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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston




                        A MAGIA DO
                        DESERTO
                                   Sophie Weston

                    Título original: The sheikh's bride




                           Amor sob as estrelas do deserto...
       Leonora Groom deseja desesperadamente ser amada por aquilo que é e não pela
                                 fortuna de seu pai.
        Quando o irresistível Amer el-Barbary começa a seduzi-la sob o céu aveludado
   do Nilo, Leonora sabe que será difícil resistir... mesmo sabendo que o sheik é um
          verdadeiro dom-juan! Cansado de namorar mulheres fúteis, Amer .
          vê Leonora como uma tentadora novidade. Mas seu coração lhe prega uma
                             peça... assim como o destino!
          Quando Amer pensava que iria sossegar seu coração, um acaso surge para
                  modificar o rumo da sua vida... e da sua felicidade!



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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
                               Digitalização: Rita
                              Revisão: Ana Ribeiro

                                          PRÓLOGO

        ― O que você está esperando? ― perguntou o co-piloto do jato. O piloto olhou
de sua cabine para a pista de aterrissagem do Cairo. Sob a luminosidade da manhã, a
poeira ao redor e o telhado do prédio distante do aeroporto cintilavam. Dois homens
vestindo ternos escuros verificavam eficientemente a área onde o avião parará.
        — Procedimento de segurança — respondeu ele brevemente. O co-piloto era
novo na frota particular do xeque de Dalmun.
        — Eles sempre fazem isso?
        O outro homem deu de ombros.
        — Ele é uma pessoa muito influente.
        — Quer dizer que é um alvo, então?
        — E milionário e é herdeiro do xeque soberano de Dalmun — disse o piloto com
cinismo. — É claro que ele é um alvo.
        O companheiro abriu um sorriso largo. Sua namorada levava para casa revistas
sobre personalidades da realeza com freqüência.
        — Atrai garotas feito um ímã, não? Homem de sorte.
        Os seguranças haviam terminado a inspeção. Um deles ergueu a mão e uma
limusine branca aproximou-se lentamente, contornando o avião. O piloto, o quepe
debaixo do braço, levantou-se e foi trocar um aperto de mão com o passageiro ilustre
que desembarcava.
        A brisa de início de manhã soprou nas vestes brancas do xeque quando ele se
adiantou até a limusine. A despeito da movimentação de pessoas gerada com sua
presença, parecia uma figura solitária.
        O piloto voltou à cabine.
        — Aguardaremos um pouco — disse.
        Outros carros chegaram e neles entraram os membros da equipe de segurança.
A limusine, então, começou a se afastar, ladeada por seus guardiões.
        Os pilotos recostaram-se nos assentos, aguardando uma escolta até o local de
parada definitiva do avião.
         — O que ele está fazendo aqui? — perguntou o co-piloto num tom corriqueiro.
— Veio a negócios ou por diversão?
        — Por ambos os motivos, acho eu. Ele não saía do Dalmun há meses — contou o
homem mais velho distraidamente.
        — Por quê?
        O piloto não respondeu.
        — Ouvi dizer que houve um desentendimento. O pai queria que ele tornasse a
se casar?
        — Talvez — foi a resposta monossilábica.
        — E o que você acha? Ele viajou para encontrar uma noiva? O piloto foi traído

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por sua indiscrição:
        — Amer el-Barbary? A procura de uma noiva? Quando chover canivete.




                                         CAPÍTULO I



        Leonora passou a mão pelos cabelos e soltou um profundo suspiro. O movimento
no saguão do Hilton Nilo era intenso. Ela perdera três dos integrantes do grupo de ex-
cursionistas que logo estaria de saída para visitar o museu. Não conseguira passar um
tempo com sua mãe, que, conseqüentemente, estava furiosa. E, para ajudar, a cliente
mais dinâmica que a agência já devia ter tido surgira com outra de suas intermináveis
perguntas.
        — O quê? — disse Leonora, distraída.
        — Ele vai entrar a qualquer minuto. — A sra. Silverstein meneou a cabeça na
direção da porta giratória. — Quem será?
        Uma limusine branca, as janelas discretamente escurecidas, parará diante do
hotel, ladeada por dois Mercedes pretos. Homens de ternos escuros desceram e
deram alguns passos estratégicos, enquanto vários funcionários do hotel se
aproximavam do grupo. As portas da limusine permaneciam fechadas. Leo conhecia os
sinais.
        — É provavelmente alguém da realeza. — Não estava muito interessada em
saber de quem se tratava. A agência de viagens recém-adquirida por seu pai ainda não
tinha clientes da realeza. Eles geralmente viajavam em seus jatos particulares. —
Nada que tenha a ver comigo, felizmente. Você viu a família Harris?
        — Alguém da realeza.      — exclamou a sra. Silverstein, alheia à pergunta.
        Leo sorriu amplamente. Gostava dela.
        — Um soberano do deserto — disse a mulher mais velha.
        — É bem possível.
        Leo resolveu não desiludi-la dizendo que, na certa, o homem também era
formado em Harvard, falava vários idiomas e atravessava o deserto num automóvel
luxuoso com ar-condicionado em vez de num camelo. Ao contrário dela, a sra.
Silverstein era uma romântica.
        — Fico me perguntando quem será ele... Leo conhecia aquele tom.
        — Não faço a menor idéia — declarou com firmeza.
        — Você poderia perguntar.
        Ela soltou um riso. Aquilo fora o que a cliente mais lhe dissera durante três
semanas.
        — Ouça, sou sua guia. Farei muito do que me pedir. Perguntarei às mulheres
quantos anos têm e aos homens quanto custa alimentar um camelo. Mas não perguntarei
a um bando de brutamontes a quem é que estão protegendo. Talvez me prendessem.
        A sra. Silverstein riu. Em três semanas, desenvolvera-se grande camaradagem

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entre ambas.
        — Covarde.
        — De qualquer modo, tenho que encontrar a família Harris. Leo abriu caminho
pela multidão até uma mesinha de mármore
        encimada por um telefone e um arranjo de flores. Ligou para o quarto dos
Harris, ainda olhando ao redor, caso já tivessem descido.
        Notou que o grupo que chegara escoltando a limusine continuava em ação.
Homens abriam um corredor entre as pessoas. Atrás deles, caminhava uma figura alta,
as vestes esvoaçando ligeiramente. A sra. Silverstein estava certa, pensou, irônica. O
homem era magnífico.
        Naquele instante, ele virou a cabeça e olhou para ela. E, para sua perplexidade,
Leo descobriu-se quase hipnotizada.
        — Alô? — disse Mary Harris do outro lado da linha. — Alô? Leo nunca o vira
antes. Mas havia algo no homem que lhe
        chamara a atenção. Como se lhe fosse alguém importante. Como se o
conhecesse.
        — Alô?
        Estava coberto da cabeça aos pés pelas vestes brancas e tradicionais de um
árabe do deserto. Faziam-no parecer ainda mais imponente do que já era, levando em
conta seu porte e a ação eficiente de sua comitiva. Tinha os olhos ocultos por óculos
escuros, mas sua expressão denunciou cansaço quando olhou rápida e indiferentemente
para ela e as demais pessoas ao redor, enquanto passava.
        — Alô? Quem é?
        Leo notou arrogância em cada aspecto dele. Não gostou daquilo. Mas, ainda
assim, não conseguia parar de olhar para o homem. Era como estar enfeitiçada.
        A sra. Silverstein parou a seu lado e tirou-lhe o fone da mão.
         Ela mal percebeu. Tudo o que conseguia fazer era olhar... e esperar para que
os olhos dele tornassem a encontrá-la.
        Não sou desse jeito, disse uma voz em sua mente. Não fico encarando
desconhecidos bonitos. Mas ela ignorou a voz. Não podia evitar. Só conseguia ficar
parada ali, imóvel como uma estátua, à espera...
        Um homem que reconheceu como o gerente do hotel conduzia o grupo. Estava
fazendo uma mesura, alheio a tudo mais. Quando o fez, passou tão perto dela que Leo
teve que dar um passo atrás abruptamente. Bateu com o quadril na mesa e segurou-se
num pilar para se equilibrar. Normalmente um homem gentil e cortês, o gerente nem
sequer notou.
        Mas o objeto de toda a sua atenção percebeu.
        O homem de vestes brancas parou de repente. Os olhos ocultos pelas lentes
escuras voltaram-se na direção de Leo.
        Fora o que estivera esperando. E o impacto foi grande. Ela ficou com a
respiração em suspenso e encostou-se ao pilar, como se temesse não poder se
sustentar nas próprias pernas.
        — Oh, puxa — disse a sra. Silverstein com um suspiro.

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        Leo segurou-se com mais força, confusa com sua intensa reação ao estranho.
No momento seguinte, ele desviou o olhar e foi como se tivesse sido liberta de uma
força hipnótica.
        Cambaleou de leve e respirou fundo, levando a mão trêmula ao pescoço.
        — Oh, puxa — repetiu a sra. Silverstein. Lançou-lhe um olhar velado e
recolocou o fone no gancho.
        Um pouco além no saguão, houve um gesto imperioso. Um dos homens de terno
aproximou-se respeitosamente do árabe alto, que lhe disse algo com um leve gesto de
cabeça. O segurança olhou na direção indicada, encontrando a sra. Silverstein e Leo.
Pareceu surpreso.
        Leo soube o motivo daquela surpresa e, como já acontecera com freqüência
antes, sentiu pesar. Não era o tipo de mulher que os homens notavam em saguões
apinhados. O homem de terno escuro também sabia daquilo.
        Ela era alta, pálida e desajeitada demais. Sem mencionar que agora seus
cabelos castanhos estavam cobertos com a poeira do Cairo e o sisudo tailleur azul-
marinho ficara todo amarrotado.
        Não era exatamente uma visão sedutora, pensou, tentando rir de si mesma.
Acostumara-se a ser um tipo comum. Decidira que não iria deixar mais que aquilo a
incomodasse. Mas a expressão de surpresa no rosto do homem atingiu-a de maneira
surpreendente.
         O homem de vestes brancas disse algo num tom estranho. O segurança meneou
a cabeça depressa e, um instante depois, aproximou-se delas.
        — Com licença — disse com um sotaque carregado. — Sua Excelência pergunta
se a senhorita se machucou.
        Leo sacudiu a cabeça, atordoada. Estava abalada demais para falar... embora
não soubesse a razão. Afinal, por causa dos óculos escuros não havia nenhuma
evidência de que o homem de branco estava olhando em sua direção. Mas sabia que
estava.
        Ninguém nunca lhe causara impacto semelhante. Achava chocante que um
estranho, cujos olhos nem sequer pudera ver, fosse capaz daquilo.
        Engolindo em seco, disse comi toda a calma que conseguiu reunir:
        — Não, é claro que não. Não foi nada. A sra. Silverstein estudou-a.
        — Tem certeza? Está tão pálida.
        — Posso lhe oferecer algum tipo de assistência, senhorita? — perguntou o
segurança polidamente.
        Leo umedeceu os lábios, mas conseguira se recobrar e disse com mais firmeza:
        — Não, obrigada. Não foi nada. Por favor, agradeça a Sua Excelência por sua
preocupação, mas estou bem — declarou e virou-se, afastando-se um pouco.
        A. sra. Silverstein, porém, não deixaria passar a chance de uma nova
experiência tão facilmente. Não quando havia realeza envolvida. Deu um tapinha no
braço do segurança.
        — De que Excelência se trata?
        O homem ficou tão perplexo que acabou respondendo:

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
        — E o xeque Amer el-Barbary. A mulher estava encantada.
        — Um xeque! — disse num tom sonhador.
        Poucos passos além, os olhos por trás das lentes escuras voltaram a observá-
las. Leo sentiu as faces queimando. Não fitou o homem, mas sentiu-lhe o peso do olhar
sardônico e foi como se alguém tivesse lhe atirado um balde de água fria.
        Estremeceu. Como ele fazia aquilo?, perguntou-se, dando-se conta de que
começava a ficar indignada.
        Ergueu o queixo num gesto atípico. Era uma pessoa pacífica, não hostil. Mas,
daquela vez, era diferente. Lançou um olhar faiscante na direção do xeque. Teve a
nítida impressão de que agora tinha a total atenção dele e de que não estava muito
satisfeito.
         Oh, preciso de ajuda, pensou, aflita. Ele vai se aproximar. Sua pele se arrepiou
por inteiro.
        Mas, de repente, a ajuda apareceu inesperadamente:
        — Querida! — chamou uma voz feminina.
        Leo sobressaltou-se e olhou freneticamente ao redor. O saguão fervilhava com
grupos barulhentos conversando em diversos idiomas. Mas não podiam competir com
sua mãe. Deborah Groom poderia espatifar vidros com sua voz aguda se quisesse. —
Querida — tornou a chamar. — Estou aqui.
        Uma mão repleta de anéis valiosos acenou imperiosamente. Leo localizou-a e
contou até dez. Tentara persuadir a mãe à não ir ao Cairo na semana mais movimentada
do ano para a agência, mas ela, como esperado, não lhe dera ouvidos.
        Agora, já refeita, Leo disse num tom definitivo ao segurança:
        — Obrigada, mas estou perfeitamente bem. Por favor — acrescentou,
permitindo-se um leve toque de ironia que, teve certeza, passaria despercebido ao
homem —, tranqüilize Sua Excelência. — Disse num tom mais gentil a sra. Silverstein:
— Dê-me dez minutos. Preciso resolver um assunto. Então, se ainda desejar ir, eu a
levarei as pirâmides de Gizé.
        — Fique à vontade, querida — respondeu-lhe a mulher, ainda fascinada por seu
breve encontro com a realeza. — Vou me sentar no café do hotel e tomar um
cappuccino. Vá me encontrar quando estiver pronta.
        Leo agradeceu-lhe com um sorriso. Com a prancheta debaixo do braço,
atravessou a multidão com seu ar mais profissional.
        — Olá, mãe. Está se divertindo?
        Deborah Groom era conhecida por ir direto ao ponto:
        — Estaria sendo melhor se eu pudesse ao menos ver um pouco a minha única
filha.
        Leo esforçou-se para manter o sorriso no lugar.
        — Avisei você de que eu teria que trabalhar.
        — Não o tempo todo.
        — Há muito a resolver. — Se Leo soou distraída foi porque na distância, pôde
ver Andy Francis tentando conduzir um grupo na direção do ônibus que havia à espera.
Não estava tendo muito êxito, mas não deveria estar fazendo aquilo sozinho. Roy

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
Ormerod, o gerente da agência de viagens Aventuras no Tempo, deveria estar com o
grupo também.
        Deborah franziu o cenho.
         — O seu chefe sabe quem você é? Leo soltou um riso.
        — Está perguntando se ele sabe que sou filha do dono da agência? É claro que
não. Isso poria a perder todo o meu propósito. Digo que me chamo Leo Roberts aqui.
        Deborah sacudiu a cabeça.
        — Simplesmente não entendo o seu pai às vezes.
        O que não era novidade. Ela abandonara Gordon Groom quatorze anos antes,
dizendo exatamente aquilo e deixando-lhe a filha de dez anos de ambos, Leo, para
acabar de criar.
        — Meu pai acha que é uma boa idéia eu aprender a me cuidar sozinha como ele
mesmo fez — disse ela pacientemente. — Ouça, mãe...
        — O que quer dizer é que Gordon acha que, se lançá-la no mundo para que se
arranje sozinha você se tornará um rapaz — revidou Deborah.
        Os olhos de Leo faiscaram. Mas havia verdade o bastante na acusação para
fazê-la reprimir a vontade de responder à altura. Ambas sabiam que Gordon Groom
sempre quisera um filho. Treiná-la para sucedê-lo nos negócios fora apenas à
alternativa que lhe restara. Ele nem sequer tentava mais disfarçar o fato.
        A mãe mordeu o lábio inferior.
        — Oh, desculpe, querida. Prometi a mim mesma que não começaria com isso
outra vez — disse, arrependida. — Mas quando vejo você se desgastando desse jeito,
não consigo evitar.
        — Esqueça — disse Leo.
        Lançou um olhar sorrateiro à sua prancheta. Onde estaria Roy? Ele deveria ter
pago ao motorista do ônibus pelo transporte do grupo de turistas japoneses. Se não
aparecesse, ela teria que resolver o assunto. E quanto aos Harris? Esquecera-se por
completo deles, e o grupo de visita ao museu estava de saída.
        Deborah soltou um suspiro.
        — Imagino que não haverá chance de eu tornar a ver você hoje, não é?
        Leo sentiu um peso na consciência.
        — A não ser que...
        Mary Harris aproximou-se, ofegante.
         — Oh, Leo, lamento muito. Timothy ficou trancado no banheiro. Eu não sabia o
que fazer. Um funcionário do hotel acabou conseguindo tirá-lo. Nós perdemos o
passeio?
        Leo tranqüilizou-a e reuniu os Harris rapidamente ao grupo que estava de saída.
Voltou até o saguão onde deixara a mãe, revisando mentalmente a sua programação
daquele dia.
        — Ouça, há mais um grupo de turistas cuja partida preciso supervisionar.
Depois, tenho que levar uma pessoa até as pirâmides. Mas estará calor e ela é idosa.
Duvido que vai querer ficar muito tempo lá. Que tal tomarmos um chá nesta tarde?
        — Ou poderíamos jantar juntas, não é? Leo hesitou.

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
        — Você acha que seu pai não iria gostar — disse Deborah, desapontada.
        Ela quase lhe tocou o ombro, mas a mãe teria praticamente se esquivado. Não
eram uma família afetuosa.
        Assim, disse com gentileza:
        — Não é isso. Está havendo uma importante conferência de entidades
filantrópicas no Cairo e dela faz parte um jantar beneficente que foi organizado pela
agência. Haverá uma porção de figurões presentes. Eu terei que comparecer.
        — Se o jantar será de tamanha importância, por que seu chefe não vai para
representar a agência?
        Leo soltou um riso.
        — Roy? Ele não...
        Mas, então, pensou a respeito. A lista de convidados incluía representantes de
algumas das mais ilustres fundações de caridade do mundo, muitas mantidas pela
realeza. Roy gostava de participar de festas, onde tinha uma boa chance de ser
fotografado com os ricos e famosos. Alegava que era bom para a imagem da agência.
        — Mãe, você é um gênio. E exatamente o tipo de coisa para Roy fazer — disse,
tirando o celular da bolsa.
        Só obteve resposta da caixa postal. Deixou uma mensagem breve e desligou.
        — Certo, isso está resolvido. Vejo você hoje à noite. Agora, tenho que levar
uma senhora de setenta anos de Nova Jersey até as pirâmides.
        Deborah resmungou algo, parecendo descontente.
        — O que foi, mãe?
        — Não há algum subordinado na agência que possa levar essa mulher para ver
as pirâmides?
        Leo abriu um largo sorriso. Deborah fora à filha de um homem rico quando se
casara com o emergente Gordon Groom. Houvera sempre um subordinado para cuidar
dos assuntos intediantes para ela durante sua vida inteira. Fora um dos motivos que
levara Gordon a lutar tanto para ficar com a custódia da única filha.
        — Enquanto eu fizer parte da equipe cumprirei as tarefas que cabem a mim.
        — Às vezes, você é tão parecida com seu pai. Leo riu.
        — Obrigada.
        Deborah ignorou a resposta.
        — Não sei por quê, afinal, ele teve que comprar a Aventuras no Tempo. Por que
não pôde se manter só no ramo hoteleiro? O que quer com uma agência de viagens?
        —: Diversidade. Você conhece meu pai... — Leo interrompeu-se. — Oh, puxa.
        No café do hotel, a sra. Silverstein conversava animadamente com um homem
de terno escuro e expressão alarmada no rosto. Ela teve quase certeza de que era um
membro da comitiva do xeque el-Barbary.
        — Parece que minha cliente está ficando entediada. Buscarei você às oito horas
desta noite, mãe.
        Avançou pela multidão. Foi um alívio.
        O divórcio entre Deborah e Gordon Groom fora relativamente amistoso e o
acordo firmado a deixara muito bem amparada, proporcionando-lhe uma vida luxuosa,

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mas ainda era capaz de ser ferina em relação ao ex-marido, obcecado por trabalho.
Era um assunto sobre o qual ambas discutiam infalivelmente a cada vez que se viam.
        Naquela noite, prometeu a si mesma, não deixaria que a mãe mencionasse
Gordon uma vez sequer. Começava a ter os próprios receios em relação aos planos do
pai para ela. Mas não comentaria nada com a mãe enquanto não tivesse certeza
absoluta a respeito. Portanto, ambas conversariam sobre roupas, maquiagem, namo-
rados e todas as coisas pelas quais, queixava-se Deborah, a filha não se interessava.
        Uma noite divertida, pensou Leo, irônica, após um dia maravilhoso. Adiantou-se
até o café para salvar o segurança.
        A comitiva do xeque adentrou pela suíte feito um exército invasor. Um dos
seguranças foi direto até a sacada. O outro entrou rapidamente no quarto. O gerente,
curvando-se, começou a demonstrar as luxuosas acomodações. Descobriu que o xeque
não estava ouvindo.
        Um assistente, ainda segurando seu laptop e valise, meneou a cabeça com ar
grave e guiou o gerente de volta até a porta.
        — Obrigado — disse-lhe. — Quanto aos outros quartos? O gerente tornou a
curvar-se e conduziu-o pelo corredor.
        O xeque foi deixado a sós. Ele adiantou-se até a sacada e olhou para o Nilo, que
serpenteava placidamente sob o sol da manhã. Havia uma pequena embarcação ao longe
que pareceu-lhe um brinquedo.
        Fechou os olhos por um momento. Por que tudo se assemelhava a brinquedos
recentemente?
        Até as pessoas. Mustafá, o chefe de sua segurança, parecia o protótipo de um
robô. E a mulher que veria naquela noite... Pretendia se ausentar durante o entediante
jantar beneficente com um pretexto qualquer a fim de vê-la, Mas, por um inquietante
momento, permitiu-se perceber que a beldade o fazia lembrar de uma boneca vestida
por um estilista. Na verdade, todas as mulheres que vira ultimamente pareciam-lhe
daquela maneira.
        Exceto... por sua mente passou a fugaz imagem da garota que estivera se
segurando junto ao pilar no saguão do hotel. Era alta demais, obviamente. E tinha os
cabelos cheios de poeira e usava um tailleur que mais parecia um uniforme. Mas de
uniforme ou não, não lhe parecera sem vida como uma boneca. Não com aqueles olhos
grandes e alertas. O súbito choque neles fora intenso... e, sem dúvida, autêntico.
        O xeque franziu o cenho. Por que ela ficara tão chocada? De repente, ansiava
por saber. Mas era evidente que jamais saberia. Soltou um resmungo mal-humorado.
        Seu assistente pessoal voltou à suíte. Hesitou junto à porta.
        O xeque endireitou os ombros.
        — Estou aqui na sacada, Hari. — Houve resignação em seu tom. O assistente
reuniu-se cautelosamente a ele na sacada.
        — Tudo parece estar em ordem — relatou.
        O xeque tirou os óculos escuros. Havia um brilho divertido em seus olhos, mas
também um profundo cansaço.
        — Tem certeza? Os rapazes verificaram milímetro por milímetro? Os

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telefones não estão grampeados? Minha comida não foi envenenada?
        O assistente sorriu.
        — Mustafá costuma levar seu emprego a sério demais, eu sei — admitiu. — Mas
é melhor prevenir do que remediar.
        — Ambos sabemos que isso tudo é bobagem.
        — Os seqüestres aumentaram — apontou num tom neutro.
        — Em Dalmun — retrucou o xeque com impaciência. — Eles não têm dinheiro
para me perseguirem pelo mundo, os pobres coitados. Além do mais, raptam próspero
visitantes estrangeiros que pagarão resgates. Não um residente local feito eu. Meu pai
não pagaria nem sequer uma ninharia para me ter de volta. Provavelmente, pagaria aos
seqüestradores para ficarem comigo.
        Hari conteve um sorriso. Não participara da cria conversa entre pai e filho
antes de Amer ter deixado Dalmun daquela vez. Mas as repercussões haviam abalado a
cidade.
        Fora uma desavença definitiva, haviam dito no palácio, um ultimato. O filho
avisara ao pai que não toleraria mais interferência em sua vida e não retornaria ao país
enquanto o velho xeque não aceitasse aquilo.
        Amer estudou Hari por um instante.
        — Ora, eu sei.
        — Apenas ouvi os falatórios nos bazares, como todo mundo— respondeu o
assistente, um tanto evasivo.
        — O que estão dizendo?
        Hari contou os rumores dos dedos:
        — Que seu pai quer matar você. Que você quer matar seu pai. Você se recusou
a se casar novamente. Você está insistindo em se casar novamente. — Fez uma pausa, o
rosto sério mas os olhos vivazes brilhando. — Você quer ir para Hollywood e fazer um
filme.
        — Pelos céus! — Amer estava genuinamente perplexo. Soltou um riso divertido.
— De onde surgiu esse último?
        Hari não era apenas seu assistente pessoal. Era também um leal amigo. Contou-
lhe a verdade.
        — Foi por causa de Cannes no ano passado, acho eu.
        — Ah — disse Amer, compreendendo de imediato. — Estamos falando da
sedutora Catherine.
        — Ou das sedutoras Julie, Kim ou Michelle. Amer riu.
        — Gosto de Cannes.
        — E o que se comprova nas fotografias.
        — Você não aprova, Hari?
        — Não cabe a mim aprovar ou não — apressou-se o assistente a dizer. —
Apenas me pergunto...
        — Gosto das mulheres.
        Hari pensou na recusa veemente de Amer em se casar outra vez depois que a
esposa morrera num acidente de cavalo. Guardou suas reflexões para si mesmo.

