1) O documento discute a complexidade da questão palestina que foi deliberadamente construída desde o final da Primeira Guerra Mundial.
2) Argumenta que o futuro da Palestina depende do respeito pelos direitos humanos e leis internacionais, mas que Israel frequentemente desrespeita estas leis.
3) Aponta que a questão palestina raramente é uma prioridade na agenda internacional, com resoluções da ONU frequentemente ignoradas por Israel.
1. REFLEXÕES SOBRE O FUTURO DA PALESTINA (3) - A sempiterna questão
A 11 de novembro 2011,
quando a AJANorte lançou o desafio
de pensar no futuro da Palestina, a
data não podia ter sido mais acertada
para a tertúlia com o tema formulado
sob a forma de uma pergunta
«Palestina: que futuro?», porque o
dia 11 de novembro marca o
momento histórico prévio aos
encontros que tiveram lugar entre 12 a 15 de novembro de 1988, que levaram à declaração de
independência do Estado da Palestina 1 , e relembra o dia em que Yasser Arafat faleceu em
2004.
Quando cidadãos comuns procuram pensar sobre o futuro da Palestina, estão
confrontados com uma complexificação deliberada que tem vindo a ser construída desde o
final da primeira guerra mundial com a aplicação dos princípios colonizadores praticados pelo
mundo ocidental. Esta complexificação oblitera as questões humanas, ilude e confunde os
cidadãos, que se deparam com uma série de questionamentos envolvendo, por um lado, o que
se pode consultar da História do mundo e, por outro lado, o que nos chega pelos meios de
comunicação regulares e/ou alternativos que vão «atualizando» os dados sobre a questão, quer
sejam notícias, quer sejam artigos de opinião ou de análise de informação. Neste contexto, um
texto, datado de 27 de janeiro de 2012, acerca do «convite»2 para visitar as colónias da
Cisjordânia, portanto em território ilegalmente 3 ocupado, feito por Israel, a mais de 70
jornalistas dos principais media é extremamente revelador de uma preocupação insistente com
a opinião pública.
1
A declaração de independência foi preparada pelo poeta Mahmoud Darwish, membro da CEOLP, e lida por
Yasser Arafat no 19º congresso nacional palestino. Os limites do estado, totalmente sob ocupação israelita, não
são indicados. Esta declaração revela a aceitação das resoluções 181 e 242 e reconhece o direito de existência de
Israel, sem todavia reconhecer Israel e rejeita todas as formas de terrorismo. (Transcrição do texto integral)
2
Ler : «International Media Complicit in Legitimization of Israeli Settlements» ou «Les médias internationaux se
rendent complices de la légitimation des colonies israéliennes»
3
A ilegalidade foi estabelecida pelo Tribunal Internacional de Justiça em julho de 2004 e vem estipulada no
parágrafo 6 do Artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra.
2. Pensar no futuro da Palestina poderá ser extremamente fácil se nos circunscrevemos a
questões que dizem exclusivamente respeito a assuntos prementes da nossa humanidade, tais
como o direito à autodeterminação dos povos, o respeito pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos e das leis internacionais. É nestes assuntos que nos devemos concentrar.
Assim, é fácil verificar que as questões de segurança e de defesa reiteradas por Israel, assim
como o seu total desprezo pelas leis internacionais 4 e os medos propagados e implementados
mundialmente pelos EUA, após o dia 11 de setembro de 2001, retiraram os direitos
fundamentais aos palestinos. Esta supressão sistemática tem vindo a estar sempre na ordem do
dia e na ordem de trabalho das grandes potências e de Israel que procura sempre desviar as
atenções para problemas envolvendo a segurança e promovendo uma atitude bélica
extremamente prejudicial para todos os seres humanos do planeta. Assim o povo palestino é
sempre uma questão secundária, uma questão adiada sistematicamente alegando assuntos mais
importantes 5 . Assim, é um povo destinado a «desaparecer» da região para deixar o lugar aos
Israelitas 6 . Pensar no futuro da Palestina é uma questão fundamental na perspetiva de uma
abordagem histórica dos mesmos direitos tendo em conta a nossa perceção dos princípios
fundadores da nossa humanidade partilhada.
