O texto discute a perspectiva temporal da musicalidade e como as habilidades musicais se desenvolvem ao longo da vida. Apresenta cinco tipos de habilidades musicais e argumenta que conceitos de musicalidade devem levar em conta fatores psicológicos e sócio-culturais ao longo do desenvolvimento humano. Também reflete sobre como atividades criativas podem motivar o aprendizado musical.
A busca pela escolarização, através da ampliação da leitur…
Musicalidade ao longo da vida
1. MUSICALIDADE AO LONGO DA VIDA
Leda de Albuquerque Maffioletti - Coordendora
Faculdade de Educação- UFRGS
Anelise Thonnings Schünemann
Faculdade de Educação- UFRGS
Sandra Mara Rohden
Faculdade de Educação- UFRGS
Simone Velho
Faculdade de Educação- UFRGS
Luciane Cuervo
Instituto de Artes- UFRGS
Leonardo Borne
Faculdade de Educação- UFRGS
Cristina Rolim Wolffenbüttel
FUNDARTE-UERGS
RESUMO:
A musicalidade é a essência do processo de tornar-se humano. Refletir sobre
musicalidade é uma ação que se volta para mudança, abandonando os velhos
hábitos enrijecidos, que levantaram barreiras a tantas pessoas. É adotar uma
visão mais ampla da prática musical, que seja ao mesmo tempo um movimento
de revitalização e atualização do pensamento musical, que leve em conta o
que acontece com a música e a educação, com as práticas musicais, e com a
compreensão e o ensino de música na formação das crianças. Essa visão
modifica a concepção de musicalidade voltada para um produto final, oriundo
diretamente de um trabalho árduo e persistente, para voltar-se para outras
práticas inclusive aquelas que os alunos podem realizar sem o auxílio do
professor. Ainda não discutimos o suficiente sobre o papel da musicalidade na
Educação Musical e na preparação dos jovens que pretendem ser artistas, ou
solistas de orquestra. A perspectiva temporal da musicalidade ou musicalidade
“ao longo da vida” estabelece o vínculo das habilidades musicais com os
aspectos psicológicos do ser humano, que se modificam ao longo da vida e
exigem adaptações e reavaliações em sua trajetória. A mesa convoca os
educadores a refletir e reavaliar o modo como ouvem e vêem a música; os
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2. valores que são transmitidos no ato de fazer música e o papel social e cultural
do contexto na formulação do significado musical.
Palavras-chave: Arte-Educação, Musicalidade, Educação
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3. MUSICALIDADE AO LONGO DA VIDA
Leda de Albuquerque Maffioletti - Coordendora
Faculdade de Educação/UFRGS
Anelise Thonnings Schünemann
Faculdade de Educação/UFRGS
Sandra Mara Rohden
Faculdade de Educação/UFRGS
Simone Velho
Faculdade de Educação/UFRGS
RESUMO:
O texto aborda a perspectiva temporal da musicalidade como habilidades
desenvolvidas ao longo da vida e o vínculo dessas habilidades com os
aspectos psicológicos do ser humano. Compreende o fazer musical como uma
experiência de vida que envolve gestos, intenções, performance corporal e a
própria música executada em todas as suas nuanças interpretativas. Apresenta
cinco tipos habilidades que estão presentes no ensino tradicional de
instrumento, propondo um conceito mais amplo de musicalidade para dar conta
do seu significado sócio-cultural. O trabalho é enriquecido pelos relatos de
pesquisa de atividades criativas desenvolvida com crianças na área da
composição e escrita musical.
Palavrs-chave: Musicalidade, Contexto Cultural, Educação
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4. Introdução
A capacidade humana para perceber sons, reconhecer e retê-los na
memória, assim como a capacidade de interpretar o que se ouve atribuindo um
significado, são capacidades muito precoces. As habilidades musicais, como
qualquer outra aprendizagem, dependem de fatores internos, desde as
condições físicas até os aspectos subjetivos e motivacionais, e de fatores
externos, como as possibilidades oferecidas pelo contexto sócio-cultural. Ao
lado desses fatores, é preciso considerar que as habilidades musicais
modificam-se muito ao longo da vida. Para citar um exemplo, pensemos na voz
humana – nosso primeiro instrumento e o mais acessível. Sabemos que há
mudanças significativas na anatomia da voz humana no período da
adolescência, como também em idade avançada. Podemos supor a idade de
quem está cantando através de sua voz, porque são qualitativamente distintas
a voz infantil, voz do adulto jovem e voz características dos idosos. Tratando-se
da carreira de músicos profissionais, a mudança do timbre vocal é um dado
importantíssimo, uma vez que são necessários reajustes e adaptações que
podem afetar seu estado psicológico (SPAHN; RICHTER, 2006, p. 124). A
musicalidade, portanto, deve ser considerada numa perspectiva de
desenvolvimento humano ao longo da vida.
Gambris (2006) tem mostrado preferência pela abordagem da
musicalidade numa perspectiva que contempla as modificações que ocorrem
no desenvolvimento em geral, ou “ao longo da vida”, por acreditar que os
acontecimentos pelos quais passamos repercutem de forma decisiva no
desenvolvimento musical.
Outro fator que auxilia a compreensão do conceito de musicalidade é a
relação entre os níveis de desempenho musical e o investimento em horas de
prática. Essa relação tem demonstrado que para atingir a excelência a prática
intencional é fundamental (GEMBRIS, 2006, p. 14). A perspectiva temporal da
musicalidade como habilidades desenvolvidas ao longo da vida e o vínculo
dessas habilidades com os aspectos psicológicos do ser humano deixam claro
que o conceito de musicalidade é muito complexo. Segundo referido autor, do
ponto de vista d Educação Musical, ainda não discutimos o suficiente sobre o
papel da musicalidade na preparação dos jovens que pretendem ser artistas,
ou solistas de orquestra. Ao apostarmos nas habilidades musicais de um jovem
violinista, precisaríamos também pensar em suas possibilidades futuras como
membro de uma orquestra, pois nessa situação seus dotes artísticos de solista
precisarão ser acomodados, em alguns casos reprimidos, para atender
inteiramente as exigências do regente. Essa dimensão “ao longo da vida”,
conforme Gambris argumenta, não pode ser esquecida quando se pretende
valorizar a musicalidade como uma possibilidade de expressão, ou valorizá-la
enquanto condição para atingir a excelência profissional.
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5. O que está em jogo quando nos referimos às habilidades musicais?
Com a finalidade de nos situarmos no terreno da musicalidade, pretendo
brevemente comentar o que está em jogo quando nos referimos às habilidades
musicais. Encontramos na literatura estrangeira (inglês) pelo menos dois
termos para a expressar musicalidade: musicality e musicianship. Conforme as
explicações de Alda Oliveira, tradutora no Brasil da obra de Keith Swanwick
“Ensinando Música musicalmente” (2003, p. 84), em note de rodapé, musicality
é expressão empregada para referir-se ao talento natural para música, ao
passo que musicality compreende-se como habilidade e sensibilidade
adquirida. Na língua portuguesa não temos dois termos para musicalidade,
mas convivemos com expressões como “talento musical”, “aptidão” e “dom”.
Historicamente esses conceitos tiveram conotação distinta, segundo o
pensamento da cada período. No entanto, o que está sempre presente nas
discussões sobre o tema é o caráter inato ou adquirido da musicalidade.
Tratarei de cinco tipos de habilidades musical que estão presentes no
ensino tradicional de instrumento, e que fizeram parte do modelo teórico
elaborado por Gary McPherson (1997), para verificar a relação entre a
aprendizagem musical e os fatores que afetam individualmente cada uma das
habilidades musicais.
O pesquisador observou que os tipos de desempenho orientados
visualmente e auditivamente e as formas criativas de desempenho são
fundamentais no desenvolvimento musical dos instrumentistas, porque
possibilita a coordenação do ouvido, do olho e executar no instrumento as
músicas que vê, ouve ou imagina em sua mente. Os estilos visuais
reorganizam de modo criativo a capacidade de executar um repertório de
música ensaiada e pela capacidade leitura musical sem ensaio prévio, ou seja,
pela capacidade de ler prontamente uma partitura musical (leitura à primeira
vista). Há também o desempenho cujo estilo é auditivo, definido pela
capacidade de executar músicas de memória, em que música é memorizada a
partir de uma anotação e recriada auditivamente, como também a capacidade
de tocar de ouvido, em que a música é aprendia e reproduzida auditivamente.
