raça humana sendo
orientada pelo acesso livre das informações necessárias e pelos desejos e
preferências individuais. Isto é, a eugenia positiva e liberal, permite alterar
informações no genoma, de um novo ser, de modo que esse nasça com as
características solicitadas pelos futuros pais. Desse modo, terão, por assim dizer, o
filho perfeito.
Evidentemente, observa-se que Habermas nesta obra aborda precisamente o
tema eugenismo seletivo, quando avalia alguns usos possíveis da engenharia
genética nas escolhas reprodutivas humanas, a saber: a cura de doenças
identificadas no código genético do embrião e a escolha deliberada de traços
desejáveis pelos futuros pais, a fim de discriminar os casos permitidos daqueles não
permitidos.
Deste modo, afirma Habermas:
Essas importantes questões bioéticas certamente estão ligadas ao aumento
da acuidade do diagnostico e ao domínio terapêutico da natureza humana.
No entanto, somente a técnica genética, que tem em vista a seleção e
alteração das característica, bem como a pesquisa necessária para tanto e
destinada a terapias genéticas futuras constituem uma nova espécie de
26
desafio.

Nesse sentido, seu objetivo é chamar a atenção para o que está por vir. A
humanidade caminha para uma eugenia que não prima somente os fins
terapêuticos, mas tenta, de alguma forma, intervir nas características genéticas,
levando a uma transformação que atinge até a estrutura geral de nossa experiência
moral. Habermas ainda aponta para uma eugenia liberal extremamente inovadora,
isto é, com o passar do tempo, com os avanços tecnológicos estas intervenções
genéticas se tornariam aparentemente tão natural, que atrairia os interesses do

26

HABERMAS, J. O futuro... ob. cit., p.38.
34

mercado, uma vez que bastaria, apenas, dinheiro para que todos os desejos fossem
realizados.
Habermas ainda afirma, que a eugenia liberal seria prejudicial à medida que
exterminaria o princípio natural de geração da vida, juntamente com o de identidade
humana e, dessa forma, a contingência elemento excelso e importante seria também
exterminada. Assim, os novos humanos, provindos dessa nova forma de concepção
ficariam submetidos à pré-determinações genéticas inalteráveis, realizadas antes de
cada nascimento, in vitro. O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie
humana, não seria mais possível. Desse modo ele afirma que: ―uma intervenção
genética não abre o espaço de comunicação para dirigir-se a criança planejada
como uma segunda pessoa e incluí-la num processo de compreensão.‖27
Tal como afirma Duran:
...abordando o tema de Habermas, existe uma necessidade de situar o
autor dentro do tema da liberdade. Para Jurgen Habermas três campos são
essenciais: a comunicação, a transcendência e a realização, livre para
comunicar-se, que é a sua teoria, livre para poder transcender e livre para
auto-trancender também. Agora, o Papa Bento XVI utilizou estas três
expressões de Habermas uns dois anos a trás em uma das suas homilias
28
referindo diretamente a qualquer tipo de manipulação.

A ação comunicativa que Habermas trata com tanta veemência na alteração
eugênica, deixaria de existir. Pois segundo ele, os seres que sofreram influência no
seu genoma não passariam pelo mesmo processo de socialização que os
concebidos de forma natural, pois esses não poderiam relacionar-se com suas
aptidões e, mesmo com suas limitações no decorrer de sua história.
Habermas não é contra o diagnóstico antecipado que permite o não
desenvolvimento de doenças. Mas não lhe agrada o fato desses diagnósticos
culminarem para um aperfeiçoamento genético. Assim, o autor considera a eugenia
negativa favorável, uma vez que prioriza o tratamento de doenças e que, por conta
dessa ação, pode ser justificável. O mesmo não acontece com a eugenia positiva,
que é inaceitável, porque altera o patrimônio genético, tornando-se assim, uma
prática condenável.

27
28

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.86.
DURAN,J,R. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina. 2010.
35

Por fim, Habermas enfatiza que as intervenções eugênicas, abalam a
estrutura geral da experiência moral, dado que, exerce alterações no limite que há
entre a natureza e a liberdade; entre o acaso e a decisão, afetando principalmente a
auto-compreensão moral. Desse modo, o ser humano é por assim dizer, impedido
de compreender-se como único autor de sua própria história de vida, dificultando
também, a percepção recíproca, que as pessoas devem ter ao considerarem-se
como nascidos ―sob as mesmas condições.‖29 Por essa razão, não se trata de um
argumento que se fundamenta na cautela e na moderação, e sim, no dano causado
a auto-compreensão normativa dos seres humanos.
Quanto ao futuro da natureza humana, pode-se considerar o que diz Hans
Jonas em sua obra ―O Princípio Responsabilidade‖. Nela, ele também analisa a
impossibilidade dos sistemas éticos clássicos e modernos de não conseguirem tratar
do futuro, lançando sua tese: ―devemos evitar arriscar a vida humana futura, ou seja,
diante dos avanços inevitáveis das tecnologia, devemos nos perguntar: temos o
direito de arriscar a vida futura da humanidade e do planeta?‖30
Para tanto, ele cunha um novo imperativo, que diz respeito ao ser e ao portarse cientificamente diante da humanidade fragilizada e incapaz de frear a ânsia
progressiva de ter em mãos o pleno domínio de sua evolução: ―Age de tal maneira
que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida
humana autêntica‖.31 Considerando os princípios éticos, Jonas conclui que o homem
não tem o direito de interferir no processo natural da vida humana e do planeta e
ainda que possua potencial para isto, não lhe cabe o poder de decidir e determinar o
fim das mesmas.
De modo geral, para Jonas, a responsabilidade não tem mais como ponto
central o passado e/ou o presente. Todavia, sua preocupação, agora, passa a ser
com o futuro da humanidade, com as gerações futuras e sua sobrevivência. Nota-se,
que Jonas não está preocupado com a eternidade, mas sim com o que acontecerá
posteriormente, existindo simultaneamente com os tempos atuais, com a era da
ciência e da tecnologia. Para ele, a responsabilidade será, por assim dizer, o
alicerce, o princípio orientador para as resoluções que interferirão nas diferentes
formas de vida.
29

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.41.
JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
Rio de Janeiro: Ed. da PUC Rio, 2006, p.8.
31
JONAS, H. ... ob. cit., p.40.
30
36

3.3 DIGNIDADE HUMANA

Primeiramente, Habermas faz uma distinção entre dignidade humana e
dignidade da pessoa humana. Ele enfatiza que a dignidade da pessoa humana
consiste na liberdade que cada pessoa possui de escolher quem de fato ela é. Por
essa razão, seus estudos se voltam para os limites éticos dos cientistas e dos
médicos, particularmente, quanto aos propósitos terapêuticos.
Em se tratando da vida humana, Habermas se refere de modo especial ao
embrião utilizado nas pesquisas da biotecnologia moderna. O autor sublinha as
opiniões polêmicas e divergentes sobre a legalização do aborto e os direitos de
autodeterminação da mãe que decide sobre seu próprio corpo.
Nesse sentido, o autor fomenta que, se de um lado, o embrião é considerado
um simples amontoado de células, que, no sentido moral, só passará a ter dignidade
humana quando nascer; do outro lado, enfatiza que, a partir da fecundação, pode
ser considerado uma pessoa em potencial, por isso já porta seus direitos
fundamentais. E Habermas continua:
Ambos os lados parecem não se dar conta de que algo pode ser
considerado como ―indisponível‖, ainda que não receba o status de um
sujeito de direitos, que, nos termos de constituição, é portador de direitos
fundamentais inalienáveis. ―Indisponível‖ não é apenas aquilo que a
32
dignidade humana tem.

O autor explica que, por motivos morais nossa disponibilidade pode ser
privada de alguma coisa. Mas, isso não significa que ela seja intocável no sentido
dos direitos fundamentais encontrados na constituição. Por isso requer cuidado e
atenção.
Assim, pode-se dizer que a dignidade humana simboliza, de certa forma, uma
condição moral ou jurídica que determina as relações entre os indivíduos munidos
de direitos e deveres, que convivem e se confrontam em um mesmo contexto
normativo. A dignidade humana faz, portanto, sentido na contingência dos acordos
estabelecidos no interior de uma comunidade composta por seres morais, dotados
de relações simétricas e responsáveis, ou seja, dentro de formas concretas de vida
coletiva.33
32
33

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.44.
HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.46.
37

De fato, a dignidade da vida humana, por assim dizer, ultrapassa os limites
das práticas morais harmonizadas, elevando-a a estágios pré-pessoais, em que os
indivíduos estão, ainda em formação, bem como a condições em que a vida se
esvaiu. Dessa forma, a vida humana antecede a construção dos contextos morais de
ações recíprocas, incitando uma compreensão de dignidade própria, mais aberta e
comunicativa, menos específica e reduzida, resultando no termo traduzido como
dignidade humana.34
Em suma, Habermas fomenta que a utilização de biotecnologias que exercem
alterações no genoma humano, podendo culminar em um tipo de confusão na autocompreensão ética, de modo que o indivíduo não se percebe mais como um ser livre
não representando diferença em relação ao outro, e, por isso, são regidos por
normas e fundamentos idênticos, influenciando de modo negativo aquilo que é
definido como dignidade humana. Essa, no entanto, merece respeito.

3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS
Quando os primeiros pesquisadores divulgaram o primeiro clone animal,35
uma onda de especulações e olhares curiosos se alastraram pelo mundo, buscando
o foco dessa inovadora descoberta que iria, mais uma vez, revolucionar o mundo da
ciência. O que não se esperava era que, com o anúncio desse fato, uma corrida
científica entre os pesquisadores e cientistas de todo o mundo fosse iniciada, cujo
intuito fosse o de realizar clonagens dos mais diversos modos, inclusive, o tão
sonhado e fictício clone humano. A esse respeito, apesar de tentativas, insinuações
e algumas falas desarticuladas, nada foi, oficialmente, publicado.
Em relação ao que fora citado, surgem assim, muitos questionamentos
quanto à liceidade da destruição de um embrião humano para eventuais benefícios à
humanidade, mesmo que esse fosse usado para salvar ou curar um adulto. Por essa
razão, comitês de ética de diversos países estabeleceram que as práticas da
clonagem são contrárias à dignidade humana e não é, eticamente, aceitável. Por
isso, não são permitidas.
34

35

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.45.

Embora os cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell, da estação de reprodução animal, na Escócia,
tenham clonado duas ovelhas idênticas "Megan" e "Morag" no ano de 1995, o clone animal mais
famoso indubitavelmente é "Dolly", clonada pelas mãos dos mesmos pesquisadores citados acima, a
partir de células congeladas de uma ovelha, no ano de 1997.
38

Nesse sentido, Habermas faz uma reflexão também preocupante: os novos
humanos, provindos dessa nova forma de concepção, ficariam submetidos à prédeterminações genéticas inalteráveis, realizadas antes de cada nascimento, in vitro.
O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie humana, não seria mais
possível. Pois, segundo o autor, ―o clone é privado de um verdadeiro futuro próprio
pelo olhar modelador voltado à pessoa e à história de vida de um irmão gêmeo‖.36
Quando Habermas discorre sobre o tema ―clonagem‖, pode-se dizer que esse
remete à escravidão, ou seja, usar o material genético de um ser para se criar outro
é apoderar-se do que é do outro e não se compara com as semelhanças que
acontece com os gêmeos univitelinos, pois o ser clonado torna-se dependente das
características herdadas dos seus doadores. Ainda nessa questão, em sua obra A
Constelação pós-nacional, ensaios políticos,37 ele dedica o último capítulo a essa
temática e no ítem que traz o título: “Escravidão genética? Fronteiras morais dos
progressos da medicina da reprodução,‖38 Habermas declara que o ponto a ser
evidenciado deve ser o respeito à autocompreensão do ser clonado em relação à
sua própria origem. Assim ele argumenta:
Ninguém deve dispor de uma outra pessoa e controlar as suas posibilidades
de ação de tal modo que seja roubada uma parte esssencial da liberdade da
pessoa dependente. Essa condição é violada quando uma pessoa decide o
programa genético de uma outra. Também o clone apresenta-se nos seus
procesos de auto compreensão como uma pessoa determinada; mas, por
detrás do elemento essencial dessas condições e qualidades encontra-se a
39
intenção de uma pessoa estranha.

O fato de ter sido fruto de uma experiencia genética afetaria o clone
moralmente e faria a diferença, ter essa consciência, ou não. Em seu ponto de vista,
Habermas, afirma que há diferença entre o ser que participou de um processo
natural e normal dentro daquilo que se compreende como vida humana; daquele que
foi configurado pela genética. Nesse caso, então, há uma diferença na
compreensão: como se daria, a relação entre criador e criatura, ou melhor, entre
original e cópia? Poderia, então, dizer que essa seria uma relação subjetiva?
Nota-se que o conteúdo da obra de Habermas é um apelo a todos, e,
principalmente, aos filósofos, para estarem atentos aos avanços científicos de modo
36

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.87.
HABERMAS,J. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001.
38
HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.209.
39
HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.210.
37
39

que possam se posicionar, refutando qualquer ameaça gerada pelas transformações
no campo das biotecnologias que, de certa forma, podem causar uma secularização
do intelecto, gerando, por assim dizer, uma crise na identidade humana,
principalmente, no tocante à autonomia.
Percebe-se ainda que ele se preocupa com as pesquisas de manipulação de
embriões, porque essas colocam em risco a liberdade e a igualdade de valores
importantes e essenciais à vida humana. Segundo ele:
A programação eugênica estabelece uma dependência entre pessoas que
sabem que, para elas, por princípio está excluída a possibilidade de
trocarem seus lugares sociais. Contudo, tal dependência social, que é
irreversível, já que sua ancoragem social depende do que ela instaurou de
modo atributivo, forma um corpo estranho nas relações recíprocas e
simétricas de reconhecimento, que caracterizam uma comunidade moral e
40
jurídica de pessoas livres e iguais.

Mais uma vez Habermas chama atenção para a manipulação do embrião, à
medida em que os pais podem, agora, exercer alguma margem de escolha sobre a
configuração genética de seus filhos. Isso abre o caminho para o surgimento de
indivíduos sem autonomia sobre seu próprio ―destino‖ ou corpo. Assim afirma:
Será que os pais que querem satisfazer seu desejo de ter filhos e optam
pela seleção, não carecem de uma atitude clínica, cujo objetivo seria a boa
saúde dos filhos? Ou será que eles se comportam, ainda que de modo
fictício e, portanto não- verificável, com a criança que está para nascer da
mesma forma como com uma segunda pessoa – supondo que ela mesma
41
diria ―não‖! A uma existência de certo modo limitada?

Segundo Habermas, deve haver um cuidado e atenção para não se cair a
banalização e acostumar-se com qualquer forma ou modo que prejudique a vida;
fomentando que se faz necessário ter consciência que a manipulação de embriões
pode, de algum modo, instrumentalizar a vida, principalmente, quando esse é usado
para o avanço e benefício científico, até porque essas pesquisas ainda não são
seguras e por isso, estão sujeitas a erros. Desse modo, é importante lembrar que o
embrião, mesmo cultivado in vitro, é um ser em formação, com futuros pais.
Portanto, terá uma vida e uma história, como qualquer ser humano.

40
41

HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.90.
HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.95.
40

Outro problema, aparentemente, mais substantivo, diz respeito ao fato da
clonagem reprodutiva utilizar células-tronco, tiradas de pré-embriões. Alguns
bioeticistas confessionais julgam isso moralmente errado, porque consideram o préembrião pessoa humana.
Dentre tantos outros problemas bioéticos, o que exige mais atenção é a
pesquisa com células-tronco embrionárias, pois essas utilizam o embrião, o que, por
conseguinte implica a morte do mesmo. É notória a falta de respeito e o não uso da
ética em relação a essas pesquisas. Segundo Moser:
Compreende-se, desta forma, porque a descoberta das células-tronco
revolucionou profundamente toda concepção de terapia. Compreende-se
também que tenha agitado a mídia, revolucionado a economia e até
provocado problemas políticos. Estes ocorreram, por exemplo, nos Estados
Unidos, onde o governo proíbe tais experiências porque implicam,
42
forçosamente, na destruição do embrião.

Como se pôde observar, essa importante descoberta desperta preocupação
porque ao contrário de beneficiar, proteger e amparar os seres humanos, ameaça e
aniquila a vida logo no início de sua existência. Por essa razão, pode ser
considerada e classificada como antiética a atitude despreocupada de atentar,
irresponsavelmente, contra seres indefesos.