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        — Gosto da maneira peculiar como a mente delas funcionam — prosseguiu o
xeque. — É algo que me faz rir. Gosto de como tentam fingir que não sabem quando
olhamos para elas. Gosto da fragrância que exalam.
        — Nem todas as mulheres cheiram a seda e perfume francês como as suas
Julies e Catherines.
        — Bonecas — disse Amer num tom obscuro.
        — O quê?
        — Já se deu conta de quantas bonecas animadas eu conheço? Oh, elas se
parecem com pessoas. Andam, falam, comem. Mas quando se conversa com elas, apenas
dizem às coisas que foram programadas para dizer.
        — Presume-se que são as coisas que você quer que digam. Assim sendo, quem as
programou?
        Amer sacudiu a cabeça com impaciência.
        — Eu não. O que quero é...
        — Sair com uma mulher que não foi programada para dizer que você é
maravilhoso? — pressionou-o Hari sem remorso. Estudou o amigo com ligeiro ar
desdenhoso. — Por que não tenta fazer isso algum dia?
        Amer não se ofendeu. Mas também não ficou impressionado.
        — Firme os pés na realidade — disse com ar cansado. Hari entusiasmou-se com
sua idéia.
        — Só quero que tente fazer isso com aquela garota no saguão. Amer admirou-
se.
        — Você aprendeu a ler pensamentos?
        — Vi você olhando na direção dela — explicou Hari simplesmente. — Admito que
fiquei surpreso. A garota não faz o seu tipo.
        O xeque deu de ombros com ar zombeteiro.
        — Nada de perfume francês ali, você quer dizer. Eu sei. É mais como poeira e
loção bronzeadora barata. Mas, ainda assim, ela tem todos os truques femininos. Você
a viu tentando fingir que não sabia que eu estava olhando em sua direção?
        Hari mostrou-se intrigado. — Então, por que você a olhava?
        Amer hesitou, seus olhos indecifráveis por um instante. Enfim, tornou a dar de
ombros.
        — Foram os meses de confinamento a Dalmun, acho eu — disse num tom duro.
— Mostre pão amanhecido a um homem faminto e ele se esquecerá de que já provou
enviar.
        — Pão amanhecido? Pobre garota.
        — Eu me lembrarei do caviar tão logo eu prove um pouco para avivar minha
memória — disse Amor, malicioso.
        Hari conhecia o patrão.
        — Reservarei o hotel em Cannes.
        A visita às pirâmides não foi muito bem-sucedida. Como Leo esperara, a sra.
Silverstein insistira em caminhar em torno de cada pirâmide e não pôde ser convencida
a deixar de ver a de Quéops.

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        Desde que chegara ao Egito em sua excursão organizada pela Aventuras no
Tempo, quisera ver absolutamente tudo e, apesar de sua idade avançada e reumatismo,
fizera entusiásticas tentativas de aproveitar cada passeio ao máximo.
        — A mulher nunca pára — reclamara Roy Ormerod a certa altura. — Acabará
tendo um ataque qualquer e nós seremos responsáveis. Pelos céus, faça com que vá com
mais calma.
        Mas Leo descobrira que tinha grande simpatia pela sra. Silverstein. Era uma
mulher dinâmica, que ansiava por novas experiências, das quais a vida inteira cuidando
da família a privara. A mulher também era corajosa. Confiara-lhe certa vez que, além
do reumatismo tinha uma doença que a deixaria debilitada demais em menos de um ano.
Queria, portanto, desfrutar ao máximo o que pudesse, a fim de ter boas lembranças
para acalentá-la quando estivesse confinada a uma cama.
        Admirando-a ainda mais, Leo deixara de seguir as instruções de Roy e passara
a se empenhar para que a sra. Silverstein visse tudo o que desejasse no Egito, mas
sempre tomando um pouco de cuidado extra com ela. Não era fácil.
        Quando a levou de volta ao hotel, a mulher estava pálida e ofegante. Ajudou-a
deitar-se na cama e deu-lhe as pílulas que pediu que lhe pegasse numa gaveta. Leo já
estivera pensando em chamar um médico, mas o remédio pareceu fazê-la melhorar.
        O telefone tocou.
        — Sra. Silverstein? — disse um irritado Roy Ormerod do outro lado da linha. —
Poderia me dizer aonde a srta. Roberts foi quando o passeio de vocês terminou?
        — Sou eu, Roy. A sra. Silverstein não estava se sentindo bem, então eu...
        Ele não lhe deu tempo para terminar.
        — O quê, afinal, você pensa que está fazendo? Já lhe disse para impedir que a
velhota se exceda e pára não levá-la em passeios exclusivos. Você deveria estar de
volta ao escritório. E o que pretendia, deixando-me a mensagem de que não irá ao
jantar desta noite? Você terá que ir. Faz parte do seu serviço e...
        Roy prosseguiu por vários minutos mais. A sra. Silverstein abriu os olhos e
começou a parecer apreensiva. Leo interrompeu-o.
        — Falaremos sobre isto no escritório. Estarei aí em meia hora.
        — Não, eu já estou... Mas ela já desligara.
        — Problemas? — perguntou a sra. Silverstein.
        — Nada que eu não possa resolver.
        — A culpa é minha?
        — Não — assegurou-lhe Leo. Porque não era culpa da mulher. Roy estivera
querendo provocar uma briga desde que ela chegara de Londres.
        Esquecendo-se da discrição profissional, disse aquilo a sra. Silverstein. A
mulher ficou pensativa. Conhecera Roy.
        — E aposto que o homem não gosta do fato de você não se sentir nem um pouco
atraída por ele — observou sabiamente. — Sem mencionar que você é boa no seu
trabalho. Independente. Os clientes gostam de você. É competição demais para ele e,
na certa, deve se sentir ameaçado. Só com muita paciência você...
        Houve uma batida à porta, e a mulher interrompeu-se. Leo levantou-se da

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beirada da cama.
        — Deve ser a limonada que pedi para você através do serviço de quarto.
        Mas não era. Foi um furioso Roy que encontrou à porta.
        — Oh, você estava ligando da recepção — disse ela, compreendendo.
        — Ouça aqui... — começou ele em voz alta.
        Leo conseguiu impedi-lo de entrar, saindo rapidamente para o corredor e
fechando a porta atrás de si antes que a sra. Silverstein pudesse ouvi-los.
        — Você não pode fazer uma cena aqui — disse por entre os dentes. — Ela não
está bem.
        Mas Roy estava além da razão. Continuou esbravejando e até a sacudiu pelos
ombros. Uma voz autoritária disse:
         — É o bastante.
        Ambos se viraram, Leo confusa, Roy fervendo de raiva.
        O homem que interferira tinha um ar altivo e confiante. Alto e moreno, usava
um terno cinza, sob medida, que o fazia parecer ainda mais distinto e bem-sucedido.
Devia ser um empresário, pensou Leo. Alguém que pagara caro por tranqüilidade
naquele andar de executivos e exigiria continuar usufruindo seu direito. Os olhos
escuros que pousavam em Roy continham frieza o desprezo.
        — Esta é uma conversa particular — retrucou ele, mostrando que não gostara
da interrupção.
        — Então, deveria ser conduzida em particular — declarou o homem, sua calma e
polidez causando maior impacto do que qualquer demonstração de hostilidade teria
conseguido. — Vocês têm um quarto aqui?
        — Não — respondeu Leo, apreensiva com a simples idéia de ficar a sós com Roy
naquelas circunstâncias.
        Pela primeira vez, o homem tirou os olhos do beligerante chefe dela. Observou-
a brevemente e meneou a cabeça.
        — Senhorita? — Arqueou as sobrancelhas, inquiridor.
        Leo não o reconheceu. Tentou se recompor e vasculhou a memória. Mas a
atitude de Roy parecia tê-la desconcertado ao ponto de não conseguir pensar com
clareza.
        Naquele meio tempo, o fato de que o estranho parecia conhecê-la deixou Roy
ainda mais agitado.
        — Tome cuidado com essa garota, amigo. Ela vai apunhalar você pelas costas
antes que se dê conta.
        Leo virou-se para fitá-lo abruptamente. Tudo o que podia pensar era que ele
devia ter descoberto quem era o pai dela.
        — O quê? — disse, aturdida.
        O estranho estreitou o olhar para observá-la.
        — Talvez eu tenha interferido desnecessariamente — declarou, seu sotaque
acentuado. — Senhorita?
        Leo sacudiu a cabeça, cada vez mais confusa. Roy esbravejou:
        — Você está despedida!

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         Ela empalideceu. Podia imaginar o que seu pai diria quando soubesse daquilo.
         — Oh, céus — disse, preocupada.
         Daquela vez, o estranho não olhou em sua direção
         — Sua conversa seria melhor se usasse uma abordagem mais construtiva —
disse a Roy.
         Ele soltou um grunhido deselegante.
         — Conversa encerrada — retrucou. Lançou a Leo um último olhar faiscante. —
Você não quer ir ao jantar hoje à noite? Ótimo. Não vá. E não chegue perto do
escritório outra vez também. E nem de ninguém da minha equipe.
         Leo começou a ficar apreensiva. Dividia um apartamento com os membros da
equipe.
         — Ouça, eu... Mas ele a ignorou.
         — E não me peça referências!
         Ela não estava tão preocupada com aquilo quanto Roy obviamente achou que
estaria.
         — Vamos conversar sobre isto — disse-lhe num tom conciliador. Mas Roy deu
um passo à frente, o rosto muito vermelho. Ela
         deu-se conta de imediato de que pretendia esbofeteá-la. A situação era tão
absurda que nem sequer tentou se esquivar. Apenas gelou no lugar, em pânico.
         Felizmente, o desconhecido que intervira não parecia ficar sem ação tão
facilmente. Colocou-se rapidamente na frente dela.
         — Não. — Sua voz soou controlada o bastante, mas teve o impacto de uma
bomba.
         Roy parou abruptamente e encontrou o olhar de seu oponente. Era corpulento,
a vermelhidão em seus olhos alarmante. O outro homem era alto e tinha ombros largos,
mas, naquele terno impecável, parecia comedido e elegante. Não parecia páreo para um
brutamontes feito Roy. Ainda assim, não havia dúvida de quem estava no controle da
situação.
         Houve um momento de pesado silêncio. Roy soltou um profundo suspiro. Então,
sem mais palavra, virou-se e afastou-se bruscamente, chutando uma cadeira no
corredor.
         Leo recostou-se na parede, o coração descompassado. Agora que tudo
terminara, estava horrorizada com a desagradável cena.
         Numa outra parte do corredor que não se avistava, as portas do elevador se
abriram e várias pessoas desceram, risos e vozes ecoando pelo andar. O estranho
lançou um olhar pelo corredor e pegou-a pelo braço.
         — Venha comigo.
         E antes que os recém-chegados os tivessem visto, conduzira-a até o final do
corredor e por uma grande porta dupla. Antes de se dar conta do que acontecia, ela
viu-se sentada numa confortável cadeira no que reconheceu como a suíte presidencial.
O homem permaneceu parado à sua frente, silencioso.
         — Você está bem? — perguntou-lhe, enfim.
         Enquanto o observava, Leo sentiu o coração disparando numa reação atípica e

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um pensamento dos mais inesperados e espantosos passou por sua mente: Quero que
ele me abrace.
         Mal podia acreditar naquilo.
         — O quê? — disse, distraída.
         O estranho franziu o cenho, como se as pessoas costumassem prestar mais
atenção quando falava. Agora que o observava melhor, ela notou que havia muito mais
nele do que apenas elegância e roupas de ótimo caimento. O rosto duro podia parecer
arrogante e distante, mas era incrivelmente bonito. E teve a impressão de ver um
brilho naquele olhar que não tinha nada de distante.
         Achou que devia estar delirando. Aquilo não era de seu feitio em absoluto. Não
flertava com estranhos e nem eles com ela. Aquela era a segunda vez que começava a
ter um comportamento atípico. Estaria enlouquecendo?
         — Eu lhe perguntei se você está bem.
         — Oh. — Leo tentou se recompor. — Eu... acho que sim. — Acrescentou quase
para si mesma: — Só não sei o que fazer.
         O homem soltou um suspiro.
         — Em que aspecto? — indagou, obviamente contrariado.
         Se ele não gostava da situação por que não a deixava em paz? perguntou-se
Leo, irritada.
         — Roy disse que não devo voltar. Mas tudo o que tenho está no apartamento...
         Inesperadamente, sua voz falhou. Para seu horror, sentiu as lágrimas
aflorando-lhe nos olhos. Zangada, afastou-as com a mão. Mas o gesto denunciou-a mais
do que se tivesse caído em prantos.
         A expressão no rosto do estranho tornou-se indecifrável.
         — Você vive com esse homem?
         Mas a mente de Leo estava acelerada, propondo e descartando meios de ação
em questão de segundos. Mal notou a pergunta.
         — Terei que telefonar para Londres. — Consultou o relógio de pulso. — E,
depois, reservar um quarto em algum lugar. Se conseguir algum no auge da temporada
turística.
         O homem tornou a suspirar.
         — Então, será um prazer oferecer-lhe minha assistência — disse num tom
resignado. Adiantou-se até o telefone. Leo franziu o cenho. Havia algo de
estranhamente familiar naquela frase formal.
         — Nós já nos conhecemos?
         Ele falava rapidamente em árabe ao telefone. Mas, naquele ponto, virou-se para
fitá-la.
         — Não, srta. Roberts.
         O homem tinha olhos tão estranhos... Ela pensara que seriam castanhos ou
pretos naquela tez morena, mas não eram. Tinham uma peculiar cor metálica, um tom
cinzento semelhante a um céu tempestuoso, ou a um mar revolto. Leo sentiu-se como
se estivesse sendo tragada pela intensidade que possuíam.
         Esforçou-se para se recobrar. O homem era um hipnotizador?

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        — Você sabe meu nome — disse um tanto ofegante.
        Ele sorriu. Pela primeira vez. O sorriso iluminou-lhe o rosto atraente e másculo,
deixando-o irresistível.
        — Eu sei ler.
        Ela o fitou sem compreender. Ele estendeu a mão e tocou-lhe o ombro. Uma
corrente eletrizante percorreu-a, fazendo-a levantar-se abruptamente.
        — O que...
        — Li sua etiqueta.
        Ele removera a grande etiqueta com o seu nome que ela usara para receber um
grupo de turistas no aeroporto naquela manhã ! Colocou-a em sua mão sem tocá-la.
        Suas faces queimaram. Sentiu-se uma tola. Aquilo não era de seu feitio
tampouco. O que havia naquele homem que a desconcertava tanto?
        O telefone tocou. Ele atendeu-o, ouvindo com uma expressão neutra no rosto e
agradecendo brevemente antes de desligar.
        — O hotel tem um quarto para você. Pegue a chave na recepção. Perplexa, Leo
começou a protestar:
        — Um quarto? Aqui? Está brincando. Eles têm reservas para um período de
muitas semanas. Eu sei porque estava tentando conseguir um quarto para uma pessoa
que quis tomar parte no jantar beneficente sem ter feito reserva com antecedência.
        Ele deu de ombros com ar entediado.
        — Um quarto deve ter ficado disponível nesse meio tempo. Leo duvidava muito.
Estreitou os olhos. Mas, antes que pudesse exigir explicação, a porta se abriu
abruptamente e dois homens corpulentos de ternos escuros adentraram pela sala da
suíte. Um dos dois empunhava um revólver. Leo observou-os, boquiaberta. Seu salvador
virou-se na direção dos homens e disse algo sucinto. O brutamontes parou de apontar a
arma para ela. Os dois recém-chegados pareceram constrangidos. Ela tornou a desviar
a atenção para o estranho de misteriosos olhos cinzentos.
        — Quem é você?
        Ele hesitou apenas um segundo antes de responder calmamente:
        — Meu nome é Amer.
        A suspeita de Leo aumentou. Mas, antes que pudesse fazer outra pergunta, um
dos homens corpulentos falou agitadamente. O estranho consultou o relógio.
        — Tenho que ir — disse-lhe. — Mustafá acompanhará você até o saguão e
garantirá que não haverá problemas.
        Meneou a cabeça na direção dela. Foi um gesto brusco e definitivo. Já se
retirava antes que Leo tivesse chance de se recompor o bastante para agradecer-lhe.
O que foi bom. Pois ela não se sentia nem um pouco agradecida.




                                        CAPÍTULO II




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        Leo não se surpreendeu muito quando constatou que o quarto não apenas estava
disponível como também era extremamente luxuoso. Quando um discreto funcionário
do hotel indicou-lhe que entrasse, ela descobriu que havia presentes à espera na mesa
de centro da sala da suíte: uma bandeja de frutas, outra de doces árabes e uma
grande cesta de flores.
        Teria um teto sobre sua cabeça naquela noite. Devia estar grata, disse a si
mesma. O enigmático Amer dera-lhe a oportunidade de colocar sua vida de volta nos
eixos. Consultou o relógio e começou a dar telefonemas.
        Sua mãe foi à quarta da lista. Esperou ter que deixar recado, mas ela estava no
quarto.
        — Desculpe, mãe, você vai ter que jantar sozinha hoje à noite. Estou com
sérios problemas. Levarei algum tempo para resolvê-los.
        — Conte-me a respeito. E Leo contou.
        A mãe ficou indignada. Embora não aprovasse que a única filha, herdeira de um
verdadeiro império do ramo hoteleiro, ficasse zanzando pelo Egito como guia turística,
não admitia que alguém a maltratasse. Sugeriu-lhe várias estratégias, embora a
maioria delas teria levado Roy e Leo a serem deportados. Sabendo como a mãe tinha
temperamento forte, falou-lhe gentilmente ao telefone até que sua fúria se abatesse.
        — Bem — disse Deborah, enfim — o sr. Ormerod certamente não vai arruinar
meus planos para o jantar. Quero estar em sua companhia. Verei você às oito.
        — Mas não tenho nada para usar.
        — Você tem um cartão de crédito. — Ela pôde ouvir a alegria na voz da mãe.
Deborah sempre reclamava da falta de interesse da filha por roupas. — E você deve
conhecer esta cidade o bastante para saber onde ficam as butiques de classe. Verei
você no saguão agora.
        Leo sabia que fora derrotada. Negociou uma demora de quinze minutos para
dar o restante de seus telefonemas. Mas fora a única concessão que a mãe fizera.
        Deborah a aguardava no saguão e conduziu-a até uma limusine que alugara.
        — Já sei aonde ir e, portanto, não tente me despistar levando-me a um bazar
qualquer. E, céus, você está mesmo precisando de roupas. Veste-se assim para tentar
provar alguma coisa?
        Leo não se ofendeu. Já era mais alta do que a bonita e elegante mãe desde os
onze anos. Com o passar do tempo, aprendera a disfarçar sua altura com roupas
simples e de bom caimento. Deborah nunca ficara contente com o estilo escolhido pela
filha.
        — Eu me visto deste jeito para parecer profissional durante um longo dia de
trabalho. Além do mais, gosto das minhas roupas.
        — Bem, não vai precisar parecer profissional nesta noite. Assim, pode comprar
algo bonito para variar. Não é como se você não pudesse pagar.
        O automóvel levou-as a uma butique exclusiva, e Leo reconheceu de imediato o
famoso nome internacional. Resignada, acabou aceitando os esforços da mãe, que a
ajudou a escolher uma calça de organza branca e uma blusa de crepe dourada. Deborah
deu-lhe uma encharpe de seda em tons de bronze e bege para combinar.

