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Planejamento urbano: conceitos, princípios e perspectivas.1
Geraldo Magela Costa2
Introdução
O momento atual de administração das cidades tem sido marcado pela ênfase nas
questões do plano diretor e da gestão, com o abandono do planejamento urbano,
enquanto um processo contínuo e compreensivo. Este tipo de afirmação/hipótese
remete à necessidade de se resgatar os conceitos e princípios que orientaram as
propostas e metodologias de planejamento urbano no Brasil, especialmente a
partir do momento em que ele passa a ser institucionalizado no início dos anos
sessenta chegando ao período após a Constituição de 1988.
Pode-se dizer que nenhuma política urbana foi explicitamente elaborada e
adotada pelo governo central no Brasil antes da instalação do regime militar em
1964. Neste texto não se pretende rever todas as ações e resultados alcançados
com a criação de uma série de medidas, instituições e políticas voltadas para a
questão urbana a partir daquele ano, mas tão somente destacar alguns de seus
aspectos que são relevantes para entender um novo momento de planejamento e
gestão urbana que passa a vigorar com a Constituição de 1988.
No período do regime militar a política urbana era marcada por uma característica
principal: a centralização de decisões no governo federal, com forte orientação
setorializada de proposições e intervenções. Esta característica estava presente na
criação das regiões metropolitanas, no programa de cidades médias e em várias
outras políticas urbanas setoriais, particularmente aquelas administradas pelo
Banco Nacional de Habitação – BNH. Além disso, uma parte da política se
baseava no financiamento à elaboração de planos de desenvolvimento locais
integrados (PDLIs), com base em metodologia de planejamento compreensivo
1
Esse texto reproduz, em parte e com modificações, artigo publicado nos anais do 5o
Congresso Brasileiro de
Geógrafos (COSTA, 1994).
2
Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia - UFMG
proposta pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU (MONTE-
MÓR, 1980; BERNARDES, 1986). A adoção deste tipo de política do governo
central significou, de fato, o abandono de idéias anteriores que sugeriam a
necessidade de intervenções mais definitivas do estado, especialmente aquelas
voltadas para o controle dos direitos absolutos de propriedade que vigoravam nas
principais cidades e metrópoles do País. Estou me referindo aqui às mobilizações
ocorridas no início dos anos sessenta, a favor de uma reforma urbana. O golpe
militar colocou um fim a esta idéia de reforma que, a partir de então, permaneceu
no limbo por um longo período, pelo menos até os anos oitenta, quando, no
processo de (re)democratização, retomou-se a sua discussão, tanto na forma de
propostas de leis no Congresso Nacional, quanto de mobilizações da sociedade
civil no processo constituinte.
Em paralelo ao conjunto de medidas de política urbana do período do regime
militar, ocorreu um processo de enfraquecimento dos governos locais em termos
tanto de decisões político-administrativas quanto de recursos financeiros necessários
ao enfrentamento das crescentes deficiências de serviços urbanos básicos. A falta
de uma legislação urbana efetiva contribuiu para agravar esta situação, uma vez
que os governos locais eram incapazes de controlar, de forma eficaz, os
processos privados de parcelamento, ocupação e uso do solo urbano. O
resultado, não é novidade, foi a produção de espaço urbano socialmente
fragmentado e excludente, o que é um lugar comum nas grandes cidades
brasileiras.
O aspecto principal a ser enfatizado é que questões identificadas como
tipicamente urbanas como acesso à terra, à habitação e aos serviços urbanos
essenciais, não haviam, até o processo constituinte dos anos oitenta, recebido
atenção em termos de proposições realmente efetivas, apesar de a reforma
urbana ter sido identificada como urgente ainda no início dos anos sessenta. O
capítulo da política urbana da Constituição de 1988 representou o início de uma
mudança em relação às formas de se considerar o planejamento e a gestão
urbana.
O ponto central dessa legislação constitucional sobre a política urbana é o
princípio que determina que a terra urbana tem que cumprir uma função social. A
Constituição legislou também sobre instrumentos que contribuiriam para alcançar
o objetivo de função social da propriedade urbana: edificação e parcelamento
compulsórios, imposto territorial progressivo no tempo e expropriação com fins
sociais além do estatuto do usucapião. Para definir como e onde esses
instrumentos deveriam ser adotados, os governos locais de cidades com 20 mil ou
mais habitantes deveriam ter planos diretores.
O presente texto contém algumas reflexões a respeito de questões de caráter
metodológico ou de experiências concretas relacionadas a aspectos da fase mais
recente da política urbana, em especial a adoção e elaboração de planos
diretores, a ênfase dada aos aspectos da gestão e o abandono ou a pulverização
das análises urbanas necessárias como suporte ao planejamento enquanto um
processo contínuo.