3.5 A QUESTÃO MORAL

Devido à pouca importância que se deu às questões de princípios e valores
das pesquisas genéticas, o aspecto moral ficou defasado não gerando os resultados
esperados. Por isso mesmo, Habermas procura, através destas conferências
inseridas nesta obra, chamar a atenção para os perigos vindouros, principalmente
com o DGPI (diagnostico genético de pré implantação)43 que está relacionado com a
suposta ―criação de humanos‖. Segundo ele, há sim o que temer, pois pesquisas
genéticas realizadas irresponsável e deliberadamente podem acarretar graves
consequências para a humanidade.
42

MOSER. A. Biotecnologia e Bioética: Para onde vamos?.Petrópolis:Vozes, 2004.p.74.
Diagnóstico genético de pré implantação é uma forma sofisticada e precoce de diagnóstico prénatal que visa identificar embriões portadores de doenças genéticas. (In: EISSEI MOLINA
LABORATORIA MÉDICO. Diagnóstico genético de pré-implantação. Disponível em:
https://sites.google.com/a/eissei.com.br/info/artigos/diagn%C3%B3stico-gen%C3%A9tico-pr%C3
%A9-implanta%C3%A7%C3%A3o---pgd. Acesso em: 15/10/11.)
43
41

Tememos, não sem razão, que surja uma densa corrente de ações entre as
gerações, pela qual ninguém poderá ser responsabilizado, já que ela
transpassa de modo unilateral e na direção vertical as redes de interação
44
contemporâneas.

Nota-se, que Habermas preocupa-se com o surgimento dessa nova espécie,
consequência do avanço genético, dado com o sequenciamento do genoma. No
decorrer da obra, ele enfatiza que os benefícios da eugenia, para o âmbito
biomédico, são ímpares. No entanto, quando não se respeita o limite ético e se
banaliza o aspecto moral, as experiências se direcionaram para lados opostos, e
isso geraria grande confusão. Seria difícil classificar ou definir os novos seres que
tiveram algum tipo de intervenção no seu genoma. Desse modo, isso poderia afetar,
expressivamente, sua própria personalidade e, ainda mais, quem seria o
responsável por toda essa desordem?
É interessante considerar o que Habermas diz sobre a ―vida correta‖, logo no
início de sua obra. Seus escritos mostram que, em passado não muito distante, o
cosmo, a natureza humana e as histórias universal e sagrada, disponibilizavam
elementos imbuídos de normas que remetiam à vida correta. O correto aqui tratavase de um modelo a ser seguido. Desse modo, assim como as religiões ofereciam
seus fundadores como exemplo, a metafísica também propunha seus modelos de
vida. Nesse período, as doutrinas da boa vida e da sociedade justa eram, por assim
dizer, uma doutrina com base única, formando um todo, assim como a política e a
ética. Não obstante, devido à aceleração da transformação social, também esses
modelos caíram no esquecimento.
Assim, após tentativas da parte filosófica de determinar modos de vida como
modelos e exemplos de vida boa, é a própria sociedade justa que deixa a cargo, de
cada pessoa, optar e escolher o que quer para sua vida; bem como a liberdade para
desenvolver uma autocompreensão ética, que o levará à formação de seu próprio
conceito de vida boa, isto é, a vida correta.
Apesar de tudo, a filosofia não refutou a questão normativa mas se limitou a
questões jurídicas, esforçando-se para ressaltar o posicionamento moral. Habermas

44

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.2.
42

afirma que no que se refere à teoria moral e ética, estas parecem ser norteadas pela
mesma pergunta:
―O que eu devo fazer, o que nós devemos fazer?‖ No entanto, o ―dever‖
recebe um outro significado quando deixamos de perguntar, a partir de uma
perspectiva inclusiva do ―nós‖, pelos direitos e deveres que todos atribuem
uns aos outros e passamos a nos preocupar com nossa própria vida a partir
da perspectiva da primeira pessoa e a questionar qual é a melhor coisa a
45
fazer ―por mim‖ ou ―por nós‖ a longo prazo, observando-se o todo.

Nota-se que essas questões assumem a dimensão social, uma vez que para
serem respondidas dependem do contexto que é universal para todos. A justiça e a
moral, no entanto, percorrem caminhos próprios divergindo da ética. Por isso
mesmo, de acordo com a perspectiva moral, deve-se extrair daqueles modelos
religiosos e metafísicos citados anteriormente, uma vida boa ou ruím. A esse
respeito, Habermas evidencia que a autocompreensão existencial pode servir-se
desses modelos, mas a filosofia como tal não pode mais intervir em questões
envolvendo a fé que se fundamenta em seu direito próprio. Desse modo, o autor
fomenta que a definição de vida boa ou ruim só poderá ser concluída, mediante, a
linguagem. Essa seria, por assim dizer, a única intermediária.
Como citado anteriormente, questões normativas não diz respeito à filosofia.
No entanto, Habermas afirma que ela não se furta ao debate moral, pois ao analisar
temas relacionados à justiça, procura adotar medidas iguais para o bem de todos, e
ao fazer isso, esforça-se para priorizar o ponto de vista moral no momento de julgar
normas e ações.
Nesse sentido, vale evidenciar o que diz Habermas citando Wolfgang Van den
Daele quando se refere a moralização da natureza humana. Segundo ele, aquilo que
a ciência disponibilizou tecnicamente, a normativa, por meio do controle moral,
inviabilizou.46 Habermas comenta:
Com os novos desenvolvimentos técnicos, surge, na maioria das vezes,
uma nova necessidade de regulamentação. No entanto, até agora, as
regras normativas simplesmente se ajustaram às transformações sociais. As
mudanças na sociedade, desencadeadas pelas inovações técnicas nos
campos da produção e do intercâmbio, da comunicação e dos transportes,
do exército e da saúde estiveram sempre a frente. A clássica teoria social
ainda descreveu as concepções pós-tradicionais do direito e da moral como

45
46

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.5-6.
HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.34.
43

resultado daquela racionalização cultural e social, que se realizou
47
paralelamente aos avanços da ciência e da técnica modernas.

Do mesmo modo, o autor expressa sua preocupação em relação aos novos
avanços tecnológicos no campo das pesquisas genéticas. Nota-se que, para tanto, é
necessário uma normativa inovada que acompanhe todo esse progresso científico,
e, de certo modo, oriente e conduza o momento recente. No entanto, tem-se
observado que, ao invés de tal ação, a normativa tem apenas se ajustado, conforme
a necessidade atual. E, neste caso, não seria o suficiente.
Some-se a isso, as promessas inovadoras dessas pesquisas, principalmente
para o âmbito econômico, porque promete progresso na produtividade e porque
também favorece a liberdade de escolha de cada pessoa. Assim, futuramente, as
portas para a autonomia privada do individuo serão abertas, de modo que, esta nova
perspectiva venha a facilitar o melhoramento da técnica, uma vez que, as pesquisas
dependem da liberação da normativa. E essa muitas vezes considera o parecer
coletivo. Deste modo, se a tecnicização da natureza promete uma vida mais
saudável, logo, a aceitação será universal, e isso é um dado preocupante, já que o
parecer coletivo é levado em conta.
Assim, Habermas ressalta que uma moralização da natureza humana, no
auge desta inovação tecnológica científica, seria inadmissível. Atualmente a
medicina histórica tem conduzido a humanidade, de um modo geral, a uma reflexão
incrédula. Pode-se afirmar que, de agora em diante, qualquer tentativa de
moralização da natureza humana seria interpretado como uma refutação do avanço
científico, com todas as suas promessas de melhorias na área da saúde. Para
muitos, seria considerado um retrocesso.
Quanto aos limites morais da eugenia, Habermas afirma que, a eugenia
liberal produziria uma nova relação interpessoal, jamais vista, dado que a
intervenção irreversível no genoma de outrem, implicaria em uma nova
compreensão de moral. Ou seja, alterar a formação de uma pessoa, seria praticar
certo tipo de desumanização.
A decodificação do genoma humano promete intervenções que lançam, de
modo surpreendente, uma luz sobre uma condição natural de nossa

47

Id. ibid.
44

autocompreensão normativa, condição esta até agora não tematizada, mas
48
que, nesse momento, revela-se essencial.

Certamente, as descobertas advindas do seqüenciamento do genoma
trouxeram ao mundo uma nova perspectiva para o âmbito biomédico. Essas
alterações, como é sabido, gerou e tem gerado mudanças em algumas questões
éticas. Desse modo, também a autocompreensão normativa estará sujeita a sofrer
intervenções e aquilo que não era temido por não oferecer nenhum tipo de ameaça
passa agora a ser uma questão que exige um pouco mais de atenção, uma vez que
se trata de uma possível mudança na normativa.

3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO.

Evidentemente, toda essa transformação no âmbito científico, tem gerado
também inovações e preocupações no âmbito religioso. Não é novidade que ciência
e fé sempre tiveram questões divergentes. Por isso mesmo, toda essa problemática
analisada anteriormente tem desencadeado uma pergunta que não cala: até que
ponto a instrumentalização da técnica influenciará a vida humana? Seria o caso de
se render a ela, ou de perseguir outro objetivo da auto-otmização?49
A este respeito Habermas comenta:
Nos primeiros passos deste caminho foi desencadeado um conflito de
poderes da fé entre os porta-vozes da ciência organizada e os das igrejas.
De um lado, o temor do obscurantismo e de um ceticismo em relação a
ciência que se encerra na remanescência de sentimentos arcaicos; de
outro, a oposição à fé cientificista no progresso, própria de um naturalismo
50
cru, que mina a moral.

Pode-se dizer que na sociedade pós-secular a discussão sobre a
biotecnologia moderna está dividida entre o receio de se cair no obscurantismo e
ceticismo científico e a oposição cega à ciência. Para tanto, deve-se considerar,
também o fanatismo religioso. Fruto de um zelo exorbitante por aquilo que se crê,
ele tem conduzido muitos a ações inadmissíveis e cruentas para salvaguardar a fé.
O medo de que a ciência propriamente dita, venha a subjugar a religião, de modo
que ela se torne algo secundário (uma vez que a ciência poderia responder às
48

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.18.
HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.135
50
Id. Ibid.
49
45

questões mais íntimas do homem), o fanatismo não pondera, mas age de forma
arrasadora. Nesse caso, Habermas relembra o acontecimento de onze de setembro,
um

ataque

ao

World

Trade

Center

em

Manhattan,

quando

terroristas,

fundamentados por uma crença deturpada, cometem um dos maiores atentado já
visto na história da humanidade.
Nota-se, portanto, que, apesar do fundamentalismo ser algo atual; as
convicções que moveram os terroristas a defenderem a fé de maneira atroz, são
motivações não contemporâneas. Por isso, ainda hoje, as técnicas genéticas são,
por assim dizer, refletidas ou discutidas sob a influência de sentimentos
ambivalentes.
Ainda nesse sentido, tem-se observado que, na sociedade pluralista
contemporânea mundial, os diferentes credos religiosos devem interagir e
compartilhar suas crenças, para sobrepor o poder destrutivo e intolerante do
monoteísmo vigente. Segundo Habermas, os credos religiosos precisam considerar
as contribuições da ciência de um modo geral e acolher as premissas do estado
constitucional. No entanto, vale ressaltar que, diante de um conflito entre a ciência e
a religião, como por exemplo, sobre à técnica genética, o Estado democrático deve
permanecer neutro.
Habermas ainda enfatiza que a ciência tem causado alterações na autocompreensão da espécie humana, ao invés de esclarecer o senso comum. E qual
seria o resultado se o lugar da autocompreensão normativa fosse ocupado pela
imagem objetiva da ciência dentro do processo de esclarecimento do senso comum,
uma vez que a normativa possibilita compreender que todos os seres humanos são
iguais, possuidores de atribuições e responsabilidades? E Habermas responde:
A crença cientificista numa ciência que um dia não apenas completará a
autocompreensão pessoal, mas também a substituirá por uma
autodescrição objetivante não é uma ciência, mas uma filosofia ruim.
Também não haverá nenhuma ciência que possa privar o senso comum,
cientificamente esclarecido, de, por exemplo, julgar o modo como devemos
lidar com a vida humana pré-pessoal partindo das descrições
51
biomoleculares, que tornarão possíveis as interações genéticas.

De certo modo, Habermas não concorda com o método que trata a vida prépessoal de um embrião, envolvido em uma pesquisa biotecnológica, guiada pela

51

HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.144.
46

auto-descrição objetivante. Sublinha ainda, o conflito entre religião e ciência quanto
ao tocante à moral das pesquisas realizadas com embriões. A justificação racional é
mais voltada ao esclarecimento do senso comum norteado pela ciência, apesar da
religião participar, efetivamente no início do Estado constitucional, fundamentando o
valor da igualdade entre as pessoas.
47

4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

O ensinamento moral da Igreja foi, por vezes, acusado de conter muitas
proibições. Na realidade, ele se funda no reconhecimento e na promoção de
todos os dons que o criador concedeu ao homem, com a vida, o
52
conhecimento, a liberdade e o amor.

52

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Dignitas Personae: Sobre algumas
questões de bioética. São Paulo: Paulus e Loyola, 2008, p.37.
48

4.1 INTRODUÇÃO
Analisando alguns documentos pontifícios, com questões relacionadas à
dignidade humana, sacralidade da vida e manipulação genética, pode-se observar
que esses contêm informações evidentes de que o homem, como ser criado por
Deus, tem abusado do poder e do conhecimento a ele conferidos. E, ao contrário de
guardar e proteger a vida como dom incomensurável, tem-na destruído e
banalizado.
Estaria o homem subestimando o transcendente, ignorando as atribuições
divinas, daquele que o criou e inseriu dentro de si a inteligência e a sabedoria, pelas
quais descobre e realiza tais feitos?
Pode-se dizer que a ciência e a técnica estão, de fato, a serviço da pessoa
humana? Como a Igreja Católica avalia e se posiciona diante dos novos desafios
gerados pelo avanço científico da investigação no campo da genética, da medicina e
das biotecnologias?
A Igreja já lutou, defendeu, pronunciou a posicionou em favor da classe
operária, através do documento Rerum Novarum em 1891, defendendo os direitos
dos trabalhadores. Hoje, ela age da mesma forma, agora para preservar e defender
o patrimônio genético humano.
Nesta parte do trabalho, far-se-á uma pesquisa em documentos, encíclicas, e
instruções pontifícias que defendem a vida. Evidenciando que o homem, como
criatura de Deus, é chamado a ―transformar o criado, ordenando seus múltiplos
recursos em favor da dignidade e do bem estar de todos os homens e do homem
todo, e a ser, ainda, o gerador de seu valor e intrínseca beleza.‖53
Por isso, analisar-se-á mais detalhadamente, do ponto de vista doutrinal
católico, os documentos e encíclicas pontifícias, tais como: Gaudium et Spes
(Alegria e Esperança-1965), trata da constituição pastoral do concílio vaticano II
sobre a Igreja no mundo de hoje, sob o Pontificado de Paulo VI (Giovanne Montini),
Redemptor Hominis (O Redentor do Homem-1979); Donum Vitae (O dom da Vida1987), Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da
procriação; Veritatis Splendor (O Esplendor da Verdade-1993), sobre algumas
questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja; Evangelium Vitae (O
Evangelho da Vida-1995), sobre o valor da inviolalibilidade da vida humana, sob o
53

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob.cit., p.7.
49

pontificado de João Paulo II (Karol Wojtyla) e, por fim, Dignitas Personae (Dignidade
da Pessoa-2008), sobre algumas questões de bioética, de Bento XVI (Joseph
Ratzinger).