Tipos de habilidades musicais
1. Capacidade de executar um repertório de música ensaiada –
caracteriza-se pela capacidade de aprender mediante leitura de uma partitura e
ensaio para executá-la integralmente.
2. Capacidade de ler prontamente uma partitura musical – Trata-se
da capacidade de ler uma partitura musical, executando-a no instrumento sem
ter realizado leitura prévia. Seria a leitura à primeira vista.
3. Capacidade de executar músicas de memória – Esta capacidade
consiste em memorizar a música a partir da sua anotação e recria-la
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6. auditivamente. O estudante aprende por leitura e toca de cor, sem auxílio da
partitura.
4. Capacidade de tocar de ouvido – Neste caso, a música é aprendia e
reproduzida auditivamente. Tocar de ouvido significa reproduzir imediatamente
depois de ter ouvido uma música. Essa habilidade também mostra-se pela
capacidade de executar uma música em diferentes tons (Dó Maior, Mi Maior,
etc.)
5 Capacidade de improvisar – A capacidade de improvisar pode ser
identificada pela capacidade de improvisar uma “resposta” ou uma frase
musical apropriada (mesmo tempo de duração) em resposta a uma frase
considerada “pergunta”. Faz parte dessa capacidade, identificar o estilo do
acompanhamento empregado na música e improvisar de acordo. Ou ainda,
improvisar dentro de um estilo preferido: estilo jazz, por exemplo.
Em seu conjunto, as cinco habilidades variam segundo o tempo que o
estudante dedica às atividades de tocar de memória, tocar de ouvido,
improvisar, cantar, compor e ensaiar mentalmente, ou pensar a música
executando movimentos manuais correspondentes à execução real no
instrumento.
Embora o conceito de musicalidade tenha se modificado ao longo da
história, ainda está fortemente fundamentado nas habilidades musicais
adotadas nas escolas de música tradicionais. O aspecto negativo da
musicalidade identificada com tais habilidades é o constrangimento que elas
geram nas pessoas que não sabem ler música. Apesar da expressividade
musical ser valorizada e a habilidade de “tocar de ouvido” seja um indicador de
musicalidade desenvolvida, há pessoas muito expressivas, que aprenderam a
tocar um instrumento, no entanto dizem que “não sabem nada de Música”. Por
trás dessa sensação de não saber música, está a concepção de um
conhecimento supostamente inatingível geralmente atrelado à leitura e escrita
musical.
Capacidade de improvisar e ler música
O problema da escrita musical – pivô da desistência da aprendizagem
por parte dos estudantes de instrumento – , pode ser abordado de modo
reflexivo a partir das concepções dos próprios alunos, num engajamento que
conecta a musicalidade ao conhecimento já sistematizado culturalmente. O
relato de Anelise T. Schünemann, sobre atividade proposta a estudantes de 9 a
54 anos, parte da improvisação ao piano, como se fosse uma “conversa
musical”, seguida do desafio de registrar suas melodia com as informações e
recursos que desejassem empregar para realizar a tarefa. O resultado foi
surpreendente. Havia de modo latente um desejo intenso de dominar a escrita
musical, mas como muitos estudantes de música, havia também uma enorme
distância entre prática musical ao piano e a sua representação gráfica. As
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7. composições dos estudantes de Schünemann foram registradas tanto em folha
pautada quanto em um gravador. Cada um escreveu a sua composição com os
títulos que seguem: “Bistrô”; “Período de reflexão”; “Réplica do Bistrô”; “Hip
au!”; “Pokémon”; “Canção do mar”; “Eco” e outras duas sem título.
Como se pode observar, os nomes retratam as experiências musicais do
cotidiano, desta vez ressignificadas e redimensionadas pela tematização obtida
por meio da escrita musical. A repercussão afetiva dessas conquistas
modificou a concepção de escrita musical e motivou os estudantes a inventar e
registrar novas composições.
Conforme a literatura consultada, em todas as culturas onde a música
ocidental é ensinada, os estudantes enfrentam problemas na compreensão do
significado dos símbolos musicais e sua transformação em sons. Lehmann e
Kopitz (2009, p. 343) referem-se aos “sinais de leitura” empregados
amplamente na execução vocal e instrumental como guia da performence. A
expressão “sinais de leitura” tem sido aceita por músicos experientes para
explicar o modo como conseguem rapidamente capturar o significado dos
símbolos e obter fluência na execução. Segundo os estudos realizados sobre o
movimento dos olhos durante a leitura musical, observou-se que os estudantes
iniciantes fixam demoradamente os olhos nos “sinais de leitura” até sua
decodificação e realizam muitas pausas na passagem de um para pra outro.
Entre os músicos experientes esse processo é rápido e sistemático,
evidenciando que, além das habilidades musicais já conhecidas como
pertinentes à musicalidade, as habilidades de leitura e a habilidades de
performance se realimentam mutuamente (LEHMANN E KOPITZ, 2009, p.
346).
Capacidade de tocar de ouvido
A seguir veremos o relato de uma menina em sua busca insistente por
compreensão da escrita. Os tropeços dos estudantes para “tirar de ouvido”
uma música ao piano é de grande interesse pedagógico. Simone Velho,
acompanhando as aprendizagens de sua aluna de piano nos conta que o
procedimento foi o seguinte. A professora e sua aluna EST (9;1) cantaram
juntas a canção do folclore gaúcho “Pesinho”. EST pronuncia cada sílaba e
procura no piano o som correspondente. De início, EST já encontra o seu
primeiro obstáculo, pois as três primeiras notas da melodia deveriam ser
executadas na mesma tecla A professora já havia expolicado que os sons
poderiam subir e descer mas, até aqui, a menina não tinha se dado conta de
que, além de subir e descer, a nota também poderia permanecer no mesmo
lugar. A segunda dificuldade foi quando surgiu a nota si bemol. EST ficou
tentando entre as notas vizinhas si e lá natural, até que a professora lhe sugere
buscar o som desejado também nas teclas pretas. A parti disso, toda a melodia
foi reproduzida. Dando continuidade: E a mão esquerda? – pergunta a menina.
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8. A primeira reação de EST foi reproduzir na mão esquerda a melodia da
mão direita. Alertada pela professora de que tal repetição não seria um
acompanhamento, EST iniciou a construção do acompanhamento através de
tentativas aleatórias de combinar as notas da mão esquerda com as notas da
mão direita. O passo seguinte foi solucionar a breve antecipação da mão direita
no início da canção, ou o anacruse (Ai bota aqui.). Inicialmente o ataque foi
conjunto, mas logo solucionou o problema. Como se estivesse regendo, deu a
entrada para a mão direita através da antecipação da nota correspondente ao
início da canção. Para a próxima escolha de nota para acompanhar a melodia
EST justificou a sua escolha dizendo: “Porque este é mais bonito, mais agudo,
assim (tocando ao piano a nota escolhida)!”. Para dar continuidade ao arranjo
da mão esquerda, novamente por sugestão da professora, que assistia suas
tentativas frustradas, sugere que explore as teclas pretas. Depois de muitas
tentativas a aluna declarou que a nota si bemol seria a melhor opção para o
acompanhamento.
Segundo as análises de Simone Velho, o que pôde ser observado como
padrão no raciocínio harmônico de EST foi a estratégia de colocar uma nota
nova para mão esquerda quando havia mudança de altura na mão direita.
Porém, logo em seguida, EST quebrou esta regra e deixou a próxima nota da
melodia sem nenhum suporte harmônico, nem demonstrou interesse em fazer
isto. Suas decisões são usualmente justificadas pelo gosto musical: “O mi é o
melhor!”
O resultado da primeira frase da canção, finalizada no segundo
encontro, pode ser observado na figura 1. (vide final do texto). Ao finalizar seu
trabalho decretou: “Gostei!”. Na figura 2, (vide final do texto) pode-se observar
as decisões de acompanhamento eleitas pela aluna.
As decisões estéticas durante a composição envolvem, segundo
Barret (1996, p. 37) análise, comparação, interpretação, expressão de
preferência, avaliação, julgamento de valor e veredicto final. São todas elas
dimensão da musicalidade humana aprendidas e desenvolvidas no contexto
cultural e transpostas para o terreno musical como uma estratégia viável.