Planejamento urbano, plano diretor e gestão urbana: uma reflexão sobre os
seus conteúdos e significados.
Observa-se inicialmente que existe uma questão relacionada a conceitos, que
surge em função da (re)introdução do plano diretor como instrumento de política
urbana. O lugar de destaque dado pelo texto constitucional ao plano diretor parece
indicar uma inversão de valores em relação ao princípio básico de função social
da terra urbana. Além disso, seu grau de abrangência tem variado de caso para
caso, revelando que não está clara a distinção entre, por exemplo, plano diretor,
planejamento urbano, instrumentos de gestão e planejamento de governo. Existem
aí também algumas questões relacionadas à abordagem teórico-metodológica.
Em artigo apresentado no 13° Encontro da Barttlet International Summer School –
BISS 13 –, realizado em São Paulo em 1991 (COSTA, 1992), apresentei alguns
aspectos desta questão, através da análise de uma proposta de plano diretor para
Belo Horizonte. A discussão da questão dos conceitos mostrou-se necessária para
uma análise mais ampla sobre as possibilidades deste instrumento de política
urbana – o Plano Diretor –, contribuir para a produção de um espaço urbano
democrático, ao invés de promover a consolidação de estruturas urbanas
excludentes, marcadas pela segregação sócio-espacial, como vinham sendo os
resultados “de tentativas anteriores de instrumentos de política urbana, a exemplo
das leis de uso do solo ou de parcelamento”. De fato, é de conhecimento geral
que muitas das iniciativas de implantação de instrumentos de política urbana no
passado acabaram por produzir resultados contrários aos que se pretendia. Por
exemplo: propunha-se, como forma de resolver problemas relacionados com a
deficiência de infra-estrutura nas áreas mais pobres de nossas cidades, a adoção
de legislação urbanística rigorosa que exigisse loteamentos mais bem dotados dos
serviços urbanos básicos. O problema que surgia então era que as camadas mais
pobres da população não tinham condições de ter acesso a ou manter estes lotes
urbanizados.
A elaboração e adoção de planos diretores podem, dependendo da situação, levar
a resultados semelhantes. Então, uma primeira pergunta a ser feita é que plano
diretor é este? Ou, o que é um plano diretor? A relevância desta discussão torna-
se evidente quando se constata que o capítulo da política urbana da Constituição
de 1988 coloca o Plano Diretor como “instrumento básico”, a ser adotado pelas
administrações municipais como forma de se buscar a “função social da
propriedade urbana”, princípio central da política então proposta. O fato de a
adoção dos instrumentos necessários para atingir esse objetivo – a exemplo do
imposto territorial progressivo, da desapropriação para fins sociais e da edificação
e do parcelamento compulsórios – estar sujeita a determinações do Plano Diretor,
colocou este instrumento como central para a nova política urbana. A princípio
parece existir neste fato uma inversão de valores, uma vez que um instrumento –
o plano –, deve ditar as regras para um princípio – a prevalência da função social
da propriedade.
Um primeiro resultado desta indefinição e controvérsia inicial refere-se à
quantidade e variedade de interpretações sobre o que deve constituir um plano
diretor, contidas nas leis orgânicas municipais. Algumas apresentam verdadeiras
“receitas de bolo”, um procedimento já criticado como indesejável em fases
anteriores do planejamento urbano no País, a exemplo de críticas feitas à
metodologia ditada pelo SERFHAU para a elaboração de planos de
desenvolvimento local integrados – os PDLIs. O principal risco dessas “receitas”
sobre a composição de um plano está em quem elabora e propõe. Em muitos
casos os planos são feitos por profissionais não ligados diretamente às
administrações municipais e/ou que não acompanharam mais de perto toda a
discussão que levou à inclusão no texto constitucional de medidas de política
urbana mais eficazes no controle às formas de ocupação do solo. Para estes, a
“receita” é muito bem vinda, tornando a elaboração do plano simplesmente uma
coisa automática, às vezes totalmente desligada de uma prática e de uma
teoria que contribuíram para uma nova leitura de nossas cidades. Em alguns
casos, o resultado acaba sendo o recurso a fórmulas do passado, principalmente
em termos teórico-metodológicos, já superadas por uma crítica bem
fundamentada.