4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA

No ano de 1998, o Projeto Genoma Humano estava em pleno andamento,
faltando pouco para ser revelado ao mundo. No auge de sua trajetória, quando todos
se voltavam para ele, ansiosos, esperançosos e curiosos, muitos buscaram
compreender e conhecer o audacioso projeto, que prometia revolucionar o universo
científico e suas demais extensões.
Foi, com este intuito, que a Pontifícia Academia para a Vida se reuniu nos
dias 23, 24 e 25 de fevereiro deste mesmo ano, em uma assembléia na Cidade do
Vaticano, abordando o tema: Genoma Humano: personalidade humana e sociedade
do futuro. Tendo como tarefa primordial, promover e defender o valor fundamental
da vida através do diálogo com especialistas nas disciplinas biomédicas, morais e
jurídicas, que, por sua vez, consentiram em recolher as diversas perspectivas,
dentro das quais a questão genética pôde ser enfrentada no respeito pelo método
científico e a luz de uma visão antropológica, coerente com a concepção cristã do
homem.
Em discurso proferido aos participantes dessa assembléia, O Papa João
Paulo II assim se expressou:
No maravilhoso percurso que a mente humana realiza para conhecer o
universo, a etapa que se registra nestes anos no âmbito genético é
particularmente sugestiva, porque leva o homem a descoberta dos segredos
mais íntimos da sua própria corporeidade.(...) O genoma humano é como o
54
ultimo continente que agora se explora.

Mais adiante, João Paulo II ressalta que o início do novo milênio está
permeado de dramas e conquistas. Segundo ele, as explorações geográficas e
descobertas, fez com que os homens se reconhecessem e se aproximassem. Notase,

54

que

o

conhecimento

humano,

realizou

aquisições

interdisciplinares

JOÃO PAULO II. A conquista do novo continente do saber, o genoma humano de
possibilidades de vitoria sobre as doenças. In: L’osservatore Romano, Cidade do Vaticano, 14
mar. 1998, p.4.
50

extremamente importantes. Não obstante, no campo da genética, a ciência vem,
através de um olhar perscrutador, adentrar no íntimo tecido da vida.
Estas conquistas revelam cada vez mais a grandeza do criador, porque
consentem que o homem constate a ordem ínsita da criação e aprecie as
maravilhas do seu corpo, além do seu intelecto, no qual, de um certo modo,
55
se reflete a luz do verbo por meio do qual todas as coisas foram criadas.

Apesar disso, com o avanço científico, tem-se observado, que a saga da
busca do saber está ligeiramente ligada ao aumento de poder e não pelo interesse
em contemplar e admirar as coisas. É justamente este desejo veemente, pelo
domínio do conhecimento, que o saber e o poder têm, por meio de uma lógica
influente, estreitado os laços que os une, conduzindo o homem a um estado de
aprisionamento. No que se refere, ao conhecimento adquirido pelas descobertas do
genoma, essa lógica pode levar os cientistas a intervirem, de forma hostil, na
estrutura da vida humana, e assim poderia submeter, manipular e alterar
características importantes, principalmente, nas gerações futuras.

4.2.1 Uma mentalidade eugenética

No discurso que proferiu aos Membros da Pontifícia Academia para a Vida,
Wojtyla evidencia sua preocupação quanto à instauração de um tipo cultural, que
proporciona e beneficia a diagnose pré-natal, excluindo aqueles que, por meio desta,
apresentam algum tipo de anomalia; manifestando uma imperfeição. Observa-se,
então, que as pesquisas genéticas, caminham para uma direção que não é o da
terapia, em vista do melhor acolhimento do ser que ainda está por vir, mas sim, de
repulsa, e, infelizmente, daquele que não é, ou melhor, não será perfeito.
Por isso mesmo, a Igreja se preocupa com a questão do eugenismo seletivo,
suprimindo embriões, ou fetos, que desenvolvem algum tipo de doença. Por vezes,
esse tipo de seleção tem se pautado em teorias errôneas quanto à dimensão sacra
da vida.
Observa-se que quanto mais aumenta o conhecimento e o poder de
intervenção, tanto maior deve ser o conhecimento dos valores em voga. Do

55

Id. ibid.
51

contrário, todas essas informações, não disponibilizadas a qualquer pessoa,
aumentará, expressivamente, a discriminação.
De fato, a engenharia genética trabalha com manipulações, visando ao
melhoramento e potenciamento da dotação genética. Não obstante, essas
manipulações não consideram o valor da criatura humana como um ser finito,
verdadeiramente. Algumas ações da engenharia genética recusam essa realidade.
Por isso, tem gerado preocupação, uma vez que favorecem o surgimento dessa
mentalidade eugenética.
Por essa razão, dez anos depois do discurso proferido aos membros da
Pontifícia Academia para a Vida, a Igreja encerra em si a mesma preocupação.
Assim, a encíclica Dignitas Personae, afirma:
...emerge, sobretudo o fato de que tais manipulações favorecem uma
mentalidade eugenética e introduzem um indireto estigma social no
confronto dos que não possuem particulares dotes e enfatizam dotes
apreciados em determinadas culturas e sociedades que, por si, não
constituem o especifico humano. Estaria isto em contraste com a verdade
fundamental da igualdade entre todos os seres humanos, que se traduz no
principio de justiça, cuja violação acabaria por atentar a convivência pacifica
56
entre os indivíduos.

As perspectivas da Igreja em relação ao mapeamento e sequenciamento do
genoma humano concentram-se, na possibilidade de vitórias sobre doenças e não
no processo seletivo que, consequentemente, torna discriminatório. Assim, será
mais vantajoso, se todos os povos, independente de seu desenvolvimento, tenham
acesso aos resultados dessas pesquisas genéticas, evitando as desigualdades. Tal
como afirma Souza:
Essas manipulações, além de provocar discussões referentes à liberdade
de escolha, à riqueza da diversidade humana, à utopia do homem perfeito
levada ao extremo, suscitam o problema da dificuldade de acesso das
pessoas às tecnologias. (...) Há nisso o grande risco de haver uma divisão
entre pessoas geneticamente melhoradas e os concebidos naturalmente
57
com suas ―imperfeições‖.

Portanto, deve-se observar se a finalidade do conhecimento proporcionada
pelo genoma está sendo usada para discriminar ou estigmatizar os seres que
possuem deficiência em seu material genético, ou se está possibilitando a
56
57

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução...ob.cit.,p.28.
SOUZA, V. J, ob.cit., p.86.
52

separação e afastamento daqueles que têm probabilidade de desenvolver, no
decorrer da vida, uma doença que comprometa sua idoneidade e/ou capacidade de
exercer determinadas funções. Nesse caso, seria moralmente inaceitável, uma vez
que esse tipo de comportamento é contrário e incompatível à igualdade e à justiça.
Na perspectiva deontológica, também se tem considerado que há um ―clima
cultural‖ sendo favorecido por informações nem sempre científicas, logo, incorretas.
Essas informações têm orientado a prática da diagnose pré-natal, que seleciona os
indivíduos imperfeitos, conforme análises e testes realizados. E, dessa forma, deixa
de ser primordial a perspectiva terapêutica, torna-se discriminatória, daqueles
considerados não sadios e perfeitos, segundo os parâmetros de uma eugenia
seletiva. Torna-se preocupante quando esse conhecimento ameaça a vida do ser
que está no início de sua existência, correndo o risco de nunca subsistir.
Sob esse aspecto, a Igreja tem lutado, com afinco, cujo intuito é o de evitar
esse eugenismo seletivo, que discrimina e/ou destrói os embriões afetados, por
qualquer anomalia, criando e permitindo nascerem somente os seres considerados,
geneticamente, perfeitos e desconsiderando diferenças antropológicas e éticas entre
as várias fases da vida em formação. Nesse sentido, Fukuyama também tem
observado:
Ademais, a engenharia genética vê o ser humano não como um ato
miraculoso da criação divina, mas como a soma de uma série de causas
materiais que podem ser compreendidas e manipuladas por seres
humanos. Tudo isso é um desrespeito à dignidade humana e, por isso, viola
58
a vontade de Deus.

Outra preocupação que nasce dessa problemática está na forma como essas
informações genéticas seriam usadas para alterar, de modo evasivo, o genoma de
uma pessoa. Isso é uma mentalidade eugenética e possibilitaria a transformação, a
modificação e o melhoramento da raça humana. Nesse caso, a quem caberia decidir
e determinar o que, ou quem é o melhor? Seria mesmo possível responder e
atender os desejos e ambições de cada ser humano?
Levando em consideração o que fora evidenciado, conclui-se que todas essas
preocupações apontadas pela Igreja, ocasionariam uma desigualdade social