A consciência de autoria experimentada nessa atividade, pode ser
observada na intervenção da professora: “EST, esta melodia já existe. Mas
será que existe este mesmo acompanhamento?” Ao que a aluna responde:
“Ah... pode ser algumas coisas iguais, algumas coisas diferentes”.
O que aprendemos sobre a música e musicalidade na infância?
Contrapondo os que defendem que o ambiente e os fatores sociais
determinam até onde o ser humano pode prosseguir, Abramo (2008) acredita
que assim como adquirimos traços que marcam nossa consciência, também
podemos resistir e questionar essas influências, criando forças ao contrário
para garantir nossa integridade. No contexto da sala de aula, os educadores
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9. fazem opções, rejeitam algumas alternativas a criam outras; abrem o espaço
para construir uma estrutura que os unifique e lhes dê identidade. No pequeno
espaço da sala de aula os educadores constroem suas narrrativas e traçam
suas histórias a partir do que acreditam e valorizam. Precisamos ouvir as
histórias desses educadores. (ABRAMO, 2008, p. 93-97)
Sandra Rhoden, embora tenha recebido uma formação musical
convencional, por influência de Jeanne Bamberger – eminente pesquisadora
musical do Massachusetts Institute os Tecnologie (MIT) –, tem se dedicado às
grafias espontâneas infantis, procurando apreender seu significado no contexto
onde elas emergem. Em sua prática pedagógica, Sandra optou por adotar a
notação livre como uma nova prática. Antes de fazer essa escolha, não
questionava seu modo de trabalhar, colocava as notas musicais no quadro e as
crianças copiavam e executavam.
Ao refletir sobre sua nova maneira de ensinar, pôde avaliar o impacto de
sua ação pedagógica na aprendizagem dos seus alunos. Segundo seu
depoimento, uma ação pedagógica que não se restringe a realizar inúmeras
técnicas e atividades que possam ser reproduzidas pelas crianças, mas em
criar estratégias que possibilitem “pensar o som” e refletir sobre o seu
significado.
Conceber a musicalidade na infância como uma construção que toma
por base uma determinada concepção de música, convém esclarecer o que
pensamos. Apoiadas nas pesquisas de Jane Davidson (2009) compreendemos
que o fazer musical não é um fenômeno meramente auditivo. Para as mais
variadas comunidades, música é experiência de vida. Dela fazem parte os
gestos, as intenções, a performance corporal e a própria música executada,
com as nuanças das interpretações e todos os recursos expressivos que ela
comporta. Detalhes musicais são coordenados a significados não verbais
expressos corporalmente. Estalos com os dedos, movimentos de braços e o
balanço do corpo regulam a performance e sugerem quando serão realizadas
as acentuações e as ênfases durante a execução musical (DAVIDSON, 2009,
p.368).
Essa maneira de conceber a música como prática social com significado
compartilhado entre os participantes precisa ganhar espaço também enquanto
concepção de musicalidade.
Refletir sobre musicalidade é uma ação que se volta para mudança,
abandonando os velhos hábitos enrijecidos, que impôs barreiras a tantas
pessoas. É adotar uma visão mais ampla da prática musical, que seja ao
mesmo tempo um movimento de revitalização e atualização do pensamento
musical, que leve em conta o que acontece com a música e a educação, com
as práticas musicais, e com a compreensão e o ensino de música na formação
das crianças (JOHNSON, 2009, p. 17). Essa visão modifica a concepção de
musicalidade voltada para um produto final, oriundo diretamente de um
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10. trabalho árduo e persistente, para voltar-se para outras práticas inclusive
aquelas que os alunos podem realizar sem o auxílio do professor.
A música no contexto cultural
McCarthy (2009) observou que estamos modificando nossa maneira de
pensar. Temos lido muito sobre a natureza da música e o significado musical.
Buscamos compreender as funções da música como uma realização humana e
como fenômeno sócio-cultural. Desde o final no século passado temos
acompanhado o emprego de vocábulos novos para dar conta de novas ênfases
na área da educação musical: “musicing” para designar pessoas que apreciam
ou fazem música; musik-making para referir-se ao fazer musical como prática
social, entre outros. Os educadores são convocados a refletir e reavaliar o
modo como ouvem e vêem a música; a ouvir a partir de novos significados do
som no contexto e olhar com novos olhos as interações com a música, os
lugares e os sons; os valores que são transmitidos no ato de fazer música, bem
como o papel social e cultural do contexto na formulação do significado musical
(McCARTHY, 2009, p. 29)
As escolas de música não são o único espaço onde as pessoas
aprendem a tocar um instrumento musical e a conviver com a música. Em
nossa sociedade há espaço para formação de “comunidades de prática”,
formado por pessoas com afinidades comuns, que se engajam num processo
coletivo para aprender e compartilhar conhecimentos musicais. Estar juntos e
aprender, desenvolver algum domínio e praticá-lo é o que define essas
comunidades (WENGER, 2009). Podemos apreciar tais “comunidades de
prática” entre idosos que se reúnem para praticar, aprender a cantar ou dançar;
grupos de afinidade religiosa que encontram na música a prática que os
mantém unidos.
A musicalidade, na perspectiva que abordamos neste texto, deixa claro
que o conceito é complexo. Boa parte dos nossos conceitos sobre música e
musicalidade apóia-se nas idéias da música ocidental: nas grandes obras, nos
compositores imortais, nos grandes maestros, em sinfonias, concertos e outras
tantas práticas típicas da Música Tonal. Ela é também a base do conceito de
musicalidade que orienta as práticas pedagógicas em Educação Musical.
Como observou Bárbara Tillman (2005) desenvolvemos a sensibilidade para
apreender regularidades e a estrutura do Sistema Tonal pela simples
exposição a ela em nossa vida diária. A pesquisadora refere-se ao
“conhecimento implícito” que agrega as funções tonais e os acordes, e as
relações entre as escalas musicais. Com base também nessas estruturas,
mesmo não sendo músicos, as pessoas são capazes de desenvolver
competências musicais, inclusive ter expectativas com relação ao que poderá
suceder no decorrer da audição de uma peça musical (TILLMAN, 2005, p. 101).
Todas essas considerações mostram que o trabalho de desconstruir conceitos
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11. e preconceitos na área da música é enorme. Mudamos muito, como bem disse
McCarthy (2009) e intelectualmente essas mudanças já se fazem notar entre
os educadores musicais. Restam, ainda, os valores, costumes e crenças que
sobrevivem aos avanços científicos.
Figuras: p.
Figura 1: Primeira frase da parte “A” da canção Pezinho
Registro feito conforme a interpretação da aluna, isto é, sem anacruse
Figura 2: Segunda frase da parte “A” da canção Pezinho
Referências
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12. LEHMANN , Andreas e KOPITZ, Reihnhard . Sight-reading. In.: HALLAM,
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McCARTHY, Marie. Re-thinking “Músic” in the contexto f Education. In.:
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McPHERSON, G. E., et. al., Path analysis of a theoretical model to describe the
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WENGER, Etienne. Communities of practice a brief introduction. Disponível em:
<http://www.ewenger.com/theory/>. Acesso em: 19 fev 2009.
Anais do XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – Convergências e tensões no campo da
formação e do trabalho docente, Belo Horizonte, 2010 ................................................................................................................. 12
13. MUSICALIDADE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
TECNOLOGIAS A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO MUSICAL
Luciane Cuervo
Instituto de Artes- UFRGS
Leonardo Borne
Faculdade de Educação- UFRGS
RESUMO:
De caráter ensaísta, esse texto reflete sobre a atuação de membros do corpo
social em Educação a Distância, especialmente o docente, tutor e aluno no
Programa de Licenciatura em Música (PROLICENMUS) da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Abarca a fundamentação teórica e
reflexão sobre o desenvolvimento da musicalidade em ambiente virtual com a
utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação e (TIC).
Compreendendo a musicalidade como uma característica humana, serão
discutidos temas interdisciplinares que envolvem pesquisas de autores da
educação, educação musical, psicologia e tecnologias em educação. As
reflexões são acompanhadas de fragmentos de relatos de classe, os quais
exemplificam o contexto referido na intenção de conhecer, interagir e contribuir
no processo de ensino-aprendizagem dos “professores-discentes”, já que
cursam um programa que visa qualificar docentes que já atuam em sala de
aula, mas não possuem legitimação legal (licenciatura).