Em meio a este estado de indefinição e desconhecimento era natural que
surgissem, portanto, limites imprecisos entre o que é planejamento e o que é
plano ou entre o que é instrumento de política e o que é gestão urbana em sentido
mais amplo. Entendo que o que hoje se denomina plano diretor identifica-se com
um conjunto de estudos básicos que teria como objetivo principal orientar a
elaboração de certos instrumentos de política urbana, em especial a legislação de
parcelamento, ocupação e uso do solo. Ou seja, o plano diretor, além de não ter o
caráter compreensivo em relação ao espaço urbano, não deve ser também um
plano de governo. Este último aspecto sugere também ser desnecessária a
fixação de horizontes ou de metas. Ao contrário, como orientador da adoção de
instrumentos de política urbana, o plano diretor deve ter uma grande flexibilidade
quanto à sua abrangência temporal, de modo a se ajustar com facilidade às
rápidas transformações do espaço urbano. Tais transformações necessitam ser
acompanhadas de forma constante pela análise e o planejamento urbano.
Com isto, e raciocinando no extremo, poder-se-ia afirmar que o plano em si,
enquanto um documento escrito e impresso, perde parte de sua função diante do
processo. Ocorre então uma maior prioridade para os aspectos de gestão, por
meio de conselhos consultivos ou deliberativos, orçamento participativo e outros
instrumentos relevantes para a consolidação democrática do processo
administrativo local. Observam-se, sem dúvida, importantes avanços na busca
desta consolidação. Ou seja, o caráter participativo do processo de gestão local
tem o potencial de consolidar ou mesmo institucionalizar uma prática, ainda
embrionária, de decisão democrática nas cidades. Mesmo que essa prática
participativa se efetive, o que é um ganho extremamente relevante na busca da
consolidação dos direitos de cidadania, ela não prescinde do planejamento. Ou
seja, tanto para as decisões sociais coletivizadas, quanto para orientar outras
formas de decisão governamental, o resgate do planejamento, baseado na
compreensividade da análise urbana, é imprescindível. Não se está aqui
sugerindo o retorno àquela compreensividade proposta pela metodologia do
SERFHAU. Em primeiro lugar, porque ela se identificava mais com uma falsa
integração de abordagens disciplinares do que com a idéia de um conhecimento
mais global da realidade que se pretendia planejar. Em segundo lugar, e
certamente mais importante, deve-se evitar uma espécie de autonomia da
dimensão técnica (que não pode ser confundida com a autonomia do
planejamento) que foi responsável por uma certa inversão de valores nas
tentativas de planejamento compreensivo do passado. Ou seja, a partir de uma
análise de visões disciplinares supostamente integradas e baseada em uma
racionalidade técnica, impunham-se objetivos e prioridades, desconsiderando o os
atores do processo político local. Com isto, se desconhecia a natureza política do
planejamento que deveria se manifestar essencialmente no estabelecimento de
objetivos e prioridades.
O abandono do planejamento urbano enquanto um processo constante e mais
compreensivo de análise da produção e reprodução do espaço das cidades não
decorre somente da ênfase dada à gestão, observada a partir da promulgação da
Constituição de 1988. É também o resultado da ideologia do estado mínimo
destes tempos de neoliberalismo. Além disso, a quebra das barreiras espaciais,
resultado das seguidas revoluções nos meios de transportes e de comunicações
(HARVEY, 1995), associada aos processos de reestruturação e flexibilização da
produção, tem levado os governos locais a buscarem formas competitivas de
inserção na economia globalizada. Decorre disto, uma outra nova forma de gestão
que Harvey (1996) denomina de empresariamento urbano. Trata-se da adoção do
chamado planejamento estratégico, que é de fato, uma estratégia de gestão
orientada para a atração de “uma produção altamente móvel e flexível, bem como
fluxos financeiros e de consumo” (HARVEY, 1995: 5).3
Sobre essa questão, Souza
(2003: 31) escreve:
“O enfraquecimento do planejamento se faz acompanhar pela
popularização do termos gestão (nos países de língua inglesa,
management), o que é muito sintomático: como a gestão significa a
rigor, a administração dos recursos e problemas aqui e agora,
operando, portanto, no curto e no médio prazos, o
hiperprivilegiamento da idéia de gestão em detrimento de um
planejamento consistente representa o triunfo do imediatismo e da
miopia dos ideólogos ultraconservadores do “mercado livre””
(destaques no original).
Portanto, o processo de busca tanto de formas mais democráticas de ocupação e
uso de espaço urbano, quanto de inserção competitiva na economia globalizada e
supostamente móvel e flexível em um “mercado livre”, tem levado, mesmo que por
meio de caminhos diferentes, as administrações locais a privilegiarem aspectos de
gestão em detrimento de um planejamento mais compreensivo e contínuo que
inclua também a gestão. Esta, isolada de um planejamento consistente, corre o
3
Para uma análise crítica do planejamento estratégico ver Vainer (2000).
risco de ser identificada apenas com ações estratégicas, apressadas e atadas ao
curto prazo.