58

FUKUYAMA, F. Nosso futuro pós-humano: Conseqüências da revolução da biotecnologia.
Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 100.
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  • 1. 1 FACULDADE VICENTINA ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ A CRIAÇÃO - PARTE II: IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO CURITIBA 2011
  • 2. 2 ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ A CRIAÇÃO - PARTE II: IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO Monografia apresentada ao curso de Bacharelado em Teologia da Faculdade Vicentina, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Teologia. Orientador(a): Prof. Dra. Angela Luzia Miranda. CURITIBA 2011
  • 3. 3 DEDICATÓRIA A Deus, razão de tudo que faço. A Madre Clelia Merloni fundadora do Instituto das apostolas do Sagrado Coração de Jesus, sua fortaleza e seu exemplo de humildade e fé, me faz perceber que vale a pena ser fiel a Deus. Aos meus amados pais Alicio e Lucia Helena que me educaram na fé e me incutiram o desejo de viver e buscar sempre a verdade. Ao meu irmão Eloi, que iniciou, percorreu e conclui comigo o caminho desafiador do conhecimento. Somos vencedores. A minha avó Tereza, exemplo de fé e confiança em Deus, que me ensinou a superar as dificuldades e não esmorecer quando as intempéries da vida me assaltam. As minhas amigas Ir.Rosenilda, Adriana, Ir.Joice e Ir.Maria, irmãs e companheiras de todas as horas. Ao Papa João Paulo II (Karol Wojtyla) que me emocionou tantas vezes com sua coragem, ousadia e determinação. A minha orientadora professora Angela Luzia Miranda, sua confiança e dedicação me faz acreditar em minhas capacidades. Ao meu amigo Anderson, irmão de todas as horas, suas palavras sábias e iluminadas me serviram de estímulo e força durante a realização deste trabalho. A Professora Méia, mulher forte, confiante e corajosa, sua esperança inabalável me impulsiona acreditar e valorizar mais a vida. A todos aqueles que se utilizam da ciência e dos benefícios proporcionados por ela para promover a vida e a dignidade humana. A todos que se dedicam e esforçam-se para promover a paz, a justiça, o diálogo e a partilha amenizando o conflito entre fé e ciência.
  • 4. 4 A todos que esperam dos avanços científicos a cura ou o alívio de suas dores, para terem uma vida digna e feliz. E dedico de modo muito especial a todos aqueles que por um motivo ou outro não terão a oportunidade de realizar um curso superior.
  • 5. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, que por um derramamento de seu amor criou tudo o que existe e incutiu em mim a sabedoria e o desejo de querer estar sempre perto da Luz. Que foi criativo. Seu fôlego de vida em mim me foi sustento e me deu coragem para questionar realidades e propor sempre um novo mundo de possibilidades Ao Instituto das Apostolas do Sagrado coração de Jesus, por me oferecer este curso, dando-me a oportunidade de crescer espiritual e intelectualmente. A Ir. Neli, Ir.Teodata e Ir.Tereza, por terem me ajudado, apoiado e incentivado; por compreenderem minha irritação e mau humor quando a inspiração me faltava. A Professora Angela, pela paciência, confiança e pelas vezes que sentou comigo para orientar-me e conduzir-me ao melhor caminho, acreditando em minhas capacidades mesmo quando essas estavam escondidas. Aos Professores, educadores, que abriram as portas de um universo que não conhecia, alargando minha compreensão e impulsionando-me a buscar sempre mais. A Ir. Rosenilda, que compartilhou comigo todas as angústias durante a realização deste trabalho, pela ajuda e amparo na hora do desespero final. A Ir.Carmem, que no decorrer desses quatro anos, me escutou, compreendeu e ajudou a recomeçar após cada queda. Aos meus familiares, que mesmo distantes estão sempre muito próximos. Aos meus amigos que sempre estiveram do meu lado, que mesmo estando distantes me deram uma palavra de incentivo de apoio me motivando a buscar e querer sempre mais. . A “nossa” querida bibliotecária Patrícia pelos empréstimos excessivos, e pela dedicação à nossa turma. A comunidade escolar da Rede Sagrado de Educação da Escola social Coração de Jesus, por me incentivarem dando-me força e ânimo. Nesse meio aprendi o valor da
  • 6. 6 minha fé e da vida humana, e que em muito pouco tempo aprendi a refletir e duvidar e nunca encarar a realidade como pronta. Aqui aprendi a ver a vida de um jeito diferente. Ao Professor Padre Dirceu Keller (in memorian) por testemunhar com sua vida a alegria de servir. Eu posso dizer que a minha formação, inclusive pessoal, não teria sido a mesma sem a sua pessoa. A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para a conclusão deste trabalho.
  • 7. 7 Quando se considera que o outsiders já estão trabalhando em clones reprodutores de organismos humanos, impõe-se a perspectiva de que em pouco tempo a espécie humana talvez possa controlar ela mesma sua evolução biológica. “Protagonistas da evolução” ou até “brincar de Deus” são as metáforas para uma autotransformação da espécie que parece iminente. Jurgen Habermas
  • 8. 8 RESUMO O presente trabalho visa apresentar a trajetória do ambicioso Projeto Genoma Humano e suas implicações éticas e teológicas. Como se sabe, tal projeto consiste em mapear e seqüenciar o genoma, favorecendo as pesquisas científicas, sobretudo, na área da biomedicina. Inclusive, no sentido de descobrir a cura de doenças e atenuar o sofrimento humano. Não obstante, os benefícios advindos com suas descobertas, este projeto científico também suscita discussões acerca de suas possíveis conseqüências, com relação à manipulação genética e à utilização de embriões humanos. Deste modo, ademais de situar os aspectos históricos do surgimento do Projeto Genoma Humano, o presente estudo busca trazer à tona algumas reflexões éticas que acarretam suas descobertas, considerando, principalmente a leitura do filósofo Jürgen Habermas sobre o futuro da natureza humana. Do ponto de vista teológico, o trabalho também aponta algumas reflexões em torno ao tema, considerando o olhar da Igreja Católica em seus documentos pontifícios. Palavras-chaves: Projeto Genoma Humano. Teologia. Doutrina Social da Igreja. Ética. Bioética.
  • 9. 9 Abstract The present paper presents the trajectory of the ambitious Human Genome Project and its ethical and theological. As you know, this project is to map and sequence the genome, promoting scientific research, especially in biomedicine. Also, in order to find a cure for diseases and relieve human suffering. Nevertheless, the benefits to their findings, the project also raises scientific discussions about their possible consequences, in relation to genetic manipulation and the use of human embryos. Thus, in addition to situate the emergence of the historical aspects of the Human Genome Project, this study seeks to bring up some ethical reflections that lead to their findings, considering especially the reading of the philosopher Jürgen Habermas on the Future of Human Nature. From a theological standpoint, the paper also points out some reflections on the theme, considering the look of the Catholic Church in his papal documents. Keywords: Human Genome Project. Theology. Social Doctrine of the Church. Ethics. Bioethics.
  • 10. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?” ..................................................... 16 2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17 2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA ................................... 18 2.2.1 DNA: O início ............................................................................................. 18 2.2.2 Contexto Histórico...................................................................................... 20 2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano ................................................... 23 2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS ................................................................... 25 3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA SOBRE AS IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ....... 31 3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 32 3.2 EUGENISMO SELETIVO ................................................................................. 32 3.3 DIGNIDADE HUMANA ..................................................................................... 36 3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS .............................. 37 3.5 A QUESTÃO MORAL ...................................................................................... 40 3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO.................................................................... 44 4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ................... 47 4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 48 4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA...................................... 49 4.2.1 Uma mentalidade eugenética .................................................................... 50 4.2.2 Dignidade humana ..................................................................................... 53 4.2.3 Sacralidade da vida e a era genética ......................................................... 58 4.2.4 Patentiação ................................................................................................ 61 4.2.5 Clonagem e outras manipulações genéticas ............................................. 62 4.2.6 Biopoder .................................................................................................... 65 4.2.7 Meios de geração da vida .......................................................................... 66 4.2. QUESTÃO MORAL ......................................................................................... 68 4.3 UMA QUESTÃO ATUAL .................................................................................. 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 72 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 81
  • 11. 11 1 INTRODUÇÃO O Deus da Bíblia é também o Deus do genoma. Pode ser adorado na catedral ou no laboratório. Sua criação é majestosa, esplêndida, complexa e bela — e não pode guerrear consigo mesma. Só nós, humanos imperfeitos, 1 podemos iniciar batalhas assim. E só nós podemos acabar com elas. 1 COLLINS, F. A linguagem de Deus. São Paulo: Gente, 2007, p.216.
  • 12. 12 ―No principio, Deus criou o céu e a terra... criou o homem e a mulher‖(cf. Gn 1,1;27).2 Durante muitos anos, essa fora uma história conhecida e aceita para explicar a origem do cosmo e da vida humana. E, neste espaço de tempo, Deus, e somente Ele fora o único protagonista da história da criação. Até que, em um dado momento, desse período notável, como se sabe o cientista Darwin apresenta ao mundo a teoria do evolucionismo e da seleção natural, contestando qualquer participação divina nesse processo; fazendo com que os argumentos e fundamentos bíblicos, fossem gradativamente desacreditados por muitos. Foi assim, que o suposto conflito entre ciência e fé tornou-se veemente. Desde então, é possível perceber na literatura que alguns autores vem tentando conciliar ciência e fé, mas os posicionamentos contrários e não ecumênicos de ambos os lados têm dificultado esta aliança. Com a descoberta de Darwin, os cientistas têm encontrado, cada vez mais, razões para desacreditar na existência de Deus. Hoje, com o avanço tecnológico e cientifico, os pesquisadores realizam grandes descobertas. No entanto, a criação da própria espécie humana é ainda a maior cobiça no âmbito cientifico. Pesquisadores de todo o mundo tem se dedicado esmeradamente para responder aquelas questões intrínsecas da vida humana: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? A ciência propriamente dita, busca fundamentar e provar, através de fatos e dados concretos, tudo que existe. E é este jeito de ser e agir que a distingue das demais visões de mundo, pois essa lhe é uma característica própria. Por isso mesmo, após a grande e frustrante tentativa de responder tais questionamentos enviando o homem à lua, com o Projeto Apollo; os cientistas descobriram que as respostas e os segredos da vida humana não estavam a quilômetros de distância, mas estavam mais perto do que imaginavam isto é, as respostas que procuravam estavam inseridas dentro de cada célula, surgindo assim, um novo projeto para conhecer o que havia no interior de cada uma dessas células. Essa iniciativa gerou o Projeto Genoma Humano: um audacioso projeto científico consistindo em mapear o genoma e descobrir o sequenciamento do DNA. 2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição revista, São Paulo: Paulus, 2006.
  • 13. 13 Tal projeto é um marco para a ciência, cujos benefícios são incomensuráveis à humanidade. A transcrição desses benefícios advindos do projeto genoma mostra que o desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância na busca da qualidade de vida para os seres humanos. Por essa razão, o século XXI possui todas as características de um século voltado à genética, pois as descobertas advindas do sequenciamento do genoma ocasionam grandes e profundas mudanças na medicina. Por outro lado, este mesmo homem que vem realizando estas pesquisas com grande êxito, será responsável por seus atos e descobertas, bem como será responsável pelas suas implicações e consequências. Do ponto de vista ético, uma das conseqüências previstas e/ou possíveis do Projeto genoma Humano diz respeito ao próprio futuro da natureza humana. Com a possibilidade da clonagem, inclusive de seres humanos haverá que se refletir sobre a própria condição humana, tal como sugere o filósofo alemão Habermas. A parte religiosa também tem acompanhado o caminho percorrido por esse avanço cientifico e já se pronunciou, algumas vezes, ao perceber que determinadas pesquisas genéticas poderiam, de certa forma, agredir a sacralidade da vida. De acordo com seus ensinamentos a Igreja argumenta que a vida é um dom de Deus. Sendo assim, só Ele pode intervir e inserir alterações nos indivíduos, isto é, em suas criaturas. Como Senhor da criação, Ele reveste de caráter sagrado cada ser criado e enaltece a dignidade do ser humano. Por isso mesmo, seu magistério, oferece várias diretrizes, orientando e ensinando os fiéis a não se tornarem alheios diante desses problemas éticos surgidos, principalmente, com a descoberta do genoma. Este trabalho pretende, portanto, oferecer ao leitor uma reflexão aprofundada dos aspectos históricos, éticos e teológicos do Projeto Genoma Humano, possibilitando uma melhor compreensão deste fenômeno inédito e extremamente relevante para a história da humanidade Não obstante, também, apresentará argumentos fundamentando a posição da Igreja diante das questões genéticas. Posição esta que visa, não somente opor-se aos avanços científicos e sim contribuir com as diferentes correntes de pensamentos, fornecendo elementos a questões relevantes para esse tema. Desse modo, o trabalho compor-se-á de duas partes. A primeira descreverá a origem, apresentando o contexto histórico do Projeto Genoma Humano, mostrando os seus avanços científicos do conhecimento do genoma, seus ―segredos‖ e suas
  • 14. 14 implicações históricas para a sociedade bem como as conseqüências; o que resultará em resposta ao agir de hoje. Já a segunda parte abordará as questões referentes aos aspectos éticos e teológicos, ligados ao projeto. Apresentará uma análise dos posicionamentos estudados no decorrer das pesquisas. Sobretudo evidenciará o posicionamento de Habermas e o ponto de vista da Igreja Católica, e o porquê de em alguns momentos, ela ter se distanciado da ciência, principalmente, no que diz respeito ao Projeto Genoma Humano. Para a fundamentação teórica, este trabalho utilizará pesquisas bibliográficas, levantamento de dados, pesquisas documentais e entrevistas. Essas, no entanto, serão usadas, somente, como fonte de informações e esclarecimentos sobre o tema estudado, portanto, não terão um caráter quantitativo. Tendo em vista que os escritos sobre o referido tema são demasiado complexos por que diz respeito a área da medicina e biologia; portanto requer conhecimento sobre, o presente trabalho buscará oferecer ao leitor, o conteúdo de forma clara, simples e objetiva facilitando assim sua assimilação e entendimento do ponto de vista ético e teológico. O trabalho será composto por três capítulos. O primeiro será uma linha do tempo, abordando o avanço, por meio de técnicas médicas e cientificas do conhecimento do genoma, bem como suas conjecturas e consequências históricas. O segundo capítulo trata de refletir sobre pontos principais da eugenia; fundamentados em temas trabalhados pelo filósofo alemão, Jurgen Habermas, em sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖. Ressaltando que, desde sua origem, as pesquisas envolvendo o genoma humano tem suscitado discussões e reflexões no nível ético; tanto na coleta de dados, quanto no uso indevido dessas informações genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas. O terceiro capítulo apresentará o resultado de uma pesquisa pautada em documentos, encíclicas e instruções pontifícias que sustentam o valor inviolável da vida. Pelo ponto de vista doutrinal católico, a discussão de um tema polemico como esse contribui para um agir ético do homem pós-moderno, bem como seu modo de enfrentar a vida em suas mais diferentes nuances. Nas considerações finais, far-se-á uma análise critica, contemplando os três capítulos aqui abordados em seus pontos mais significativos. Sobretudo, refletir-seão, cuidadosamente, questões divergentes entre fé e ciência, concernentes às
  • 15. 15 questões genéticas. Particularmente, essas considerações explanarão a saga científica de criar a vida e a preocupação da Igreja em manter acesa a chama da fé, não poupando esforços para guardar seus preceitos, defendendo a crença de que a vida é um dom incomensurável de Deus e compete, somente a Ele criar ou alterar informações em seus dados genéticos. Levando em consideração a narrativa do livro de Gênesis sobre a criação do universo, surge a seguinte pergunta: Será que a semelhança entre Deus e o homem por Ele mesmo criado torna esse homem capaz de ser um criador também? A criação, por assim dizer, terá continuação, agora, por mãos humanas? Ou a nova sociedade de homens, geneticamente perfeitos, ainda é uma utopia? O leitor acompanhará essa abordagem nos próximos capítulos deste trabalho.
  • 16. 16 2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?” Ele [o Projeto Genoma Humano] tem sido chamado o Santo Graal da biologia contemporânea. Custando mais de 2 bilhões de libras, é o projeto científico mais ambicioso desde o programa Apollo para o pouso do homem na Lua. Sua realização demandará mais tempo que as missões lunares, pois só se completará nos primeiros anos do próximo século. Antes mesmo de concluído, segundo seus defensores, o projeto proporcionará uma nova compreensão de muitas das enfermidades que afligem a humanidade e 3 novos tratamentos para elas. 3 WILKIE, T. Projeto Genoma Humano: Um conhecimento perigoso. Rio de Janeiro: J.Zahar, 1994, p.11.