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        — Obrigada — disse Leo, tocada. A mãe piscou rapidamente.
        — Eu gostaria que você usasse isso para sair para jantar com alguém mais
interessante do que eu.
        Por um espantoso momento, os pensamentos de Leo se concentraram no seu
misterioso salvador. Sentiu o rubor se espalhando por suas faces alvas. O que não
passou despercebido a mãe.
        — Ah, é alguém que conheço?
        — Não há ninguém — respondeu Leo num tom um tanto brusco e refugiou-se na
limusine.
        Deborah esperou que o carro estivesse em movimento para prosseguir:
        — Querida, acho que precisamos ter uma conversa.
        — Tenho vinte e quatro anos, mãe. Já sei que não somos trazidos pela cegonha.
        — Fico contente em saber. Não que você pareça tão a par das coisas da
maneira como vai.
        — Mãe... — disse Leo em tom de aviso.
        — Está tudo bem. Não vou perguntar detalhes sobre sua vida pessoal. Quero
falar sobre o seu casamento.
        Leo franziu o cenho.
        — Mas não vou me casar.
        — Ah, então os rumores sobre você e Simon Hartley não são verdadeiros?
        Leo observou-a em aturdimento.
        — Simon Hartley? O novo diretor financeiro de papai? Eu mal
        o conheço.
        — Achei que fosse o irmão de uma amiga de escola sua.
        — Sim, é irmão de Claire Hartley, mas é mais velho do que nós.
        — Então, você não o conhece pessoalmente?
        — Bem, papai o trouxe até aqui há uns dois meses, para se familiarizar um
pouco com a agência de viagens, ou algo assim. Toda a equipe da Aventuras no Tempo o
conheceu.
        — E você gostou dele?
        Leo soltou um suspiro de exasperação.
        — Oh, pare com isso, mãe. Acredite, não adianta tentar me arranjar candidatos
a marido. Acho que não fui feita para o casamento.
        Para sua surpresa, Deborah não argumentou a respeito. Apenas pareceu
pensativa.
        — Por que não? Porque você tem coisas demais a fazer sendo a herdeira de
Gordon Groom?
        Leo ficou tensa. Ali estava, pensou. Aquele seria o ponto em que a mãe
começaria a atacar seu pai.
        —- Foi uma opção minha entrar para os negócios — disse com firmeza.
        Deborah também não argumentou sobre aquilo. De repente, perguntou-lhe:
        — Diga-me, você já se apaixonou?
        Leo não soube o que a teria deixado mais estupefata.

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
        — Como disse?
        No momento em que falou aquilo, Leo arrependeu-se. A mãe interpretaria sua
perplexidade como uma admissão de falha com o sexo oposto. Exatamente o que
sempre avisara a filha que aconteceria se não abrisse seu coração.
        — Achei mesmo que não.
        Mas Deborah não soou triunfante. Pareceu preocupada. E, pelo que devia ter
sido a primeira vez na vida, não prolongou o assunto.
        O que fez com que Leo se sentisse estranhamente inquieta. Estava acostumada
a sermões maternais. Conseguia lidar com eles. Uma Deborah silenciosa e preocupada
era algo novo em sua experiência. Não gostava daquilo.
        Amer deu várias instruções a Hari que fizeram o assistente arquear cada vez
mais as sobrancelhas espessas. Tomou nota de tudo com a costumeira eficiência, no
entanto. Mas ao ouvir a última instrução, deixou a caneta de lado e olhou para Amer
com ar de reprovação.
        — O que direi ao seu pai?
        — Não diga nada. Reporte-se ao meu tio, o ministro da saúde. Meu tio dirá a ele
que fiz o discurso que vim até aqui para fazer. E voilá.
        — Mas esperarão que você diga alguma coisa no jantar beneficente. Amer
abriu-lhe um sorriso irônico.
        — Diga você. Foi você quem escreveu o discurso, afinal. Será mais convincente
do que eu.
        Hari esforçou-se para não retribuir o sorriso.
        — Vão descobrir — disse com ar grave. — O que dirão?
        — Não me importo com o que um punhado de filantropos possa dizer ao meu
respeito.
        — Eu não estava me referindo aos filantropos. Mas ao seu tio, o ministro da
saúde, ao seu outro tio, o ministro das finanças, ao outro, o do petróleo...
        — Não me importo com o que pensem também.
        — Mas o seu pai...
        — Se meu pai não tomar cuidado, voltarei à universidade para terminar meu
curso e me tornar o arqueólogo que nasci para ser.
        Hari ficou apreensivo.
        — A culpa é minha, não é? Eu não deveria ter dito que as mulheres que você
conhece foram programadas para achá-lo maravilhoso. Você tomou isso como um
desafio, não foi?
        Amer riu.
        — Digamos que você mencionou uma hipótese que estou interessado em testar.
        — Mas por que com a srta. Roberts?
        — E por que não?
        — Você disse que ela era como pão amanhecido.― Amer franziu o cenho.
        — Espero que você não esteja pensando em lhe dizer isso — avisou.
        — Não vou lhe dizer nada — apressou-se Hari a assegurar. — Nem sequer
chegarei perto dela.

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
         — Não seja ridículo. Isso não é maneira de me impedir de vê-la.
         — Não estou sendo ridículo — defendeu-se Hari. Um pensamento lhe ocorreu.
Estava começando a se divertir. — Se você quer brincar de ser um homem comum, a
primeira coisa que terá que fazer é marcar um encontro pessoalmente, como faz o
resto de nós.
         Amer encarou-o com ar surpreso, mas, então, começou a rir.
         — Mas é claro. Eu não pretendia agir de outro modo. Isso faz parte da
diversão.
         — Diversão?
         — É evidente. Novos experimentos costumam ser divertidos.
         — Então, ela é um novo experimento. Vai lhe dizer isso? — perguntou o
assistente polidamente.
         — Ainda não sei o que vou lhe dizer — admitiu Amer com franqueza. — Acho
que dependerá em parte do que ela própria me disser. — Pareceu intrigado com a idéia.
         — A primeira coisa que a garota vai lhe dizer é como você se chama, qual o seu
título e a sua renda anual — retrucou Hari.
         Mas Amer não deixaria que nada afetasse seu bom humor.
         — Estive pensando nisso. Se a srta. Roberts não me reconheceu até agora, não
o fará mais, a menos que alguém lhe diga quem sou. Assim, é melhor você tomar todas
as providências no seu nome.
         — Oh? E como será quando você aparecer, em vez de mim? Mesmo que consiga
convencer o maitre a ser discreto, e quanto às demais pessoas no restaurante?
         — Já pensei nisso também. Agora, isto é o que eu quero que você faça...
         De volta do hotel, Leo descobriu que o pai tentara responder seu telefonema
duas vezes. Deixara vários números onde poderia ser encontrado.
         Não estava muito ansiosa por aquela conversa. Mas os anos de convivência com
o pai haviam-lhe ensinado que era melhor enfrentar a contrariedade dele logo do que
tentar adiar as coisas. Assim, endireitando os ombros, fez a ligação.
         — O que aconteceu? — quis saber Gordon Groom de imediato, ignorando as
perguntas da filha sobre sua saúde e bem-estar.
         Leo suspirou o contou-lhe sobre o incidente com Roy da maneira mais sucinta
possível. Quando terminou, ficou um tento surpresa em descobrir que o primeiro
pensamento dele foi para a sra. Silverstein.
         — Como ela está?
         — Dormindo, acho eu.
         — Vá vê-la — ordenou Gordon. — E mais uma vez antes de ir dormir.
         — Claro — disse Leo, tocada.
         — Não podemos esquecer do grande potencial que os americanos aposentados
representam para nós em termos de turismo.
         Aquele soava mais como o pai que conhecia, pensou ela, contendo um sorriso.
         — Eu verei como ela está — assegurou-lhe.
         — E quanto a Ormerod? Está mostrando competência?
         Leo sentiu-se pouco à vontade com a pergunta. Fora bastante firme com o pai,

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dizendo-lhe que não iria ao Cairo para espionar a administração existente.
        — Alguns dos métodos operacionais do turismo local são um tanto arcaicos —
disse, cautelosa.
        — Parece que está sendo necessária uma auditoria operacional aí. — Gordon,
então, tirou o escritório do Cairo dos pensamentos e concentrou-se na filha. — E
quanto a você? Acho que não adiantaria muito fazer com que Ormerod a readmitisse,
não é?
        Ela estremeceu.
        — Não.
        — Então, é melhor você voltar a Londres. Alguns assuntos da Fundação Groom
precisam de supervisão. Terá como cuidar deles aqui mesmo da empresa. Você poderá
fazer isso até que... — O pai interrompeu-se. — Até que eu defina algo para você na
própria empresa.
        Leo ficou intrigada, mas conhecia-o o bastante para saber que não adiantaria
pressioná-lo. Não lhe diria qual cargo tinha em mente para ela na Hotéis Groom
enquanto não tivesse se certificado de que estava apta a exercê-lo.
        — Está certo. Acabarei de resolver umas coisas aqui e voltarei para casa.
        Outros pais, pensou ela, teriam ficado contentes, dizendo quanto seria bom
tornar a vê-la. Alguns até teriam desejado saber o horário do vôo para buscá-la no
aeroporto.
        Gordon apenas disse:
        — Ainda tem suas chaves?
        Ambos viviam numa mansão em Wimbledon. Mas Leo preferia morar na
agradável casa de hóspedes que ficava na propriedade. Não interferiam na vida um do
outro.
        — Sim, tenho. :
        — Nós nos vemos quando você voltar, então. — Ele desligou. Leo disse a si
mesma que não estava magoada. Gordon era um pai consciencioso e bom. Mas não era
dado ao sentimentalismo, especialmente quando havia algum indício de que as emoções
pudessem interferir nos negócios,
        Era tolice pensar que gostaria que ele tivesse ficado um pouco mais indignado
por sua causa, pensou. Quando a mãe ficara irada com a atitude de Roy Ormerod,
procurara acalmá-la. Ainda assim, como o pai não ficara, sentira-se como se não fosse
amada.
        O problema era que não sabia o que queria, disse a si mesma, censurando-se. O
melhor era esquecer.
        Mas não podia se esquecer de como o estranho de olhos cinzentos a defendera
de Ormerod. A atitude a fizera sentir-se... o quê? Protegida? Estimada? Fez uma
careta.
        Era uma Groom, uma executiva, não podia se dar ao luxo de se deixar levar por
emoções, avisou a si mesma.
        De qualquer modo, não tornaria a ver o moreno misterioso.
        Fez uma reserva para o jantar para ela e a mãe. Depois livrou-se das roupas

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
empoeiradas do dia e mergulhou numa banheira de espuma. Procurou relaxar em meio à
água quente e perfumada. Quando o telefone na parede do banheiro tocou, ignorou-o.
Pela primeira vez em meses, ao que parecia, não tinha que se preocupar com reuniões
de equipe, roteiros e excursões. Fechou os olhos e permitiu-se desfrutar o prazer da
liberdade.
        Houve uma batida à porta.
        Na certa era a mãe, indo até ali para se certificar de que não faltaria ao jantar
de ambas. Com um suspiro, Leo saiu da banheira e vestiu o refinado roupão branco do
hotel, fechando-o com o cinto. Abriu, então, a porta da suíte, tentando adquirir uma
expressão de boas-vindas. Quando viu quem era, o que se evidenciou em seu rosto foi
pura estupefação.
        — Você! O que quer?
        — Bela acolhida — disse o estranho misterioso com ar divertido. — Que tal um
encontro?
        — Um encontro?
         — Um jantar. Com música, dança, conversa culta. O que você desejar.
        Leo sacudiu a cabeça, confusa.
        — Mas... um encontro? Comigo?
        Um quê de aborrecimento passou pelo rosto bonito de Amer.
        — Por que não?
        Porque os homens não me convidam para sair. Não sem mais, nem menos. Não
sem saber quem é meu pai. Leo reprimiu o pensamento depreciativo.
        — Quando? — disse, ganhando tempo enquanto se acostumava à idéia de tentar
aquela nova experiência.
        — Esta noite, ou nunca — respondeu ele com firmeza.
        — Oh, bem, então isso resolve tudo. — Leo não soube se ficou aliviada ou
desapontada. Mas ao menos a decisão fora tirada de suas mãos. — Já tenho um
compromisso para o jantar nesta noite.
        Tentou fechar a porta. Não conseguiu.
        Ele se recostara no batente como se pretendesse ficar ali a noite inteira.
        — Cancele — sugeriu.
        — Não — respondeu ela num tom de voz como o da professora mais formal que
já tivera na escola de boas maneiras.
        Ele conteve um sorriso.
        — Desafio você.
        Leo fitou-o com ar contrariado.
        — Imagino que você pense que isso torna seu convite irresistível?
        — Bem, interessante ao menos.
        Ela tinha de admitir que o sorriso do homem era cativante. Sentiu o coração
disparando inesperadamente enquanto o observava.
        Não sabia aonde um jantar com ele poderia tê-la levado. Felizmente passaria a
noite com a mãe.
        Naquele instante, como se a tivesse evocado com seus pensamentos, surgiu

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
Deborah Groom, adiantando-se pelo corredor. Leo soltou um suspiro.
        — Isso é um sim, ou um talvez? — perguntou Amer, divertido. —- Nenhum dos
dois. Olá, mãe.
        Ele virou-se rapidamente. Deborah não hesitou. Presumindo que o homem à
porta da suíte da filha era Roy Ormerod, partiu para o ataque:
        — Como você ousa vir até aqui para importunar minha filha? Já não fez o
bastante? Eu me certificarei de que seu patrão saiba de tudo isso.
        Amer piscou. Um brilho peculiar de apreciação surgiu em seus olhos.
        — Não pretendi importuná-la — disse num tom de desculpas. Leo mal pôde
conter o constrangimento.
        — Mãe, por favor. Este é o senhor... — Felizmente lembrou-se do nome bem a
tempo: — ... Amer. Foi ele quem persuadiu o hotel a me arranjar um quarto.
        — Oh. — Deborah levou um momento para assimilar a informação. Então, mais
um para avaliar Amer. Não lhe passou despercebido o fato de estar impecavelmente
vestido e ser tão distinto.
        Oh — disse outra vez num tom diferente de voz. — Estendeu II mão
graciosamente. — Que gentileza a sua, sr. Amer. Sou Deborah... Roberts, a mãe de Leo.
        — Leo? — murmurou ele, inclinando-se sobre a mão dela.
        — Ridículo, não é? Especialmente com um nome tão bonito quanto Leonora. Em
homenagem à minha avó, sabe. Mas o pai Heinpre a chamou de Leo. E o apelido ficou.
        — Mãe — protestou Leo. Nenhum dos dois lhe deu atenção.
        — Leonora — disse Amer como se estivesse saboreando o nome. Deborah
abriu-lhe um sorriso radiante.
        — E que bondade a sua vir ver como ela está.
        — Eu esperava persuadi-la a jantar comigo. Mas sua filha já tom um
compromisso.
        Deborah pousou a mão bem-cuidada na face.
        — Ora, não é uma coincidência? Eu estava vindo dizer a Leo que mio me sentia
muito disposta para sair nesta noite. — Deixou que os ombros caíssem com ar teatral.
— Este calor me deixa tão cansada.
        Leo não podia crer naquela traição.
        — Que calor, mãe? Em cada lugar que esteve hoje havia ar-condicionado.
        Deborah pareceu contrariada, mas recobrou-se depressa.
        — Bem, é exatamente esse o problema. — Virou-se para Amer com ar queixoso.
— Nós, ingleses, não estamos realmente acostumados ao ar-condicionado. Acho que
devo ter apanhado um resfriado. — Chegou a tossir de leve, com a classe de uma dama.
        Leo fervia por dentro. Tinha quase certeza de que o arrogante homem estava
rindo secretamente de ambas.
        — Então, é melhor você ficar na sua suíte — disse com firmeza. — Usaremos o
serviço de quarto.
        Deborah abriu um sorriso valente.
        Na suite? — perguntou, ressentida. — Sabe que pensei que iríamos jantar num
restaurante. Olhe para mim.

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
        Amer supervisionava a retirada de uma grande cesta de piquenique do jipe.
Virou-se, então, para observá-la. Percorreu-a longamente com um olhar intenso,
fazendo-a sentir-se pouco à vontade.
        — Você quer voltar? — perguntou-lhe, mais com um ar de desafio do que por
cortesia.
        — Bem, uma vez que já estamos aqui...
        Amer ergueu as sobrancelhas espessas, seu ar sardônico.
        — Devemos chamar isso de um experimento, então? Para nós dois. O motorista
desceu com a cesta de piquenique pelo banco de areia um tanto íngreme até o pequeno
ancoradouro de madeira. Amer estendeu a mão para ajudar Leo.
        Ela aceitou-lhe a mão e desceu pelo caminho poeirento, esforçando-se para
manter o equilíbrio. Era difícil também lidar com a corrente eletrizante que aquele
simples toque lhe causava.
        No ancoradouro, ela parou abruptamente.
        — É um barco — disse entre deliciada e apreensiva.
        O pequeno veleiro não parecia estável. Oscilava gentilmente sobre a água,
preso por uma corda. Havia um lampião na proa, nenhuma outra luz pairando sobre eles
exceto a das estrelas.
        Um homem que se apresentou como Abdul, obviamente encarregado de
conduzir a embarcação, saudou-os polidamente antes de pegar a cesta de piquenique.
Amer virou-se para o motorista e deu-lhe breves instruções em árabe. O homem subiu
de volta até onde deixara o jipe e ligou o motor. O veículo afastou-se na escuridão da
noite.
        Virando-se para Leo, Amer notou-lhe a apreensão no olhar.
        — Não vai me dizer que fica enjoada em barcos — falou, divertido. Leo lançou-
lhe um olhar exasperado. Deu-se conta, então, de que o melhor era admitir a verdade.
        — Sou uma pessoa desajeitada — anunciou, desafiadora. — Eu só estava
tentando descobrir como fazer para subir nessa coisa.
        — É fácil. — Amer ergueu-a nos braços.
        — Cuidado — pediu ela, segurando-o com força pelo pescoço. Soltando um riso,
ele manteve-a na altura do peito e subiu no barco, carregando-a. Almofadas delineavam
o interior do veleiro, e ele agachou-se, fazendo menção de se sentar. Leo teve a im-
pressão de que a segurou por mais tempo do que o necessário. Deu-se conta também de
que seu pulso estava acelerado e o ar parecia lhe faltar. Por quê, afinal, o homem a
afetava tanto? Como uma mulher de pouca experiência estaria tendo uma reação
exagerada!
        Num esforço para se recobrar, desvencilhou-se daqueles braços Curtos e
sentou-se numa grande almofada. Obrigada — disse, formal.
        ― Foi um prazer.
        Leo deslizou um pouco pela almofada para colocar alguma distância entre
ambos. Amer notou, mas não fez comentário. Virou-se para chamar o navegador e não
demorou para que o barco deixasse a margem, levado pela brisa do Nilo.
        Amer recostou-se nas almofadas e começou a indicar-lhe as estrelas que

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Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston
faiscavam no céu pelos nomes. O lampião na proa oscilava com o movimento suave do
veleiro, lançando sombras sobre ambos como se estivessem debaixo d'água em vez de
na superfície.
         Tensa, Leo não tirou os olhos das estrelas. Mas sabia que Amer estava a seu
lado, sua proximidade desconcertante. Lançou-lhe um olhar e, por um momento, foi
como se estivessem deitados numa cama, descansando entre travesseiros
habitualmente partilhados.
            pensamento fez com que um súbito calor a percorresse. Não ajudou em nada
quando ele estendeu a mão de repente e tocou-lhe nos cabelos.
         Os seus cabelos são como seda.—Aquela voz possante e aveludada como uma
carícia, arrepiando-a por inteiro. — Mas curtos demais.
         Involuntariamente, surgiu na mente de Leo à imagem de ambos deitados numa
praia deserta, as roupas espalhadas ao redor, Amer apoiado no cotovelo, correndo a
mão sensualmente pelos cabelos dela. Era uma cena tão nítida que parecia real. Soltou
um suspiro tremulo, esforçando-se para reprimir o choque e o constrangimento.
         ― Eu costumava usá-los bem mais comprido — disse depressa demais. — Até
quase terminar a faculdade. Depois, achei mais prático cortá-los e... — Interrompeu-
se, dando-se conta de que estava quase gaguejando. Respirou fundo e teve certeza de
que ele sorriu na escuridão.
         ― Está nervosa?
         Acho que estou um pouco... apreensiva — respondeu ela com franqueza.
         Houve uma pausa como se o tivesse surpreendido. Ei, você deveria estar se
divertindo, sabe?
         ― A propósito, aonde estamos indo? Quero dizer, isto é tudo? Ele soltou um
ligeiro riso.
         ― Está com fome?
         Preferiu presumir que Amer falava apenas de comida.
         ― Bem, meu desjejum foi às cinco horas da manhã de hoje, quando levantei
para ir esperar um grupo de turistas no aeroporto, e não comi nada desde então.
         — Pelos céus! Temos que fazer algo a respeito imediatamente. Disse algo em
árabe a Abdul, que logo manobrou habilmente , o veleiro.
         — O que aconteceu? Foi alguma vingança do chefe pouco razoável? Ela sacudiu
a cabeça, rindo.
         — Não. Isso é normal nesta época do ano. Às vezes, mal dá tempo de parar
para comer alguma coisa entre uma excursão e outra.
         — Parece-me escravidão. Por que você faz isso? Ela sentia-se melhor agora que
conversavam sobre um assunto corriqueiro.
         — E o meu trabalho.
         — E por que escolheu um emprego desses?
         Leo lembrou-se de quando o pai anunciara que a designaria para aquele trabalho
de dois anos.
         — Bem, é quase como se o emprego tivesse ido ao meu encontro — disse,
irônica. — Meu chefe me disse para onde eu iria. Não tive escolha.