Não há dúvidas que essa diferenciação necessária entre instrumentos, plano e
planejamento, não é novidade para boa parte das administrações municipais, em
especial aquelas que lograram eleger prefeitos progressistas, comprometidos com
os termos da política urbana contidos na Constituição Federal, nas Leis Orgânicas
Municipais e, mais recentemente, no Estatuto da Cidade. Observa-se atualmente
que pesquisadores e técnicos que durante um longo período lutaram por
instrumentos mais eficazes de política urbana estão hoje em postos de
planejamento e de decisão política em administrações municipais de importantes
cidades brasileiras.4
Do ponto de vista teórico-metodológico esta observação traz
de volta velhas discussões que, neste novo contexto, podem contribuir para
esclarecimentos e avanços. Trata-se de questões como a separação ou não entre
o técnico e o político no planejamento e gestão local e o conceito de planejamento
enquanto um processo.
Esse tipo de separação existiu no momento em que os planos de desenvolvimento
local integrado eram elaborados por terceiros, geralmente firmas privadas,
seguindo metodologia proposta pelo SERFHAU. Se no momento atual, passa
existir uma espécie de fusão entre os atores que estabelecem objetivos, que
devem ser essencialmente de natureza política, e aqueles de coordenam o
planejamento e sua implementação, nos termos acima referidos, poder-se-ia supor
que o planejamento urbano naqueles municípios estaria sendo tratado como um
processo constante. Com isto, estariam também superadas eventuais confusões
entre plano diretor, planejamento urbano, planejamento de governo e outras formas
de instrumentos de gestão.
Em paralelo com a elaboração de um plano diretor, vem sendo observado o
estabelecimento de prioridades de intervenções urbanas, muitas vezes através de
4
Mais recentemente isto vem ocorrendo também na administração federal.
formas democráticas de gestão, a exemplo do orçamento participativo, e da criação
de fóruns, com ampla participação dos vários segmentos da sociedade local.
Apesar disso, há uma hipótese bastante plausível de que o planejamento urbano
não foi, naquelas administrações, de fato estabelecido ou resgatado nos termos
das argumentações anteriormente elaboradas. As razões para isto estariam tanto
na já mencionada ênfase dada à gestão na condução da política urbana atual,
uma ênfase justificada tanto pela busca de formas mais democráticas de decisões
sobre as prioridades sociais, quanto pela adoção de ações identificadas com os
princípios do planejamento estratégico, que priorizam a inserção das localidades
em uma economia globalizada, flexível e móvel, por meio de práticas competitivas
que visam a atração de investimentos.
Uma outra hipótese sobre as dificuldades em se resgatar ou estabelecer
processos de caráter mais compreensivos e contínuos de planejamento urbano,
refere-se ao lugar que ele ocupa dentro do aparato administrativo das cidades e
municípios. Dependendo da sua forma de inserção nas estruturas administrativas,
o planejamento urbano pode adquirir feições e conteúdos diversos: ser apenas
uma atividade de revisão formal do plano diretor; ser confundido com plano de
governo, estratégico ou não; estar sujeito a uma espécie de pragmatismo, se
estiver, por exemplo, sendo elaborado somente em função de decisões de caráter
fragmentado e imediatistas. Nestes casos, o planejamento urbano estaria,
portanto, mais identificado com funções de governo, dificultando o atingimento de
um certo grau de autonomia, essencial para que ele se caracterizasse como
função de estado, permanente e de longo prazo.
Tais hipóteses fazem parte de um projeto de pesquisa em processo de
desenvolvimento e que prevê um estudo do caso sobre as formas de inserção do
planejamento urbano no aparato administrativo municipal de Belo Horizonte.
Referências bibliográficas
BERNARDES, L. 1986. Política urbana: uma análise da experiência brasileira.
Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, v.1, n.1, p.83-
119, jan./abr. 1986.
COSTA, G. M. 1992. A atual política urbana brasileira e suas possíveis contribuições
à produção de um ambiente construído democrático: o caso do Plano Diretor de
Belo Horizonte. In: 13th BARTLETT INTERNATIONAL SUMMER SCHOOL
(BISS), Proceedings... São Paulo: BISS Organizing Committee. p.112-117.
______. 1994. Política e gestão urbanas pós-88: contribuições para um balanço
crítico. In: 5° CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, Anais... São
Paulo: Associação de Geógrafos do Brasil. p.519-528.
HARVEY, D. 1996. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação urbana no
capitalismo tardio. Espaço & Debates, n. 39, ano XVI. São Paulo: NERU, p. 48 - 64.
______. 1995. Espaços urbanos na ‘aldeia global’: reflexões sobre a condição
urbana no capitalismo do final do século XX. (Transcrição de uma conferência
proferida em Belo Horizonte, em 1995).
MONTE-MÓR, R.L. de M. 1980. Espaço e planejamento urbano: considerações
sobre o caso de Rondônia. Rio de Janeiro: PUR/COPPE/UFRJ. (Tese de
Mestrado).