  • 17. 17 2.1 INTRODUÇÃO Foram com essas palavras do título deste capítulo que o jornalista e escritor Reinaldo José Lopes inicia seu artigo publicado na revista online ―Galileu‖, 4 em que apresenta a trajetória do cientista Craig Venter, participante e líder do Projeto Genoma Humano com financiamento particular; fazendo história ao montar uma célula sintética, provando que criar a vida ―do zero‖ ainda é um sonho distante e talvez, nem valha à pena. Como se sabe, o capítulo um do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, narra em linguagem poética a origem do mundo e revela como Deus criou o universo e a espécie humana a partir do nada. Milhões e milhões de anos depois, cientistas de todo planeta voltam seus olhares, atenção e expectativas para uma única descoberta: o genoma humano. Com a promessa de desvendar os segredos da vida, esse conhecimento faria toda diferença para a medicina, trazendo alívio às dores, à cura das doenças, e à criação de novas espécies. Desse modo, o pesquisador moderno entendeu que aquele que comesse do fruto daquela árvore da vida; não só teria seus olhos abertos, como também seria deus. Igualmente prometeu a serpente ao tentar a primeira mulher no Jardim do Édem. Certificando a ela muito mais que o conhecimento do bem e do mal, prometeu-lhe o poder. Dando mostra de imensa arrogância, pesquisadores desse projeto gigantesco afirmavam convictos, que o conhecimento vindo dessa descoberta, mudaria, indubitavelmente, de modo extraordinário, a história da vida humana. Como assinala a epígrafe deste capítulo, trata-se de um dos projetos científicos mais ambiciosos da história da ciência. Esta parte do trabalho, portanto, delineará o caminho percorrido pelo ambicioso Projeto Genoma Humano, mostrando os avanços e conquistas alcançadas por meio de técnicas médicas e científicas advindas com o sequenciamento do genoma. O mesmo fará uma circunscrição histórica do desenvolvimento das pesquisas que culminaram na clonagem animal e na tentativa da clonagem humana. Por fim, desvendará alguns de seus segredos e analisará suas implicações históricas na sociedade atual, a saber; as futuras consequências como resposta ao agir de hoje. 4 LOPES, R, J. Gênesis, Capítulo Dois?. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/ Revista/ Common/ 0, ERT150469-17933,00. html. Acesso em: 20/07/11.
  • 18. 18 2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA O Projeto Genoma Humano consiste em descobrir onde se encontra cada um dos genes ou seu mapeamento, estabelecendo, assim, a sequência de bases de cada gene, ou o sequenciamento do DNA (Acido Desoxirribonucléico) dos vinte e três pares de cromossomos humanos e identificando cada uma das três bilhões de bases que o compõem. Nosso genoma, o conjunto dos nossos genes, é composto por DNA, que por sua vez é constituído de uma série de As, Cs,Gs e Ts – 3 bilhões desses elementos ordenados sequenciamente são a receita de um ser humano. Para você ter uma idéia da dimensão do nosso genoma, com esse 5 número imenso de letras poderíamos escrever o equivalente a 800 Bíblias. Decifrando o mapa do corpo humano, surgiria a capacidade de conhecer sua personalidade e quais talentos poderiam desenvolver no decorrer da vida. Informações essas até então desconhecidas para todos e a cargo apenas do futuro e do destino. Dessa forma, houve um esforço conjunto desde 1980, aproximadamente, para decifrar o mapa humano. Cientistas do mundo todo participaram e participam do Projeto Genoma Humano, trabalhando em conjunto para decifrar o genoma inteiro. Pode-se dizer que a descoberta do genoma humano abriu as portas para a genética, de tal maneira que daí surgiram milhares de pesquisas relacionadas a essa. Dentre tantas, destaca-se a clonagem e células-tronco que, por assim dizer, já causou e estão causando controvérsias e polêmicas, devido às implicações éticas que acarretam. É importante ressaltar que genoma humano, clonagem e células-tronco são termos geneticamente interligados. Dessa forma, a descoberta de um, favoreceu o surgimento do outro. 2.2.1 DNA: O início Cada ser humano é formado por partículas subatômicas denominadas cientificamente de nêutron, elétron e próton, formando o átomo que dá origem a moléculas. Essas, por sua vez, organizam-se de tal forma e com tanta complexidade 5 PEREIRA, L, V. Sequenciaram o Genoma Humano... E agora?.São Paulo: Moderna, 2001, p.18.
  • 19. 19 que compõem uma unidade chamada célula. O corpo humano é composto por cerca de sessenta trilhões de células. No interior de cada uma delas está o núcleo; nele encontram-se os cromossomos; dentro deles se localiza o ácido desoxirribonucléico; mais conhecido como o DNA. Um pequeno trecho ou um segmento da molécula de DNA chama-se gene. Dessa forma, pode-se dizer que a matéria-prima do gene é o DNA e cada uma das células do corpo humano possui o mesmo mapa genético herdado dos pais.6 A estrutura do gen contém as informações genéticas responsáveis pelo código genético que caracteriza os indivíduos, como: a cor dos olhos, dos cabelos, o formato do nariz, etc. A função dos genes, no entanto, é a produção de proteínas. Desse modo, o genoma é o conjunto desses genes. O genoma é o conjunto de instruções necessárias para formar um ser humano. Essas informações estão no DNA, uma longa molécula em formato de dupla hélice que carrega os genes compostos por quatro elementos básicos: adenina(A), Tinina (T), Citosina(C) e Guanina(G). ...Os componentes do DNA seriam as letras.(...) ...Os genes seriam as palavras.(...) ...Os cromossomos seriam os capítulos.(...) ...O DNA seria o texto.(...) 7 ...O homem seria uma coleção de 100 trilhões de livros. Para ler as informações do genoma é preciso, primeiramente, desenrolar os cromossomos que comparados a um de novelo; a molécula do DNA seria a linha desse mesmo novelo. Ela é feita de moléculas ainda menores chamadas bases, que grudando uma nas outras formam uma enorme fita de DNA, que contém três bilhões de bases; essas, são letras químicas A- adenina, T- tinina, C-citosina e G-guanina; com as quais se escrevem as informações genéticas. Faz-se necessário ressaltar que adenina sempre em par com tinina e citosina sempre com guanina. Nesse alfabeto, de apenas quatro letras, é possível escrever ao longo de todo o genoma cerca de trinta mil frases diferentes e cada uma contendo milhares de letras. Dessa forma, cada frase é um gene, e cada gene é um pedaço dessa longa fita de DNA. 6 LINHARES, S. e GEWANSDSZNAJDER, F. Biología: Programa completo. citocologia, histologia, origem da vida. São Paulo: Ática, 2002, p.12-17. 7 PESSINE, L; e BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs). Bioética:Alguns desafios.São Paulo: Loyola, 2001, p.248 - 249.
  • 20. 20 Todos os seres humanos possuem em comum 99,9% dos genes, mas este 0,1% corresponde a três milhões de diferenças. Por essa razão, não existe duas pessoas idênticas. Todos os seres vivos possuem o mesmo DNA; o que diferencia é sua sequência: para cada ser há uma sequência própria e essa sequência é denominada de genoma. Quando a sequência das letras químicas é alterada, surge a probabilidade de se provocar mutações. Essas, no entanto, não são necessariamente negativas, pois são responsáveis por causar as diversidades dos seres vivos, sendo fonte de inovação para a evolução das espécies. Pode-se dizer que a descoberta do DNA foi a origem da genética, ou seja, sua gênese abriu as portas para todas as outras pesquisas relacionadas ao gene humano. Mas, surge a pergunta: com os avanços científicos, principalmente na área da genética, está surgindo, hoje, o ―Gênesis, capítulo um, parte dois‖? 2.2.2 Contexto histórico No ano de 1969, todos os seres humanos se voltaram para o céu, testemunhando um dos maiores marcos da história da humanidade: a chegada do homem à lua, com o Projeto Apolo.8 As expectativas eram grandes, pois o homem ao chegar à lua, supôs que as perguntas mais profundas que calam no coração de cada ser humano, como: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Seriam respondidas e, de fato, acreditavam, piamente, nessa idéia. No entanto, nem tudo é o que parece ser e nem tudo que se imagina e se deseja, realmente, se concretiza. Dessa forma, todas as expectativas, em relação à lua, foram duramente frustradas. Descobriram que, no local ―sagrado‖ se solucionariam todas as questões, desvendando os mistérios mais profundos, no entanto, as respostas almejadas não vieram. De acordo com RASKIN: A frustração de não encontrar as respostas para estes enormes dilemas com a conquista do espaço, fez com que os cientistas fossem procurá-las em outro lugar. Talvez estas informações estivessem na verdade escondidas muito mais próximas dos cientistas do que eles mesmos 9 imaginaram quando conceberam o Projeto Apolo que levou o homem à lua. 8 RASKIN, S. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina.Curitiba, 2010. RASKIN, S. Projeto genoma Humano. Disponível em: http://www.genetika.com. br/informacoes_ genoma.asp. Acesso em: 12/08/11. 9
  • 21. 21 A partir disso, os norte-americanos começaram a refletir se as respostas a essas questões humanas estariam mesmo a milhões de distância, ou estariam muito próximas, ou seja, no interior de cada ser humano, mais precisamente, no interior de cada célula humana. Dessa forma, surgiu a ideia de se criar um projeto, que se preocupasse em conhecer, profundamente, cada célula, consequentemente a vida humana. Essa nova perspectiva, então, deu origem ao tão evidenciado Projeto Genoma Humano. Embora tenha sido concebida uma proposta originária 1984, o Projeto teve seu início oficial somente em 1990, com prazo de conclusão de quinze anos, tal como afirma a pesquisadora Lygia Pereira: Em 1988, a Human Genome Organization (Organização do Genoma Humano, HUGO) foi fundada por cientistas norte americanos para coordenar os esforços de sequenciamento do genoma humano internacionalmente. Essa ousadia foi formalmente proposta ao Congresso dos Estados Unidos em 1990 como um plano de 15 anos a ser executado 10 por um consórcio de pesquisadores: o Projeto Genoma Humano (PGH). Inicialmente, a direção do projeto ficou por conta de James D.Watson, cujo cargo era o de chefe dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Tendo a participação de cinco mil cientistas de duzentos e cinquenta laboratórios diferentes, possuía um orçamento variando de três a cinqüenta e três bilhões de dólares. Com isso, o projeto recebeu apoio financeiro do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE), esse também havia planejado e financiado o Projeto Apolo. Ao denominar o Projeto Genoma Humano e seus objetivos, Wilkie afirma: Ele tem sido chamado o Santo Graal da biologia contemporânea. Custando mais de 2 bilhões de libras, é o projeto científico mais ambicioso desde o programa Apollo para o pouso do homem na Lua. Sua realização demandará mais tempo que as missões lunares, pois só se completará nos primeiros anos do próximo século. Antes mesmo de concluído, segundo seus defensores, o projeto proporcionará uma nova compreensão de muitas das enfermidades que afligem a humanidade e novos tratamentos para 11 elas. Grandes e esperançosas eram as expectativas em relação ao Projeto Genoma Humano. Por suas promessas miraculosas fora até mesmo comparado ao 10 11 PEREIRA, L, V. ob.cit., p. 35. WILKIE, T. ob.cit., p.11.
  • 22. 22 Santo Graal.12 Quando suas contribuições eram ainda um enigma, um mistério a ser desvendado, seus defensores afirmavam que suas descobertas trariam a cura de muitos, senão de todos os males da vida humana e proporcionaria novas perspectivas e vigor, tal como prometia a lenda do Santo Graal àqueles que o possuíssem. Segundo os celtas o ―caldeirão mágico‖ (Santo Graal), traria prosperidade, renovação e, até mesmo, um certo tipo de ressurreição. Com as novas possibilidades geradas pelo Projeto Genoma, os cientistas vão mais além, isto é, não se interessam tanto em ressuscitar um ser. Tem-se observado que na realidade, hoje, o desejo veemente dos cientistas se concentra em apenas um e talvez um único ponto: eles querem criar a vida. Wilkie ainda diz que o conhecimento genético proporcionado pelo Projeto Genoma Humano, segundo seus idealizadores, transformará o mundo científico, bem como a medicina atenuará o sofrimento humano e revolucionará o século XXI, tornando-o século da genética e inaugurando uma nova era da área biomédica. (...) Trata-se [o Projeto Genoma Humano] do mais audacioso e certamente do maior esforço jamais empreendido na biologia, que fará do século XXI a era do gene. Embora possa ser comparado ao programa Apollo, o Projeto genoma Humano vai transformar a vida e a história humana mais profundamente que todas as sofisticadas invenções tecnológicas da era espacial. Seu impacto excederá de muito a compreensão e o tratamento 13 dos defeitos já mencionados de um único gene. Vale ressaltar que este projeto é um trabalho a ser realizado em longo prazo. Desde o anúncio do primeiro esboço, estima-se ainda mais 40 anos para ser totalmente compreendido e entendido. Não obstante, um ano depois de seu seqüenciamento, alguns tipos de doenças já eram diagnosticadas com testes genéticos, porque usavam como sustentação as informações disponibilizadas pelo Projeto Genoma Humano. Hoje, após 10 anos das descobertas do genoma, o aconselhamento para reprodução, utilizando informações genéticas possibilita a um casal saber, antecipadamente, se terão filhos saudáveis e normais ou não. Futuramente, estima-se que grande parte das doenças hereditárias serão eliminadas, realizando as correções nos genes defeituosos que ocasionam as 12 Santo Graal: Salvo algumas variantes, as várias narrativas identificam-no como sendo a taça que Jesus usou na última ceia, na qual José de Arimatéia teria recolhido seu sangue após o soldado ter atravessado seu lado com uma lança, este, teria conservado e escondido, por sua preciosidade e sacralidade este fora objeto de desejo muitos anos mais tarde instigando valentes cavaleiros a arriscar sua vida para conquistá-lo ou defendê-lo. (Cf. BRUNEL, P. (Org.) - Dicionário de Mitos Literários, Rio de Janeiro: Editora UnB, 1997, p.422-429) 13 WILKIE, T. ob.cit., p.13.
  • 23. 23 doenças. Sem falar ainda, no avanço das indústrias farmacêuticas, que poderão fornecer o medicamento personalizado, isto é, de acordo com o paciente e a doença que esse desenvolve; diminuindo assim, os efeitos colaterais. Considerando os efeitos históricos de seu surgimento, e para uma compreensão histórica mais detalhada do caminho percorrido pelo Projeto Genoma Humano, faz-se necessário também uma abordagem mais profunda e organizada de sua cronologia, situando o início desse projeto da ciência, que, por vezes, fora considerado uma ideia superficial. É o passo a seguir. 2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano Em 1953, o biólogo norte-americano, James Dewey Watson e os físicos ingleses, Francis Harry Compton Crick e Maurice Hugh Frederick Wilkins, bem como a cristalográfica inglesa, Rosalind Franklin, descobrem a estrutura de dupla hélice do DNA. Esta e outras descobertas levaram, então, a um salto qualitativo na área da biologia, principalmente na área molecular nos setores da genética.14 No ano de 1980, iniciam-se as primeiras discussões sobre o Projeto Genoma Humano. Desse modo, o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) promoveu um workshop, avaliando os métodos disponíveis para detecção de mutações e, durante esses trabalhos, divulgou-se a idéia de mapear o genoma humano. Em 1987, com iniciativa do Departamento de Energia dos Estados Unidos, foi iniciado o Projeto Genoma Humano, com um financiamento inicial de 50 bilhões de dólares e uma duração prevista de 20 anos. No entanto, somente em 1989 e, oficialmente, em 1990, o Projeto Genoma Humano saiu do papel e de discursos meramente teóricos e passou para a prática, dando início às pesquisas laboratoriais. Assim, cientistas de vários países começaram a desenvolver o Projeto Genoma Humano, patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) e pelo Departamento de Energia americanos (DOE). O chefe do Instituto Nacional de Saúde (NIH), James Wyngaarden, convocou uma reunião na Virgínia, cidade de Reston, em fevereiro de 1988. Após muita reflexão e discussão, uma vez que havia relutância por parte do Instituto Nacional de 14 PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs) Bioética:... ob. cit., p.245.
  • 24. 24 Saúde (NIH), em relação às pesquisas do Projeto Genoma Humano, acabaram por firmar algumas propostas e objetivos a serem alcançados com o andamento do programa. Dessa forma, em maio desse mesmo ano, Wyngaarden convidou James Watson para ser o diretor do Projeto Genoma Humano. Assim, em outubro, ele foi nomeado oficialmente para dirigir o projeto. Nesta mesma data, o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) assinou um acordo juntamente com o Instituto Nacional de Saúde (NIH); ambos assumiram cooperarem entre si para a realização do Projeto Genoma Humano.15 Em 1997, o Brasil une-se aos demais países que já colaboravam no Projeto Genoma Humano, enviando cientistas para realização de pesquisas. No entanto, o projeto em si já estava quase no término. As pesquisas brasileiras, então, consistiram, apenas, no tratamento do câncer. Dessa forma, os pesquisadores brasileiros deram origem ao Projeto Genoma do Câncer. Os responsáveis em financiar estes pesquisadores, foi primeiramente e principalmente a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); depois, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (PADCT).16 No ano de 1998, surge uma nova e importante descoberta: as células-tronco. Essas deveriam permitir, supostamente, ao longo de décadas, a criação de tecidos e órgãos inteiros em laboratório. No entanto, eram apenas as primeiras discussões e conjecturas dessa recente descoberta. Em maio deste mesmo ano, a empresa CELERA, sob a direção de Craig Venter e financiamento particular, entrou com uma proposta de mapear o genoma em menor tempo que o setor público. Venter ainda comunicou, que sequenciaria todo o genoma em apenas dois anos, ou seja, cinco antes que o projeto público. Essa informação gerou um impasse entre os cientistas do projeto público. Esses, por sua vez, decidiram adiantar as pesquisas evitando, porém, que se perdessem todo investimento aplicado neste projeto, e, o que é pior: impedir o patenteamento das descobertas. Dessa forma, no dia 26 de junho de 2000, após negociações: 15 ECHTERHOFF, G. Direito à Privacidade dos dados Genéticos. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p.36 - 37. 16 ECHTERHOFF. ob. Cit., p.38 - 39.