Palavras-chave: musicalidade; educação a distância; desenvolvimento
musical.
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14. Introdução
Nesse texto, de caráter ensaísta, abordaremos o desenvolvimento da
musicalidade na Educação a Distância (EaD), conectando com relato de
experiências nos papéis de docência e de tutoria no curso desenvolvido pelo
Programa de Licenciatura em Música (PROLICENMUS) da UFRGS.
Importante registrar que este é um programa de formação inicial direcionado
a professores que atuam nos sistemas públicos de Ensino Fundamental ou
Médio e não têm habilitação legal para atuação (licenciatura).
O desenvolvimento musical será abordado fundamentando-se na
concepção de musicalidade como uma característica humana. Para fomentar
a reflexão sobre esse tema, discutiremos trabalhos de forma interdisciplinar a
partir de pesquisas de autores da educação, educação musical, psicologia e
tecnologias em educação, destacando-se Gembris (1997), Maffioletti (2001),
Krüger (2006) e Cuervo (2009).
Existe uma necessidade latente de sistematização da abordagem
pedagógico-musical no ensino a distância, bem como estudos que
acompanhem o desenvolvimento do aluno, buscando compreender como se
dá o processo de ensino-aprendizagem considerando sua subjetividade e
complexidade intrínsecas, bem como as matizes que o compõe. Por
Educação a Distância, entende-se que este “é o processo de ensino-
aprendizagem, mediado por algum recurso de comunicação, onde
professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente”
(UFRGS, 2007, p. 27)
A partir da pesquisa de mestrado (CUERVO, 2009), a qual envolveu
o estudo da musicalidade humana, buscamos compreender o
desenvolvimento musical dos alunos na EaD, colocando-nos os seguintes
questionamentos:
• Como se dá o desenvolvimento da musicalidade no ensino a
distância?
• Como as Tecnologias de Informação e Comunicação nos
ambientes virtuais de aprendizagem podem confluir neste desenvolvimento?
Ao entender a musicalidade como natural ao ser humano, afirma-se a
capacidade de todo indivíduo de se desenvolver musicalmente,
contextualizado ao seu ambiente sociocultural, no que a EaD vem a ser mais
um mecanismo potencializador.
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15. Reflexões sobre o conceito de musicalidade
“A musicalidade é a chave para experimentar os valores do fazer
musical. [...] pode ser ensinada e aprendida” (ELLIOT, 1998, p. 26).
O termo musicalidade vem sendo utilizado cotidianamente no ensino,
aprendizagem, execução e apreciação musical no Brasil. No entanto, consta-
se a escassez de publicações que abordem esse tema, especialmente no
contexto da Educação Musical brasileira, conforme pesquisa concluída
recentemente (CUERVO, 2009).
Gembris (1997) analisou o conceito de musicalidade na interface
histórica, identificando três fases: a Fenomenológica, entre 1880 e
1910/1920, a qual consistia na ênfase na discriminação musical, na distinção
entre a música boa da medíocre. A segunda fase, Psicométrica, com
ocorrência a partir de 1920 e chegando aos nossos dias, onde o principal
objetivo é o de testar habilidades musicais, independentemente dos aspectos
socioculturais do indivíduo. A terceira fase é destacada como a de geração de
sentido musical, relacionada à habilidade musical de compreender e
transmitir o sentido da música que está sendo executada, ouvida ou criada.
Gembris (1997) fundamenta-se nos trabalhos de Sloboda (1997), Blacking
(1997) e Stefani (2007), entre outros autores. Em afinidade com a terceira
abordagem, adotamos um referencial teórico que privilegia esse conceito
dentro do contexto sociocultural de atuação docente, e o direcionamento das
pesquisas que mapeiam os indicadores desse conhecimento foram
analisados, considerando a musicalidade não como um dom ou um talento
inato, mas um conhecimento que pode ser desenvolvido e potencializado na
educação musical.
A concepção contemporânea de musicalidade, também chamada
habilidade ou competência musical, é descrita como a capacidade de geração
de sentido, de acordo com Gembris (1997), Maffioletti (2001), Swanwick
(2003) e Stefani (2007), “compreendendo o saber, o saber fazer e o saber
comunicar” (STEFANI, 2007, p.1). O uso do termo adequado para se referir à
musicalidade é uma dificuldade também mencionada por Alda Oliveira,
tradutora da obra de Swanwick (2003). Em nota de rodapé (p. 84), explica
que não há palavras em nosso vocabulário que possuam o mesmo
significado atribuído a musicality e musicianship, sendo a primeira ser
relacionada a talento natural e a segunda a habilidade adquirida e
sensibilidade.
Pesquisadores brasileiros também utilizaram distintos termos, como
expressividade do discurso musical, de acordo com França (2000) ou talento
musical, para Figueiredo e Schmidt (2005; 2008).
Todas as pessoas podem vir a desenvolver sua musicalidade,
dependendo de um contexto favorável em diversos aspectos, o qual
englobaria um ambiente familiar e escolar propício, como também a
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16. oportunidade de interagir em diversas modalidades da experiência musical ao
longo da vida. A qualidade da interação entre o sujeito e o objeto “é dada por
dois fatores complementares: um sujeito ativo num meio desafiador
(BECKER, 1999, p. 18).
Alguns autores relacionam a capacidade para a música com a
capacidade universal para a linguagem, como Ilari (2006), Sacks (2007) e
Sloboda (2008). Para Sloboda (2008, p. 25), “dizer que a linguagem e a
música são universais é dizer que os humanos têm uma capacidade geral de
adquirir competências lingüísticas e musicais”.
Nesta direção, compreende-se que todos têm mecanismos
necessários para o desenvolvimento musical, e, assim, derrubam-se teorias
que valorizam o talento de poucos privilegiados, aqueles que “merecem
aprender”. Lamentavelmente, ainda hoje se verifica em escolas,
conservatórios e aulas particulares de música a concepção de que é
necessário potencializar aqueles que já possuem o “dom da música”. Isso
contradiz os princípios universais da educação humana, nos quais todos
podem aprender e tem o direito de acesso ao saber e ao saber-fazer.
No período contemporâneo, no qual há intenso “bombardeio” de sons
e ruídos de todas as formas, assim como os mais variados modelos de
aparelhos de difusão sonora individuais e coletivos, a conscientização, a
preservação e a emissão natural da voz deveriam constar como prioridades
no planejamento pedagógico-musical. Por outro lado, não é possível ignorar a
imersão de crianças, adolescentes, adultos e idosos em uma grande rede de
diversidade musical, os quais, influenciados pela família, escola, rua e mídia,
encontram suas vivências, valores e preferências musicais. Torres (2008)
argumenta que a ampla presença da música – difundida em aparelhos
portáteis – torna-se a “Música que nos acompanha, que pode ser levada e
compartilhada em diferentes espaços; a música em movimento” (TORRES,
2008, p. 7).
Os papéis do corpo social em EAD
Ao buscar subsídios pedagógicos para qualificar para a atuação
docente e tutorial no ensino a distância, passamos a estudar as relações
entre o corpo social. Como corpo social em EAD, entende-se o conjunto de
pessoas que estão envolvidas no processo: estudantes, tutores e
professores, além dos demais participantes diretos ou indiretos deste
processo, os quais compõem uma equipe multidisciplinar de atuação.
Para Tourinho e Braga (2006), por bastante tempo a interação
presencial professor-aluno foi considerada essencial para o aprendizado
musical. Para esses autores, a EaD utiliza meios impressos, mecânicos,
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17. eletrônicos e digitais, sendo os recursos telemáticos cada vez mais
importantes nessa trajetória (TOURINHO; BRAGA, 2006).
Ramal (2000) defende que esses novos papéis exigirão “mudanças
nos cursos de formação docente, abertura permanente ao novo, visão crítica
na seleção de informações, sintonia com os desafios de cada momento e
atenção constante aos processos educativos, tanto quanto aos resultados”.
Pesquisadores e educadores como Ramal (2000), Behar (2009) e Franco
(2009) enfatizam uma característica fundamental no aluno de EAD: a
autonomia.
Behar (2009) dedica-se à pesquisa sobre as competências mínimas
necessárias que devem ser adquiridas e construídas para atuação em EAD.