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        — Então, você deveria ter procurado um novo emprego com um chefe mais
moderno — respondeu ele com impaciência.
        Leo aborreceu-se com aquele tom.
        — É fácil falar quando se tem uma infinidade de escolhas à disposição. A
maioria de nós não as tem.
        Amer riu.
        — Ninguém tem uma infinidade de escolhas. A maioria das pessoas tem menos
do que você pensa.
        — Está me dizendo que você é escravo das circunstâncias também? —
desafiou-o Leo com ar zombeteiro.
        Ele não gostou daquilo e demonstrou no tom frio de voz:
        — Não estamos falando sobre mim.
        O barco aproximou-se de uma pequena ilha. D navegador recolheu a vela,
ancorando-o junto ao banco de areia. Tirou, enfim, o lampião da proa, levando-o até
eles com a cesta de piquenique.
        Amer, então, dispensou-o e o homem saltou do barco, desaparecendo na
escuridão da ilha. Toda a confiança que Leo recobrasse foi com ele.
        Para sua surpresa, Amer abriu a cesta e começou a servir ai ambos,
preenchendo dois pães sírios com uma deliciosa salada' aromática. Ela comeu com
apetite e optou por um copo de água,j em vez de chá ou suco. Esvaziou-o de uma só
vez.
        Puxa, você estava com uma autêntica sede do deserto — tomentou Amer
comum ar divertido.
        A ansiedade sempre me deixa com sede — disse ela sem pensar. Ao vê-lo
contrair o semblante de leve, mordeu o lábio inferior. — Desculpe, não tive a intenção
de ser rude. Não quis dizer que...
        Acho que ambos sabemos o que quis dizer — declarou ele.
          Com o lampião mais próximo e não oscilando mais, Amer a veria corando. Ela
lamentou ter aquela pele tão alva que sempre a traía. ― Desculpe-me — murmurou.
        Amer permaneceu em silêncio por longos momentos, sem expressão no rosto
exótico e bonito indecifrável.
        — Você é um aprendizado — comentou, enfim. — Tenho profundo receio de que
Hari esteja certo. Confusa Leo franziu o cenho.
        ― Quem é Hari?
         Amer soltou um riso inesperado.
        ― Mas eu estou certo também — prosseguiu, enigmático. — Você não é joguete
de ninguém. E dona de si. Daí vem a sua bela franqueza. Mia percebeu que estava sendo
alvo de zombaria e não gostou. Já me desculpei.
        Não se desculpe, Você deve ter orgulho por dizer a verdade. Não existem
muitas pessoas assim no mundo.
        Leo sentiu-se impelida a desviar o olhar e fingiu concentrar-se na comida. Mas
era difícil enquanto sentia o peso daquele olhar, Amor observando-a corno se nunca
tivesse visto alguém semelhante. Após os momentos de incrível tensão, ele felizmente

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continuou unindo como um anfitrião atencioso, começando a conduzir assuntos mais
amenos enquanto lhe servia mais iguarias da cesta. Falou-lhe sobre o Nilo, sua paixão
por arqueologia, templos antigos n o céu do deserto, até que, finalmente, colocou-lhe
uma caneca de café nas mãos, anunciando: É a sua vez.
        Chegou o momento que ela estivera temendo.
        ― Minha... vez?
        ― Sim. Fale comigo.
        ― Eu... Sobre o que vou falar? Leo soltou um riso suave.
        ― É comum começarmos com algo que desejemos que o interlocutor saiba a
nosso respeito.
        ― Mas eu não quero que você saiba nada a meu respeito —disse Leo com
franqueza.
        — Bem, então diga-me o que eu quero saber.
        — Como o quê? — indagou ela, cautelosa.
        — Conte-me de onde você é. Como acabou parando no Cairo. O que os homens
na sua vida acharam disso.
        Leo pensou a respeito. Não haveria nada de pessoal demais naquelas
informações, concluiu. Assim, respondeu sem hesitar:
        — Eu sou de Londres. A empresa em que trabalho é basicamente uma cadeia
internacional de hotéis. Ela se diversificou, começando a abranger outras áreas de
lazer, incluindo esta agência de viagens local. Fui enviada até aqui para ficar por um
período de dois anos. Para adquirir experiência de trabalho pondo mãos à obra, por
assim se dizer. Estou aqui há pouco mais de um ano. Eventualmente, voltarei à sede da
empresa. Bem, depois do desentendimento com Roy, retornarei antes do previsto.
        — E quanto aos homens em sua vida?
        — Leo hesitou, não muito disposta a falar sobre os fracassos românticos em
sua vida com aquele homem indecifrável. Por outro lado, o pai lhe ensinara que dizer a
verdade era sempre o melhor caminho. Além do mais, depois daquela noite, jamais
tornaria a ver Amer.
        Endireitando os ombros, respondeu num tom jovial:
        — Não há nenhum homem. Ele estreitou o olhar.
        — Nem mesmo... como foi que o chamou? Roy? — Não soou muito interessado.
Seu tom era o de quem jogava conversa fora.
        Leo soltou um riso diante da simples idéia. Amer não achou graça.
        — Como ele conseguiu expulsar você do seu apartamento? — perguntou, rápido
feito um predador no ataque.
        Apanhada de surpresa, ela manteve-se em silêncio.
        — Eu lhe perguntei se você vivia com o tal homem, se ainda se lembra. Não me
deu uma resposta.
        Ela teve a impressão de distinguir raiva por trás daquele tom de aparente
casualidade.
        — Era um apartamento mantido pela empresa — disse depressa! na defensiva,
como se tivesse sido acusada de algo. — Saímos do Cairo com tanta freqüência com os

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grupos de turistas que não vale a pena cada funcionário ter o seu apartamento. Todos
dividimos as acomodações. Roy, Vanessa, Kevin e quem mais houver! Mas, na verdade,
Roy não fica lá durante a maior parte do tempo.
        — Não havia muita privacidade, então.― Leo ficou aliviada em notar que ele não
parecia mais zangado!
        Mas ficou pensativo.
         — E esse o motivo?
        — O motivo de quê?
        — De não haver nenhum homem em sua vida.
        — Oh, issol
        — Sim, isso — sorriu ele, imitando-lhe o tom de voz numa descontraída
provocação. — Se não há nenhum homem em sua vida tem que haver um motivo.
        Amer persistiria até que ela lhe contasse qual era. Soltando um suspiro, contou
a verdade:
        — Eu não consigo me... entrosar com os homens. Nunca consegui realmente. É
algo que enlouquece minha mãe. — Forçou um sorriso, mas não pôde mantê-lo no rosto e
desviou o olhar.
        — Isso significa que você não se sente atraída por homens? Leo ficou perplexa.
        — Oh, não, não se trata disso. Tive uns dois ou três relacionamentos. Nada
sério. E não deram certo. Esses namorados acabaram me deixando em pouco tempo e,
para ser franca, foi um alivio. Acho que não fui feita para massagear o ego masculino.
Não por muito tempo.
        Amer adquiriu um ar grave.
        — Há mais coisas num relacionamento entre um homem e uma mulher do que se
massagear egos.
        — Há? — disse Leo secamente. — Não foi o que me pareceu.
        — Talvez você tenha sido infeliz em suas escolhas. Eu diria que você deveria
ter tido mais de dois ou três experimentos insatisfatórios para basear suas teorias —
declarou Amer, triunfante.
        — Acha que eu deveria ter continuado tentando? Bem, isso talvez seja bom
para a maioria das garotas. Aliás, elas têm que tentar. Querem se casar.
        A reação dele foi de perplexidade.
        — E você não?
        — Eu diria que as circunstâncias conspiram contra mim. Amer notou que a
resposta fora deliberadamente evasiva.
        — Ou seja, você quer se casar, mas acha que isso não vai acontecer. — Soou
bem mais contente com aquela conclusão.
        Leo ficou furiosa. Levantou-se abruptamente, fazendo a pequena embarcação
sacolejar com a violência de seu gesto.
        — Ouça, eu disse que jantaria com você. Mas não concordei em ser analisada
desse jeito, como se fosse uma cobaia sendo dissecada em laboratório.
        — É o que estive fazendo? — Ele soou surpreso e não muito satisfeito. Seguiu-
se uma pausa enquanto pensou a respeito. Disso, então, com ar divertido: — Está certo.

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Vingue-se. Eu lhe direi qualquer coisa que quiser saber.
        — Não, obrigada. Não quero dissecá-lo também. Amer sacudiu a cabeça, ainda
divertido.
        — Ainda dizendo a verdade? Nem sempre é uma boa estratégia... mas é
bastante impressionante.
        Levantou-se. Era mais alto do que ela, com seu porte imponente dominando a
pequena embarcação. Leo lembrou-se de como aqueles braços a tinham envolvido
quando fora carregada até o veleiro, e uma seqüência de arrepios subiu-lhe pela
espinha.
        — Olhe para a lua.
        Ela o fez e sentiu-se quase hipnotizada, contemplando a lua cheia em meio às
estrelas brilhantes. Nunca lhe parecera tão grande e luminosa, nem o céu tão
aveludado.
        — Faz com que as incertezas humanas pareçam tão insignificantes, não é? —
filosofou Amer.
        Leo fitou-o, então, e a intensidade naqueles olhos cinzentos, tão luminosos
quanto a própria lua acima, desconcertou-a. Foi quase como se tivesse uma sensação de
vertigem e, sem se dar conta do que fazia, tornou a sentar-se entre as almofadas. Não
conseguiu parar de fitá-lo.
        Ocorreu-lhe de repente que queria aquele homem e que ele estava a par
daquilo. Nunca se sentira daquela maneira em sua vida, jamais conhecera anseio tão
forte. Nem sequer soubera que era capaz de tanto.
        Ele agachou-se até sentar-se nas almofadas, sem deixar de fitá-la um instante
sequer. Era como se pudesse enxergar através dela, ver suas defesas, sua confusão,
sua surpresa.
        Leo ficou imóvel, fascinada. E havia se julgado imune. Eram as outras garotas
que esperavam ansiosamente junto ao telefone, que se derretiam diante de um olhar
como aquele, que sucumbiam por causa de um simples beijo.
        E Amer não a beijara, nem sequer a tocara. Mas seu olhar continha um
magnetismo incrível, era como uma carícia abrasadora...
        Abdul estava voltando. Ela ouviu-lhe o cumprimento cordial. Sentiu o
movimento do barco enquanto ele subia a bordo.
        Amer não se moveu. Continuou fitando-a com seus olhos penetrantes.
        — Devo dizer a Abdul para tornar a descer e nos deixar a sós por umas duas
horas? — perguntou-lhe, enfim, num tom suave.
        — Não sei o que você quer dizer — falou Leo com dificuldade, o céu estrelado
parecendo rodopiar acima de ambos.
        Ele soltou um suspiro quase imperceptível de frustração.
        — Essa é a primeira mentira que você já me disse. — Pareceu haver uma
espécie de agonia por trás de suas palavras.
        Leo soube que jamais voltaria a ser a mesma depois daquilo, não importando o
que acontece. Conteve a respiração.
        Mas Amer não a tocou. Afastou-se por alguns momentos para dar instruções ao

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navegador e não soou aborrecido. Na verdade, pareceu quase indiferente.
        Leo soltou o ar devagar, enquanto os homens conversavam brevemente. Mal
prestou atenção quando Abdul se aproximou para recolher a cesta de piquenique e,
depois, foi se ocupar com a vela. listava atordoada demais. Talvez porque nunca tivesse
sido tomada por sensações tão intensas antes, nem se dado conta de sua própria
sensualidade. Porque nunca desejara tanto...
        Reprimiu os pensamentos abruptamente àquela altura. O que desejava?
perguntou-se, zangada. Amer? Tolice.
        De repente, quis voltar ao seu quarto de hotel e recobrar-se do que lhe
acontecera. Ao menos não tentara tocá-lo, pensou, aliviada.
        Ela manteve-se monossilábica na jornada de volta. Amer não a pressionou.
Parecia tranqüilo, cordial, mas um tanto distante, quando entraram no hotel,
agradeceu-a formalmente pela companhia e desejou-lhe boa-noite.
        Leo apertou-lhe a mão.
        — Obrigada — disse-lhe polidamente, como se estivesse falando com um dos
motoristas de ônibus da Aventuras no Tempo.
        Aquele tom divertiu Amer.
        — Nos veremos em breve — assegurou-lhe ele.
        Leo não lhe dissera que esperava pegar um avião muito em breve. Nem
mencionou nada naquele momento. Apenas despediu-no com um esboço de sorriso e
encaminhou-se até os elevadores.
        Hari soube que a noite não fora bem-sucedida no momento em que Amer entrou
na suíte. Bastou um olhar para o rosto do xeque c resolveu manter a conversa
estritamente profissional.
        — Aqui está o relatório das várias conversas que tive antes do jantar
beneficente — anunciou, entregando-lhe uma pasta fina.
        ― E os discursos que foram feitos. — Passou-lhe um calhamaço ÍIH mãos. — Ah,
é uma mensagem de Sua Majestade — concluiu, apresentando-lhe um fax.
        — Meu pai pode esperar.
        O assistente absteve-se de comentários e consultou suas anotações.
        — Fiz reservas num vôo para Paris na quinta-feira. Achei que você iria querer
parar lá primeiro.
        — Suspenda isso por enquanto.
        — Você quer ficar para a recepção que haverá ao final da conferência? —
perguntou Hari, surpreso.
        — Talvez. Tenho assuntos inacabados no Cairo. O amigo ocultou um sorriso.
        — A srta. Roberts gostou do piquenique?
        — Ela... não é inteiramente como eu esperava. Nem à noite o foi, aliás.
        — Isso aconteceu porque você não lhe contou quem era. Amer sacudiu a cabeça
devagar.
        — Não creio. Ela é incomum. Acho que o fato não teria feito a menor diferença.
        — Nesse caso, a srta. Roberts não é incomum, é única — opinou o cínico Hari.
        Surpreso, Amer riu.

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         — Você pode ter razão. — Deu um tapinha no ombro do amigo. — Intrigante,
não é?
        — Puxa, você está linda — comentou a sra. Silverstein, deitada em sua cama,
quando, ainda naquela noite, Leo foi verificar como estava passando. — Teve algum
encontro interessante?
        — Saí para jantar.
        — Com alguém que conheço?
        — Um hóspede do hotel. — Ao menos aquilo soava melhor do que um encontro
às escuras, pensou Leo, irônica. — Um tal de sr. Amer.
        Um sorriso radiante iluminou o semblante da sra. Silverstein.
        — Oh, o xeque!
        Leo arregalou os olhos.
        — Como disse?
        — O xeque Amer el-Barbary — respondeu a sra. Silverstein com satisfação. —
Fiz questão de saber o nome dele.
        Leo encarou-a, boquiaberta. Lentamente, compreendeu o que acontecera, um
súbito horror dominando-a.
        Ele mentira. Enganara-a deliberadamente. Convidara-a á fazer-lhe perguntas,
sabendo que ela não o faria, e, o tempo todo, omitira a informação mais importante!
Oh, que grande tola Amer devia achá-la...                                     -
        Que grande tola era.



                                        CAPÍTULO III



        Seis meses depois, Leo ainda sentia o choque de sua descoberta. Era algo que
podia fazê-la acordar no meio da noite e consumi-la de constrangimento. Ou evocar
lembranças de momentos surpreendentes num veleiro no rio Nilo e reavivar o desejo
que sentira por um homem que nem sequer a beijara. O que, obviamente, deixava-a
ainda mais constrangida e não colaborava em nada para aumentar sua auto-estima.
        Costumava também pensar em tudo que teria dito a Amer se tivesse ficado
frente a frente com ele outra vez. Mas não ficara. A sra. Silverstein tornara a se
sentir indisposta e precisara ser acompanhada de volta aos Estados Unidos. Como Leo
estava de partida do Egito, agarrara a chance de viajar de imediato.
        Assim, encontrava-se agora em Londres, tentando recomeçar sua vida. Sem
muito êxito.
        — O que há de errado? — perguntou-lhe a amiga, Claire Hartley, enquanto Leo
a levava de carro para passarem o fim de semana com a família Hartley. — Está
sentindo falta das pirâmides?
        — Não estou sentindo falta de nada — respondeu Leo com mais ênfase do que o
necessário.
        A amiga ficou pensativa e, enfim, comentou:

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        — Você tem visto bastante o meu irmão Simon, não é? Leo lançou-lhe um olhar
surpreso.
        — Apenas na empresa.
        — Você foi ao Baile Rouxinol com ele.
        — A trabalho.
        — Então, ele não tem nada a ver com o fato de você estar contente por ter
voltado para casa?
        — Eu não disse que estava contente por ter voltado para casa. Apenas que não
sentia falta do Cairo. Há uma diferença.
        — Oh... E o que aconteceu no Cairo? Ou, talvez, eu deva perguntar... quem você
conheceu lá?
        Leo contraiu o rosto. Um príncipe árabe divertira-se a valer oferecendo a uma
humilde guia turística uma noite romântica e requintada. Porque não passara daquilo
para ele... uma diversão. A recusa em tocá-la só demonstrara quanto Amer estivera
indiferente às suas reações.
        — Um representante da realeza que parecia gostar de se divertir à custa dos
outros — respondeu, enfim, à amiga, cerrando os dentes enquanto recordava.
        Claire estava admirada.
        — Ele realmente mexeu com você, não é? Foi uma nova experiência para você,
srta. Geleira?
        Leo sorriu com ironia. Sua reputação de indiferença ao sexo oposto começara
muito tempo antes. Nos bailes da escola, mais exatamente. Desajeitada, mais alta do
que a maioria dos garotos e terrivelmente tímida, descobrira que a melhor maneira de
lidar com provocações e gracejos era fingindo que não se importava. Ninguém nunca
desconfiara da verdade, nem mesmo Claire. Todos apenas haviam concluído que Leo era
sensata demais para ter sofrido os traumas da adolescência.
        — Amer el-Barbary seria uma nova experiência para qualquer um.
        — Parece interessante — disse a amiga com inveja. — Conte-me a respeito.
        Leo olhou para a estrada interminável e sinuosa à frente. Soltou um suspiro.
Seria uma longa jornada.
        Contou à amiga, o que acontecera no Cairo.
        Claire ficou atônita e, quando acabou de ouvir o relato, sacudiu a cabeça em
incredulidade.
        — E você nem sequer escreveu para ele?
        — O que eu teria dito? Obrigada por ter-me feito de tola?
        — Pode ter havido vários motivos para que ele não tenha lhe dito quem era.
        — Como o quê?
        — Bem, talvez o homem tenha achado que você não sairia com ele sabendo que
era tão importante.
        — Dificilmente.
        — Que tal este? Amer queria que você saísse com ele como um homem comum,
não como alguém de sua posição.
        — Não acredito em contos de fadas. Amer só achou que era divertido tentar

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me seduzir com todo aquele clima romântico. Na verdade... — Por um momento, a
expressão de Leo suavizou-se — ... ele ficou bastante aborrecido quando não reagi
conforme o previsto.
        — Disse-lhe isso?
        — Disse que nos veríamos em breve — admitiu ela com relutância. Claire soou
exasperada:
        — Então, você correu para os Estados Unidos, acompanhando uma viúva de
setenta anos e, depois, veio para cá. Francamente! Diga-me, ele não tentou entrar em
contato com você?
        — Não teria adiantado se tivesse tentado. Todos os meus dados eram vagos ou
fictícios no escritório do Cairo. Ninguém de lá sabia quem eu era. Eu usava o
sobrenome da minha avó.
        — O escritório ainda poderia ter encaminhado alguma correspondência
destinada a você, eu suponho.
        — Já lhe disse. Eles não saberiam para onde encaminhar o que quer que fosse.
Ninguém da equipe de lá sabe que a srta. Roberts é a filha do patrão, a srta. Groom.
        Claire sacudiu a cabeça, insatisfeita com o fim do que poderia ter sido um
grande romance.
        — Se você o visse outra vez...
        — Eu lhe daria um soco no olho — declarou Leo, veemente. Claire era uma boa
amiga, mas não tinha muito tato.
        — Mas pareceu-me que você estava quase se apaixonando pelo homem.
        — O amor — retrucou Leo, zangada — é o maior conto de fadas de todos. Não
passa disso.
        — A maioria das pessoas espera acabar se apaixonando algum dia.
        Sem poder evitar, Leo recordou as palavras triunfantes de Amer: Você quer se
casar, mas acha que isso não vai acontecer. Ele estivera falando sobre casamento, não
amor. Mas ela corou como se o xeque estivesse no carro, lendo seus pensamentos.
        — Eu não.
        Tendo encerrado uma reunião que mal pudera suportar com assuntos
pertinentes à Fundação Beneficiente el-Barbary, um irritadiço e impaciente Amer
andava de lá para cá pelo escritório da mansão que mantinha em Londres. Ultimamente
parecia não conseguir se concentrar em nada. E sua impaciência só aumentara quando o
presidente da fundação lhe pedira que escrevesse um artigo para uma publicação
destinada a fins de caridade, uma coletânea de artigos de autoria de várias
personalidades. Hari escreveria o seu com certeza, pensou Amer com um profundo sus-
piro, parando, enfim, diante de uma janela do escritório.
        Quando um homem alto, de ar tranqüilo, foi levado à sua presença, ele virou-se
depressa. O visitante deixou transparecer sua perplexidade. Havia sombras escuras
sob os olhos do xeque e, quando sorriu, foi com visível esforço.
        — Major McDonald. — Amer estendeu a mão. — Que bom ter vindo. Preciso de
sua ajuda.
        Explicou a situação de maneira sucinta.

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        — Mantive os detetives mais espertos que o dinheiro pode comprar
investigando durante seis meses. A mulher desapareceu — concluiu.
        — Não — disse o major, confiante. —Apenas não a procuraram da maneira
certa. Tem certeza de que é inglesa?
        — Sim.
        — Então, deixe-me usar meus contatos. Eu a encontrarei para você.
        Amer tornou a aproximar-se da janela e olhou para os amplos jardins abaixo.
        — Se você a encontrar, traga a informação diretamente a mim. Não comente
com mais ninguém. E, mais importante, não diga nada a ela — acrescentou num tom
duro.
        O fim de semana com os Hartley não foi como Leo esperara. Achara que seria
um encontro descontraído e familiar, com caminhadas pela propriedade, conversas
tranqüilas à beira da piscina e noites repousantes. Não poderia ter-se enganado mais.
        Houve um jantar formal na sexta-feira, quando ela e Claire chegaram, e um
almoço especial no sábado, ambos os eventos com vários convidados. Na noite de
sábado foi à vez de irem a um sofisticado clube. Enfim, na manhã de domingo, foi
oferecido um lanche para dezenas de convidados na propriedade.
        E Simon estivera sempre por perto, dizendo-lhe incansavelmente o quanto
estava se entendendo bem com o pai dela.
        Na tarde de domingo, Leo estava exausta e ansiosa por voltar para casa.
        — Não deveríamos estar retornando a Londres, Claire? — perguntou num
sussurro.
        Lady Hartley, cuja audição teria causado inveja a um morcego, interveio:
        ― Simon, meu filho, você ainda não mostrou o rio a Leo. Por que não a leva até
lá agora? A tarde está tão agradável.
        Quando subiam a colina atrás da casa, Leo virou-se para Simon com um sorriso
forçado:
        — É sempre assim todo o fim de semana?
        — Não, mamãe apenas quis ter certeza de que você se divertiria.
        — É por isso que me senti o centro das atenções — disse ela, pensativa. — Na
verdade, foi quase como se estivessem tentando me vender algo. —Vendo a expressão
de Simon, Leo arrependeu-se do comentário. — Desculpe-me. Foi uma coisa estúpida de
se dizer. > que sua mãe estaria vendendo, afinal?
        Mas ele era um cavalheiro.
        — A mim, eu receio. Ela não soube o que dizer.
        — Não vou tentar fazer nenhum jogo. Respeito você demais para isso. Além do
mais, você logo perceberia. Apesar do luxo que ainda tenta ostentar, minha família
acabou com toda a sua fortuna. Você deve ter notado que a propriedade precisa de
reparos, que ou vários hectares de jardins estão negligenciados, enfim... A única MInda
é uma injeção de capital dada por... bem...
        — Por mim? — indagou Leo, ainda surpresa. — Seus pais querem vender a
propriedade? Quero dizer, vejo que este lugar tem potencial. Mas eles iriam realmente
querer que se tornasse parte da cadeia de hotéis Groom? De qualquer modo, seria

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melhor se conversassem diretamente com meu pai.
         Simon pegou-lhe a mão.
         — Não é a propriedade que querem vender. Querem que eu peça você em
casamento.
         — O quê? Ele soltou-lhe a mão.
         — Não há razão para ficar tão chocada. Você deve ter percebido.
          — Eu... — Ela sentiu-se uma tola. — Desculpe-me. Eu mio sabia.
         Simon não escondeu seu desapontamento.
         — Achei que ao menos seu pai tivesse dado a entender...
         — Meu pai? K, então, Leo compreendeu subitamente do que se tratava tudo
aquilo. Por que Gordon Groom levara Simon ao Cairo, por que sua mãe lhe perguntara
sobre seus sentimentos por ele meses antes, porque o pai ainda não lhe dissera de qual
cargo pretendia incumbi-la. Tola! Mil vezes tola!, pensou, furiosa consigo mesma. Como
não tivera o filho e herdeiro que desejara, apenas uma filha desajeitada, o pai estava
lhe comprando um marido razoável e esperando pela geração seguinte.
         — Nunca existiu a chance de uma carreira para mim na Hotéis Groom, não é? —
disse mais para si mesma do que para Simon. ...
         — Meu pai só estava tentando me distrair até que eu me casasse, j
         — Não sabia o que era pior, a dor, ou a humilhação.
         Ele não pareceu notar. Apenas meneou a cabeça, aliviado.       !