SOUZA, M. L. 2003. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à
gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
VAINER, C. B. 2000. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia
discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: Arantes, O.; Vainer, C.;
Maricato, E. 2000. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
Petrópolis: Vozes, p. 75 - 103.

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Planejamento urbano: conceitos, princípios e perspectivas

  • 1. Planejamento urbano: conceitos, princípios e perspectivas.1 Geraldo Magela Costa2 Introdução O momento atual de administração das cidades tem sido marcado pela ênfase nas questões do plano diretor e da gestão, com o abandono do planejamento urbano, enquanto um processo contínuo e compreensivo. Este tipo de afirmação/hipótese remete à necessidade de se resgatar os conceitos e princípios que orientaram as propostas e metodologias de planejamento urbano no Brasil, especialmente a partir do momento em que ele passa a ser institucionalizado no início dos anos sessenta chegando ao período após a Constituição de 1988. Pode-se dizer que nenhuma política urbana foi explicitamente elaborada e adotada pelo governo central no Brasil antes da instalação do regime militar em 1964. Neste texto não se pretende rever todas as ações e resultados alcançados com a criação de uma série de medidas, instituições e políticas voltadas para a questão urbana a partir daquele ano, mas tão somente destacar alguns de seus aspectos que são relevantes para entender um novo momento de planejamento e gestão urbana que passa a vigorar com a Constituição de 1988. No período do regime militar a política urbana era marcada por uma característica principal: a centralização de decisões no governo federal, com forte orientação setorializada de proposições e intervenções. Esta característica estava presente na criação das regiões metropolitanas, no programa de cidades médias e em várias outras políticas urbanas setoriais, particularmente aquelas administradas pelo Banco Nacional de Habitação – BNH. Além disso, uma parte da política se baseava no financiamento à elaboração de planos de desenvolvimento locais integrados (PDLIs), com base em metodologia de planejamento compreensivo 1 Esse texto reproduz, em parte e com modificações, artigo publicado nos anais do 5o Congresso Brasileiro de Geógrafos (COSTA, 1994). 2 Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia - UFMG
  • 2. proposta pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU (MONTE- MÓR, 1980; BERNARDES, 1986). A adoção deste tipo de política do governo central significou, de fato, o abandono de idéias anteriores que sugeriam a necessidade de intervenções mais definitivas do estado, especialmente aquelas voltadas para o controle dos direitos absolutos de propriedade que vigoravam nas principais cidades e metrópoles do País. Estou me referindo aqui às mobilizações ocorridas no início dos anos sessenta, a favor de uma reforma urbana. O golpe militar colocou um fim a esta idéia de reforma que, a partir de então, permaneceu no limbo por um longo período, pelo menos até os anos oitenta, quando, no processo de (re)democratização, retomou-se a sua discussão, tanto na forma de propostas de leis no Congresso Nacional, quanto de mobilizações da sociedade civil no processo constituinte. Em paralelo ao conjunto de medidas de política urbana do período do regime militar, ocorreu um processo de enfraquecimento dos governos locais em termos tanto de decisões político-administrativas quanto de recursos financeiros necessários ao enfrentamento das crescentes deficiências de serviços urbanos básicos. A falta de uma legislação urbana efetiva contribuiu para agravar esta situação, uma vez que os governos locais eram incapazes de controlar, de forma eficaz, os processos privados de parcelamento, ocupação e uso do solo urbano. O resultado, não é novidade, foi a produção de espaço urbano socialmente fragmentado e excludente, o que é um lugar comum nas grandes cidades brasileiras. O aspecto principal a ser enfatizado é que questões identificadas como tipicamente urbanas como acesso à terra, à habitação e aos serviços urbanos essenciais, não haviam, até o processo constituinte dos anos oitenta, recebido atenção em termos de proposições realmente efetivas, apesar de a reforma urbana ter sido identificada como urgente ainda no início dos anos sessenta. O capítulo da política urbana da Constituição de 1988 representou o início de uma
  • 3. mudança em relação às formas de se considerar o planejamento e a gestão urbana. O ponto central dessa legislação constitucional sobre a política urbana é o princípio que determina que a terra urbana tem que cumprir uma função social. A Constituição legislou também sobre instrumentos que contribuiriam para alcançar o objetivo de função social da propriedade urbana: edificação e parcelamento compulsórios, imposto territorial progressivo no tempo e expropriação com fins sociais além do estatuto do usucapião. Para definir como e onde esses instrumentos deveriam ser adotados, os governos locais de cidades com 20 mil ou mais habitantes deveriam ter planos diretores. O presente texto contém algumas reflexões a respeito de questões de caráter metodológico ou de experiências concretas relacionadas a aspectos da fase mais recente da política urbana, em especial a adoção e elaboração de planos diretores, a ênfase dada aos aspectos da gestão e o abandono ou a pulverização das análises urbanas necessárias como suporte ao planejamento enquanto um processo contínuo. Planejamento urbano, plano diretor e gestão urbana: uma reflexão sobre os seus conteúdos e significados. Observa-se inicialmente que existe uma questão relacionada a conceitos, que surge em função da (re)introdução do plano diretor como instrumento de política urbana. O lugar de destaque dado pelo texto constitucional ao plano diretor parece indicar uma inversão de valores em relação ao princípio básico de função social da terra urbana. Além disso, seu grau de abrangência tem variado de caso para caso, revelando que não está clara a distinção entre, por exemplo, plano diretor, planejamento urbano, instrumentos de gestão e planejamento de governo. Existem aí também algumas questões relacionadas à abordagem teórico-metodológica.