Contudo é preciso dizer que o futuro da palestina não está na agenda internacional tal
como se verifica com os 20 anos de negociações improfícuas. Primeiro, simplesmente porque
nunca foi uma prioridade, tal como revelam as sucessivas promessas incumpridas feitas aos
árabes da região 7 , e depois pelo desrespeito contínuo e sistemático das resoluções emitidas
pela ONU·, que envolvem exclusivamente uma ação de Israel. Estas violações podem ser
ilustradas pela resolução 273 8 que admite Israel no seio da ONU, sob a condição do respeito
da resolução 194, reconhecendo-o como um «país pacífico que aceita as obrigações da Carta
[das Nações Unidas] e que é capaz de cumprir com estas obrigações». É importante referir
4
O desprezo pelas leis internacionais vem referido num texto de Silvia Cattori e remete para este registo
elaborado pela Aljazeera. Na minha opinião estas questões põem seriamente em causa a presença de Israel no
seio da ONU. (Ver esta notícia de 15 de maio de 2009 e o respetivo texto de Ban ki Moon no 60ª aniversário da
admissão de Israel na ONU datado de 11 de maio de 2009 onde é relembrada a admissão sob condição de
respeito da resolução 194. Contudo, sobre este assunto, é preciso notar que a respetiva declaração não se encontra
referida nos sites oficiais da ONU). Por outro lado, não devemos esquecer o desprezo pela instituição da ONU,
repetidamente demonstrado por Israel, e que se pode comprovar pelo discurso de Netanyahu na ONU a 22 de
setembro de 2011 onde a ONU vem referida como sendo a «casa das mentiras».
5
Tal como podemos verificar com as ameaças recentemente proferidas contra o Irão.
6
Sobre este assunto basta relembrar as declarações de Moshe Feiglin em 2008.
7
A 24 de junho de 1891 notáveis de Jerusalém manifestam a sua preocupação com a chegada de judeus e as
compras de terras, mas uma intervenção britânica impede que um respetivo decreto tenha efeito. A 24 de outubro
de 1915 uma carta de Mc Mahon a Hussein da Meca promete uma independência árabe que nunca foi cumprida e
a partir dos acordos Sykes-Picot as manifestações por uma independência árabe foram sempre reprimidas.
8
Resolução 273 datada de 11 de maio 1949
3. que, apesar de Israel ter aderido e se ter comprometido com a Carta das Nações Unidas em
1949, viola sistemática e repetidamente o artigo 24 da Carta da Nações Unidas que estipula:
« All [UN] Members shall refrain in their international relations from
the threat or use of force against the territorial integrity or political
independence of any state, or in any other manner inconsistent with the
Purposes of the United Nations. »
Segundo, é preciso convir que no contexto internacional atual, o futuro da Palestina
não é, de todo, uma questão de atualidade premente, ou de grande interesse para os países do
Norte, ou um «certo» mundo ocidental que passou a ser chamado o Norte (rico) por oposição
ao Sul (pobre), mesmo que esta divisão não reflita totalmente a riqueza de cada país. Podemos
comprovar este facto no último discurso do presidente norte-americano na ONU a 21 de
setembro de 2011 9 , em que, se por um lado o discurso de Obama apenas foi um discurso de
pré-campanha, ancorado numa conceção do Mundo, nitidamente, utópica para uns e,
totalmente distópica para outros,10 por outro lado, não contempla a precisão, a correção
humanitária, tal como a necessária lucidez, e, ainda menos, a consistência e coerência
esperadas para com as suas próprias palavras sobre a questão Palestina proferidas no seu
discurso do Cairo 4 de junho de 2009. O pouco tempo que passou fez literalmente emudecer o
seu discurso. Contudo, será, sim, uma questão central e muito mais relevante (para o chamado
Norte), o futuro de Israel. Isto, por várias razões que configuram o sintomático esquecimento
histórico do ocidente.
9
Vídeo do discurso de Obama, o texto integral no Foreign Policy e uma apresentação ao pormenor no Guardian.
10
Obama louva o trabalho da ONU no sentido de «procurar a paz num mundo imperfeito». A questão da
perfeição sugerida implicitamente deixa-nos perplexos. Qual será a perfeição preconizada quando podemos ler
num artigo de Michel Collon que os «EUA bombardearam países 27 vezes após 1945»?