         — Você se casará comigo?
         Leo queria gritar de raiva e frustração. Queria dizer ao pai; exatamente o que
pensava dele antes de sair de sua casa e afastar-se do falso emprego.
         Mas nada daquilo era culpa de Simon, e ela não seria injusta.;
         — Não, não me casarei com você — disse com gentileza. Simon reagiu com
aturdimento.
         — Não vou desistir da esperança — assegurou-lhe, enfim, num tom manso.
         E, então, ela realmente gritou de raiva.
         — Bem — começou Amer, satisfeito —, você disse que o faria e o fez. Estou
impressionado.
         O major McDonald deu de ombros.
         — Coloquei minha equipe nisso. O especialista em estatística mostrou-nos que
Leonora é um nome incomum no país, informação que muito ajudou. Depois, concluiu-se
que uma mulher que conseguiu esconder sua identidade desde sua chegada ao Cairo,
devia ser provavelmente uma espiã, uma criminosa ou a filha de um milionário.
Felizmente para você, trata-se do último caso.
         — Sim, felizmente.
         O sorriso frio de Amer levou o major a perguntar-se o que Leonora Groom
teria feito. Gostava dele e o admirava, mas, apenas por um momento, quase sentiu
compaixão pela mulher.
         O xeque abriu o dossiê que lhe fora entregue.
         — Leonora Groom — disse, como se saboreasse o nome.
         — Há apenas uma foto, numa festa beneficente. Ela parece conseguir ficar