Para ela, o aluno deve conhecer o próprio processo on-line, possuir a
capacidade de comunicação através principalmente da escrita, ser auto-
motivado e auto-disciplinado. Da mesma forma, sua pesquisa inclui a
preocupação com a possibilidade de “sensação de isolamento por parte do
aluno”, em função da distância física do professor. Por isso a motivação deve
ser uma palavra-chave de estruturação das relações entre o corpo social na
EAD.
Pensar o desenvolvimento da musicalidade na EaD significa
transportar os estudos e as pesquisas já realizadas para o ambiente virtual de
ensino, mas não é só isso. A partir desse contexto, vislumbrar formas de
oportunizar o acesso do aluno a esse conhecimento e, mais desafiador ainda,
a essa prática, procurando otimizar a utilização das ferramentas disponíveis.
É nesse ponto que vale o debate sobre o tutor e seu papel. Por normativa
legal, o tutor deve ter a formação na área do curso em que está atuando, e
em música não deveria ser diferente, sobretudo que na EAD temos a
aprendizagem centrada no aluno. Podemos distinguir no tutor quatro funções
básicas, sendo elas as funções pedagógicas, gerenciais, técnicas e sociais.
Dessas, com certeza a função pedagógica é a que mais diz respeito ao
desenvolvimento da musicalidade, pois é onde estão inseridas as
experiências musicais que o tutor proporcionará ao aluno. Sendo assim, o
domínio da música e da linguagem musical é essencial e primordial ao tutor
que atua em cursos ou disciplinas de música.
É importante salientarmos que o tutor tem o papel de facilitar a
aprendizagem, articular e sistematizar as diferentes áreas de conhecimento
do curso e proporcionar momentos de aprendizagem coletiva.
O professor, por sua vez, precisa estar atento à necessidade de
articulação entre o conhecimento teórico ao contexto da docência, possuindo
uma atitude investigativa, receptiva e motivadora, na promoção e auxílio à
construção do conhecimento (CUERVO, 2009). Estas qualidades, na
verdade, deveriam estar presentes em qualquer modalidade de ensino, seja
ela presencial, semi-presencial ou a distância.
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18. Musicalidade no Ensino a Distância: metodologia e avaliação
Para Behar (2009), estamos em contato com novos modelos
pedagógicos e uma nova noção de tempo e espaço. A pesquisadora defende
que o debate sobre estes novos paradigmas é necessário, argumento
comprovado por inúmeros estudos, como de Ramal (2000) que entende o
computador como um novo ambiente cognitivo, ou seja “compreender que no
contexto digital mudam as nossas formas de pensar e, portanto, de aprender”
(RAMAL, 2000, p. 1).
Krüger (2006) ao citar o trabalho de Sancho afirma que, na
educação, há muitas formas de utilização das TIC, como computadores e
ferramentas para EaD via Internet, ambientes para vídeo ou teleconferência,
ambientes de realidade virtual, etc., além de aparelhos eletrônicos como
televisão, rádio, som, entre outros materiais. No entanto a autora enfoca, no
estudo utilizado aqui como referência, o que ela chama de novas TIC,
especificamente os softwares educativomusicais e as ferramentas de EaD via
Internet.
Morin (2009) acredita que as tecnologias interativas na educação a
distância, destacam o que deveria ser o núcleo de qualquer processo
educativo: a interação e a interlocução entre os que estão envolvidos nesse
processo.
Do ponto de vista da docência em EAD, reportamos aqui a duas
interdisciplinas (aqui com o significado de conexão intra-áreas e
interdisciplinaridade) que são ministradas em nível de graduação, Educação
Brasileira e Didática da Música, e fazem parte dos chamados Tópicos em
Educação, que compõe o eixo pedagógico do Prolicenmus. Também fazem
parte da grade curricular do curso os eixos de Estruturação Musical,
Execução Musical, Formação Geral e Condução e Finalização. Por exigirem
maior número de atividades práticas, as interdisciplinas de execução e
estruturação utilizam mecanismos distintos das pedagógicas, com maior
necessidade de softwares e tecnologias de interação com o material musical.
Para buscar o exemplo de desenvolvimento da musicalidade em
cursos a distância, traremos breves relatos a partir tanto da experiência
docente (à distância, virtual) quanto da experiência de tutoria (in loco e
presencialmente), conforme segue.
Em uma atividade semanal proposta, solicitamos que o aluno ouvisse
o primeiro movimento (Allegro) da obra “La Primavera” de Vivaldi através de
um link do Youtube que incluía a imagem da partitura integral do movimento.
Após a apreciação, ele deveria anotar suas impressões a respeito da
apreensão de elementos musicais do repertório, como instrumentação, forma,
gênero, caráter, andamento, etc. Essa atividade foi proposta na unidade
“Avaliação em Música” da interdisciplina Didática da Música, na qual foi
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19. amplamente discutido os critérios de avaliação em apreciação musical, sendo
apresentado os níveis de avaliação encontrados por Swanwick (2003). As
tarefas entregues foram extremamente significativas para o entendimento de
concepções de música e competências necessárias ao educador musical,
pois apesar da proposta da atividade ser flexível (não era exigido
aprofundamento das informações relatadas como resultado da apreciação),
muitos alunos sentiam-se aquém das capacidades para a realização dela,
como o Relato 1 (os nomes dos alunos foram excluídos para preservar suas
identidades):
“A principio foi uma experiência desafiadora e preocupante, pois ainda
tenho pouco discernimento para definir instrumentos; ouvi a canção várias e
várias vezes para tentar identificar os instrumentos, mas confesso que já
conhecia a obra”. Relato 1 . set, 2009
Ao longo de seu relato da apreciação, este aluno consegue definir
corretamente os instrumentos, características estilísticas e estruturais da
peça – ainda que chame um concerto de cordas de “canção”. Ou seja, ele
possuía a bagagem de conhecimentos musicais necessários para realizar a
tarefa e, apesar de uma hesitação inicial, obteve êxito na atividade.
O Relato 2 ignora qualquer possível limitação pessoal, e discursa
sobre sua apreciação que inclui impressões sobre instrumentação,
ornamentação, tessitura, caráter, andamento e valor da música, como pode
ser observado nesse trecho de seu trabalho:
A música tem constantes mudanças, em que são empregados alguns
artifícios técnicos, como o compositor imprimir um som característico da
natureza, fazendo-nos (nós ouvintes) percebermos a questão do tempo, do
clima e imaginar a música, o que transcende o ato de ouvir.” Relato 2. set.
2009
No debate de um dos fóruns dessa Unidade de Ensino, foi recorrente
o comentário de alunos que passaram a ver a avaliação em apreciação
musical a partir de outros pontos de vistas, como mecanismos de
acompanhamento do aluno, de desenvolvimento de habilidades, entre outros
elementos, como consta no Relato 3:
A Avaliação em Apreciação Musical desenvolve a percepção, a
sensibilidade, o senso crítico e analítico, ampliando os conhecimentos de
forma significativa.
Swanwick nos orientou oito critérios que estão descritos no conteúdo
desta unidade, vale a pena reler esta parte. Relato 3. set. 2009
De acordo com Gohn (2009), um programa de EaD que se propõe a
trabalhar a apreciação musical, deve basear-se na tradição do estilo que é o
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20. objeto de estudo, “mas mantendo aberta a criatividade do ouvinte e
construindo sua capacidade de julgamentos de valores”. Para o autor, tal
tarefa pode ser um desafio mais complexo do que podemos imaginar
inicialmente.
No campo das experiências de tutoria presencial, foi proposta uma
atividade simples: três acordes (a saber: Ré maior, Sol maior e Lá maior, não
necessariamente nesta ordem) com a seguinte consigna “em grupos, nos
seus instrumentos, teclado ou violão, coloquem esses acordes na forma de
acompanhamento na música Atirei o pau no gato” - cabe dizer que dos
professores aqui envolvidos, apenas um tem uma bagagem musical desde
antes do curso, e que todos os outros apenas eram consumidores da mídia
musical. Agruparam-se em quatro grupos, um de violão e três de teclado. Os
grupos de teclados notaram que a música era quaternária simples e fizeram
um padrão de acompanhamento (acompanhamento de marcha). Em pouco
menos de trinta minutos os grupos de teclado haviam concluído a atividade.
Já o grupo de violões teve facilidade em identificar os locais das mudanças
harmônicas, porém deteve-se mais à constatação da métrica quaternária e no
encaixe do acompanhamento, chamado por eles de levada da batida.