  • 25. 25 em uma atitude politicamente correta, os líderes de ambos os grupos, Francis Collins (projeto público) e Craig Venter (projeto privado) concordaram em revelar juntos, da Casa Branca para o mundo, que tinham 17 praticamente concluído um primeiro esboço do Genoma Humano. Dessa forma, dez anos se passaram desde a conclusão do Projeto Genoma Humano e, certamente a primeira e grande conquista alcançada foi a não privatização das informações adquiridas com o mapeamento e sequenciamento do Projeto Genoma Humano, como também os esforços para se chegarem a essa conquista foram louváveis. Certamente, sem a publicação dos resultados do Projeto Genoma Humano, não seria possível o acesso às maravilhosas descobertas pelos cientistas que foram apresentadas toda a sociedade. Se assim não fosse, poder-seia compará-lo a um livro com páginas, contendo o mapa do tesouro da vida, seguramente lacrado a sete chaves ao longo do processo evolutivo, e o acesso às informações patrimoniais contidas nesse livro, seria dado selo do patenteamento, circunscrita no universo de poucos.18 2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS Indubitavelmente, o mega projeto sobre a identificação do genoma humano, trouxe, com suas descobertas, grandes consequências para a história: interferindo expressivamente em questões governamentais, principalmente, entre os países, que estavam mais envolvidos com o direito da patente dos genes descobertos; possibilitando a clonagem, as descobertas com células-troncos, a produção de seres das mais variadas espécies e os transgênicos; enfim, essas e muitas outras inovações mudaram o rumo da história humana. A formação de duas equipes, a CELERA liderada por Venter e com financiamento particular e a outra do setor público para mapear o genoma, como já citado anteriormente, fora algo positivo, pois o grande esforço e empenho por parte dos pesquisadores de ambas as equipes para que se atingissem os objetivos almejados, consequentemente, gerou um certo tipo de competição na área das pesquisas, sendo essa de fundamental importância, porque, ao final, foi apresentado à sociedade um resultado mais satisfatório e de melhor qualidade. Porém, 17 18 RASKIN, S. Projeto Genoma... ob. Cit., Id. ibid.
  • 26. 26 Exatamente quando a notoriedade de Venter como líder no campo de sequenciamento do DNA, estava nas alturas, ele se viu envolvido numa controvérsia amarga sobre a questão das patentes dos genes.O problema da proteção da patente para a sequência do DNA tem forte carga emocional 19 e grande complexidade legal. Nesse sentido, em se tratando dos resultados, esses só tiveram livre acesso graças à coordenação, por parte do setor público, que pouco a pouco revelava o segredo dos estudiosos. A sequência divulgada na internet, por exemplo, fazia com que todo e qualquer plano de patenteamento por parte da Celera se tornasse sem sentido. No entanto, fora, extremamente importante esta rivalidade entre as equipes, pois serviu para que as pesquisas tomassem, gradualmente, mais rapidez, como também chamou a atenção da humanidade sobre o patenteamento genético. Vale ressaltar que os conhecimentos adquiridos nas pesquisas realizadas com as informações proporcionadas pelo projeto, também gerou o avanço desses estudos. Assim como o grande investimento, no campo científico, tornou possível encontrar algumas respostas para muitas interrogações pertinentes, à vida do homem. Questionamentos esses, que vêm acompanhando o evoluir humano desde um passado muito longínquo. O que, no entanto, são interrogações atuais, já fizeram parte do universo pensante de muitos. Muitas conjecturas para a história humana foram obtidas com o Projeto Genoma Humano. Esse projeto abriu múltiplas possibilidades, e dele presumiram-se muitas inovações, que revolucionariam a ciência médica. No âmbito da genética, já se tornou possível sequenciar e analisar, por completo, o genoma de três mil espécies diferentes de mamíferos, muito próximos ao homem, organizado por escala hierárquica das espécies, destacando, por exemplo, o camundongo, o rato e o chimpanzé. Com a ajuda das ciências e com inúmeros estudos, comprovou-se, cientificamente, que a espécie humana e as demais espécies, são muito parecidas no tamanho de seus genomas e assemelham-se, também, no número de genes, ou seja, apenas 0,01% do genoma faz a diferença. Com isso, esvaem-se os critérios utilizados até então, para, geneticamente, explicar o fator que torna os seres humanos mais ―evoluídos‖ que outras espécies. Assim, o avanço da genética possibilitou essa descoberta, isto é, 19 DAVIES, K. Decifrando o genoma: a corrida para desvendar o DNA humano. São Paulo: Companhia das letras, 2001, p.97.
  • 27. 27 por qual razão as doenças encontradas em animais; também podem contaminar humanos ou vice-versa. Explorando exatamente essas informações genéticas, os cientistas encontram explicações para determinadas doenças que atingem o homem e são, ainda, pouco compreendidas atualmente, como: o mal de alzheimer, a esquizofrenia, o autismo, a suscetibilidade à AIDS e à malária. Dentre essas explicações, também está o de devolver movimentos aos paraplégicos, injetando células-tronco corrigindo o dano. Em 30 anos: Doenças hereditárias serão eliminadas com a correção de genes defeituosos. Os cientistas conhecerão os mecanismos genéticos envolvidos no processo de envelhecimento. A análise completa do genoma de uma pessoa será um exame comum de uma pessoa e custará menos de 1.000 dólares. Os testes laboratoriais, como os de sangue, serão substituídos por análises computadorizadas de células, mesmo nas 20 doenças mais comuns. Há pouco tempo, na era pré-genômica, nem mesmo Darwin imaginava que existiria, em breve, ferramentas superpotentes como as usadas atualmente, capazes de explicar os fenômenos da evolução das espécies. Tudo isso, a ciência tem nas mãos, graças à descoberta do sequenciamento do genoma e ao grande empenho e esforços por parte de muitos pesquisadores da área. Certamente, esse ramo da genética vem fascinando inúmeros estudiosos em todo o mundo e trará, em breve, muitas outras informações e descobertas surpreendentes para toda a humanidade. Vale lembrar ainda, que esse ―avanço genético‖ trouxe inúmeros benefícios à vida humana no aspecto econômico e no social. O homem desenvolveu tecnologias capazes de sequenciar o genoma em muito menos tempo, com a utilização de poucos recursos financeiros e com maior qualidade e precisão. No entanto, de acordo com pensamento de pesquisadores, como o geneticista Raskim, a ciência não pára e o que os estudiosos almejam, no momento, é, em menos de cinco anos, alcançar a capacidade de sequenciar o genoma no período de um dia e no valor de aproximadamente dois mil reais.21 As opções abertas pelo Projeto Genoma Humano serão novas, mas os princípios morais básicos que nortearão as escolhas que faremos entre elas não o são. Outros fizeram escolhas análogas no passado.(...) O 22 conhecimento do passado é um guia indispensável para o futuro. 20 PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs). Bioética:...ob. cit., p.250. Id. ibid. 22 WILKIE, ob.cit., p.26. 21
  • 28. 28 O século XXI possui todas as características para ser o século da genética, pois as descobertas advindas do sequenciamento humano ocasionarão grandes e profundas mudanças na medicina. Por outro lado, os cientistas estarão atentos à responsabilidade de que seus atos, atitudes e descobertas podem ocasionar à humanidade e a permanência de todo tipo de vida no planeta terra. O estudo do genoma humano descobriu porque determinadas doenças aparecem com tanta incidência em determinadas épocas da história. O que fazer para retardar e aperfeiçoar a vida de pessoas portadoras de doenças genéticas. Com o avanço das descobertas genéticas, conclui-se que, num futuro não muito distante, alguns tipos de doenças serão diagnosticadas no primeiro dia de vida de um bebê, isto é, essas descobertas possibilitarão saber se o recém nascido possui a probabilidade de desenvolver tal doença, se é herdeiro de certas cargas genéticas que o tornam refém de sua condição. Muitos serão beneficiados pela eficácia de um diagnóstico preciso e precoce facilitando assim o início do tratamento evitando sintomas e sinais decorrentes da manifestação das mesmas. A utopia proveniente desse estudo é que a medicina deixe de ser uma ciência curativa e venha ser preventiva e profilática. Dessa forma, os médicos terão mais tempo para se dedicarem ao cuidado integral de seus pacientes, prescrevendo remédios personalizados com base no código genético de cada indivíduo e, quem sabe, no futuro, um pouco mais distante, mudar o genoma desse paciente, impedindo que ele seja acometido pela doença que trazia graças à herança genética herdada de seus antepassados. Pretende-se, num futuro bem próximo, em torno de 20 anos, que o conhecimento completo do material genético permita o acesso a medicações individualizadas para cada paciente, respeitando a carga genética que ele carrega em si. Tentar-se-á que os medicamentos sejam específicos para determinada doença e determinado paciente, e os remédios por ele ingeridos, tragam efeitos colaterais menores ao seu organismo. Conhecendo o genoma, as tendências genéticas prevenirão o desenvolvimento de certas doenças. Tudo isso, porém, será possível se cruzarmos uma boa dose de comprometimento pessoal com a vida humana, aliada a uma extenuante pesquisa no campo genético, para que se formem médicos capazes de optar pela vida em todos os momentos e de diferentes pontos de vista.
  • 29. 29 Em 10 anos: Testes genéticos estarão disponíveis para o diagnóstico antecipado e preciso de mais de 25 doenças, como o câncer, diabetes e enfarte. A terapia gênica, hoje ainda restrita e ineficaz, começará a ter seus primeiros sucessos nas doenças cardíacas, hemofilia e alguns tumores. O diagnóstico precoce e a consequente mudança de hábitos de vida 23 permitirão diminuir o risco de surgimento de doenças genéticas. De forma bastante análoga, o conhecimento dos nossos genes terá impactos diferentes na vida humana. O perfil genético de uma pessoa será utilizado para que ela, sabendo de suscetibilidade genética, desenvolva um estilo de vida saudável e, ao longo de sua existência, explore seu patrimônio genético. Ao analisar o Projeto Genoma Humano, constatou-se que as mudanças proporcionadas por ele são profundas e o benefício por ele trazido é incomensurável à humanidade. A transcrição dos benefícios advindos esse projeto mostrou que o desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância para a busca de um constante aperfeiçoamento da qualidade de vida dos seres humanos. A humanidade, diante dos novos conhecimentos decorrentes da genética, constata o fortalecimento de ideais advindos de um determinismo genético que, por vezes, desemboca num obcecado ideal de melhorar a espécie humana. No entanto, a preocupação que perpassa esta pesquisa se concentrou no alcance do poder do conhecimento genético, células-tronco, clonagem humana, avaliando a relevância da informação genética frente aos interesses econômicos que possam pautar sua indevida utilização. Observa-se que os benefícios desse grandioso projeto, devesse, sempre, ser bem divulgados. No entanto, quanto aos aspectos negativos, aquilo que, de certa forma, estaria do ponto de vista ético, na zona de perigo foram, muitas vezes, ignorados e refutados. Seria muito mais conveniente evidenciar a parte brilhante do projeto, isto é, as promessas de um mundo novo: filhos geneticamente perfeitos, diagnósticos antecipados de doenças hereditárias e um futuro promissor para a ciência médica. No entanto, com o passar do tempo, os pesquisadores do projeto descobriram que não bastava, apenas, diagnosticar os problemas, mas para que a descoberta tivesse realmente valor e sentido era preciso muito mais; necessitava de algo concreto, ou seja, desenvolver tratamentos eficazes para solucionar os casos 23 PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs) Bioética...ob. cit., p.250.
  • 30. 30 diagnosticados, e nesse sentido, pouco se fez com as informações que adquiriram. Desse modo, acabaram por descobrir que a ciência biológica era por assim dizer, muito mais complexa do que imaginavam e, diante de um vasto universo obscuro, só surgiram mais dúvidas. Assim, aqueles que acreditavam em que decifrariam a vida humana a partir do genoma, enganaram-se completamente. Atualmente, não obstante, os conhecimentos proporcionados pela sequência do mesmo, fizeram com que os pesquisadores se deparassem, muito mais, com perguntas do que respostas. E, diante de alguns dilemas da vida humana, só lhes restam afirmar como Sócrates: ―só sei que nada sei‖ . Tal como observa Wilkie: Talvez seja este, portanto o desafio final proposto pelo Projeto Genoma Humano: redefinir nosso sentido de nosso próprio valor moral e descobrir um meio de afirmar, em face de todos os detalhes técnicos da genética, que a vida é maior que o DNA de que brotou, que os seres humanos conservam um valor moral irredutível que transcende a sequência de 3 bilhões de pares 24 de base contidas no genoma humano. Contudo, tem-se observado, que mesmo para os melhores cientistas e pesquisadores, o conhecimento pleno ainda não está acessível e disponibilizado. Deste modo, ainda há muito que fazer para que todas as informações e descobertas provindas do sequenciamento do genoma possam realmente, contribuir para a maior descoberta científica: desvendar o segredo da vida. 24 WILKIE, T. ob.cit., p.215.
  • 31. 31 3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA SOBRE AS IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO Devemos considerar a possibilidade, categorialmente nova, de intervir no genoma humano como aumento de liberdade, que precisa ser normativamente regulamentado, ou como a autopermissão para transformações que dependem de preferências e que não precisam de 25 nenhuma autolimitação? 25 HABERMAS,J. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.18.
  • 32. 32 3.1 INTRODUÇÃO Atualmente, a humanidade tem-se deparado com um momento novo, a era tecnológica funcional. Tem-se observado que certos dilemas éticos tratados incorretamente, parecem expor o discurso normativo liberal a uma dificuldade lógica. As novas pesquisas que utilizam a manipulação genética da natureza e de seres humanos, após o sequenciamento do genoma humano, fenômeno não recente na história, têm causado alterações na autocompreensão normativa, surgindo a necessidade de uma nova regulamentação da questão moral. Por isso mesmo, nesta parte do trabalho, far-se-á uma reflexão, de alguns pontos principais da eugenia, fundamentando-os em alguns temas trabalhados pelo filósofo alemão, Jurgen Habermas, em sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖. Nessa obra, Habermas questiona o caminho percorrido pela humanidade em relação à eugenia; seria ela liberal ou conservadora? O que devemos esperar moralmente com a biotecnia? Quais as implicações das pesquisas genéticas para a integridade moral da espécie? Vale ressaltar que, desde sua origem, as pesquisas envolvendo o genoma humano e, consequentemente, clonagem e células-tronco, têm suscitado discussões e reflexões sobre a ética, tanto na coleta de dados, quanto no uso que se faz das informações genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas. Com Jurgen Habermas, o presente capítulo fará uma abordagem mais aprofundada de temas importantes e relevantes que surgiram com as descobertas do genoma, como: dignidade humana, manipulação genética, biopoder, eugenismo seletivo e a questão moral, dentro de uma perspectiva filosófica. 3.2 EUGENISMO SELETIVO Primeiramente, Habermas reconhece dois tipos de eugenia: a primeira referese a eugenia negativa. Essa consiste em utilizar-se das informações obtidas com o sequenciamento do genoma humano, através de novas técnicas modernas, para a prevenção de doenças ou melhoramento das condições de tratamentos. A outra é a eugenia positiva. Essa é a preocupante, pois se utiliza das mesmas informações citadas acima, não para melhorar as condições de vida, mas para excluir e discriminar os genomas possuidores de defeitos, bem como, alterar suas
  • 33. 33 informações genéticas, manipulando a vida e possibilitando a criação de um novo ser humano, livre de qualquer imperfeição. Nesse caso, pode-se observar que Habermas as distingue como eugenia liberal e eugenia conservadora. Desse modo, ele é a favor de uma regulamentação que visa orientar e guardar, juridicamente, essas pesquisas genéticas, a fim de evitar a eugenia liberal que busca o aperfeiçoamento da raça humana sendo orientada pelo acesso livre das informações necessárias e pelos desejos e preferências individuais. Isto é, a eugenia positiva e liberal, permite alterar informações no genoma, de um novo ser, de modo que esse nasça com as características solicitadas pelos futuros pais. Desse modo, terão, por assim dizer, o filho perfeito. Evidentemente, observa-se que Habermas nesta obra aborda precisamente o tema eugenismo seletivo, quando avalia alguns usos possíveis da engenharia genética nas escolhas reprodutivas humanas, a saber: a cura de doenças identificadas no código genético do embrião e a escolha deliberada de traços desejáveis pelos futuros pais, a fim de discriminar os casos permitidos daqueles não permitidos. Deste modo, afirma Habermas: Essas importantes questões bioéticas certamente estão ligadas ao aumento da acuidade do diagnostico e ao domínio terapêutico da natureza humana. No entanto, somente a técnica genética, que tem em vista a seleção e alteração das característica, bem como a pesquisa necessária para tanto e destinada a terapias genéticas futuras constituem uma nova espécie de 26 desafio. Nesse sentido, seu objetivo é chamar a atenção para o que está por vir. A humanidade caminha para uma eugenia que não prima somente os fins terapêuticos, mas tenta, de alguma forma, intervir nas características genéticas, levando a uma transformação que atinge até a estrutura geral de nossa experiência moral. Habermas ainda aponta para uma eugenia liberal extremamente inovadora, isto é, com o passar do tempo, com os avanços tecnológicos estas intervenções genéticas se tornariam aparentemente tão natural, que atrairia os interesses do 26 HABERMAS, J. O futuro... ob. cit., p.38.
  • 34. 34 mercado, uma vez que bastaria, apenas, dinheiro para que todos os desejos fossem realizados. Habermas ainda afirma, que a eugenia liberal seria prejudicial à medida que exterminaria o princípio natural de geração da vida, juntamente com o de identidade humana e, dessa forma, a contingência elemento excelso e importante seria também exterminada. Assim, os novos humanos, provindos dessa nova forma de concepção ficariam submetidos à pré-determinações genéticas inalteráveis, realizadas antes de cada nascimento, in vitro. O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie humana, não seria mais possível. Desse modo ele afirma que: ―uma intervenção genética não abre o espaço de comunicação para dirigir-se a criança planejada como uma segunda pessoa e incluí-la num processo de compreensão.‖27 Tal como afirma Duran: ...abordando o tema de Habermas, existe uma necessidade de situar o autor dentro do tema da liberdade. Para Jurgen Habermas três campos são essenciais: a comunicação, a transcendência e a realização, livre para comunicar-se, que é a sua teoria, livre para poder transcender e livre para auto-trancender também. Agora, o Papa Bento XVI utilizou estas três expressões de Habermas uns dois anos a trás em uma das suas homilias 28 referindo diretamente a qualquer tipo de manipulação. A ação comunicativa que Habermas trata com tanta veemência na alteração eugênica, deixaria de existir. Pois segundo ele, os seres que sofreram influência no seu genoma não passariam pelo mesmo processo de socialização que os concebidos de forma natural, pois esses não poderiam relacionar-se com suas aptidões e, mesmo com suas limitações no decorrer de sua história. Habermas não é contra o diagnóstico antecipado que permite o não desenvolvimento de doenças. Mas não lhe agrada o fato desses diagnósticos culminarem para um aperfeiçoamento genético. Assim, o autor considera a eugenia negativa favorável, uma vez que prioriza o tratamento de doenças e que, por conta dessa ação, pode ser justificável. O mesmo não acontece com a eugenia positiva, que é inaceitável, porque altera o patrimônio genético, tornando-se assim, uma prática condenável. 27 28 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.86. DURAN,J,R. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina. 2010.