Projeto Revisoras                                                               35
Amor sob as estrelas do deserto
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  • 1. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston A MAGIA DO DESERTO Sophie Weston Título original: The sheikh's bride Amor sob as estrelas do deserto... Leonora Groom deseja desesperadamente ser amada por aquilo que é e não pela fortuna de seu pai. Quando o irresistível Amer el-Barbary começa a seduzi-la sob o céu aveludado do Nilo, Leonora sabe que será difícil resistir... mesmo sabendo que o sheik é um verdadeiro dom-juan! Cansado de namorar mulheres fúteis, Amer . vê Leonora como uma tentadora novidade. Mas seu coração lhe prega uma peça... assim como o destino! Quando Amer pensava que iria sossegar seu coração, um acaso surge para modificar o rumo da sua vida... e da sua felicidade! Projeto Revisoras 1
  • 2. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Digitalização: Rita Revisão: Ana Ribeiro PRÓLOGO ― O que você está esperando? ― perguntou o co-piloto do jato. O piloto olhou de sua cabine para a pista de aterrissagem do Cairo. Sob a luminosidade da manhã, a poeira ao redor e o telhado do prédio distante do aeroporto cintilavam. Dois homens vestindo ternos escuros verificavam eficientemente a área onde o avião parará. — Procedimento de segurança — respondeu ele brevemente. O co-piloto era novo na frota particular do xeque de Dalmun. — Eles sempre fazem isso? O outro homem deu de ombros. — Ele é uma pessoa muito influente. — Quer dizer que é um alvo, então? — E milionário e é herdeiro do xeque soberano de Dalmun — disse o piloto com cinismo. — É claro que ele é um alvo. O companheiro abriu um sorriso largo. Sua namorada levava para casa revistas sobre personalidades da realeza com freqüência. — Atrai garotas feito um ímã, não? Homem de sorte. Os seguranças haviam terminado a inspeção. Um deles ergueu a mão e uma limusine branca aproximou-se lentamente, contornando o avião. O piloto, o quepe debaixo do braço, levantou-se e foi trocar um aperto de mão com o passageiro ilustre que desembarcava. A brisa de início de manhã soprou nas vestes brancas do xeque quando ele se adiantou até a limusine. A despeito da movimentação de pessoas gerada com sua presença, parecia uma figura solitária. O piloto voltou à cabine. — Aguardaremos um pouco — disse. Outros carros chegaram e neles entraram os membros da equipe de segurança. A limusine, então, começou a se afastar, ladeada por seus guardiões. Os pilotos recostaram-se nos assentos, aguardando uma escolta até o local de parada definitiva do avião. — O que ele está fazendo aqui? — perguntou o co-piloto num tom corriqueiro. — Veio a negócios ou por diversão? — Por ambos os motivos, acho eu. Ele não saía do Dalmun há meses — contou o homem mais velho distraidamente. — Por quê? O piloto não respondeu. — Ouvi dizer que houve um desentendimento. O pai queria que ele tornasse a se casar? — Talvez — foi a resposta monossilábica. — E o que você acha? Ele viajou para encontrar uma noiva? O piloto foi traído Projeto Revisoras 2
  • 3. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston por sua indiscrição: — Amer el-Barbary? A procura de uma noiva? Quando chover canivete. CAPÍTULO I Leonora passou a mão pelos cabelos e soltou um profundo suspiro. O movimento no saguão do Hilton Nilo era intenso. Ela perdera três dos integrantes do grupo de ex- cursionistas que logo estaria de saída para visitar o museu. Não conseguira passar um tempo com sua mãe, que, conseqüentemente, estava furiosa. E, para ajudar, a cliente mais dinâmica que a agência já devia ter tido surgira com outra de suas intermináveis perguntas. — O quê? — disse Leonora, distraída. — Ele vai entrar a qualquer minuto. — A sra. Silverstein meneou a cabeça na direção da porta giratória. — Quem será? Uma limusine branca, as janelas discretamente escurecidas, parará diante do hotel, ladeada por dois Mercedes pretos. Homens de ternos escuros desceram e deram alguns passos estratégicos, enquanto vários funcionários do hotel se aproximavam do grupo. As portas da limusine permaneciam fechadas. Leo conhecia os sinais. — É provavelmente alguém da realeza. — Não estava muito interessada em saber de quem se tratava. A agência de viagens recém-adquirida por seu pai ainda não tinha clientes da realeza. Eles geralmente viajavam em seus jatos particulares. — Nada que tenha a ver comigo, felizmente. Você viu a família Harris? — Alguém da realeza. — exclamou a sra. Silverstein, alheia à pergunta. Leo sorriu amplamente. Gostava dela. — Um soberano do deserto — disse a mulher mais velha. — É bem possível. Leo resolveu não desiludi-la dizendo que, na certa, o homem também era formado em Harvard, falava vários idiomas e atravessava o deserto num automóvel luxuoso com ar-condicionado em vez de num camelo. Ao contrário dela, a sra. Silverstein era uma romântica. — Fico me perguntando quem será ele... Leo conhecia aquele tom. — Não faço a menor idéia — declarou com firmeza. — Você poderia perguntar. Ela soltou um riso. Aquilo fora o que a cliente mais lhe dissera durante três semanas. — Ouça, sou sua guia. Farei muito do que me pedir. Perguntarei às mulheres quantos anos têm e aos homens quanto custa alimentar um camelo. Mas não perguntarei a um bando de brutamontes a quem é que estão protegendo. Talvez me prendessem. A sra. Silverstein riu. Em três semanas, desenvolvera-se grande camaradagem Projeto Revisoras 3
  • 4. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston entre ambas. — Covarde. — De qualquer modo, tenho que encontrar a família Harris. Leo abriu caminho pela multidão até uma mesinha de mármore encimada por um telefone e um arranjo de flores. Ligou para o quarto dos Harris, ainda olhando ao redor, caso já tivessem descido. Notou que o grupo que chegara escoltando a limusine continuava em ação. Homens abriam um corredor entre as pessoas. Atrás deles, caminhava uma figura alta, as vestes esvoaçando ligeiramente. A sra. Silverstein estava certa, pensou, irônica. O homem era magnífico. Naquele instante, ele virou a cabeça e olhou para ela. E, para sua perplexidade, Leo descobriu-se quase hipnotizada. — Alô? — disse Mary Harris do outro lado da linha. — Alô? Leo nunca o vira antes. Mas havia algo no homem que lhe chamara a atenção. Como se lhe fosse alguém importante. Como se o conhecesse. — Alô? Estava coberto da cabeça aos pés pelas vestes brancas e tradicionais de um árabe do deserto. Faziam-no parecer ainda mais imponente do que já era, levando em conta seu porte e a ação eficiente de sua comitiva. Tinha os olhos ocultos por óculos escuros, mas sua expressão denunciou cansaço quando olhou rápida e indiferentemente para ela e as demais pessoas ao redor, enquanto passava. — Alô? Quem é? Leo notou arrogância em cada aspecto dele. Não gostou daquilo. Mas, ainda assim, não conseguia parar de olhar para o homem. Era como estar enfeitiçada. A sra. Silverstein parou a seu lado e tirou-lhe o fone da mão. Ela mal percebeu. Tudo o que conseguia fazer era olhar... e esperar para que os olhos dele tornassem a encontrá-la. Não sou desse jeito, disse uma voz em sua mente. Não fico encarando desconhecidos bonitos. Mas ela ignorou a voz. Não podia evitar. Só conseguia ficar parada ali, imóvel como uma estátua, à espera... Um homem que reconheceu como o gerente do hotel conduzia o grupo. Estava fazendo uma mesura, alheio a tudo mais. Quando o fez, passou tão perto dela que Leo teve que dar um passo atrás abruptamente. Bateu com o quadril na mesa e segurou-se num pilar para se equilibrar. Normalmente um homem gentil e cortês, o gerente nem sequer notou. Mas o objeto de toda a sua atenção percebeu. O homem de vestes brancas parou de repente. Os olhos ocultos pelas lentes escuras voltaram-se na direção de Leo. Fora o que estivera esperando. E o impacto foi grande. Ela ficou com a respiração em suspenso e encostou-se ao pilar, como se temesse não poder se sustentar nas próprias pernas. — Oh, puxa — disse a sra. Silverstein com um suspiro. Projeto Revisoras 4
  • 5. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Leo segurou-se com mais força, confusa com sua intensa reação ao estranho. No momento seguinte, ele desviou o olhar e foi como se tivesse sido liberta de uma força hipnótica. Cambaleou de leve e respirou fundo, levando a mão trêmula ao pescoço. — Oh, puxa — repetiu a sra. Silverstein. Lançou-lhe um olhar velado e recolocou o fone no gancho. Um pouco além no saguão, houve um gesto imperioso. Um dos homens de terno aproximou-se respeitosamente do árabe alto, que lhe disse algo com um leve gesto de cabeça. O segurança olhou na direção indicada, encontrando a sra. Silverstein e Leo. Pareceu surpreso. Leo soube o motivo daquela surpresa e, como já acontecera com freqüência antes, sentiu pesar. Não era o tipo de mulher que os homens notavam em saguões apinhados. O homem de terno escuro também sabia daquilo. Ela era alta, pálida e desajeitada demais. Sem mencionar que agora seus cabelos castanhos estavam cobertos com a poeira do Cairo e o sisudo tailleur azul- marinho ficara todo amarrotado. Não era exatamente uma visão sedutora, pensou, tentando rir de si mesma. Acostumara-se a ser um tipo comum. Decidira que não iria deixar mais que aquilo a incomodasse. Mas a expressão de surpresa no rosto do homem atingiu-a de maneira surpreendente. O homem de vestes brancas disse algo num tom estranho. O segurança meneou a cabeça depressa e, um instante depois, aproximou-se delas. — Com licença — disse com um sotaque carregado. — Sua Excelência pergunta se a senhorita se machucou. Leo sacudiu a cabeça, atordoada. Estava abalada demais para falar... embora não soubesse a razão. Afinal, por causa dos óculos escuros não havia nenhuma evidência de que o homem de branco estava olhando em sua direção. Mas sabia que estava. Ninguém nunca lhe causara impacto semelhante. Achava chocante que um estranho, cujos olhos nem sequer pudera ver, fosse capaz daquilo. Engolindo em seco, disse comi toda a calma que conseguiu reunir: — Não, é claro que não. Não foi nada. A sra. Silverstein estudou-a. — Tem certeza? Está tão pálida. — Posso lhe oferecer algum tipo de assistência, senhorita? — perguntou o segurança polidamente. Leo umedeceu os lábios, mas conseguira se recobrar e disse com mais firmeza: — Não, obrigada. Não foi nada. Por favor, agradeça a Sua Excelência por sua preocupação, mas estou bem — declarou e virou-se, afastando-se um pouco. A. sra. Silverstein, porém, não deixaria passar a chance de uma nova experiência tão facilmente. Não quando havia realeza envolvida. Deu um tapinha no braço do segurança. — De que Excelência se trata? O homem ficou tão perplexo que acabou respondendo: Projeto Revisoras 5
  • 6. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — E o xeque Amer el-Barbary. A mulher estava encantada. — Um xeque! — disse num tom sonhador. Poucos passos além, os olhos por trás das lentes escuras voltaram a observá- las. Leo sentiu as faces queimando. Não fitou o homem, mas sentiu-lhe o peso do olhar sardônico e foi como se alguém tivesse lhe atirado um balde de água fria. Estremeceu. Como ele fazia aquilo?, perguntou-se, dando-se conta de que começava a ficar indignada. Ergueu o queixo num gesto atípico. Era uma pessoa pacífica, não hostil. Mas, daquela vez, era diferente. Lançou um olhar faiscante na direção do xeque. Teve a nítida impressão de que agora tinha a total atenção dele e de que não estava muito satisfeito. Oh, preciso de ajuda, pensou, aflita. Ele vai se aproximar. Sua pele se arrepiou por inteiro. Mas, de repente, a ajuda apareceu inesperadamente: — Querida! — chamou uma voz feminina. Leo sobressaltou-se e olhou freneticamente ao redor. O saguão fervilhava com grupos barulhentos conversando em diversos idiomas. Mas não podiam competir com sua mãe. Deborah Groom poderia espatifar vidros com sua voz aguda se quisesse. — Querida — tornou a chamar. — Estou aqui. Uma mão repleta de anéis valiosos acenou imperiosamente. Leo localizou-a e contou até dez. Tentara persuadir a mãe à não ir ao Cairo na semana mais movimentada do ano para a agência, mas ela, como esperado, não lhe dera ouvidos. Agora, já refeita, Leo disse num tom definitivo ao segurança: — Obrigada, mas estou perfeitamente bem. Por favor — acrescentou, permitindo-se um leve toque de ironia que, teve certeza, passaria despercebido ao homem —, tranqüilize Sua Excelência. — Disse num tom mais gentil a sra. Silverstein: — Dê-me dez minutos. Preciso resolver um assunto. Então, se ainda desejar ir, eu a levarei as pirâmides de Gizé. — Fique à vontade, querida — respondeu-lhe a mulher, ainda fascinada por seu breve encontro com a realeza. — Vou me sentar no café do hotel e tomar um cappuccino. Vá me encontrar quando estiver pronta. Leo agradeceu-lhe com um sorriso. Com a prancheta debaixo do braço, atravessou a multidão com seu ar mais profissional. — Olá, mãe. Está se divertindo? Deborah Groom era conhecida por ir direto ao ponto: — Estaria sendo melhor se eu pudesse ao menos ver um pouco a minha única filha. Leo esforçou-se para manter o sorriso no lugar. — Avisei você de que eu teria que trabalhar. — Não o tempo todo. — Há muito a resolver. — Se Leo soou distraída foi porque na distância, pôde ver Andy Francis tentando conduzir um grupo na direção do ônibus que havia à espera. Não estava tendo muito êxito, mas não deveria estar fazendo aquilo sozinho. Roy Projeto Revisoras 6
  • 7. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Ormerod, o gerente da agência de viagens Aventuras no Tempo, deveria estar com o grupo também. Deborah franziu o cenho. — O seu chefe sabe quem você é? Leo soltou um riso. — Está perguntando se ele sabe que sou filha do dono da agência? É claro que não. Isso poria a perder todo o meu propósito. Digo que me chamo Leo Roberts aqui. Deborah sacudiu a cabeça. — Simplesmente não entendo o seu pai às vezes. O que não era novidade. Ela abandonara Gordon Groom quatorze anos antes, dizendo exatamente aquilo e deixando-lhe a filha de dez anos de ambos, Leo, para acabar de criar. — Meu pai acha que é uma boa idéia eu aprender a me cuidar sozinha como ele mesmo fez — disse ela pacientemente. — Ouça, mãe... — O que quer dizer é que Gordon acha que, se lançá-la no mundo para que se arranje sozinha você se tornará um rapaz — revidou Deborah. Os olhos de Leo faiscaram. Mas havia verdade o bastante na acusação para fazê-la reprimir a vontade de responder à altura. Ambas sabiam que Gordon Groom sempre quisera um filho. Treiná-la para sucedê-lo nos negócios fora apenas à alternativa que lhe restara. Ele nem sequer tentava mais disfarçar o fato. A mãe mordeu o lábio inferior. — Oh, desculpe, querida. Prometi a mim mesma que não começaria com isso outra vez — disse, arrependida. — Mas quando vejo você se desgastando desse jeito, não consigo evitar. — Esqueça — disse Leo. Lançou um olhar sorrateiro à sua prancheta. Onde estaria Roy? Ele deveria ter pago ao motorista do ônibus pelo transporte do grupo de turistas japoneses. Se não aparecesse, ela teria que resolver o assunto. E quanto aos Harris? Esquecera-se por completo deles, e o grupo de visita ao museu estava de saída. Deborah soltou um suspiro. — Imagino que não haverá chance de eu tornar a ver você hoje, não é? Leo sentiu um peso na consciência. — A não ser que... Mary Harris aproximou-se, ofegante. — Oh, Leo, lamento muito. Timothy ficou trancado no banheiro. Eu não sabia o que fazer. Um funcionário do hotel acabou conseguindo tirá-lo. Nós perdemos o passeio? Leo tranqüilizou-a e reuniu os Harris rapidamente ao grupo que estava de saída. Voltou até o saguão onde deixara a mãe, revisando mentalmente a sua programação daquele dia. — Ouça, há mais um grupo de turistas cuja partida preciso supervisionar. Depois, tenho que levar uma pessoa até as pirâmides. Mas estará calor e ela é idosa. Duvido que vai querer ficar muito tempo lá. Que tal tomarmos um chá nesta tarde? — Ou poderíamos jantar juntas, não é? Leo hesitou. Projeto Revisoras 7
  • 8. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Você acha que seu pai não iria gostar — disse Deborah, desapontada. Ela quase lhe tocou o ombro, mas a mãe teria praticamente se esquivado. Não eram uma família afetuosa. Assim, disse com gentileza: — Não é isso. Está havendo uma importante conferência de entidades filantrópicas no Cairo e dela faz parte um jantar beneficente que foi organizado pela agência. Haverá uma porção de figurões presentes. Eu terei que comparecer. — Se o jantar será de tamanha importância, por que seu chefe não vai para representar a agência? Leo soltou um riso. — Roy? Ele não... Mas, então, pensou a respeito. A lista de convidados incluía representantes de algumas das mais ilustres fundações de caridade do mundo, muitas mantidas pela realeza. Roy gostava de participar de festas, onde tinha uma boa chance de ser fotografado com os ricos e famosos. Alegava que era bom para a imagem da agência. — Mãe, você é um gênio. E exatamente o tipo de coisa para Roy fazer — disse, tirando o celular da bolsa. Só obteve resposta da caixa postal. Deixou uma mensagem breve e desligou. — Certo, isso está resolvido. Vejo você hoje à noite. Agora, tenho que levar uma senhora de setenta anos de Nova Jersey até as pirâmides. Deborah resmungou algo, parecendo descontente. — O que foi, mãe? — Não há algum subordinado na agência que possa levar essa mulher para ver as pirâmides? Leo abriu um largo sorriso. Deborah fora à filha de um homem rico quando se casara com o emergente Gordon Groom. Houvera sempre um subordinado para cuidar dos assuntos intediantes para ela durante sua vida inteira. Fora um dos motivos que levara Gordon a lutar tanto para ficar com a custódia da única filha. — Enquanto eu fizer parte da equipe cumprirei as tarefas que cabem a mim. — Às vezes, você é tão parecida com seu pai. Leo riu. — Obrigada. Deborah ignorou a resposta. — Não sei por quê, afinal, ele teve que comprar a Aventuras no Tempo. Por que não pôde se manter só no ramo hoteleiro? O que quer com uma agência de viagens? —: Diversidade. Você conhece meu pai... — Leo interrompeu-se. — Oh, puxa. No café do hotel, a sra. Silverstein conversava animadamente com um homem de terno escuro e expressão alarmada no rosto. Ela teve quase certeza de que era um membro da comitiva do xeque el-Barbary. — Parece que minha cliente está ficando entediada. Buscarei você às oito horas desta noite, mãe. Avançou pela multidão. Foi um alívio. O divórcio entre Deborah e Gordon Groom fora relativamente amistoso e o acordo firmado a deixara muito bem amparada, proporcionando-lhe uma vida luxuosa, Projeto Revisoras 8
  • 9. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston mas ainda era capaz de ser ferina em relação ao ex-marido, obcecado por trabalho. Era um assunto sobre o qual ambas discutiam infalivelmente a cada vez que se viam. Naquela noite, prometeu a si mesma, não deixaria que a mãe mencionasse Gordon uma vez sequer. Começava a ter os próprios receios em relação aos planos do pai para ela. Mas não comentaria nada com a mãe enquanto não tivesse certeza absoluta a respeito. Portanto, ambas conversariam sobre roupas, maquiagem, namo- rados e todas as coisas pelas quais, queixava-se Deborah, a filha não se interessava. Uma noite divertida, pensou Leo, irônica, após um dia maravilhoso. Adiantou-se até o café para salvar o segurança. A comitiva do xeque adentrou pela suíte feito um exército invasor. Um dos seguranças foi direto até a sacada. O outro entrou rapidamente no quarto. O gerente, curvando-se, começou a demonstrar as luxuosas acomodações. Descobriu que o xeque não estava ouvindo. Um assistente, ainda segurando seu laptop e valise, meneou a cabeça com ar grave e guiou o gerente de volta até a porta. — Obrigado — disse-lhe. — Quanto aos outros quartos? O gerente tornou a curvar-se e conduziu-o pelo corredor. O xeque foi deixado a sós. Ele adiantou-se até a sacada e olhou para o Nilo, que serpenteava placidamente sob o sol da manhã. Havia uma pequena embarcação ao longe que pareceu-lhe um brinquedo. Fechou os olhos por um momento. Por que tudo se assemelhava a brinquedos recentemente? Até as pessoas. Mustafá, o chefe de sua segurança, parecia o protótipo de um robô. E a mulher que veria naquela noite... Pretendia se ausentar durante o entediante jantar beneficente com um pretexto qualquer a fim de vê-la, Mas, por um inquietante momento, permitiu-se perceber que a beldade o fazia lembrar de uma boneca vestida por um estilista. Na verdade, todas as mulheres que vira ultimamente pareciam-lhe daquela maneira. Exceto... por sua mente passou a fugaz imagem da garota que estivera se segurando junto ao pilar no saguão do hotel. Era alta demais, obviamente. E tinha os cabelos cheios de poeira e usava um tailleur que mais parecia um uniforme. Mas de uniforme ou não, não lhe parecera sem vida como uma boneca. Não com aqueles olhos grandes e alertas. O súbito choque neles fora intenso... e, sem dúvida, autêntico. O xeque franziu o cenho. Por que ela ficara tão chocada? De repente, ansiava por saber. Mas era evidente que jamais saberia. Soltou um resmungo mal-humorado. Seu assistente pessoal voltou à suíte. Hesitou junto à porta. O xeque endireitou os ombros. — Estou aqui na sacada, Hari. — Houve resignação em seu tom. O assistente reuniu-se cautelosamente a ele na sacada. — Tudo parece estar em ordem — relatou. O xeque tirou os óculos escuros. Havia um brilho divertido em seus olhos, mas também um profundo cansaço. — Tem certeza? Os rapazes verificaram milímetro por milímetro? Os Projeto Revisoras 9
  • 10. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston telefones não estão grampeados? Minha comida não foi envenenada? O assistente sorriu. — Mustafá costuma levar seu emprego a sério demais, eu sei — admitiu. — Mas é melhor prevenir do que remediar. — Ambos sabemos que isso tudo é bobagem. — Os seqüestres aumentaram — apontou num tom neutro. — Em Dalmun — retrucou o xeque com impaciência. — Eles não têm dinheiro para me perseguirem pelo mundo, os pobres coitados. Além do mais, raptam próspero visitantes estrangeiros que pagarão resgates. Não um residente local feito eu. Meu pai não pagaria nem sequer uma ninharia para me ter de volta. Provavelmente, pagaria aos seqüestradores para ficarem comigo. Hari conteve um sorriso. Não participara da cria conversa entre pai e filho antes de Amer ter deixado Dalmun daquela vez. Mas as repercussões haviam abalado a cidade. Fora uma desavença definitiva, haviam dito no palácio, um ultimato. O filho avisara ao pai que não toleraria mais interferência em sua vida e não retornaria ao país enquanto o velho xeque não aceitasse aquilo. Amer estudou Hari por um instante. — Ora, eu sei. — Apenas ouvi os falatórios nos bazares, como todo mundo— respondeu o assistente, um tanto evasivo. — O que estão dizendo? Hari contou os rumores dos dedos: — Que seu pai quer matar você. Que você quer matar seu pai. Você se recusou a se casar novamente. Você está insistindo em se casar novamente. — Fez uma pausa, o rosto sério mas os olhos vivazes brilhando. — Você quer ir para Hollywood e fazer um filme. — Pelos céus! — Amer estava genuinamente perplexo. Soltou um riso divertido. — De onde surgiu esse último? Hari não era apenas seu assistente pessoal. Era também um leal amigo. Contou- lhe a verdade. — Foi por causa de Cannes no ano passado, acho eu. — Ah — disse Amer, compreendendo de imediato. — Estamos falando da sedutora Catherine. — Ou das sedutoras Julie, Kim ou Michelle. Amer riu. — Gosto de Cannes. — E o que se comprova nas fotografias. — Você não aprova, Hari? — Não cabe a mim aprovar ou não — apressou-se o assistente a dizer. — Apenas me pergunto... — Gosto das mulheres. Hari pensou na recusa veemente de Amer em se casar outra vez depois que a esposa morrera num acidente de cavalo. Guardou suas reflexões para si mesmo. Projeto Revisoras 10
  • 11. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Gosto da maneira peculiar como a mente delas funcionam — prosseguiu o xeque. — É algo que me faz rir. Gosto de como tentam fingir que não sabem quando olhamos para elas. Gosto da fragrância que exalam. — Nem todas as mulheres cheiram a seda e perfume francês como as suas Julies e Catherines. — Bonecas — disse Amer num tom obscuro. — O quê? — Já se deu conta de quantas bonecas animadas eu conheço? Oh, elas se parecem com pessoas. Andam, falam, comem. Mas quando se conversa com elas, apenas dizem às coisas que foram programadas para dizer. — Presume-se que são as coisas que você quer que digam. Assim sendo, quem as programou? Amer sacudiu a cabeça com impaciência. — Eu não. O que quero é... — Sair com uma mulher que não foi programada para dizer que você é maravilhoso? — pressionou-o Hari sem remorso. Estudou o amigo com ligeiro ar desdenhoso. — Por que não tenta fazer isso algum dia? Amer não se ofendeu. Mas também não ficou impressionado. — Firme os pés na realidade — disse com ar cansado. Hari entusiasmou-se com sua idéia. — Só quero que tente fazer isso com aquela garota no saguão. Amer admirou- se. — Você aprendeu a ler pensamentos? — Vi você olhando na direção dela — explicou Hari simplesmente. — Admito que fiquei surpreso. A garota não faz o seu tipo. O xeque deu de ombros com ar zombeteiro. — Nada de perfume francês ali, você quer dizer. Eu sei. É mais como poeira e loção bronzeadora barata. Mas, ainda assim, ela tem todos os truques femininos. Você a viu tentando fingir que não sabia que eu estava olhando em sua direção? Hari mostrou-se intrigado. — Então, por que você a olhava? Amer hesitou, seus olhos indecifráveis por um instante. Enfim, tornou a dar de ombros. — Foram os meses de confinamento a Dalmun, acho eu — disse num tom duro. — Mostre pão amanhecido a um homem faminto e ele se esquecerá de que já provou enviar. — Pão amanhecido? Pobre garota. — Eu me lembrarei do caviar tão logo eu prove um pouco para avivar minha memória — disse Amor, malicioso. Hari conhecia o patrão. — Reservarei o hotel em Cannes. A visita às pirâmides não foi muito bem-sucedida. Como Leo esperara, a sra. Silverstein insistira em caminhar em torno de cada pirâmide e não pôde ser convencida a deixar de ver a de Quéops. Projeto Revisoras 11
  • 12. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Desde que chegara ao Egito em sua excursão organizada pela Aventuras no Tempo, quisera ver absolutamente tudo e, apesar de sua idade avançada e reumatismo, fizera entusiásticas tentativas de aproveitar cada passeio ao máximo. — A mulher nunca pára — reclamara Roy Ormerod a certa altura. — Acabará tendo um ataque qualquer e nós seremos responsáveis. Pelos céus, faça com que vá com mais calma. Mas Leo descobrira que tinha grande simpatia pela sra. Silverstein. Era uma mulher dinâmica, que ansiava por novas experiências, das quais a vida inteira cuidando da família a privara. A mulher também era corajosa. Confiara-lhe certa vez que, além do reumatismo tinha uma doença que a deixaria debilitada demais em menos de um ano. Queria, portanto, desfrutar ao máximo o que pudesse, a fim de ter boas lembranças para acalentá-la quando estivesse confinada a uma cama. Admirando-a ainda mais, Leo deixara de seguir as instruções de Roy e passara a se empenhar para que a sra. Silverstein visse tudo o que desejasse no Egito, mas sempre tomando um pouco de cuidado extra com ela. Não era fácil. Quando a levou de volta ao hotel, a mulher estava pálida e ofegante. Ajudou-a deitar-se na cama e deu-lhe as pílulas que pediu que lhe pegasse numa gaveta. Leo já estivera pensando em chamar um médico, mas o remédio pareceu fazê-la melhorar. O telefone tocou. — Sra. Silverstein? — disse um irritado Roy Ormerod do outro lado da linha. — Poderia me dizer aonde a srta. Roberts foi quando o passeio de vocês terminou? — Sou eu, Roy. A sra. Silverstein não estava se sentindo bem, então eu... Ele não lhe deu tempo para terminar. — O quê, afinal, você pensa que está fazendo? Já lhe disse para impedir que a velhota se exceda e pára não levá-la em passeios exclusivos. Você deveria estar de volta ao escritório. E o que pretendia, deixando-me a mensagem de que não irá ao jantar desta noite? Você terá que ir. Faz parte do seu serviço e... Roy prosseguiu por vários minutos mais. A sra. Silverstein abriu os olhos e começou a parecer apreensiva. Leo interrompeu-o. — Falaremos sobre isto no escritório. Estarei aí em meia hora. — Não, eu já estou... Mas ela já desligara. — Problemas? — perguntou a sra. Silverstein. — Nada que eu não possa resolver. — A culpa é minha? — Não — assegurou-lhe Leo. Porque não era culpa da mulher. Roy estivera querendo provocar uma briga desde que ela chegara de Londres. Esquecendo-se da discrição profissional, disse aquilo a sra. Silverstein. A mulher ficou pensativa. Conhecera Roy. — E aposto que o homem não gosta do fato de você não se sentir nem um pouco atraída por ele — observou sabiamente. — Sem mencionar que você é boa no seu trabalho. Independente. Os clientes gostam de você. É competição demais para ele e, na certa, deve se sentir ameaçado. Só com muita paciência você... Houve uma batida à porta, e a mulher interrompeu-se. Leo levantou-se da Projeto Revisoras 12