É interessante notar a noção da percepção harmônica e rítmica que
eles estavam desenvolvendo. Não foi realizada nenhuma análise profunda
deste recorte, porém podemos inferir que o envolvimento com o universo
musical por si só já subsidia o desenvolvimento da musicalidade, que é
depois expressa através do fazer musical, representado por essa atividade
específica. Um ponto de importância é a constatação por parte de um dos
grupos de teclado que havia alguma coisa faltando. Naquele momento
específico eles ainda não possuíam o conhecimento necessário para pensar
em um acorde que teria a função de dominante secundária (no caso,
conduzindo para a subdominante) que podemos ter na referida canção,
porém o senso harmônico deles já estava solicitando alguma coisa a mais
que eles não identificavam o que seria.
Estes foram pequenos recortes de experiências docente e tutorial na
EaD, em um processo que exige permanente estudo e qualificação, assim
como a modalidade presencial. A aprendizagem musical, assim, é
semelhante em qualquer ambiente, necessitando de mudanças e adaptações
metodológicas e tecnológicas de acordo com o contexto, com distintas
possibilidades e necessidades de interação. Para Swanwick:
A aprendizagem musical acontece através de um engajamento
multifacetado: solfejando, praticando, escutando os outros, apresentando-
se, integrando ensaios e apresentações em público com um programa que
também integre a improvisação. Precisamos também encontrar espaço
para o engajamento intuitivo pessoal do aluno, um lugar onde todo o
conhecimento comece e termine (SWANWICK, 2008, p. 2).
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21. No entanto, devemos estar atentos para que essas tecnologias não
sejam meras transposições de exercícios convencionais, de um tipo de
ensino já saturado até mesmo no ambiente presencial. De acordo com Krüger
(2006), esse é um dos aspectos mais criticados em relação às novas TIC na
educação. Para ela, as TICs “podem promover outras e novas abordagens
pedagógicas, não precisando ser abordadas apenas como uma nova
roupagem para um determinado tema. (KRÜGER, 2006. p.27)
Paulatinamente, vêm surgindo e sendo exploradas novas formas de
construir o processo de ensino-aprendizagem em música no ambiente virtual,
o qual possui semelhanças e diferenças fundamentais em relação ao ensino
presencial.
Considerações finais
Ainda que sustentemos que a aprendizagem musical ocorra da
mesma forma, entendemos que a Educação Musical, mediada pela Internet,
possui peculiaridades que talvez permitam maior conhecimento e
necessidade de interação com recursos tecnológicos muitas vezes
desprezados no ensino presencial. No entanto, o contexto afetivo da relação
com a máquina não é superado de forma imediata, sendo também esta uma
construção necessária na qual a autonomia de estudo e a presença do tutor
local influirão de forma definitiva.
Especialmente no atual contexto da Educação Musical brasileira,
influenciada pela aprovação da Lei. 11.769 (2008) que traz a música para a
Educação Básica no País, os cursos de qualificação oportunizados pela EaD
contribuirão significativamente na formação de grande demanda existente.
Apesar dos problemas enfrentados, na verdade presentes em
qualquer modalidade de ensino, é necessário valorizar o que já foi alcançado
através de intenso investimento de políticas públicas de qualificação e
formação de profissionais já em atividade no País.
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26. CANTIGAS DE NINAR:
UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE AS CANÇÕES QUE EMBALAM O SONO
Cristina Rolim Wolffenbüttel
Fundação de Arte de Montenegro:
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
RESUMO
Esta comunicação de pesquisa apresenta alguns resultados da investigação
sobre cantigas de ninar, premiada no “Concurso Jovem Pesquisador/1988”, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na ocasião os objetivos foram
constatar a vigência das práticas de acalantos no Rio Grande do Sul, além de
coletar, transcrever para partitura musical e analisar técnico-musicalmente as
cantigas de ninar presentes no ato de embalar. Atualmente, procuro aprimorar
a análise dos acalantos, buscando, além dos elementos musicais, as interfaces
não-formais entre esta prática cultural e as relações que se estabelecem no
âmbito em que ocorrem, transversalizando com a educação musical. No
presente texto são apresentados alguns dados da pesquisa, incluindo
caminhos metodológicos percorridos, aspectos históricos das cantigas de ninar,
características das cantigas de ninar, importância da prática das cantigas de
ninar e algumas considerações finais as quais cheguei até o momento.
Palavras-chave: Musica na Infância, Musicalidade, Educação
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27. Em meados de 1988, desenvolvi uma investigação sobre as cantigas
de ninar, sendo que pude contar com o financiamento da mesma, através da
premiação no “Concurso Jovem Pesquisador”, junto à Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Na ocasião, os objetivos do trabalho foram constatar a
vigência das práticas das cantigas de ninar no Rio Grande do Sul, além de
coletar, transcrever para partitura musical e analisar técnico-musicalmente as
canções praticadas no ato de embalar. Esse trabalho, em diferentes
dimensões, teve suas conclusões apresentadas anteriormente
(WOLFFENBÜTTEL, 1995, 1991, 1989).
Atualmente, continuo a pesquisar sobre as cantigas de ninar e busco,
aprofundando os conhecimentos sobre os elementos musicais presentes
neste gênero musical e estabelecendo interfaces com a educação musical.
Na presente comunicação apresento alguns dados desta pesquisa,
incluindo caminhos metodológicos percorridos, aspectos históricos das
cantigas de ninar, características das cantigas de ninar, importância da
prática das cantigas de ninar e algumas considerações finais as quais
cheguei até o momento.
Caminhos metodológicos
Os caminhos metodológicos trilhados para a realização desta pesquisa
incluíram o levantamento bibliográfico, o qual foi a etapa inicial, objetivando
um esclarecimento quanto ao tema em estudo; além disso, esse
levantamento serviu como ponto de partida acerca dos modos pelos quais a
temática tem sido abordada pelos demais pesquisadores. Salientou-se o
parco número de estudos a respeito. Posteriormente, realizei um
levantamento das partituras musicais existentes de acalantos, ou com os
nomes correlatos, eruditos ou populares (cantigas de ninar, nana nenê,
acalantos), buscando conhecer a produção artística desse gênero musical.
Encontrei aproximadamente 97 partituras musicais de compositores eruditos
– incluindo os brasileiros e de outros países, e oito composições de cantigas
de ninar populares.
A coleta dos dados empíricos, quais sejam, as cantigas de ninar
praticadas no âmbito familiar, foi realizada em 15 cidades do estado do Rio
Grande do Sul, quais sejam, Canoas, Estrela, Gravataí, Lajeado, Montenegro,
Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santo
Ângelo, São Luis Gonzaga, Torres, Tupanciretã e Uruguaiana. Nesta etapa
da coleta dos dados registrei 61 cantigas de ninar.
Após a coleta dos dados, tive o cuidado de elaborar o registro gráfico
das melodias, realizando a transcrição musical para partitura musical. Este
procedimento possibilitou as etapas posteriores da pesquisa, caracterizadas
pela análise técnico-musical e caracterização das cantigas de ninar no Rio
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28. Grande do Sul. Na atualidade da pesquisa, transversalizo os dados,
estabelecendo interfaces com a educação musical.
Apresento, a seguir, alguns aspectos históricos das cantigas de ninar,
cujas informações foram obtidas no início da pesquisa, constituindo-se
referencial teórico-analítico da mesma.
Aspectos históricos das cantigas de ninar
De um modo geral as cantigas de ninar são pequenos trechos
musicais, com uma letra singela, própria para embalar crianças, fazendo-as
adormecerem. A melodia é muito simples, constituindo-se uma das formas
mais rudimentares de canto. Para se referir a esse tipo de canção existem,
também, outros termos, como cantigas de embalar, cantigas de berço,
acalento, canto de berço, dorme nenê e nana nenê (WOLFFENBÜTTEL,
1995, 1991, 1989).