  • 4. Em artigo apresentado no 13° Encontro da Barttlet International Summer School – BISS 13 –, realizado em São Paulo em 1991 (COSTA, 1992), apresentei alguns aspectos desta questão, através da análise de uma proposta de plano diretor para Belo Horizonte. A discussão da questão dos conceitos mostrou-se necessária para uma análise mais ampla sobre as possibilidades deste instrumento de política urbana – o Plano Diretor –, contribuir para a produção de um espaço urbano democrático, ao invés de promover a consolidação de estruturas urbanas excludentes, marcadas pela segregação sócio-espacial, como vinham sendo os resultados “de tentativas anteriores de instrumentos de política urbana, a exemplo das leis de uso do solo ou de parcelamento”. De fato, é de conhecimento geral que muitas das iniciativas de implantação de instrumentos de política urbana no passado acabaram por produzir resultados contrários aos que se pretendia. Por exemplo: propunha-se, como forma de resolver problemas relacionados com a deficiência de infra-estrutura nas áreas mais pobres de nossas cidades, a adoção de legislação urbanística rigorosa que exigisse loteamentos mais bem dotados dos serviços urbanos básicos. O problema que surgia então era que as camadas mais pobres da população não tinham condições de ter acesso a ou manter estes lotes urbanizados. A elaboração e adoção de planos diretores podem, dependendo da situação, levar a resultados semelhantes. Então, uma primeira pergunta a ser feita é que plano diretor é este? Ou, o que é um plano diretor? A relevância desta discussão torna- se evidente quando se constata que o capítulo da política urbana da Constituição de 1988 coloca o Plano Diretor como “instrumento básico”, a ser adotado pelas administrações municipais como forma de se buscar a “função social da propriedade urbana”, princípio central da política então proposta. O fato de a adoção dos instrumentos necessários para atingir esse objetivo – a exemplo do imposto territorial progressivo, da desapropriação para fins sociais e da edificação e do parcelamento compulsórios – estar sujeita a determinações do Plano Diretor, colocou este instrumento como central para a nova política urbana. A princípio parece existir neste fato uma inversão de valores, uma vez que um instrumento –
  • 5. o plano –, deve ditar as regras para um princípio – a prevalência da função social da propriedade. Um primeiro resultado desta indefinição e controvérsia inicial refere-se à quantidade e variedade de interpretações sobre o que deve constituir um plano diretor, contidas nas leis orgânicas municipais. Algumas apresentam verdadeiras “receitas de bolo”, um procedimento já criticado como indesejável em fases anteriores do planejamento urbano no País, a exemplo de críticas feitas à metodologia ditada pelo SERFHAU para a elaboração de planos de desenvolvimento local integrados – os PDLIs. O principal risco dessas “receitas” sobre a composição de um plano está em quem elabora e propõe. Em muitos casos os planos são feitos por profissionais não ligados diretamente às administrações municipais e/ou que não acompanharam mais de perto toda a discussão que levou à inclusão no texto constitucional de medidas de política urbana mais eficazes no controle às formas de ocupação do solo. Para estes, a “receita” é muito bem vinda, tornando a elaboração do plano simplesmente uma coisa automática, às vezes totalmente desligada de uma prática e de uma teoria que contribuíram para uma nova leitura de nossas cidades. Em alguns casos, o resultado acaba sendo o recurso a fórmulas do passado, principalmente em termos teórico-metodológicos, já superadas por uma crítica bem fundamentada. Em meio a este estado de indefinição e desconhecimento era natural que surgissem, portanto, limites imprecisos entre o que é planejamento e o que é plano ou entre o que é instrumento de política e o que é gestão urbana em sentido mais amplo. Entendo que o que hoje se denomina plano diretor identifica-se com um conjunto de estudos básicos que teria como objetivo principal orientar a elaboração de certos instrumentos de política urbana, em especial a legislação de parcelamento, ocupação e uso do solo. Ou seja, o plano diretor, além de não ter o caráter compreensivo em relação ao espaço urbano, não deve ser também um plano de governo. Este último aspecto sugere também ser desnecessária a