  • 35. 35 Por fim, Habermas enfatiza que as intervenções eugênicas, abalam a estrutura geral da experiência moral, dado que, exerce alterações no limite que há entre a natureza e a liberdade; entre o acaso e a decisão, afetando principalmente a auto-compreensão moral. Desse modo, o ser humano é por assim dizer, impedido de compreender-se como único autor de sua própria história de vida, dificultando também, a percepção recíproca, que as pessoas devem ter ao considerarem-se como nascidos ―sob as mesmas condições.‖29 Por essa razão, não se trata de um argumento que se fundamenta na cautela e na moderação, e sim, no dano causado a auto-compreensão normativa dos seres humanos. Quanto ao futuro da natureza humana, pode-se considerar o que diz Hans Jonas em sua obra ―O Princípio Responsabilidade‖. Nela, ele também analisa a impossibilidade dos sistemas éticos clássicos e modernos de não conseguirem tratar do futuro, lançando sua tese: ―devemos evitar arriscar a vida humana futura, ou seja, diante dos avanços inevitáveis das tecnologia, devemos nos perguntar: temos o direito de arriscar a vida futura da humanidade e do planeta?‖30 Para tanto, ele cunha um novo imperativo, que diz respeito ao ser e ao portarse cientificamente diante da humanidade fragilizada e incapaz de frear a ânsia progressiva de ter em mãos o pleno domínio de sua evolução: ―Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica‖.31 Considerando os princípios éticos, Jonas conclui que o homem não tem o direito de interferir no processo natural da vida humana e do planeta e ainda que possua potencial para isto, não lhe cabe o poder de decidir e determinar o fim das mesmas. De modo geral, para Jonas, a responsabilidade não tem mais como ponto central o passado e/ou o presente. Todavia, sua preocupação, agora, passa a ser com o futuro da humanidade, com as gerações futuras e sua sobrevivência. Nota-se, que Jonas não está preocupado com a eternidade, mas sim com o que acontecerá posteriormente, existindo simultaneamente com os tempos atuais, com a era da ciência e da tecnologia. Para ele, a responsabilidade será, por assim dizer, o alicerce, o princípio orientador para as resoluções que interferirão nas diferentes formas de vida. 29 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.41. JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Ed. da PUC Rio, 2006, p.8. 31 JONAS, H. ... ob. cit., p.40. 30
  • 36. 36 3.3 DIGNIDADE HUMANA Primeiramente, Habermas faz uma distinção entre dignidade humana e dignidade da pessoa humana. Ele enfatiza que a dignidade da pessoa humana consiste na liberdade que cada pessoa possui de escolher quem de fato ela é. Por essa razão, seus estudos se voltam para os limites éticos dos cientistas e dos médicos, particularmente, quanto aos propósitos terapêuticos. Em se tratando da vida humana, Habermas se refere de modo especial ao embrião utilizado nas pesquisas da biotecnologia moderna. O autor sublinha as opiniões polêmicas e divergentes sobre a legalização do aborto e os direitos de autodeterminação da mãe que decide sobre seu próprio corpo. Nesse sentido, o autor fomenta que, se de um lado, o embrião é considerado um simples amontoado de células, que, no sentido moral, só passará a ter dignidade humana quando nascer; do outro lado, enfatiza que, a partir da fecundação, pode ser considerado uma pessoa em potencial, por isso já porta seus direitos fundamentais. E Habermas continua: Ambos os lados parecem não se dar conta de que algo pode ser considerado como ―indisponível‖, ainda que não receba o status de um sujeito de direitos, que, nos termos de constituição, é portador de direitos fundamentais inalienáveis. ―Indisponível‖ não é apenas aquilo que a 32 dignidade humana tem. O autor explica que, por motivos morais nossa disponibilidade pode ser privada de alguma coisa. Mas, isso não significa que ela seja intocável no sentido dos direitos fundamentais encontrados na constituição. Por isso requer cuidado e atenção. Assim, pode-se dizer que a dignidade humana simboliza, de certa forma, uma condição moral ou jurídica que determina as relações entre os indivíduos munidos de direitos e deveres, que convivem e se confrontam em um mesmo contexto normativo. A dignidade humana faz, portanto, sentido na contingência dos acordos estabelecidos no interior de uma comunidade composta por seres morais, dotados de relações simétricas e responsáveis, ou seja, dentro de formas concretas de vida coletiva.33 32 33 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.44. HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.46.
  • 37. 37 De fato, a dignidade da vida humana, por assim dizer, ultrapassa os limites das práticas morais harmonizadas, elevando-a a estágios pré-pessoais, em que os indivíduos estão, ainda em formação, bem como a condições em que a vida se esvaiu. Dessa forma, a vida humana antecede a construção dos contextos morais de ações recíprocas, incitando uma compreensão de dignidade própria, mais aberta e comunicativa, menos específica e reduzida, resultando no termo traduzido como dignidade humana.34 Em suma, Habermas fomenta que a utilização de biotecnologias que exercem alterações no genoma humano, podendo culminar em um tipo de confusão na autocompreensão ética, de modo que o indivíduo não se percebe mais como um ser livre não representando diferença em relação ao outro, e, por isso, são regidos por normas e fundamentos idênticos, influenciando de modo negativo aquilo que é definido como dignidade humana. Essa, no entanto, merece respeito. 3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS Quando os primeiros pesquisadores divulgaram o primeiro clone animal,35 uma onda de especulações e olhares curiosos se alastraram pelo mundo, buscando o foco dessa inovadora descoberta que iria, mais uma vez, revolucionar o mundo da ciência. O que não se esperava era que, com o anúncio desse fato, uma corrida científica entre os pesquisadores e cientistas de todo o mundo fosse iniciada, cujo intuito fosse o de realizar clonagens dos mais diversos modos, inclusive, o tão sonhado e fictício clone humano. A esse respeito, apesar de tentativas, insinuações e algumas falas desarticuladas, nada foi, oficialmente, publicado. Em relação ao que fora citado, surgem assim, muitos questionamentos quanto à liceidade da destruição de um embrião humano para eventuais benefícios à humanidade, mesmo que esse fosse usado para salvar ou curar um adulto. Por essa razão, comitês de ética de diversos países estabeleceram que as práticas da clonagem são contrárias à dignidade humana e não é, eticamente, aceitável. Por isso, não são permitidas. 34 35 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.45. Embora os cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell, da estação de reprodução animal, na Escócia, tenham clonado duas ovelhas idênticas "Megan" e "Morag" no ano de 1995, o clone animal mais famoso indubitavelmente é "Dolly", clonada pelas mãos dos mesmos pesquisadores citados acima, a partir de células congeladas de uma ovelha, no ano de 1997.
  • 38. 38 Nesse sentido, Habermas faz uma reflexão também preocupante: os novos humanos, provindos dessa nova forma de concepção, ficariam submetidos à prédeterminações genéticas inalteráveis, realizadas antes de cada nascimento, in vitro. O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie humana, não seria mais possível. Pois, segundo o autor, ―o clone é privado de um verdadeiro futuro próprio pelo olhar modelador voltado à pessoa e à história de vida de um irmão gêmeo‖.36 Quando Habermas discorre sobre o tema ―clonagem‖, pode-se dizer que esse remete à escravidão, ou seja, usar o material genético de um ser para se criar outro é apoderar-se do que é do outro e não se compara com as semelhanças que acontece com os gêmeos univitelinos, pois o ser clonado torna-se dependente das características herdadas dos seus doadores. Ainda nessa questão, em sua obra A Constelação pós-nacional, ensaios políticos,37 ele dedica o último capítulo a essa temática e no ítem que traz o título: “Escravidão genética? Fronteiras morais dos progressos da medicina da reprodução,‖38 Habermas declara que o ponto a ser evidenciado deve ser o respeito à autocompreensão do ser clonado em relação à sua própria origem. Assim ele argumenta: Ninguém deve dispor de uma outra pessoa e controlar as suas posibilidades de ação de tal modo que seja roubada uma parte esssencial da liberdade da pessoa dependente. Essa condição é violada quando uma pessoa decide o programa genético de uma outra. Também o clone apresenta-se nos seus procesos de auto compreensão como uma pessoa determinada; mas, por detrás do elemento essencial dessas condições e qualidades encontra-se a 39 intenção de uma pessoa estranha. O fato de ter sido fruto de uma experiencia genética afetaria o clone moralmente e faria a diferença, ter essa consciência, ou não. Em seu ponto de vista, Habermas, afirma que há diferença entre o ser que participou de um processo natural e normal dentro daquilo que se compreende como vida humana; daquele que foi configurado pela genética. Nesse caso, então, há uma diferença na compreensão: como se daria, a relação entre criador e criatura, ou melhor, entre original e cópia? Poderia, então, dizer que essa seria uma relação subjetiva? Nota-se que o conteúdo da obra de Habermas é um apelo a todos, e, principalmente, aos filósofos, para estarem atentos aos avanços científicos de modo 36 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.87. HABERMAS,J. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001. 38 HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.209. 39 HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.210. 37
  • 39. 39 que possam se posicionar, refutando qualquer ameaça gerada pelas transformações no campo das biotecnologias que, de certa forma, podem causar uma secularização do intelecto, gerando, por assim dizer, uma crise na identidade humana, principalmente, no tocante à autonomia. Percebe-se ainda que ele se preocupa com as pesquisas de manipulação de embriões, porque essas colocam em risco a liberdade e a igualdade de valores importantes e essenciais à vida humana. Segundo ele: A programação eugênica estabelece uma dependência entre pessoas que sabem que, para elas, por princípio está excluída a possibilidade de trocarem seus lugares sociais. Contudo, tal dependência social, que é irreversível, já que sua ancoragem social depende do que ela instaurou de modo atributivo, forma um corpo estranho nas relações recíprocas e simétricas de reconhecimento, que caracterizam uma comunidade moral e 40 jurídica de pessoas livres e iguais. Mais uma vez Habermas chama atenção para a manipulação do embrião, à medida em que os pais podem, agora, exercer alguma margem de escolha sobre a configuração genética de seus filhos. Isso abre o caminho para o surgimento de indivíduos sem autonomia sobre seu próprio ―destino‖ ou corpo. Assim afirma: Será que os pais que querem satisfazer seu desejo de ter filhos e optam pela seleção, não carecem de uma atitude clínica, cujo objetivo seria a boa saúde dos filhos? Ou será que eles se comportam, ainda que de modo fictício e, portanto não- verificável, com a criança que está para nascer da mesma forma como com uma segunda pessoa – supondo que ela mesma 41 diria ―não‖! A uma existência de certo modo limitada? Segundo Habermas, deve haver um cuidado e atenção para não se cair a banalização e acostumar-se com qualquer forma ou modo que prejudique a vida; fomentando que se faz necessário ter consciência que a manipulação de embriões pode, de algum modo, instrumentalizar a vida, principalmente, quando esse é usado para o avanço e benefício científico, até porque essas pesquisas ainda não são seguras e por isso, estão sujeitas a erros. Desse modo, é importante lembrar que o embrião, mesmo cultivado in vitro, é um ser em formação, com futuros pais. Portanto, terá uma vida e uma história, como qualquer ser humano. 40 41 HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.90. HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.95.
  • 40. 40 Outro problema, aparentemente, mais substantivo, diz respeito ao fato da clonagem reprodutiva utilizar células-tronco, tiradas de pré-embriões. Alguns bioeticistas confessionais julgam isso moralmente errado, porque consideram o préembrião pessoa humana. Dentre tantos outros problemas bioéticos, o que exige mais atenção é a pesquisa com células-tronco embrionárias, pois essas utilizam o embrião, o que, por conseguinte implica a morte do mesmo. É notória a falta de respeito e o não uso da ética em relação a essas pesquisas. Segundo Moser: Compreende-se, desta forma, porque a descoberta das células-tronco revolucionou profundamente toda concepção de terapia. Compreende-se também que tenha agitado a mídia, revolucionado a economia e até provocado problemas políticos. Estes ocorreram, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o governo proíbe tais experiências porque implicam, 42 forçosamente, na destruição do embrião. Como se pôde observar, essa importante descoberta desperta preocupação porque ao contrário de beneficiar, proteger e amparar os seres humanos, ameaça e aniquila a vida logo no início de sua existência. Por essa razão, pode ser considerada e classificada como antiética a atitude despreocupada de atentar, irresponsavelmente, contra seres indefesos. 3.5 A QUESTÃO MORAL Devido à pouca importância que se deu às questões de princípios e valores das pesquisas genéticas, o aspecto moral ficou defasado não gerando os resultados esperados. Por isso mesmo, Habermas procura, através destas conferências inseridas nesta obra, chamar a atenção para os perigos vindouros, principalmente com o DGPI (diagnostico genético de pré implantação)43 que está relacionado com a suposta ―criação de humanos‖. Segundo ele, há sim o que temer, pois pesquisas genéticas realizadas irresponsável e deliberadamente podem acarretar graves consequências para a humanidade. 42 MOSER. A. Biotecnologia e Bioética: Para onde vamos?.Petrópolis:Vozes, 2004.p.74. Diagnóstico genético de pré implantação é uma forma sofisticada e precoce de diagnóstico prénatal que visa identificar embriões portadores de doenças genéticas. (In: EISSEI MOLINA LABORATORIA MÉDICO. Diagnóstico genético de pré-implantação. Disponível em: https://sites.google.com/a/eissei.com.br/info/artigos/diagn%C3%B3stico-gen%C3%A9tico-pr%C3 %A9-implanta%C3%A7%C3%A3o---pgd. Acesso em: 15/10/11.) 43
  • 41. 41 Tememos, não sem razão, que surja uma densa corrente de ações entre as gerações, pela qual ninguém poderá ser responsabilizado, já que ela transpassa de modo unilateral e na direção vertical as redes de interação 44 contemporâneas. Nota-se, que Habermas preocupa-se com o surgimento dessa nova espécie, consequência do avanço genético, dado com o sequenciamento do genoma. No decorrer da obra, ele enfatiza que os benefícios da eugenia, para o âmbito biomédico, são ímpares. No entanto, quando não se respeita o limite ético e se banaliza o aspecto moral, as experiências se direcionaram para lados opostos, e isso geraria grande confusão. Seria difícil classificar ou definir os novos seres que tiveram algum tipo de intervenção no seu genoma. Desse modo, isso poderia afetar, expressivamente, sua própria personalidade e, ainda mais, quem seria o responsável por toda essa desordem? É interessante considerar o que Habermas diz sobre a ―vida correta‖, logo no início de sua obra. Seus escritos mostram que, em passado não muito distante, o cosmo, a natureza humana e as histórias universal e sagrada, disponibilizavam elementos imbuídos de normas que remetiam à vida correta. O correto aqui tratavase de um modelo a ser seguido. Desse modo, assim como as religiões ofereciam seus fundadores como exemplo, a metafísica também propunha seus modelos de vida. Nesse período, as doutrinas da boa vida e da sociedade justa eram, por assim dizer, uma doutrina com base única, formando um todo, assim como a política e a ética. Não obstante, devido à aceleração da transformação social, também esses modelos caíram no esquecimento. Assim, após tentativas da parte filosófica de determinar modos de vida como modelos e exemplos de vida boa, é a própria sociedade justa que deixa a cargo, de cada pessoa, optar e escolher o que quer para sua vida; bem como a liberdade para desenvolver uma autocompreensão ética, que o levará à formação de seu próprio conceito de vida boa, isto é, a vida correta. Apesar de tudo, a filosofia não refutou a questão normativa mas se limitou a questões jurídicas, esforçando-se para ressaltar o posicionamento moral. Habermas 44 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.2.
  • 42. 42 afirma que no que se refere à teoria moral e ética, estas parecem ser norteadas pela mesma pergunta: ―O que eu devo fazer, o que nós devemos fazer?‖ No entanto, o ―dever‖ recebe um outro significado quando deixamos de perguntar, a partir de uma perspectiva inclusiva do ―nós‖, pelos direitos e deveres que todos atribuem uns aos outros e passamos a nos preocupar com nossa própria vida a partir da perspectiva da primeira pessoa e a questionar qual é a melhor coisa a 45 fazer ―por mim‖ ou ―por nós‖ a longo prazo, observando-se o todo. Nota-se que essas questões assumem a dimensão social, uma vez que para serem respondidas dependem do contexto que é universal para todos. A justiça e a moral, no entanto, percorrem caminhos próprios divergindo da ética. Por isso mesmo, de acordo com a perspectiva moral, deve-se extrair daqueles modelos religiosos e metafísicos citados anteriormente, uma vida boa ou ruím. A esse respeito, Habermas evidencia que a autocompreensão existencial pode servir-se desses modelos, mas a filosofia como tal não pode mais intervir em questões envolvendo a fé que se fundamenta em seu direito próprio. Desse modo, o autor fomenta que a definição de vida boa ou ruim só poderá ser concluída, mediante, a linguagem. Essa seria, por assim dizer, a única intermediária. Como citado anteriormente, questões normativas não diz respeito à filosofia. No entanto, Habermas afirma que ela não se furta ao debate moral, pois ao analisar temas relacionados à justiça, procura adotar medidas iguais para o bem de todos, e ao fazer isso, esforça-se para priorizar o ponto de vista moral no momento de julgar normas e ações. Nesse sentido, vale evidenciar o que diz Habermas citando Wolfgang Van den Daele quando se refere a moralização da natureza humana. Segundo ele, aquilo que a ciência disponibilizou tecnicamente, a normativa, por meio do controle moral, inviabilizou.46 Habermas comenta: Com os novos desenvolvimentos técnicos, surge, na maioria das vezes, uma nova necessidade de regulamentação. No entanto, até agora, as regras normativas simplesmente se ajustaram às transformações sociais. As mudanças na sociedade, desencadeadas pelas inovações técnicas nos campos da produção e do intercâmbio, da comunicação e dos transportes, do exército e da saúde estiveram sempre a frente. A clássica teoria social ainda descreveu as concepções pós-tradicionais do direito e da moral como 45 46 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.5-6. HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.34.