Entretanto, não somente no Brasil podem ser encontradas as cantigas
de ninar. Praticamente em todo o mundo, incluindo povos primitivos, as
cantigas de ninar podem ser encontradas. De acordo com o país ou região,
os nomes apresentam-se diferentemente. Dentre as localidades, podem ser
encontradas as seguintes denominações para as cantigas de ninar:
wiegenlied ou wiegenganz, na Alemanha e Holanda; liulkova piesen, na
Bulgária; lulle, na Dinamarca; canción de cuña, coplas de cuña, nanas, na
Espanha; lullaby, nos Estados Unidos; berceuses, endormeuses, na França;
lullaby, na Inglaterra; ninne nannes, na Itália; wiegenganz, na Macedônia;
cantiga de macuru, no idioma Nheengatu; kalebka, na Polônia; cantigas de
arrolar ou de embalar, em Portugal; bresarella ou bresarello, no Provençal
Moderno; cântec de légan (léagan), na Romênia; kolybélhnaia, na Rússia; e
lulla, na Suécia (WOLFFENBÜTTEL, 1995).
Quanto à historicidade das cantigas de ninar no Brasil podem ser
observadas raízes de diversos povos. Opto, no entanto, nesta comunicação,
por apresentar as influências portuguesas, africanas e indígenas.
Segundo Almeida (1942), a maior parte das cantigas de ninar
brasileiras são oriundas de Portugal, passando por diversos lares do país,
sendo transmitidas oralmente. Essa contribuição pode ser notada,
principalmente, nas referências a seres fantásticos, como a cuca –
personagem mítico de Portugal – e as figuras ou santos religiosos, como a
Nossa Senhora, São José, Menino Jesus, dentre outros.
As cantigas de ninar são, muitas vezes, trechos ou variantes de outras
canções. Pode ser entendida a variante como a mesma canção existente em
diversas localidades geográficas, porém modificada em algum aspecto,
apresentando características próprias de cada local. Além disso, as cantigas
de ninar podem se apresentar como canções populares, cantos de igrejas ou
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29. mesmo parlendas infantis adaptadas para serem entoadas como cantiga de
ninar. Essas parlendas são na maioria de influência portuguesa, como já
referido; se constituem de pequenos versos, de cinco ou seis sílabas,
servindo para entreter, acalmar, divertir, para escolher que deve iniciar o jogo
ou para escolher os participantes da brincadeira. Um exemplo bastante
conhecido no Brasil é a fórmula de escolha “Um, dois, feijão com arroz...”.
Contudo, a influência portuguesa não foi exclusiva nas cantigas de
ninar brasileiras. Os povos africanos também contribuíram muito para a
caracterização desse gênero musical no Brasil. Muitas pronúncias foram
modificadas durante a prática das cantigas de ninar para os filhos dos
senhores, como a palavra fio, ao invés de filho, entre outras modificações da
letra (FREYRE, 1987).
As palavras onomatopaicas, ou seja, termos que imitam o som natural
da coisa significada, bem como as palavras africanas, como tutu, angu,
cururu, sururu, calunga, também estão muito presentes nas cantigas de ninar.
Dessa forma, as mães pretas embalavam os filhos dos senhores, sendo esta
uma contribuição que permaneceu muito presente no Brasil, transmitida a
diversas gerações (FREYRE, 1987).
Na cantiga de ninar Tutu marambá, encontrada em quase todo o
Brasil, constata-se a presença do Tutu, animal informe e negro. Não há
nenhuma referência a sua aparência; no entanto, ao ser mencionado o seu
nome, as crianças ficam com medo e dormem. Conforme Cascudo (1983), a
palavra tutu é uma corruptela de quitutu, do idioma quimbundo ou angolês,
que significa papão ou ogre. Correlatamente decorrem os sinônimos temível,
poderoso e assustador. Possui muitos nomes, correndo os Estados e com as
naturais adaptações locais, como Tutu-Zambê, cambê ou zambeta, o Tutu-
Marambaia ou Marabá, ou Tutu-do-Mato e daí o Bicho-do-Mato.
Além de tutu, outros seres mitológicos estão presentes nas cantigas de
ninar e histórias infantis, como a cuca - ou coca, e a bruxa, entre outros.
As cantigas de ninar indígenas são, também, extremamente
fascinantes. Muito carinhosos, os índios, ao acalantar seus filhos, costumam
proceder de modo característico e amoroso, o que influenciou marcadamente
o Brasil (FREYRE, 1987). Cascudo (1984) referia-se à contribuição indígena,
exemplificando com uma cantiga de ninar de origem tupi, na qual se solicita
emprestado ao Acutipuru o sono ausente ao curumi. Nos versos da cantiga
João Curututu são encontrados diversos termos de origem tupi-guarani, como
curututu – manto feito com fibra de urtiga grande; murundu – montículo de
terra; e calundu – irritabilidade, cabeça esquentada.
João Curututu
de trás do murundu
vem pegar nenê
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30. que está com calandu.
Outro acalanto indígena digno de registro é o conhecido Sapo Cururu
que, em tupi, significa sapo grande:
Sapo Cururu
na beira do rio
quando o sapo grita, oh! Maninha!
é porque tem frio.
Além dos portugueses, africanos e indígenas, também tivemos
contribuições de alemães, italianos, espanhóis, povos latino-americanos,
franceses, americanos, entre outros. Nesta comunicação, como dito
anteriormente, foram tratadas as contribuições iniciais, à guisa de
caracterização histórica. Passo, a seguir, a apresentar as características das
cantigas de ninar.
Características das cantigas de ninar
Para a análise das características das cantigas de ninar selecionei
aspectos não musicais e musicais. Assim, nesta comunicação, trato da
emissão vocal, do caráter e de algumas características musicais.
Quanto à emissão vocal:
Como já referido anteriormente, a melodia das cantigas de ninar é
bastante simples, podendo, às vezes, ser inventada e improvisada por quem
acalanta. Além disso, a canção também pode ser entoada sem a letra
original, utilizando outros recursos para a emissão do som da melodia. Dentre
as diferentes modalidades que as cantigas podem ser entoadas encontram-
se as melopéias e as cantigas em boca chiusa.
A forma de cantar as cantigas de ninar em melopéia consiste na
emissão das melodias com vogais, como a, o e u, dentre as mais
encontradas maneiras de melopéia. A modalidade de entoação em boca
chiusa apresenta-se com a vocalização das melodias sem palavras, com a
boca fechada, os lábios cerrados, mas os dentes ligeiramente afastados
(WOLFFENBÜTTEL, 1991).
Quanto ao caráter:
Quanto ao caráter, as cantigas de ninar podem ser classificadas em
religiosas ou mitológicas.
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31. Enquadram-se nas cantigas de caráter religioso as cantigas que se
referem a personagens religiosos, como os santos – como Menino Jesus,
Nossa Senhora, por exemplo – anjos e personagens angelicais.
Uma particularidade quanto ao caráter religioso é mencionada por
Freyre (1987). Para o autor, uma das características da cultura brasileira é a
proximidade com os santos e mortos. Eles faziam, de certo modo, parte da
família. Nas cantigas de ninar portuguesas e brasileiras as mães não
hesitavam em fazer dos seus filhos espécies de irmãos mais moços de Jesus,
com direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de José, às patetices da vovó
Sant’Ana. A São José encarregava-se com a maior sem-cerimônia de
embalar o berço ou a rede da criança. É o que demonstra o trecho da cantiga
de ninar a seguir:
Embala, José, embala
que a Senhora logo vem
foi lavar seu cueirinho
no riacho de Belém...
Nas cantigas de ninar de caráter mitológico encontram-se presentes
seres fantásticos que vêm ameaçar as crianças, caso estas não adormeçam
ou demorem a adormecer. Muitos desses acalantos mitológicos têm origem
portuguesa, mesmo que sejam modificados pela natural dinâmica destas
manifestações em uma sociedade.
Quanto às características musicais:
A análise das cantigas de ninar incluiu diversos aspectos técnico-
musicais. Apresento aqueles que considero mais relevantes para os objetivos
desta comunicação, que são o andamento e a dinâmica.
O andamento, ou o grau de maior ou menor velocidade na execução
de uma música, é um fator preponderante e característico nas cantigas de
ninar, bem como é o responsável, por assim dizer, pelo adormecimento da
criança, objetivo precípuo deste gênero musical. Normalmente, a velocidade
é o aspecto mais importante presente nesses cantos; as cantigas de ninar
são lentas e essa característica resulta a monotonia necessária ao
adormecimento das crianças. Grande parte das cantigas de ninar coletadas
na pesquisa possuem andamentos lentos ou, no máximo, moderados
(WOLFFENBÜTTEL, 1991).