  • 6. fixação de horizontes ou de metas. Ao contrário, como orientador da adoção de instrumentos de política urbana, o plano diretor deve ter uma grande flexibilidade quanto à sua abrangência temporal, de modo a se ajustar com facilidade às rápidas transformações do espaço urbano. Tais transformações necessitam ser acompanhadas de forma constante pela análise e o planejamento urbano. Com isto, e raciocinando no extremo, poder-se-ia afirmar que o plano em si, enquanto um documento escrito e impresso, perde parte de sua função diante do processo. Ocorre então uma maior prioridade para os aspectos de gestão, por meio de conselhos consultivos ou deliberativos, orçamento participativo e outros instrumentos relevantes para a consolidação democrática do processo administrativo local. Observam-se, sem dúvida, importantes avanços na busca desta consolidação. Ou seja, o caráter participativo do processo de gestão local tem o potencial de consolidar ou mesmo institucionalizar uma prática, ainda embrionária, de decisão democrática nas cidades. Mesmo que essa prática participativa se efetive, o que é um ganho extremamente relevante na busca da consolidação dos direitos de cidadania, ela não prescinde do planejamento. Ou seja, tanto para as decisões sociais coletivizadas, quanto para orientar outras formas de decisão governamental, o resgate do planejamento, baseado na compreensividade da análise urbana, é imprescindível. Não se está aqui sugerindo o retorno àquela compreensividade proposta pela metodologia do SERFHAU. Em primeiro lugar, porque ela se identificava mais com uma falsa integração de abordagens disciplinares do que com a idéia de um conhecimento mais global da realidade que se pretendia planejar. Em segundo lugar, e certamente mais importante, deve-se evitar uma espécie de autonomia da dimensão técnica (que não pode ser confundida com a autonomia do planejamento) que foi responsável por uma certa inversão de valores nas tentativas de planejamento compreensivo do passado. Ou seja, a partir de uma análise de visões disciplinares supostamente integradas e baseada em uma racionalidade técnica, impunham-se objetivos e prioridades, desconsiderando o os atores do processo político local. Com isto, se desconhecia a natureza política do
  • 7. planejamento que deveria se manifestar essencialmente no estabelecimento de objetivos e prioridades. O abandono do planejamento urbano enquanto um processo constante e mais compreensivo de análise da produção e reprodução do espaço das cidades não decorre somente da ênfase dada à gestão, observada a partir da promulgação da Constituição de 1988. É também o resultado da ideologia do estado mínimo destes tempos de neoliberalismo. Além disso, a quebra das barreiras espaciais, resultado das seguidas revoluções nos meios de transportes e de comunicações (HARVEY, 1995), associada aos processos de reestruturação e flexibilização da produção, tem levado os governos locais a buscarem formas competitivas de inserção na economia globalizada. Decorre disto, uma outra nova forma de gestão que Harvey (1996) denomina de empresariamento urbano. Trata-se da adoção do chamado planejamento estratégico, que é de fato, uma estratégia de gestão orientada para a atração de “uma produção altamente móvel e flexível, bem como fluxos financeiros e de consumo” (HARVEY, 1995: 5).3 Sobre essa questão, Souza (2003: 31) escreve: “O enfraquecimento do planejamento se faz acompanhar pela popularização do termos gestão (nos países de língua inglesa, management), o que é muito sintomático: como a gestão significa a rigor, a administração dos recursos e problemas aqui e agora, operando, portanto, no curto e no médio prazos, o hiperprivilegiamento da idéia de gestão em detrimento de um planejamento consistente representa o triunfo do imediatismo e da miopia dos ideólogos ultraconservadores do “mercado livre”” (destaques no original). Portanto, o processo de busca tanto de formas mais democráticas de ocupação e uso de espaço urbano, quanto de inserção competitiva na economia globalizada e supostamente móvel e flexível em um “mercado livre”, tem levado, mesmo que por meio de caminhos diferentes, as administrações locais a privilegiarem aspectos de gestão em detrimento de um planejamento mais compreensivo e contínuo que inclua também a gestão. Esta, isolada de um planejamento consistente, corre o 3 Para uma análise crítica do planejamento estratégico ver Vainer (2000).