  • 13. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston beirada da cama. — Deve ser a limonada que pedi para você através do serviço de quarto. Mas não era. Foi um furioso Roy que encontrou à porta. — Oh, você estava ligando da recepção — disse ela, compreendendo. — Ouça aqui... — começou ele em voz alta. Leo conseguiu impedi-lo de entrar, saindo rapidamente para o corredor e fechando a porta atrás de si antes que a sra. Silverstein pudesse ouvi-los. — Você não pode fazer uma cena aqui — disse por entre os dentes. — Ela não está bem. Mas Roy estava além da razão. Continuou esbravejando e até a sacudiu pelos ombros. Uma voz autoritária disse: — É o bastante. Ambos se viraram, Leo confusa, Roy fervendo de raiva. O homem que interferira tinha um ar altivo e confiante. Alto e moreno, usava um terno cinza, sob medida, que o fazia parecer ainda mais distinto e bem-sucedido. Devia ser um empresário, pensou Leo. Alguém que pagara caro por tranqüilidade naquele andar de executivos e exigiria continuar usufruindo seu direito. Os olhos escuros que pousavam em Roy continham frieza o desprezo. — Esta é uma conversa particular — retrucou ele, mostrando que não gostara da interrupção. — Então, deveria ser conduzida em particular — declarou o homem, sua calma e polidez causando maior impacto do que qualquer demonstração de hostilidade teria conseguido. — Vocês têm um quarto aqui? — Não — respondeu Leo, apreensiva com a simples idéia de ficar a sós com Roy naquelas circunstâncias. Pela primeira vez, o homem tirou os olhos do beligerante chefe dela. Observou- a brevemente e meneou a cabeça. — Senhorita? — Arqueou as sobrancelhas, inquiridor. Leo não o reconheceu. Tentou se recompor e vasculhou a memória. Mas a atitude de Roy parecia tê-la desconcertado ao ponto de não conseguir pensar com clareza. Naquele meio tempo, o fato de que o estranho parecia conhecê-la deixou Roy ainda mais agitado. — Tome cuidado com essa garota, amigo. Ela vai apunhalar você pelas costas antes que se dê conta. Leo virou-se para fitá-lo abruptamente. Tudo o que podia pensar era que ele devia ter descoberto quem era o pai dela. — O quê? — disse, aturdida. O estranho estreitou o olhar para observá-la. — Talvez eu tenha interferido desnecessariamente — declarou, seu sotaque acentuado. — Senhorita? Leo sacudiu a cabeça, cada vez mais confusa. Roy esbravejou: — Você está despedida! Projeto Revisoras 13
  • 14. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Ela empalideceu. Podia imaginar o que seu pai diria quando soubesse daquilo. — Oh, céus — disse, preocupada. Daquela vez, o estranho não olhou em sua direção — Sua conversa seria melhor se usasse uma abordagem mais construtiva — disse a Roy. Ele soltou um grunhido deselegante. — Conversa encerrada — retrucou. Lançou a Leo um último olhar faiscante. — Você não quer ir ao jantar hoje à noite? Ótimo. Não vá. E não chegue perto do escritório outra vez também. E nem de ninguém da minha equipe. Leo começou a ficar apreensiva. Dividia um apartamento com os membros da equipe. — Ouça, eu... Mas ele a ignorou. — E não me peça referências! Ela não estava tão preocupada com aquilo quanto Roy obviamente achou que estaria. — Vamos conversar sobre isto — disse-lhe num tom conciliador. Mas Roy deu um passo à frente, o rosto muito vermelho. Ela deu-se conta de imediato de que pretendia esbofeteá-la. A situação era tão absurda que nem sequer tentou se esquivar. Apenas gelou no lugar, em pânico. Felizmente, o desconhecido que intervira não parecia ficar sem ação tão facilmente. Colocou-se rapidamente na frente dela. — Não. — Sua voz soou controlada o bastante, mas teve o impacto de uma bomba. Roy parou abruptamente e encontrou o olhar de seu oponente. Era corpulento, a vermelhidão em seus olhos alarmante. O outro homem era alto e tinha ombros largos, mas, naquele terno impecável, parecia comedido e elegante. Não parecia páreo para um brutamontes feito Roy. Ainda assim, não havia dúvida de quem estava no controle da situação. Houve um momento de pesado silêncio. Roy soltou um profundo suspiro. Então, sem mais palavra, virou-se e afastou-se bruscamente, chutando uma cadeira no corredor. Leo recostou-se na parede, o coração descompassado. Agora que tudo terminara, estava horrorizada com a desagradável cena. Numa outra parte do corredor que não se avistava, as portas do elevador se abriram e várias pessoas desceram, risos e vozes ecoando pelo andar. O estranho lançou um olhar pelo corredor e pegou-a pelo braço. — Venha comigo. E antes que os recém-chegados os tivessem visto, conduzira-a até o final do corredor e por uma grande porta dupla. Antes de se dar conta do que acontecia, ela viu-se sentada numa confortável cadeira no que reconheceu como a suíte presidencial. O homem permaneceu parado à sua frente, silencioso. — Você está bem? — perguntou-lhe, enfim. Enquanto o observava, Leo sentiu o coração disparando numa reação atípica e Projeto Revisoras 14
  • 15. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston um pensamento dos mais inesperados e espantosos passou por sua mente: Quero que ele me abrace. Mal podia acreditar naquilo. — O quê? — disse, distraída. O estranho franziu o cenho, como se as pessoas costumassem prestar mais atenção quando falava. Agora que o observava melhor, ela notou que havia muito mais nele do que apenas elegância e roupas de ótimo caimento. O rosto duro podia parecer arrogante e distante, mas era incrivelmente bonito. E teve a impressão de ver um brilho naquele olhar que não tinha nada de distante. Achou que devia estar delirando. Aquilo não era de seu feitio em absoluto. Não flertava com estranhos e nem eles com ela. Aquela era a segunda vez que começava a ter um comportamento atípico. Estaria enlouquecendo? — Eu lhe perguntei se você está bem. — Oh. — Leo tentou se recompor. — Eu... acho que sim. — Acrescentou quase para si mesma: — Só não sei o que fazer. O homem soltou um suspiro. — Em que aspecto? — indagou, obviamente contrariado. Se ele não gostava da situação por que não a deixava em paz? perguntou-se Leo, irritada. — Roy disse que não devo voltar. Mas tudo o que tenho está no apartamento... Inesperadamente, sua voz falhou. Para seu horror, sentiu as lágrimas aflorando-lhe nos olhos. Zangada, afastou-as com a mão. Mas o gesto denunciou-a mais do que se tivesse caído em prantos. A expressão no rosto do estranho tornou-se indecifrável. — Você vive com esse homem? Mas a mente de Leo estava acelerada, propondo e descartando meios de ação em questão de segundos. Mal notou a pergunta. — Terei que telefonar para Londres. — Consultou o relógio de pulso. — E, depois, reservar um quarto em algum lugar. Se conseguir algum no auge da temporada turística. O homem tornou a suspirar. — Então, será um prazer oferecer-lhe minha assistência — disse num tom resignado. Adiantou-se até o telefone. Leo franziu o cenho. Havia algo de estranhamente familiar naquela frase formal. — Nós já nos conhecemos? Ele falava rapidamente em árabe ao telefone. Mas, naquele ponto, virou-se para fitá-la. — Não, srta. Roberts. O homem tinha olhos tão estranhos... Ela pensara que seriam castanhos ou pretos naquela tez morena, mas não eram. Tinham uma peculiar cor metálica, um tom cinzento semelhante a um céu tempestuoso, ou a um mar revolto. Leo sentiu-se como se estivesse sendo tragada pela intensidade que possuíam. Esforçou-se para se recobrar. O homem era um hipnotizador? Projeto Revisoras 15
  • 16. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Você sabe meu nome — disse um tanto ofegante. Ele sorriu. Pela primeira vez. O sorriso iluminou-lhe o rosto atraente e másculo, deixando-o irresistível. — Eu sei ler. Ela o fitou sem compreender. Ele estendeu a mão e tocou-lhe o ombro. Uma corrente eletrizante percorreu-a, fazendo-a levantar-se abruptamente. — O que... — Li sua etiqueta. Ele removera a grande etiqueta com o seu nome que ela usara para receber um grupo de turistas no aeroporto naquela manhã ! Colocou-a em sua mão sem tocá-la. Suas faces queimaram. Sentiu-se uma tola. Aquilo não era de seu feitio tampouco. O que havia naquele homem que a desconcertava tanto? O telefone tocou. Ele atendeu-o, ouvindo com uma expressão neutra no rosto e agradecendo brevemente antes de desligar. — O hotel tem um quarto para você. Pegue a chave na recepção. Perplexa, Leo começou a protestar: — Um quarto? Aqui? Está brincando. Eles têm reservas para um período de muitas semanas. Eu sei porque estava tentando conseguir um quarto para uma pessoa que quis tomar parte no jantar beneficente sem ter feito reserva com antecedência. Ele deu de ombros com ar entediado. — Um quarto deve ter ficado disponível nesse meio tempo. Leo duvidava muito. Estreitou os olhos. Mas, antes que pudesse exigir explicação, a porta se abriu abruptamente e dois homens corpulentos de ternos escuros adentraram pela sala da suíte. Um dos dois empunhava um revólver. Leo observou-os, boquiaberta. Seu salvador virou-se na direção dos homens e disse algo sucinto. O brutamontes parou de apontar a arma para ela. Os dois recém-chegados pareceram constrangidos. Ela tornou a desviar a atenção para o estranho de misteriosos olhos cinzentos. — Quem é você? Ele hesitou apenas um segundo antes de responder calmamente: — Meu nome é Amer. A suspeita de Leo aumentou. Mas, antes que pudesse fazer outra pergunta, um dos homens corpulentos falou agitadamente. O estranho consultou o relógio. — Tenho que ir — disse-lhe. — Mustafá acompanhará você até o saguão e garantirá que não haverá problemas. Meneou a cabeça na direção dela. Foi um gesto brusco e definitivo. Já se retirava antes que Leo tivesse chance de se recompor o bastante para agradecer-lhe. O que foi bom. Pois ela não se sentia nem um pouco agradecida. CAPÍTULO II Projeto Revisoras 16
  • 17. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Leo não se surpreendeu muito quando constatou que o quarto não apenas estava disponível como também era extremamente luxuoso. Quando um discreto funcionário do hotel indicou-lhe que entrasse, ela descobriu que havia presentes à espera na mesa de centro da sala da suíte: uma bandeja de frutas, outra de doces árabes e uma grande cesta de flores. Teria um teto sobre sua cabeça naquela noite. Devia estar grata, disse a si mesma. O enigmático Amer dera-lhe a oportunidade de colocar sua vida de volta nos eixos. Consultou o relógio e começou a dar telefonemas. Sua mãe foi à quarta da lista. Esperou ter que deixar recado, mas ela estava no quarto. — Desculpe, mãe, você vai ter que jantar sozinha hoje à noite. Estou com sérios problemas. Levarei algum tempo para resolvê-los. — Conte-me a respeito. E Leo contou. A mãe ficou indignada. Embora não aprovasse que a única filha, herdeira de um verdadeiro império do ramo hoteleiro, ficasse zanzando pelo Egito como guia turística, não admitia que alguém a maltratasse. Sugeriu-lhe várias estratégias, embora a maioria delas teria levado Roy e Leo a serem deportados. Sabendo como a mãe tinha temperamento forte, falou-lhe gentilmente ao telefone até que sua fúria se abatesse. — Bem — disse Deborah, enfim — o sr. Ormerod certamente não vai arruinar meus planos para o jantar. Quero estar em sua companhia. Verei você às oito. — Mas não tenho nada para usar. — Você tem um cartão de crédito. — Ela pôde ouvir a alegria na voz da mãe. Deborah sempre reclamava da falta de interesse da filha por roupas. — E você deve conhecer esta cidade o bastante para saber onde ficam as butiques de classe. Verei você no saguão agora. Leo sabia que fora derrotada. Negociou uma demora de quinze minutos para dar o restante de seus telefonemas. Mas fora a única concessão que a mãe fizera. Deborah a aguardava no saguão e conduziu-a até uma limusine que alugara. — Já sei aonde ir e, portanto, não tente me despistar levando-me a um bazar qualquer. E, céus, você está mesmo precisando de roupas. Veste-se assim para tentar provar alguma coisa? Leo não se ofendeu. Já era mais alta do que a bonita e elegante mãe desde os onze anos. Com o passar do tempo, aprendera a disfarçar sua altura com roupas simples e de bom caimento. Deborah nunca ficara contente com o estilo escolhido pela filha. — Eu me visto deste jeito para parecer profissional durante um longo dia de trabalho. Além do mais, gosto das minhas roupas. — Bem, não vai precisar parecer profissional nesta noite. Assim, pode comprar algo bonito para variar. Não é como se você não pudesse pagar. O automóvel levou-as a uma butique exclusiva, e Leo reconheceu de imediato o famoso nome internacional. Resignada, acabou aceitando os esforços da mãe, que a ajudou a escolher uma calça de organza branca e uma blusa de crepe dourada. Deborah deu-lhe uma encharpe de seda em tons de bronze e bege para combinar. Projeto Revisoras 17
  • 18. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Obrigada — disse Leo, tocada. A mãe piscou rapidamente. — Eu gostaria que você usasse isso para sair para jantar com alguém mais interessante do que eu. Por um espantoso momento, os pensamentos de Leo se concentraram no seu misterioso salvador. Sentiu o rubor se espalhando por suas faces alvas. O que não passou despercebido a mãe. — Ah, é alguém que conheço? — Não há ninguém — respondeu Leo num tom um tanto brusco e refugiou-se na limusine. Deborah esperou que o carro estivesse em movimento para prosseguir: — Querida, acho que precisamos ter uma conversa. — Tenho vinte e quatro anos, mãe. Já sei que não somos trazidos pela cegonha. — Fico contente em saber. Não que você pareça tão a par das coisas da maneira como vai. — Mãe... — disse Leo em tom de aviso. — Está tudo bem. Não vou perguntar detalhes sobre sua vida pessoal. Quero falar sobre o seu casamento. Leo franziu o cenho. — Mas não vou me casar. — Ah, então os rumores sobre você e Simon Hartley não são verdadeiros? Leo observou-a em aturdimento. — Simon Hartley? O novo diretor financeiro de papai? Eu mal o conheço. — Achei que fosse o irmão de uma amiga de escola sua. — Sim, é irmão de Claire Hartley, mas é mais velho do que nós. — Então, você não o conhece pessoalmente? — Bem, papai o trouxe até aqui há uns dois meses, para se familiarizar um pouco com a agência de viagens, ou algo assim. Toda a equipe da Aventuras no Tempo o conheceu. — E você gostou dele? Leo soltou um suspiro de exasperação. — Oh, pare com isso, mãe. Acredite, não adianta tentar me arranjar candidatos a marido. Acho que não fui feita para o casamento. Para sua surpresa, Deborah não argumentou a respeito. Apenas pareceu pensativa. — Por que não? Porque você tem coisas demais a fazer sendo a herdeira de Gordon Groom? Leo ficou tensa. Ali estava, pensou. Aquele seria o ponto em que a mãe começaria a atacar seu pai. —- Foi uma opção minha entrar para os negócios — disse com firmeza. Deborah também não argumentou sobre aquilo. De repente, perguntou-lhe: — Diga-me, você já se apaixonou? Leo não soube o que a teria deixado mais estupefata. Projeto Revisoras 18
  • 19. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Como disse? No momento em que falou aquilo, Leo arrependeu-se. A mãe interpretaria sua perplexidade como uma admissão de falha com o sexo oposto. Exatamente o que sempre avisara a filha que aconteceria se não abrisse seu coração. — Achei mesmo que não. Mas Deborah não soou triunfante. Pareceu preocupada. E, pelo que devia ter sido a primeira vez na vida, não prolongou o assunto. O que fez com que Leo se sentisse estranhamente inquieta. Estava acostumada a sermões maternais. Conseguia lidar com eles. Uma Deborah silenciosa e preocupada era algo novo em sua experiência. Não gostava daquilo. Amer deu várias instruções a Hari que fizeram o assistente arquear cada vez mais as sobrancelhas espessas. Tomou nota de tudo com a costumeira eficiência, no entanto. Mas ao ouvir a última instrução, deixou a caneta de lado e olhou para Amer com ar de reprovação. — O que direi ao seu pai? — Não diga nada. Reporte-se ao meu tio, o ministro da saúde. Meu tio dirá a ele que fiz o discurso que vim até aqui para fazer. E voilá. — Mas esperarão que você diga alguma coisa no jantar beneficente. Amer abriu-lhe um sorriso irônico. — Diga você. Foi você quem escreveu o discurso, afinal. Será mais convincente do que eu. Hari esforçou-se para não retribuir o sorriso. — Vão descobrir — disse com ar grave. — O que dirão? — Não me importo com o que um punhado de filantropos possa dizer ao meu respeito. — Eu não estava me referindo aos filantropos. Mas ao seu tio, o ministro da saúde, ao seu outro tio, o ministro das finanças, ao outro, o do petróleo... — Não me importo com o que pensem também. — Mas o seu pai... — Se meu pai não tomar cuidado, voltarei à universidade para terminar meu curso e me tornar o arqueólogo que nasci para ser. Hari ficou apreensivo. — A culpa é minha, não é? Eu não deveria ter dito que as mulheres que você conhece foram programadas para achá-lo maravilhoso. Você tomou isso como um desafio, não foi? Amer riu. — Digamos que você mencionou uma hipótese que estou interessado em testar. — Mas por que com a srta. Roberts? — E por que não? — Você disse que ela era como pão amanhecido.― Amer franziu o cenho. — Espero que você não esteja pensando em lhe dizer isso — avisou. — Não vou lhe dizer nada — apressou-se Hari a assegurar. — Nem sequer chegarei perto dela. Projeto Revisoras 19
  • 20. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Não seja ridículo. Isso não é maneira de me impedir de vê-la. — Não estou sendo ridículo — defendeu-se Hari. Um pensamento lhe ocorreu. Estava começando a se divertir. — Se você quer brincar de ser um homem comum, a primeira coisa que terá que fazer é marcar um encontro pessoalmente, como faz o resto de nós. Amer encarou-o com ar surpreso, mas, então, começou a rir. — Mas é claro. Eu não pretendia agir de outro modo. Isso faz parte da diversão. — Diversão? — É evidente. Novos experimentos costumam ser divertidos. — Então, ela é um novo experimento. Vai lhe dizer isso? — perguntou o assistente polidamente. — Ainda não sei o que vou lhe dizer — admitiu Amer com franqueza. — Acho que dependerá em parte do que ela própria me disser. — Pareceu intrigado com a idéia. — A primeira coisa que a garota vai lhe dizer é como você se chama, qual o seu título e a sua renda anual — retrucou Hari. Mas Amer não deixaria que nada afetasse seu bom humor. — Estive pensando nisso. Se a srta. Roberts não me reconheceu até agora, não o fará mais, a menos que alguém lhe diga quem sou. Assim, é melhor você tomar todas as providências no seu nome. — Oh? E como será quando você aparecer, em vez de mim? Mesmo que consiga convencer o maitre a ser discreto, e quanto às demais pessoas no restaurante? — Já pensei nisso também. Agora, isto é o que eu quero que você faça... De volta do hotel, Leo descobriu que o pai tentara responder seu telefonema duas vezes. Deixara vários números onde poderia ser encontrado. Não estava muito ansiosa por aquela conversa. Mas os anos de convivência com o pai haviam-lhe ensinado que era melhor enfrentar a contrariedade dele logo do que tentar adiar as coisas. Assim, endireitando os ombros, fez a ligação. — O que aconteceu? — quis saber Gordon Groom de imediato, ignorando as perguntas da filha sobre sua saúde e bem-estar. Leo suspirou o contou-lhe sobre o incidente com Roy da maneira mais sucinta possível. Quando terminou, ficou um tento surpresa em descobrir que o primeiro pensamento dele foi para a sra. Silverstein. — Como ela está? — Dormindo, acho eu. — Vá vê-la — ordenou Gordon. — E mais uma vez antes de ir dormir. — Claro — disse Leo, tocada. — Não podemos esquecer do grande potencial que os americanos aposentados representam para nós em termos de turismo. Aquele soava mais como o pai que conhecia, pensou ela, contendo um sorriso. — Eu verei como ela está — assegurou-lhe. — E quanto a Ormerod? Está mostrando competência? Leo sentiu-se pouco à vontade com a pergunta. Fora bastante firme com o pai, Projeto Revisoras 20
  • 21. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston dizendo-lhe que não iria ao Cairo para espionar a administração existente. — Alguns dos métodos operacionais do turismo local são um tanto arcaicos — disse, cautelosa. — Parece que está sendo necessária uma auditoria operacional aí. — Gordon, então, tirou o escritório do Cairo dos pensamentos e concentrou-se na filha. — E quanto a você? Acho que não adiantaria muito fazer com que Ormerod a readmitisse, não é? Ela estremeceu. — Não. — Então, é melhor você voltar a Londres. Alguns assuntos da Fundação Groom precisam de supervisão. Terá como cuidar deles aqui mesmo da empresa. Você poderá fazer isso até que... — O pai interrompeu-se. — Até que eu defina algo para você na própria empresa. Leo ficou intrigada, mas conhecia-o o bastante para saber que não adiantaria pressioná-lo. Não lhe diria qual cargo tinha em mente para ela na Hotéis Groom enquanto não tivesse se certificado de que estava apta a exercê-lo. — Está certo. Acabarei de resolver umas coisas aqui e voltarei para casa. Outros pais, pensou ela, teriam ficado contentes, dizendo quanto seria bom tornar a vê-la. Alguns até teriam desejado saber o horário do vôo para buscá-la no aeroporto. Gordon apenas disse: — Ainda tem suas chaves? Ambos viviam numa mansão em Wimbledon. Mas Leo preferia morar na agradável casa de hóspedes que ficava na propriedade. Não interferiam na vida um do outro. — Sim, tenho. : — Nós nos vemos quando você voltar, então. — Ele desligou. Leo disse a si mesma que não estava magoada. Gordon era um pai consciencioso e bom. Mas não era dado ao sentimentalismo, especialmente quando havia algum indício de que as emoções pudessem interferir nos negócios, Era tolice pensar que gostaria que ele tivesse ficado um pouco mais indignado por sua causa, pensou. Quando a mãe ficara irada com a atitude de Roy Ormerod, procurara acalmá-la. Ainda assim, como o pai não ficara, sentira-se como se não fosse amada. O problema era que não sabia o que queria, disse a si mesma, censurando-se. O melhor era esquecer. Mas não podia se esquecer de como o estranho de olhos cinzentos a defendera de Ormerod. A atitude a fizera sentir-se... o quê? Protegida? Estimada? Fez uma careta. Era uma Groom, uma executiva, não podia se dar ao luxo de se deixar levar por emoções, avisou a si mesma. De qualquer modo, não tornaria a ver o moreno misterioso. Fez uma reserva para o jantar para ela e a mãe. Depois livrou-se das roupas Projeto Revisoras 21
  • 22. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston empoeiradas do dia e mergulhou numa banheira de espuma. Procurou relaxar em meio à água quente e perfumada. Quando o telefone na parede do banheiro tocou, ignorou-o. Pela primeira vez em meses, ao que parecia, não tinha que se preocupar com reuniões de equipe, roteiros e excursões. Fechou os olhos e permitiu-se desfrutar o prazer da liberdade. Houve uma batida à porta. Na certa era a mãe, indo até ali para se certificar de que não faltaria ao jantar de ambas. Com um suspiro, Leo saiu da banheira e vestiu o refinado roupão branco do hotel, fechando-o com o cinto. Abriu, então, a porta da suíte, tentando adquirir uma expressão de boas-vindas. Quando viu quem era, o que se evidenciou em seu rosto foi pura estupefação. — Você! O que quer? — Bela acolhida — disse o estranho misterioso com ar divertido. — Que tal um encontro? — Um encontro? — Um jantar. Com música, dança, conversa culta. O que você desejar. Leo sacudiu a cabeça, confusa. — Mas... um encontro? Comigo? Um quê de aborrecimento passou pelo rosto bonito de Amer. — Por que não? Porque os homens não me convidam para sair. Não sem mais, nem menos. Não sem saber quem é meu pai. Leo reprimiu o pensamento depreciativo. — Quando? — disse, ganhando tempo enquanto se acostumava à idéia de tentar aquela nova experiência. — Esta noite, ou nunca — respondeu ele com firmeza. — Oh, bem, então isso resolve tudo. — Leo não soube se ficou aliviada ou desapontada. Mas ao menos a decisão fora tirada de suas mãos. — Já tenho um compromisso para o jantar nesta noite. Tentou fechar a porta. Não conseguiu. Ele se recostara no batente como se pretendesse ficar ali a noite inteira. — Cancele — sugeriu. — Não — respondeu ela num tom de voz como o da professora mais formal que já tivera na escola de boas maneiras. Ele conteve um sorriso. — Desafio você. Leo fitou-o com ar contrariado. — Imagino que você pense que isso torna seu convite irresistível? — Bem, interessante ao menos. Ela tinha de admitir que o sorriso do homem era cativante. Sentiu o coração disparando inesperadamente enquanto o observava. Não sabia aonde um jantar com ele poderia tê-la levado. Felizmente passaria a noite com a mãe. Naquele instante, como se a tivesse evocado com seus pensamentos, surgiu Projeto Revisoras 22
  • 23. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Deborah Groom, adiantando-se pelo corredor. Leo soltou um suspiro. — Isso é um sim, ou um talvez? — perguntou Amer, divertido. —- Nenhum dos dois. Olá, mãe. Ele virou-se rapidamente. Deborah não hesitou. Presumindo que o homem à porta da suíte da filha era Roy Ormerod, partiu para o ataque: — Como você ousa vir até aqui para importunar minha filha? Já não fez o bastante? Eu me certificarei de que seu patrão saiba de tudo isso. Amer piscou. Um brilho peculiar de apreciação surgiu em seus olhos. — Não pretendi importuná-la — disse num tom de desculpas. Leo mal pôde conter o constrangimento. — Mãe, por favor. Este é o senhor... — Felizmente lembrou-se do nome bem a tempo: — ... Amer. Foi ele quem persuadiu o hotel a me arranjar um quarto. — Oh. — Deborah levou um momento para assimilar a informação. Então, mais um para avaliar Amer. Não lhe passou despercebido o fato de estar impecavelmente vestido e ser tão distinto. Oh — disse outra vez num tom diferente de voz. — Estendeu II mão graciosamente. — Que gentileza a sua, sr. Amer. Sou Deborah... Roberts, a mãe de Leo. — Leo? — murmurou ele, inclinando-se sobre a mão dela. — Ridículo, não é? Especialmente com um nome tão bonito quanto Leonora. Em homenagem à minha avó, sabe. Mas o pai Heinpre a chamou de Leo. E o apelido ficou. — Mãe — protestou Leo. Nenhum dos dois lhe deu atenção. — Leonora — disse Amer como se estivesse saboreando o nome. Deborah abriu-lhe um sorriso radiante. — E que bondade a sua vir ver como ela está. — Eu esperava persuadi-la a jantar comigo. Mas sua filha já tom um compromisso. Deborah pousou a mão bem-cuidada na face. — Ora, não é uma coincidência? Eu estava vindo dizer a Leo que mio me sentia muito disposta para sair nesta noite. — Deixou que os ombros caíssem com ar teatral. — Este calor me deixa tão cansada. Leo não podia crer naquela traição. — Que calor, mãe? Em cada lugar que esteve hoje havia ar-condicionado. Deborah pareceu contrariada, mas recobrou-se depressa. — Bem, é exatamente esse o problema. — Virou-se para Amer com ar queixoso. — Nós, ingleses, não estamos realmente acostumados ao ar-condicionado. Acho que devo ter apanhado um resfriado. — Chegou a tossir de leve, com a classe de uma dama. Leo fervia por dentro. Tinha quase certeza de que o arrogante homem estava rindo secretamente de ambas. — Então, é melhor você ficar na sua suíte — disse com firmeza. — Usaremos o serviço de quarto. Deborah abriu um sorriso valente. Na suite? — perguntou, ressentida. — Sabe que pensei que iríamos jantar num restaurante. Olhe para mim. Projeto Revisoras 23
  • 24. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Amer supervisionava a retirada de uma grande cesta de piquenique do jipe. Virou-se, então, para observá-la. Percorreu-a longamente com um olhar intenso, fazendo-a sentir-se pouco à vontade. — Você quer voltar? — perguntou-lhe, mais com um ar de desafio do que por cortesia. — Bem, uma vez que já estamos aqui... Amer ergueu as sobrancelhas espessas, seu ar sardônico. — Devemos chamar isso de um experimento, então? Para nós dois. O motorista desceu com a cesta de piquenique pelo banco de areia um tanto íngreme até o pequeno ancoradouro de madeira. Amer estendeu a mão para ajudar Leo. Ela aceitou-lhe a mão e desceu pelo caminho poeirento, esforçando-se para manter o equilíbrio. Era difícil também lidar com a corrente eletrizante que aquele simples toque lhe causava. No ancoradouro, ela parou abruptamente. — É um barco — disse entre deliciada e apreensiva. O pequeno veleiro não parecia estável. Oscilava gentilmente sobre a água, preso por uma corda. Havia um lampião na proa, nenhuma outra luz pairando sobre eles exceto a das estrelas. Um homem que se apresentou como Abdul, obviamente encarregado de conduzir a embarcação, saudou-os polidamente antes de pegar a cesta de piquenique. Amer virou-se para o motorista e deu-lhe breves instruções em árabe. O homem subiu de volta até onde deixara o jipe e ligou o motor. O veículo afastou-se na escuridão da noite. Virando-se para Leo, Amer notou-lhe a apreensão no olhar. — Não vai me dizer que fica enjoada em barcos — falou, divertido. Leo lançou- lhe um olhar exasperado. Deu-se conta, então, de que o melhor era admitir a verdade. — Sou uma pessoa desajeitada — anunciou, desafiadora. — Eu só estava tentando descobrir como fazer para subir nessa coisa. — É fácil. — Amer ergueu-a nos braços. — Cuidado — pediu ela, segurando-o com força pelo pescoço. Soltando um riso, ele manteve-a na altura do peito e subiu no barco, carregando-a. Almofadas delineavam o interior do veleiro, e ele agachou-se, fazendo menção de se sentar. Leo teve a im- pressão de que a segurou por mais tempo do que o necessário. Deu-se conta também de que seu pulso estava acelerado e o ar parecia lhe faltar. Por quê, afinal, o homem a afetava tanto? Como uma mulher de pouca experiência estaria tendo uma reação exagerada! Num esforço para se recobrar, desvencilhou-se daqueles braços Curtos e sentou-se numa grande almofada. Obrigada — disse, formal. ― Foi um prazer. Leo deslizou um pouco pela almofada para colocar alguma distância entre ambos. Amer notou, mas não fez comentário. Virou-se para chamar o navegador e não demorou para que o barco deixasse a margem, levado pela brisa do Nilo. Amer recostou-se nas almofadas e começou a indicar-lhe as estrelas que Projeto Revisoras 24