Outra característica musical característica das cantigas de ninar é a
dinâmica, ou seja, o volume ou o grau de intensidade no qual se desenvolve
uma determinada música. Nos acalantos coletados observei que a dinâmica
apresenta o predomínio do suave ou meio suave, o que se justifica pela
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32. própria finalidade de encaminhar ao adormecimento (WOLFFENBÜTTEL,
1991).
Importância da prática das cantigas de ninar
É um tanto difícil negar a importância dos acalantos para a criança,
quer seja do ponto de vista psicológico ou musicológico. E, a razão para isso
reside no fato de que, a criança acalentada é aquela que recebe carinho dos
pais - ou familiares. Muitas vezes, a prática de entoar cantigas de ninar é
acompanhada do embalo e de outros estímulos, visto que, normalmente, os
pais que cantam cantigas de ninar para seus filhos também brincam,
exercitam os sentidos, e praticam diversas atividades que acabam
estimulando muito as crianças.
Além do carinho, tão importante para o desenvolvimento psicológico, a
criança recebe, entre estes estímulos, vários sons, constantes nos acalantos
incorporando-se, desta forma, à bagagem musical e cultural desse futuro
adulto.
Ratifica-se a importância do ato de acalentar para as crianças, mesmo
sem uma preocupação estético-musical, nem tampouco tencionando à
formação profissional das mesmas. Do mesmo modo enfatiza-se a relevância
deste ato, mesmo que o modo de entonação não seja tão afinado, ou entoado
despretenciosamente, pois, assim, a criança começa a formar sua bagagem
musical. Pode-se dizer que a prática das cantigas de ninar se constitui uma
prática não-formal de educação musical.
Para o entendimento desta afirmação pode-se tratar, mesmo que
brevemente, sobre o início da formação auditiva do bebê.
Antigamente acreditava-se que os bebês mantinham-se surdos até o
nascimento. Exemplifica esta crença o relato de Forbes e Forbes (DORIN,
1978):
Enquanto a gestante se banhava (estava com 8 meses de gravidez) o
som de um objeto que batera num dos lados da banheira provocou
uma reação do feto, diferente das reações como pontapés, aos quais
a mãe já se acostumara... Mas, as reações são mais táteis que
auditivas, posto que o ser humano na verdade se mantém surdo até o
nascimento. (DORIN, 1978, p.42).
Através de experiências mais recentes com recém-nascidos e
mulheres grávidas, chegou a ser constatado que fetos de 3 meses ou menos
percebiam ou eram sensíveis a alguns sons e ruídos. Particularmente a esse
respeito, existe o relato de Sontag e Richards que questionaram e destruíram
antigos conceitos sobre a formação auditiva. De acordo com relatos, com
“treze semanas de gravidez, uma sineta que soasse perto do abdômen da
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33. mãe causava movimentos fetais convulsivos, semelhantes ao reflexo do
Moro, uma reação de susto observada na infância” (PAPAGLIA; OLDS, 1981,
p.39). Posteriormente, através de outros experimentos, Sontag e Bernard
constataram que
O feto reage diferentemente a diferentes tons, o que parece indicar
que pode discriminar diferenças. A cada semana, durante os últimos
dois meses e meio de gravidez, eram soados vários tons a uma curta
distância da futura mãe. Já que não havia contato direto entre a mãe
e a fonte de estimulação, qualquer resposta tinha de ser a qualquer
coisa que o feto tinha ouvido, em lugar de ter sentido. O feto
respondia diferentemente a uma vasta gama de tons, com
acentuados movimentos corporais e mais batimentos cardíacos.
(PAPAGLIA; OLDS, 1981, p.57).
É importante, também, referir algumas provas da audição intrauterina,
salientando que as observações feitas não são infundadas, visto terem sido
experienciadas pelos médicos e cientistas Verny e Kelly (1981). Thomas
Verny é psiquiatra e foi professor na Universidade de Harvard, York (Ontário)
e Toronto, tendo fundado o Centro de Psicoterapia e Educação, em Toronto.
John Kelly é escritor free-lancer, especializado em assuntos médicos. Ambos
lançaram, em 1981, o livro The Secret Life of the Unborn Child, no qual
relatam casos que comprovam a audição intrauterina no bebê. Um dos
relatos, muito revelador, refere-se a acontecimentos na vida de um regente
de orquestra em Ontário, Canadá, chamado Boris Brott. Contou ele que,
várias vezes em que ia ensaiar determinadas peças musicais com sua
orquestra, antes de virar a página da partitura musical para continuar a leitura
– pois estava passando a música pela primeira vez e não a conhecia,
antecipadamente já sabia a sequência melódica do violoncelo. E, isso, sem
conhecer antecipadamente a música. Esse regente ficou intrigado com esses
fatos e resolveu, um dia, relatá-los a sua mãe, violoncelista profissional. E,
qual não foi a surpresa de ambos ao constatarem que, todas as peças cujas
partes do violoncelo eram conhecidas pelo regente, faziam parte do repertório
de sua mãe. Quando a mesma estava grávida, ensaiou todas as músicas que
ele mencionou para um recital e, depois, nunca mais voltou a tocá-las. Este é
apenas um dos casos relatados nesta obra, no entanto, muito importante para
o entendimento em torno da audição fetal.
Outro caso relatado por Verny e Kelly (1981) tem estreita relação com
os objetivos desta investigação. Contou ele que, certa paciente sua, antes de
dar a luz ao seu filho, quanto contava com cerca de sete meses de gestação,
costumava cantar cantigas de ninar para ele. Após o nascimento do bebê, a
mãe constatou que a mesma canção que cantava antes do nascimento, tinha
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34. um efeito mágico sobre o bebê. Mesmo que este estivesse chorando
desesperadamente, ao ouvir a cantiga, logo se acalmava.
Na realidade brasileira e, especificamente, no Rio Grande do Sul, não
muito conhecidas pesquisas sobre a percepção musical do bebê no útero
materno. No entanto, trabalhos nessa direção que poderão trazer maiores
esclarecimentos ao assunto, começam a surgir. Vale ser mencionada a tese
de Moraes (1989), que investigou as emissões sonoras de recém-nascidos.
Desta forma, necessário se faz registrarmos, nessa pesquisa, não
somente a importância técnica dos acalantos, revelando as características
formais das cantigas, mas acima de tudo, apontar a importância dessa
prática.
É fundamental que a criança se sinta amada, mesmo que se encontre,
ainda, no ventre materno, pois, como já tratado anteriormente, muito antes do
nascimento, o bebê percebe os acontecimentos ao seu redor, sendo,
portanto, sensível a eles.
Atualmente, encontramo-nos num período extremamente conturbado
em que valores entram em conflito e, cada vez mais, as crianças ficam
expostas a toda sorte de sentimentos e influências. Assim, é importante
aproveitar o pouco tempo que se tem, mesmo que poucos minutos depois de
um dia de trabalho, a fim de efetivar-se a prática dos acalantos, pois acalentar
é um ato de amor.
Considerações finais
A partir da pesquisa sobre os acalantos, pude perceber a vasta gama
de possibilidades que se apresenta diante desse gênero musical. Além de
constituir-se uma rica possibilidade quanto à criação musical, o que se
apresenta a partir do conhecimento de sua estrutura, os acalantos podem ser
elementos importantes sob o ponto de vista da educação musical. As
características musicais dessas cantigas são produto de uma série de fatores
da realidade sócio-cultural e, acima de tudo, são componentes para a difusão
da diversidade, o que, na perspectiva da educação, deve ser levado em
consideração. Nesse sentido, Willems (1970) subsidia a análise. Para ele,
as primeiras manifestações musicais não são do domínio da
pedagogia musical, mas ligam-se antes à educação geral infantil. São
as pessoas do meio familiar, principalmente a mãe, quem pode
desempenhar um papel no despertar do sentido auditivo e rítmico da
criança; e este papel pode ser importante e por vezes mesmo
determinante. A mãe pode atrair a atenção da criança para os
fenômenos sonoros e rítmicos e ensinar-lhes as primeiras canções,
muitas vezes sob forma de canções de embalar (berceuses), canções
de salto (sauteses), canções de divertimentos (amusettes), etc... É
muito importante que a criança viva os fatos musicais antes de tomar
consciência deles... O canto, na criança, é mais do que uma simples
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35. imitação e desperta nela qualidades musicais congênitas ou
hereditárias: no sentido do ritmo, da escala, dos acordes, até mesmo
da tonalidade, etc. (WLLEMS, 1970, p. 18, 20 e 21).
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