  • 8. risco de ser identificada apenas com ações estratégicas, apressadas e atadas ao curto prazo. Não há dúvidas que essa diferenciação necessária entre instrumentos, plano e planejamento, não é novidade para boa parte das administrações municipais, em especial aquelas que lograram eleger prefeitos progressistas, comprometidos com os termos da política urbana contidos na Constituição Federal, nas Leis Orgânicas Municipais e, mais recentemente, no Estatuto da Cidade. Observa-se atualmente que pesquisadores e técnicos que durante um longo período lutaram por instrumentos mais eficazes de política urbana estão hoje em postos de planejamento e de decisão política em administrações municipais de importantes cidades brasileiras.4 Do ponto de vista teórico-metodológico esta observação traz de volta velhas discussões que, neste novo contexto, podem contribuir para esclarecimentos e avanços. Trata-se de questões como a separação ou não entre o técnico e o político no planejamento e gestão local e o conceito de planejamento enquanto um processo. Esse tipo de separação existiu no momento em que os planos de desenvolvimento local integrado eram elaborados por terceiros, geralmente firmas privadas, seguindo metodologia proposta pelo SERFHAU. Se no momento atual, passa existir uma espécie de fusão entre os atores que estabelecem objetivos, que devem ser essencialmente de natureza política, e aqueles de coordenam o planejamento e sua implementação, nos termos acima referidos, poder-se-ia supor que o planejamento urbano naqueles municípios estaria sendo tratado como um processo constante. Com isto, estariam também superadas eventuais confusões entre plano diretor, planejamento urbano, planejamento de governo e outras formas de instrumentos de gestão. Em paralelo com a elaboração de um plano diretor, vem sendo observado o estabelecimento de prioridades de intervenções urbanas, muitas vezes através de 4 Mais recentemente isto vem ocorrendo também na administração federal.
  • 9. formas democráticas de gestão, a exemplo do orçamento participativo, e da criação de fóruns, com ampla participação dos vários segmentos da sociedade local. Apesar disso, há uma hipótese bastante plausível de que o planejamento urbano não foi, naquelas administrações, de fato estabelecido ou resgatado nos termos das argumentações anteriormente elaboradas. As razões para isto estariam tanto na já mencionada ênfase dada à gestão na condução da política urbana atual, uma ênfase justificada tanto pela busca de formas mais democráticas de decisões sobre as prioridades sociais, quanto pela adoção de ações identificadas com os princípios do planejamento estratégico, que priorizam a inserção das localidades em uma economia globalizada, flexível e móvel, por meio de práticas competitivas que visam a atração de investimentos. Uma outra hipótese sobre as dificuldades em se resgatar ou estabelecer processos de caráter mais compreensivos e contínuos de planejamento urbano, refere-se ao lugar que ele ocupa dentro do aparato administrativo das cidades e municípios. Dependendo da sua forma de inserção nas estruturas administrativas, o planejamento urbano pode adquirir feições e conteúdos diversos: ser apenas uma atividade de revisão formal do plano diretor; ser confundido com plano de governo, estratégico ou não; estar sujeito a uma espécie de pragmatismo, se estiver, por exemplo, sendo elaborado somente em função de decisões de caráter fragmentado e imediatistas. Nestes casos, o planejamento urbano estaria, portanto, mais identificado com funções de governo, dificultando o atingimento de um certo grau de autonomia, essencial para que ele se caracterizasse como função de estado, permanente e de longo prazo. Tais hipóteses fazem parte de um projeto de pesquisa em processo de desenvolvimento e que prevê um estudo do caso sobre as formas de inserção do planejamento urbano no aparato administrativo municipal de Belo Horizonte.
  • 10. Referências bibliográficas BERNARDES, L. 1986. Política urbana: uma análise da experiência brasileira. Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, v.1, n.1, p.83- 119, jan./abr. 1986. COSTA, G. M. 1992. A atual política urbana brasileira e suas possíveis contribuições à produção de um ambiente construído democrático: o caso do Plano Diretor de Belo Horizonte. In: 13th BARTLETT INTERNATIONAL SUMMER SCHOOL (BISS), Proceedings... São Paulo: BISS Organizing Committee. p.112-117. ______. 1994. Política e gestão urbanas pós-88: contribuições para um balanço crítico. In: 5° CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, Anais... São Paulo: Associação de Geógrafos do Brasil. p.519-528. HARVEY, D. 1996. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates, n. 39, ano XVI. São Paulo: NERU, p. 48 - 64. ______. 1995. Espaços urbanos na ‘aldeia global’: reflexões sobre a condição urbana no capitalismo do final do século XX. (Transcrição de uma conferência proferida em Belo Horizonte, em 1995). MONTE-MÓR, R.L. de M. 1980. Espaço e planejamento urbano: considerações sobre o caso de Rondônia. Rio de Janeiro: PUR/COPPE/UFRJ. (Tese de Mestrado). SOUZA, M. L. 2003. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. VAINER, C. B. 2000. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: Arantes, O.; Vainer, C.; Maricato, E. 2000. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, p. 75 - 103.