  • 25. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston faiscavam no céu pelos nomes. O lampião na proa oscilava com o movimento suave do veleiro, lançando sombras sobre ambos como se estivessem debaixo d'água em vez de na superfície. Tensa, Leo não tirou os olhos das estrelas. Mas sabia que Amer estava a seu lado, sua proximidade desconcertante. Lançou-lhe um olhar e, por um momento, foi como se estivessem deitados numa cama, descansando entre travesseiros habitualmente partilhados. pensamento fez com que um súbito calor a percorresse. Não ajudou em nada quando ele estendeu a mão de repente e tocou-lhe nos cabelos. Os seus cabelos são como seda.—Aquela voz possante e aveludada como uma carícia, arrepiando-a por inteiro. — Mas curtos demais. Involuntariamente, surgiu na mente de Leo à imagem de ambos deitados numa praia deserta, as roupas espalhadas ao redor, Amer apoiado no cotovelo, correndo a mão sensualmente pelos cabelos dela. Era uma cena tão nítida que parecia real. Soltou um suspiro tremulo, esforçando-se para reprimir o choque e o constrangimento. ― Eu costumava usá-los bem mais comprido — disse depressa demais. — Até quase terminar a faculdade. Depois, achei mais prático cortá-los e... — Interrompeu- se, dando-se conta de que estava quase gaguejando. Respirou fundo e teve certeza de que ele sorriu na escuridão. ― Está nervosa? Acho que estou um pouco... apreensiva — respondeu ela com franqueza. Houve uma pausa como se o tivesse surpreendido. Ei, você deveria estar se divertindo, sabe? ― A propósito, aonde estamos indo? Quero dizer, isto é tudo? Ele soltou um ligeiro riso. ― Está com fome? Preferiu presumir que Amer falava apenas de comida. ― Bem, meu desjejum foi às cinco horas da manhã de hoje, quando levantei para ir esperar um grupo de turistas no aeroporto, e não comi nada desde então. — Pelos céus! Temos que fazer algo a respeito imediatamente. Disse algo em árabe a Abdul, que logo manobrou habilmente , o veleiro. — O que aconteceu? Foi alguma vingança do chefe pouco razoável? Ela sacudiu a cabeça, rindo. — Não. Isso é normal nesta época do ano. Às vezes, mal dá tempo de parar para comer alguma coisa entre uma excursão e outra. — Parece-me escravidão. Por que você faz isso? Ela sentia-se melhor agora que conversavam sobre um assunto corriqueiro. — E o meu trabalho. — E por que escolheu um emprego desses? Leo lembrou-se de quando o pai anunciara que a designaria para aquele trabalho de dois anos. — Bem, é quase como se o emprego tivesse ido ao meu encontro — disse, irônica. — Meu chefe me disse para onde eu iria. Não tive escolha. Projeto Revisoras 25
  • 26. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Então, você deveria ter procurado um novo emprego com um chefe mais moderno — respondeu ele com impaciência. Leo aborreceu-se com aquele tom. — É fácil falar quando se tem uma infinidade de escolhas à disposição. A maioria de nós não as tem. Amer riu. — Ninguém tem uma infinidade de escolhas. A maioria das pessoas tem menos do que você pensa. — Está me dizendo que você é escravo das circunstâncias também? — desafiou-o Leo com ar zombeteiro. Ele não gostou daquilo e demonstrou no tom frio de voz: — Não estamos falando sobre mim. O barco aproximou-se de uma pequena ilha. D navegador recolheu a vela, ancorando-o junto ao banco de areia. Tirou, enfim, o lampião da proa, levando-o até eles com a cesta de piquenique. Amer, então, dispensou-o e o homem saltou do barco, desaparecendo na escuridão da ilha. Toda a confiança que Leo recobrasse foi com ele. Para sua surpresa, Amer abriu a cesta e começou a servir ai ambos, preenchendo dois pães sírios com uma deliciosa salada' aromática. Ela comeu com apetite e optou por um copo de água,j em vez de chá ou suco. Esvaziou-o de uma só vez. Puxa, você estava com uma autêntica sede do deserto — tomentou Amer comum ar divertido. A ansiedade sempre me deixa com sede — disse ela sem pensar. Ao vê-lo contrair o semblante de leve, mordeu o lábio inferior. — Desculpe, não tive a intenção de ser rude. Não quis dizer que... Acho que ambos sabemos o que quis dizer — declarou ele. Com o lampião mais próximo e não oscilando mais, Amer a veria corando. Ela lamentou ter aquela pele tão alva que sempre a traía. ― Desculpe-me — murmurou. Amer permaneceu em silêncio por longos momentos, sem expressão no rosto exótico e bonito indecifrável. — Você é um aprendizado — comentou, enfim. — Tenho profundo receio de que Hari esteja certo. Confusa Leo franziu o cenho. ― Quem é Hari? Amer soltou um riso inesperado. ― Mas eu estou certo também — prosseguiu, enigmático. — Você não é joguete de ninguém. E dona de si. Daí vem a sua bela franqueza. Mia percebeu que estava sendo alvo de zombaria e não gostou. Já me desculpei. Não se desculpe, Você deve ter orgulho por dizer a verdade. Não existem muitas pessoas assim no mundo. Leo sentiu-se impelida a desviar o olhar e fingiu concentrar-se na comida. Mas era difícil enquanto sentia o peso daquele olhar, Amor observando-a corno se nunca tivesse visto alguém semelhante. Após os momentos de incrível tensão, ele felizmente Projeto Revisoras 26
  • 27. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston continuou unindo como um anfitrião atencioso, começando a conduzir assuntos mais amenos enquanto lhe servia mais iguarias da cesta. Falou-lhe sobre o Nilo, sua paixão por arqueologia, templos antigos n o céu do deserto, até que, finalmente, colocou-lhe uma caneca de café nas mãos, anunciando: É a sua vez. Chegou o momento que ela estivera temendo. ― Minha... vez? ― Sim. Fale comigo. ― Eu... Sobre o que vou falar? Leo soltou um riso suave. ― É comum começarmos com algo que desejemos que o interlocutor saiba a nosso respeito. ― Mas eu não quero que você saiba nada a meu respeito —disse Leo com franqueza. — Bem, então diga-me o que eu quero saber. — Como o quê? — indagou ela, cautelosa. — Conte-me de onde você é. Como acabou parando no Cairo. O que os homens na sua vida acharam disso. Leo pensou a respeito. Não haveria nada de pessoal demais naquelas informações, concluiu. Assim, respondeu sem hesitar: — Eu sou de Londres. A empresa em que trabalho é basicamente uma cadeia internacional de hotéis. Ela se diversificou, começando a abranger outras áreas de lazer, incluindo esta agência de viagens local. Fui enviada até aqui para ficar por um período de dois anos. Para adquirir experiência de trabalho pondo mãos à obra, por assim se dizer. Estou aqui há pouco mais de um ano. Eventualmente, voltarei à sede da empresa. Bem, depois do desentendimento com Roy, retornarei antes do previsto. — E quanto aos homens em sua vida? — Leo hesitou, não muito disposta a falar sobre os fracassos românticos em sua vida com aquele homem indecifrável. Por outro lado, o pai lhe ensinara que dizer a verdade era sempre o melhor caminho. Além do mais, depois daquela noite, jamais tornaria a ver Amer. Endireitando os ombros, respondeu num tom jovial: — Não há nenhum homem. Ele estreitou o olhar. — Nem mesmo... como foi que o chamou? Roy? — Não soou muito interessado. Seu tom era o de quem jogava conversa fora. Leo soltou um riso diante da simples idéia. Amer não achou graça. — Como ele conseguiu expulsar você do seu apartamento? — perguntou, rápido feito um predador no ataque. Apanhada de surpresa, ela manteve-se em silêncio. — Eu lhe perguntei se você vivia com o tal homem, se ainda se lembra. Não me deu uma resposta. Ela teve a impressão de distinguir raiva por trás daquele tom de aparente casualidade. — Era um apartamento mantido pela empresa — disse depressa! na defensiva, como se tivesse sido acusada de algo. — Saímos do Cairo com tanta freqüência com os Projeto Revisoras 27
  • 28. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston grupos de turistas que não vale a pena cada funcionário ter o seu apartamento. Todos dividimos as acomodações. Roy, Vanessa, Kevin e quem mais houver! Mas, na verdade, Roy não fica lá durante a maior parte do tempo. — Não havia muita privacidade, então.― Leo ficou aliviada em notar que ele não parecia mais zangado! Mas ficou pensativo. — E esse o motivo? — O motivo de quê? — De não haver nenhum homem em sua vida. — Oh, issol — Sim, isso — sorriu ele, imitando-lhe o tom de voz numa descontraída provocação. — Se não há nenhum homem em sua vida tem que haver um motivo. Amer persistiria até que ela lhe contasse qual era. Soltando um suspiro, contou a verdade: — Eu não consigo me... entrosar com os homens. Nunca consegui realmente. É algo que enlouquece minha mãe. — Forçou um sorriso, mas não pôde mantê-lo no rosto e desviou o olhar. — Isso significa que você não se sente atraída por homens? Leo ficou perplexa. — Oh, não, não se trata disso. Tive uns dois ou três relacionamentos. Nada sério. E não deram certo. Esses namorados acabaram me deixando em pouco tempo e, para ser franca, foi um alivio. Acho que não fui feita para massagear o ego masculino. Não por muito tempo. Amer adquiriu um ar grave. — Há mais coisas num relacionamento entre um homem e uma mulher do que se massagear egos. — Há? — disse Leo secamente. — Não foi o que me pareceu. — Talvez você tenha sido infeliz em suas escolhas. Eu diria que você deveria ter tido mais de dois ou três experimentos insatisfatórios para basear suas teorias — declarou Amer, triunfante. — Acha que eu deveria ter continuado tentando? Bem, isso talvez seja bom para a maioria das garotas. Aliás, elas têm que tentar. Querem se casar. A reação dele foi de perplexidade. — E você não? — Eu diria que as circunstâncias conspiram contra mim. Amer notou que a resposta fora deliberadamente evasiva. — Ou seja, você quer se casar, mas acha que isso não vai acontecer. — Soou bem mais contente com aquela conclusão. Leo ficou furiosa. Levantou-se abruptamente, fazendo a pequena embarcação sacolejar com a violência de seu gesto. — Ouça, eu disse que jantaria com você. Mas não concordei em ser analisada desse jeito, como se fosse uma cobaia sendo dissecada em laboratório. — É o que estive fazendo? — Ele soou surpreso e não muito satisfeito. Seguiu- se uma pausa enquanto pensou a respeito. Disso, então, com ar divertido: — Está certo. Projeto Revisoras 28
  • 29. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston Vingue-se. Eu lhe direi qualquer coisa que quiser saber. — Não, obrigada. Não quero dissecá-lo também. Amer sacudiu a cabeça, ainda divertido. — Ainda dizendo a verdade? Nem sempre é uma boa estratégia... mas é bastante impressionante. Levantou-se. Era mais alto do que ela, com seu porte imponente dominando a pequena embarcação. Leo lembrou-se de como aqueles braços a tinham envolvido quando fora carregada até o veleiro, e uma seqüência de arrepios subiu-lhe pela espinha. — Olhe para a lua. Ela o fez e sentiu-se quase hipnotizada, contemplando a lua cheia em meio às estrelas brilhantes. Nunca lhe parecera tão grande e luminosa, nem o céu tão aveludado. — Faz com que as incertezas humanas pareçam tão insignificantes, não é? — filosofou Amer. Leo fitou-o, então, e a intensidade naqueles olhos cinzentos, tão luminosos quanto a própria lua acima, desconcertou-a. Foi quase como se tivesse uma sensação de vertigem e, sem se dar conta do que fazia, tornou a sentar-se entre as almofadas. Não conseguiu parar de fitá-lo. Ocorreu-lhe de repente que queria aquele homem e que ele estava a par daquilo. Nunca se sentira daquela maneira em sua vida, jamais conhecera anseio tão forte. Nem sequer soubera que era capaz de tanto. Ele agachou-se até sentar-se nas almofadas, sem deixar de fitá-la um instante sequer. Era como se pudesse enxergar através dela, ver suas defesas, sua confusão, sua surpresa. Leo ficou imóvel, fascinada. E havia se julgado imune. Eram as outras garotas que esperavam ansiosamente junto ao telefone, que se derretiam diante de um olhar como aquele, que sucumbiam por causa de um simples beijo. E Amer não a beijara, nem sequer a tocara. Mas seu olhar continha um magnetismo incrível, era como uma carícia abrasadora... Abdul estava voltando. Ela ouviu-lhe o cumprimento cordial. Sentiu o movimento do barco enquanto ele subia a bordo. Amer não se moveu. Continuou fitando-a com seus olhos penetrantes. — Devo dizer a Abdul para tornar a descer e nos deixar a sós por umas duas horas? — perguntou-lhe, enfim, num tom suave. — Não sei o que você quer dizer — falou Leo com dificuldade, o céu estrelado parecendo rodopiar acima de ambos. Ele soltou um suspiro quase imperceptível de frustração. — Essa é a primeira mentira que você já me disse. — Pareceu haver uma espécie de agonia por trás de suas palavras. Leo soube que jamais voltaria a ser a mesma depois daquilo, não importando o que acontece. Conteve a respiração. Mas Amer não a tocou. Afastou-se por alguns momentos para dar instruções ao Projeto Revisoras 29
  • 30. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston navegador e não soou aborrecido. Na verdade, pareceu quase indiferente. Leo soltou o ar devagar, enquanto os homens conversavam brevemente. Mal prestou atenção quando Abdul se aproximou para recolher a cesta de piquenique e, depois, foi se ocupar com a vela. listava atordoada demais. Talvez porque nunca tivesse sido tomada por sensações tão intensas antes, nem se dado conta de sua própria sensualidade. Porque nunca desejara tanto... Reprimiu os pensamentos abruptamente àquela altura. O que desejava? perguntou-se, zangada. Amer? Tolice. De repente, quis voltar ao seu quarto de hotel e recobrar-se do que lhe acontecera. Ao menos não tentara tocá-lo, pensou, aliviada. Ela manteve-se monossilábica na jornada de volta. Amer não a pressionou. Parecia tranqüilo, cordial, mas um tanto distante, quando entraram no hotel, agradeceu-a formalmente pela companhia e desejou-lhe boa-noite. Leo apertou-lhe a mão. — Obrigada — disse-lhe polidamente, como se estivesse falando com um dos motoristas de ônibus da Aventuras no Tempo. Aquele tom divertiu Amer. — Nos veremos em breve — assegurou-lhe ele. Leo não lhe dissera que esperava pegar um avião muito em breve. Nem mencionou nada naquele momento. Apenas despediu-no com um esboço de sorriso e encaminhou-se até os elevadores. Hari soube que a noite não fora bem-sucedida no momento em que Amer entrou na suíte. Bastou um olhar para o rosto do xeque c resolveu manter a conversa estritamente profissional. — Aqui está o relatório das várias conversas que tive antes do jantar beneficente — anunciou, entregando-lhe uma pasta fina. ― E os discursos que foram feitos. — Passou-lhe um calhamaço ÍIH mãos. — Ah, é uma mensagem de Sua Majestade — concluiu, apresentando-lhe um fax. — Meu pai pode esperar. O assistente absteve-se de comentários e consultou suas anotações. — Fiz reservas num vôo para Paris na quinta-feira. Achei que você iria querer parar lá primeiro. — Suspenda isso por enquanto. — Você quer ficar para a recepção que haverá ao final da conferência? — perguntou Hari, surpreso. — Talvez. Tenho assuntos inacabados no Cairo. O amigo ocultou um sorriso. — A srta. Roberts gostou do piquenique? — Ela... não é inteiramente como eu esperava. Nem à noite o foi, aliás. — Isso aconteceu porque você não lhe contou quem era. Amer sacudiu a cabeça devagar. — Não creio. Ela é incomum. Acho que o fato não teria feito a menor diferença. — Nesse caso, a srta. Roberts não é incomum, é única — opinou o cínico Hari. Surpreso, Amer riu. Projeto Revisoras 30
  • 31. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Você pode ter razão. — Deu um tapinha no ombro do amigo. — Intrigante, não é? — Puxa, você está linda — comentou a sra. Silverstein, deitada em sua cama, quando, ainda naquela noite, Leo foi verificar como estava passando. — Teve algum encontro interessante? — Saí para jantar. — Com alguém que conheço? — Um hóspede do hotel. — Ao menos aquilo soava melhor do que um encontro às escuras, pensou Leo, irônica. — Um tal de sr. Amer. Um sorriso radiante iluminou o semblante da sra. Silverstein. — Oh, o xeque! Leo arregalou os olhos. — Como disse? — O xeque Amer el-Barbary — respondeu a sra. Silverstein com satisfação. — Fiz questão de saber o nome dele. Leo encarou-a, boquiaberta. Lentamente, compreendeu o que acontecera, um súbito horror dominando-a. Ele mentira. Enganara-a deliberadamente. Convidara-a á fazer-lhe perguntas, sabendo que ela não o faria, e, o tempo todo, omitira a informação mais importante! Oh, que grande tola Amer devia achá-la... - Que grande tola era. CAPÍTULO III Seis meses depois, Leo ainda sentia o choque de sua descoberta. Era algo que podia fazê-la acordar no meio da noite e consumi-la de constrangimento. Ou evocar lembranças de momentos surpreendentes num veleiro no rio Nilo e reavivar o desejo que sentira por um homem que nem sequer a beijara. O que, obviamente, deixava-a ainda mais constrangida e não colaborava em nada para aumentar sua auto-estima. Costumava também pensar em tudo que teria dito a Amer se tivesse ficado frente a frente com ele outra vez. Mas não ficara. A sra. Silverstein tornara a se sentir indisposta e precisara ser acompanhada de volta aos Estados Unidos. Como Leo estava de partida do Egito, agarrara a chance de viajar de imediato. Assim, encontrava-se agora em Londres, tentando recomeçar sua vida. Sem muito êxito. — O que há de errado? — perguntou-lhe a amiga, Claire Hartley, enquanto Leo a levava de carro para passarem o fim de semana com a família Hartley. — Está sentindo falta das pirâmides? — Não estou sentindo falta de nada — respondeu Leo com mais ênfase do que o necessário. A amiga ficou pensativa e, enfim, comentou: Projeto Revisoras 31
  • 32. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Você tem visto bastante o meu irmão Simon, não é? Leo lançou-lhe um olhar surpreso. — Apenas na empresa. — Você foi ao Baile Rouxinol com ele. — A trabalho. — Então, ele não tem nada a ver com o fato de você estar contente por ter voltado para casa? — Eu não disse que estava contente por ter voltado para casa. Apenas que não sentia falta do Cairo. Há uma diferença. — Oh... E o que aconteceu no Cairo? Ou, talvez, eu deva perguntar... quem você conheceu lá? Leo contraiu o rosto. Um príncipe árabe divertira-se a valer oferecendo a uma humilde guia turística uma noite romântica e requintada. Porque não passara daquilo para ele... uma diversão. A recusa em tocá-la só demonstrara quanto Amer estivera indiferente às suas reações. — Um representante da realeza que parecia gostar de se divertir à custa dos outros — respondeu, enfim, à amiga, cerrando os dentes enquanto recordava. Claire estava admirada. — Ele realmente mexeu com você, não é? Foi uma nova experiência para você, srta. Geleira? Leo sorriu com ironia. Sua reputação de indiferença ao sexo oposto começara muito tempo antes. Nos bailes da escola, mais exatamente. Desajeitada, mais alta do que a maioria dos garotos e terrivelmente tímida, descobrira que a melhor maneira de lidar com provocações e gracejos era fingindo que não se importava. Ninguém nunca desconfiara da verdade, nem mesmo Claire. Todos apenas haviam concluído que Leo era sensata demais para ter sofrido os traumas da adolescência. — Amer el-Barbary seria uma nova experiência para qualquer um. — Parece interessante — disse a amiga com inveja. — Conte-me a respeito. Leo olhou para a estrada interminável e sinuosa à frente. Soltou um suspiro. Seria uma longa jornada. Contou à amiga, o que acontecera no Cairo. Claire ficou atônita e, quando acabou de ouvir o relato, sacudiu a cabeça em incredulidade. — E você nem sequer escreveu para ele? — O que eu teria dito? Obrigada por ter-me feito de tola? — Pode ter havido vários motivos para que ele não tenha lhe dito quem era. — Como o quê? — Bem, talvez o homem tenha achado que você não sairia com ele sabendo que era tão importante. — Dificilmente. — Que tal este? Amer queria que você saísse com ele como um homem comum, não como alguém de sua posição. — Não acredito em contos de fadas. Amer só achou que era divertido tentar Projeto Revisoras 32
  • 33. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston me seduzir com todo aquele clima romântico. Na verdade... — Por um momento, a expressão de Leo suavizou-se — ... ele ficou bastante aborrecido quando não reagi conforme o previsto. — Disse-lhe isso? — Disse que nos veríamos em breve — admitiu ela com relutância. Claire soou exasperada: — Então, você correu para os Estados Unidos, acompanhando uma viúva de setenta anos e, depois, veio para cá. Francamente! Diga-me, ele não tentou entrar em contato com você? — Não teria adiantado se tivesse tentado. Todos os meus dados eram vagos ou fictícios no escritório do Cairo. Ninguém de lá sabia quem eu era. Eu usava o sobrenome da minha avó. — O escritório ainda poderia ter encaminhado alguma correspondência destinada a você, eu suponho. — Já lhe disse. Eles não saberiam para onde encaminhar o que quer que fosse. Ninguém da equipe de lá sabe que a srta. Roberts é a filha do patrão, a srta. Groom. Claire sacudiu a cabeça, insatisfeita com o fim do que poderia ter sido um grande romance. — Se você o visse outra vez... — Eu lhe daria um soco no olho — declarou Leo, veemente. Claire era uma boa amiga, mas não tinha muito tato. — Mas pareceu-me que você estava quase se apaixonando pelo homem. — O amor — retrucou Leo, zangada — é o maior conto de fadas de todos. Não passa disso. — A maioria das pessoas espera acabar se apaixonando algum dia. Sem poder evitar, Leo recordou as palavras triunfantes de Amer: Você quer se casar, mas acha que isso não vai acontecer. Ele estivera falando sobre casamento, não amor. Mas ela corou como se o xeque estivesse no carro, lendo seus pensamentos. — Eu não. Tendo encerrado uma reunião que mal pudera suportar com assuntos pertinentes à Fundação Beneficiente el-Barbary, um irritadiço e impaciente Amer andava de lá para cá pelo escritório da mansão que mantinha em Londres. Ultimamente parecia não conseguir se concentrar em nada. E sua impaciência só aumentara quando o presidente da fundação lhe pedira que escrevesse um artigo para uma publicação destinada a fins de caridade, uma coletânea de artigos de autoria de várias personalidades. Hari escreveria o seu com certeza, pensou Amer com um profundo sus- piro, parando, enfim, diante de uma janela do escritório. Quando um homem alto, de ar tranqüilo, foi levado à sua presença, ele virou-se depressa. O visitante deixou transparecer sua perplexidade. Havia sombras escuras sob os olhos do xeque e, quando sorriu, foi com visível esforço. — Major McDonald. — Amer estendeu a mão. — Que bom ter vindo. Preciso de sua ajuda. Explicou a situação de maneira sucinta. Projeto Revisoras 33
  • 34. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston — Mantive os detetives mais espertos que o dinheiro pode comprar investigando durante seis meses. A mulher desapareceu — concluiu. — Não — disse o major, confiante. —Apenas não a procuraram da maneira certa. Tem certeza de que é inglesa? — Sim. — Então, deixe-me usar meus contatos. Eu a encontrarei para você. Amer tornou a aproximar-se da janela e olhou para os amplos jardins abaixo. — Se você a encontrar, traga a informação diretamente a mim. Não comente com mais ninguém. E, mais importante, não diga nada a ela — acrescentou num tom duro. O fim de semana com os Hartley não foi como Leo esperara. Achara que seria um encontro descontraído e familiar, com caminhadas pela propriedade, conversas tranqüilas à beira da piscina e noites repousantes. Não poderia ter-se enganado mais. Houve um jantar formal na sexta-feira, quando ela e Claire chegaram, e um almoço especial no sábado, ambos os eventos com vários convidados. Na noite de sábado foi à vez de irem a um sofisticado clube. Enfim, na manhã de domingo, foi oferecido um lanche para dezenas de convidados na propriedade. E Simon estivera sempre por perto, dizendo-lhe incansavelmente o quanto estava se entendendo bem com o pai dela. Na tarde de domingo, Leo estava exausta e ansiosa por voltar para casa. — Não deveríamos estar retornando a Londres, Claire? — perguntou num sussurro. Lady Hartley, cuja audição teria causado inveja a um morcego, interveio: ― Simon, meu filho, você ainda não mostrou o rio a Leo. Por que não a leva até lá agora? A tarde está tão agradável. Quando subiam a colina atrás da casa, Leo virou-se para Simon com um sorriso forçado: — É sempre assim todo o fim de semana? — Não, mamãe apenas quis ter certeza de que você se divertiria. — É por isso que me senti o centro das atenções — disse ela, pensativa. — Na verdade, foi quase como se estivessem tentando me vender algo. —Vendo a expressão de Simon, Leo arrependeu-se do comentário. — Desculpe-me. Foi uma coisa estúpida de se dizer. > que sua mãe estaria vendendo, afinal? Mas ele era um cavalheiro. — A mim, eu receio. Ela não soube o que dizer. — Não vou tentar fazer nenhum jogo. Respeito você demais para isso. Além do mais, você logo perceberia. Apesar do luxo que ainda tenta ostentar, minha família acabou com toda a sua fortuna. Você deve ter notado que a propriedade precisa de reparos, que ou vários hectares de jardins estão negligenciados, enfim... A única MInda é uma injeção de capital dada por... bem... — Por mim? — indagou Leo, ainda surpresa. — Seus pais querem vender a propriedade? Quero dizer, vejo que este lugar tem potencial. Mas eles iriam realmente querer que se tornasse parte da cadeia de hotéis Groom? De qualquer modo, seria Projeto Revisoras 34
  • 35. Sabrina 1182 - A magia do deserto – Sophie Weston melhor se conversassem diretamente com meu pai. Simon pegou-lhe a mão. — Não é a propriedade que querem vender. Querem que eu peça você em casamento. — O quê? Ele soltou-lhe a mão. — Não há razão para ficar tão chocada. Você deve ter percebido. — Eu... — Ela sentiu-se uma tola. — Desculpe-me. Eu mio sabia. Simon não escondeu seu desapontamento. — Achei que ao menos seu pai tivesse dado a entender... — Meu pai? K, então, Leo compreendeu subitamente do que se tratava tudo aquilo. Por que Gordon Groom levara Simon ao Cairo, por que sua mãe lhe perguntara sobre seus sentimentos por ele meses antes, porque o pai ainda não lhe dissera de qual cargo pretendia incumbi-la. Tola! Mil vezes tola!, pensou, furiosa consigo mesma. Como não tivera o filho e herdeiro que desejara, apenas uma filha desajeitada, o pai estava lhe comprando um marido razoável e esperando pela geração seguinte. — Nunca existiu a chance de uma carreira para mim na Hotéis Groom, não é? — disse mais para si mesma do que para Simon. ... — Meu pai só estava tentando me distrair até que eu me casasse, j — Não sabia o que era pior, a dor, ou a humilhação. Ele não pareceu notar. Apenas meneou a cabeça, aliviado. ! — Você se casará comigo? Leo queria gritar de raiva e frustração. Queria dizer ao pai; exatamente o que pensava dele antes de sair de sua casa e afastar-se do falso emprego. Mas nada daquilo era culpa de Simon, e ela não seria injusta.; — Não, não me casarei com você — disse com gentileza. Simon reagiu com aturdimento. — Não vou desistir da esperança — assegurou-lhe, enfim, num tom manso. E, então, ela realmente gritou de raiva. — Bem — começou Amer, satisfeito —, você disse que o faria e o fez. Estou impressionado. O major McDonald deu de ombros. — Coloquei minha equipe nisso. O especialista em estatística mostrou-nos que Leonora é um nome incomum no país, informação que muito ajudou. Depois, concluiu-se que uma mulher que conseguiu esconder sua identidade desde sua chegada ao Cairo, devia ser provavelmente uma espiã, uma criminosa ou a filha de um milionário. Felizmente para você, trata-se do último caso. — Sim, felizmente. O sorriso frio de Amer levou o major a perguntar-se o que Leonora Groom teria feito. Gostava dele e o admirava, mas, apenas por um momento, quase sentiu compaixão pela mulher. O xeque abriu o dossiê que lhe fora entregue. — Leonora Groom — disse, como se saboreasse o nome. — Há apenas uma foto, numa festa beneficente. Ela parece conseguir ficar Projeto Revisoras 35