  • 43. 43 resultado daquela racionalização cultural e social, que se realizou 47 paralelamente aos avanços da ciência e da técnica modernas. Do mesmo modo, o autor expressa sua preocupação em relação aos novos avanços tecnológicos no campo das pesquisas genéticas. Nota-se que, para tanto, é necessário uma normativa inovada que acompanhe todo esse progresso científico, e, de certo modo, oriente e conduza o momento recente. No entanto, tem-se observado que, ao invés de tal ação, a normativa tem apenas se ajustado, conforme a necessidade atual. E, neste caso, não seria o suficiente. Some-se a isso, as promessas inovadoras dessas pesquisas, principalmente para o âmbito econômico, porque promete progresso na produtividade e porque também favorece a liberdade de escolha de cada pessoa. Assim, futuramente, as portas para a autonomia privada do individuo serão abertas, de modo que, esta nova perspectiva venha a facilitar o melhoramento da técnica, uma vez que, as pesquisas dependem da liberação da normativa. E essa muitas vezes considera o parecer coletivo. Deste modo, se a tecnicização da natureza promete uma vida mais saudável, logo, a aceitação será universal, e isso é um dado preocupante, já que o parecer coletivo é levado em conta. Assim, Habermas ressalta que uma moralização da natureza humana, no auge desta inovação tecnológica científica, seria inadmissível. Atualmente a medicina histórica tem conduzido a humanidade, de um modo geral, a uma reflexão incrédula. Pode-se afirmar que, de agora em diante, qualquer tentativa de moralização da natureza humana seria interpretado como uma refutação do avanço científico, com todas as suas promessas de melhorias na área da saúde. Para muitos, seria considerado um retrocesso. Quanto aos limites morais da eugenia, Habermas afirma que, a eugenia liberal produziria uma nova relação interpessoal, jamais vista, dado que a intervenção irreversível no genoma de outrem, implicaria em uma nova compreensão de moral. Ou seja, alterar a formação de uma pessoa, seria praticar certo tipo de desumanização. A decodificação do genoma humano promete intervenções que lançam, de modo surpreendente, uma luz sobre uma condição natural de nossa 47 Id. ibid.
  • 44. 44 autocompreensão normativa, condição esta até agora não tematizada, mas 48 que, nesse momento, revela-se essencial. Certamente, as descobertas advindas do seqüenciamento do genoma trouxeram ao mundo uma nova perspectiva para o âmbito biomédico. Essas alterações, como é sabido, gerou e tem gerado mudanças em algumas questões éticas. Desse modo, também a autocompreensão normativa estará sujeita a sofrer intervenções e aquilo que não era temido por não oferecer nenhum tipo de ameaça passa agora a ser uma questão que exige um pouco mais de atenção, uma vez que se trata de uma possível mudança na normativa. 3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO. Evidentemente, toda essa transformação no âmbito científico, tem gerado também inovações e preocupações no âmbito religioso. Não é novidade que ciência e fé sempre tiveram questões divergentes. Por isso mesmo, toda essa problemática analisada anteriormente tem desencadeado uma pergunta que não cala: até que ponto a instrumentalização da técnica influenciará a vida humana? Seria o caso de se render a ela, ou de perseguir outro objetivo da auto-otmização?49 A este respeito Habermas comenta: Nos primeiros passos deste caminho foi desencadeado um conflito de poderes da fé entre os porta-vozes da ciência organizada e os das igrejas. De um lado, o temor do obscurantismo e de um ceticismo em relação a ciência que se encerra na remanescência de sentimentos arcaicos; de outro, a oposição à fé cientificista no progresso, própria de um naturalismo 50 cru, que mina a moral. Pode-se dizer que na sociedade pós-secular a discussão sobre a biotecnologia moderna está dividida entre o receio de se cair no obscurantismo e ceticismo científico e a oposição cega à ciência. Para tanto, deve-se considerar, também o fanatismo religioso. Fruto de um zelo exorbitante por aquilo que se crê, ele tem conduzido muitos a ações inadmissíveis e cruentas para salvaguardar a fé. O medo de que a ciência propriamente dita, venha a subjugar a religião, de modo que ela se torne algo secundário (uma vez que a ciência poderia responder às 48 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.18. HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.135 50 Id. Ibid. 49
  • 45. 45 questões mais íntimas do homem), o fanatismo não pondera, mas age de forma arrasadora. Nesse caso, Habermas relembra o acontecimento de onze de setembro, um ataque ao World Trade Center em Manhattan, quando terroristas, fundamentados por uma crença deturpada, cometem um dos maiores atentado já visto na história da humanidade. Nota-se, portanto, que, apesar do fundamentalismo ser algo atual; as convicções que moveram os terroristas a defenderem a fé de maneira atroz, são motivações não contemporâneas. Por isso, ainda hoje, as técnicas genéticas são, por assim dizer, refletidas ou discutidas sob a influência de sentimentos ambivalentes. Ainda nesse sentido, tem-se observado que, na sociedade pluralista contemporânea mundial, os diferentes credos religiosos devem interagir e compartilhar suas crenças, para sobrepor o poder destrutivo e intolerante do monoteísmo vigente. Segundo Habermas, os credos religiosos precisam considerar as contribuições da ciência de um modo geral e acolher as premissas do estado constitucional. No entanto, vale ressaltar que, diante de um conflito entre a ciência e a religião, como por exemplo, sobre à técnica genética, o Estado democrático deve permanecer neutro. Habermas ainda enfatiza que a ciência tem causado alterações na autocompreensão da espécie humana, ao invés de esclarecer o senso comum. E qual seria o resultado se o lugar da autocompreensão normativa fosse ocupado pela imagem objetiva da ciência dentro do processo de esclarecimento do senso comum, uma vez que a normativa possibilita compreender que todos os seres humanos são iguais, possuidores de atribuições e responsabilidades? E Habermas responde: A crença cientificista numa ciência que um dia não apenas completará a autocompreensão pessoal, mas também a substituirá por uma autodescrição objetivante não é uma ciência, mas uma filosofia ruim. Também não haverá nenhuma ciência que possa privar o senso comum, cientificamente esclarecido, de, por exemplo, julgar o modo como devemos lidar com a vida humana pré-pessoal partindo das descrições 51 biomoleculares, que tornarão possíveis as interações genéticas. De certo modo, Habermas não concorda com o método que trata a vida prépessoal de um embrião, envolvido em uma pesquisa biotecnológica, guiada pela 51 HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.144.
  • 46. 46 auto-descrição objetivante. Sublinha ainda, o conflito entre religião e ciência quanto ao tocante à moral das pesquisas realizadas com embriões. A justificação racional é mais voltada ao esclarecimento do senso comum norteado pela ciência, apesar da religião participar, efetivamente no início do Estado constitucional, fundamentando o valor da igualdade entre as pessoas.
  • 47. 47 4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO O ensinamento moral da Igreja foi, por vezes, acusado de conter muitas proibições. Na realidade, ele se funda no reconhecimento e na promoção de todos os dons que o criador concedeu ao homem, com a vida, o 52 conhecimento, a liberdade e o amor. 52 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Dignitas Personae: Sobre algumas questões de bioética. São Paulo: Paulus e Loyola, 2008, p.37.
  • 48. 48 4.1 INTRODUÇÃO Analisando alguns documentos pontifícios, com questões relacionadas à dignidade humana, sacralidade da vida e manipulação genética, pode-se observar que esses contêm informações evidentes de que o homem, como ser criado por Deus, tem abusado do poder e do conhecimento a ele conferidos. E, ao contrário de guardar e proteger a vida como dom incomensurável, tem-na destruído e banalizado. Estaria o homem subestimando o transcendente, ignorando as atribuições divinas, daquele que o criou e inseriu dentro de si a inteligência e a sabedoria, pelas quais descobre e realiza tais feitos? Pode-se dizer que a ciência e a técnica estão, de fato, a serviço da pessoa humana? Como a Igreja Católica avalia e se posiciona diante dos novos desafios gerados pelo avanço científico da investigação no campo da genética, da medicina e das biotecnologias? A Igreja já lutou, defendeu, pronunciou a posicionou em favor da classe operária, através do documento Rerum Novarum em 1891, defendendo os direitos dos trabalhadores. Hoje, ela age da mesma forma, agora para preservar e defender o patrimônio genético humano. Nesta parte do trabalho, far-se-á uma pesquisa em documentos, encíclicas, e instruções pontifícias que defendem a vida. Evidenciando que o homem, como criatura de Deus, é chamado a ―transformar o criado, ordenando seus múltiplos recursos em favor da dignidade e do bem estar de todos os homens e do homem todo, e a ser, ainda, o gerador de seu valor e intrínseca beleza.‖53 Por isso, analisar-se-á mais detalhadamente, do ponto de vista doutrinal católico, os documentos e encíclicas pontifícias, tais como: Gaudium et Spes (Alegria e Esperança-1965), trata da constituição pastoral do concílio vaticano II sobre a Igreja no mundo de hoje, sob o Pontificado de Paulo VI (Giovanne Montini), Redemptor Hominis (O Redentor do Homem-1979); Donum Vitae (O dom da Vida1987), Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação; Veritatis Splendor (O Esplendor da Verdade-1993), sobre algumas questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja; Evangelium Vitae (O Evangelho da Vida-1995), sobre o valor da inviolalibilidade da vida humana, sob o 53 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob.cit., p.7.
  • 49. 49 pontificado de João Paulo II (Karol Wojtyla) e, por fim, Dignitas Personae (Dignidade da Pessoa-2008), sobre algumas questões de bioética, de Bento XVI (Joseph Ratzinger). 4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA No ano de 1998, o Projeto Genoma Humano estava em pleno andamento, faltando pouco para ser revelado ao mundo. No auge de sua trajetória, quando todos se voltavam para ele, ansiosos, esperançosos e curiosos, muitos buscaram compreender e conhecer o audacioso projeto, que prometia revolucionar o universo científico e suas demais extensões. Foi, com este intuito, que a Pontifícia Academia para a Vida se reuniu nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro deste mesmo ano, em uma assembléia na Cidade do Vaticano, abordando o tema: Genoma Humano: personalidade humana e sociedade do futuro. Tendo como tarefa primordial, promover e defender o valor fundamental da vida através do diálogo com especialistas nas disciplinas biomédicas, morais e jurídicas, que, por sua vez, consentiram em recolher as diversas perspectivas, dentro das quais a questão genética pôde ser enfrentada no respeito pelo método científico e a luz de uma visão antropológica, coerente com a concepção cristã do homem. Em discurso proferido aos participantes dessa assembléia, O Papa João Paulo II assim se expressou: No maravilhoso percurso que a mente humana realiza para conhecer o universo, a etapa que se registra nestes anos no âmbito genético é particularmente sugestiva, porque leva o homem a descoberta dos segredos mais íntimos da sua própria corporeidade.(...) O genoma humano é como o 54 ultimo continente que agora se explora. Mais adiante, João Paulo II ressalta que o início do novo milênio está permeado de dramas e conquistas. Segundo ele, as explorações geográficas e descobertas, fez com que os homens se reconhecessem e se aproximassem. Notase, 54 que o conhecimento humano, realizou aquisições interdisciplinares JOÃO PAULO II. A conquista do novo continente do saber, o genoma humano de possibilidades de vitoria sobre as doenças. In: L’osservatore Romano, Cidade do Vaticano, 14 mar. 1998, p.4.
  • 50. 50 extremamente importantes. Não obstante, no campo da genética, a ciência vem, através de um olhar perscrutador, adentrar no íntimo tecido da vida. Estas conquistas revelam cada vez mais a grandeza do criador, porque consentem que o homem constate a ordem ínsita da criação e aprecie as maravilhas do seu corpo, além do seu intelecto, no qual, de um certo modo, 55 se reflete a luz do verbo por meio do qual todas as coisas foram criadas. Apesar disso, com o avanço científico, tem-se observado, que a saga da busca do saber está ligeiramente ligada ao aumento de poder e não pelo interesse em contemplar e admirar as coisas. É justamente este desejo veemente, pelo domínio do conhecimento, que o saber e o poder têm, por meio de uma lógica influente, estreitado os laços que os une, conduzindo o homem a um estado de aprisionamento. No que se refere, ao conhecimento adquirido pelas descobertas do genoma, essa lógica pode levar os cientistas a intervirem, de forma hostil, na estrutura da vida humana, e assim poderia submeter, manipular e alterar características importantes, principalmente, nas gerações futuras. 4.2.1 Uma mentalidade eugenética No discurso que proferiu aos Membros da Pontifícia Academia para a Vida, Wojtyla evidencia sua preocupação quanto à instauração de um tipo cultural, que proporciona e beneficia a diagnose pré-natal, excluindo aqueles que, por meio desta, apresentam algum tipo de anomalia; manifestando uma imperfeição. Observa-se, então, que as pesquisas genéticas, caminham para uma direção que não é o da terapia, em vista do melhor acolhimento do ser que ainda está por vir, mas sim, de repulsa, e, infelizmente, daquele que não é, ou melhor, não será perfeito. Por isso mesmo, a Igreja se preocupa com a questão do eugenismo seletivo, suprimindo embriões, ou fetos, que desenvolvem algum tipo de doença. Por vezes, esse tipo de seleção tem se pautado em teorias errôneas quanto à dimensão sacra da vida. Observa-se que quanto mais aumenta o conhecimento e o poder de intervenção, tanto maior deve ser o conhecimento dos valores em voga. Do 55 Id. ibid.
  • 51. 51 contrário, todas essas informações, não disponibilizadas a qualquer pessoa, aumentará, expressivamente, a discriminação. De fato, a engenharia genética trabalha com manipulações, visando ao melhoramento e potenciamento da dotação genética. Não obstante, essas manipulações não consideram o valor da criatura humana como um ser finito, verdadeiramente. Algumas ações da engenharia genética recusam essa realidade. Por isso, tem gerado preocupação, uma vez que favorecem o surgimento dessa mentalidade eugenética. Por essa razão, dez anos depois do discurso proferido aos membros da Pontifícia Academia para a Vida, a Igreja encerra em si a mesma preocupação. Assim, a encíclica Dignitas Personae, afirma: ...emerge, sobretudo o fato de que tais manipulações favorecem uma mentalidade eugenética e introduzem um indireto estigma social no confronto dos que não possuem particulares dotes e enfatizam dotes apreciados em determinadas culturas e sociedades que, por si, não constituem o especifico humano. Estaria isto em contraste com a verdade fundamental da igualdade entre todos os seres humanos, que se traduz no principio de justiça, cuja violação acabaria por atentar a convivência pacifica 56 entre os indivíduos. As perspectivas da Igreja em relação ao mapeamento e sequenciamento do genoma humano concentram-se, na possibilidade de vitórias sobre doenças e não no processo seletivo que, consequentemente, torna discriminatório. Assim, será mais vantajoso, se todos os povos, independente de seu desenvolvimento, tenham acesso aos resultados dessas pesquisas genéticas, evitando as desigualdades. Tal como afirma Souza: Essas manipulações, além de provocar discussões referentes à liberdade de escolha, à riqueza da diversidade humana, à utopia do homem perfeito levada ao extremo, suscitam o problema da dificuldade de acesso das pessoas às tecnologias. (...) Há nisso o grande risco de haver uma divisão entre pessoas geneticamente melhoradas e os concebidos naturalmente 57 com suas ―imperfeições‖. Portanto, deve-se observar se a finalidade do conhecimento proporcionada pelo genoma está sendo usada para discriminar ou estigmatizar os seres que possuem deficiência em seu material genético, ou se está possibilitando a 56 57 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução...ob.cit.,p.28. SOUZA, V. J, ob.cit., p.86.
  • 52. 52 separação e afastamento daqueles que têm probabilidade de desenvolver, no decorrer da vida, uma doença que comprometa sua idoneidade e/ou capacidade de exercer determinadas funções. Nesse caso, seria moralmente inaceitável, uma vez que esse tipo de comportamento é contrário e incompatível à igualdade e à justiça. Na perspectiva deontológica, também se tem considerado que há um ―clima cultural‖ sendo favorecido por informações nem sempre científicas, logo, incorretas. Essas informações têm orientado a prática da diagnose pré-natal, que seleciona os indivíduos imperfeitos, conforme análises e testes realizados. E, dessa forma, deixa de ser primordial a perspectiva terapêutica, torna-se discriminatória, daqueles considerados não sadios e perfeitos, segundo os parâmetros de uma eugenia seletiva. Torna-se preocupante quando esse conhecimento ameaça a vida do ser que está no início de sua existência, correndo o risco de nunca subsistir. Sob esse aspecto, a Igreja tem lutado, com afinco, cujo intuito é o de evitar esse eugenismo seletivo, que discrimina e/ou destrói os embriões afetados, por qualquer anomalia, criando e permitindo nascerem somente os seres considerados, geneticamente, perfeitos e desconsiderando diferenças antropológicas e éticas entre as várias fases da vida em formação. Nesse sentido, Fukuyama também tem observado: Ademais, a engenharia genética vê o ser humano não como um ato miraculoso da criação divina, mas como a soma de uma série de causas materiais que podem ser compreendidas e manipuladas por seres humanos. Tudo isso é um desrespeito à dignidade humana e, por isso, viola 58 a vontade de Deus. Outra preocupação que nasce dessa problemática está na forma como essas informações genéticas seriam usadas para alterar, de modo evasivo, o genoma de uma pessoa. Isso é uma mentalidade eugenética e possibilitaria a transformação, a modificação e o melhoramento da raça humana. Nesse caso, a quem caberia decidir e determinar o que, ou quem é o melhor? Seria mesmo possível responder e atender os desejos e ambições de cada ser humano? Levando em consideração o que fora evidenciado, conclui-se que todas essas preocupações apontadas pela Igreja, ocasionariam uma desigualdade social 58 FUKUYAMA, F. Nosso futuro pós-humano: Conseqüências da revolução da biotecnologia. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 100.