(a) O documento discute o modelo teórico da deliberação versus troca estratégica na literatura sobre democracia deliberativa. Apresenta os dois como tipos ideais opostos e discute como a maioria das situações reais envolvem uma mistura dos dois. (b) Argumenta que pesquisas empíricas podem ajudar a responder perguntas sobre a viabilidade e efeitos da deliberação na prática democrática e influenciar visões normativas. (c) A análise pretende explorar a tensão entre ideais deliberativos
República Velha (República da Espada e Oligárquica)-Sala de Aula.pdf
The Foundations of Deliberative Democracy - Traducao livre
1. Introdução
Seções plenárias – Sessões Plenárias
Reuniões de Comitê – Comissões Parlamentares
O modelo deliberativo da democracia foi desenvolvido
inicialmente em um nível filosófico normativo1. Muitas
alegações foram feitas sobre os antecedentes favoráveis e as
consequências benéficas de um grau de deliberação elevado. Nos
últimos anos, algumas dessas alegações foram submetidas a
testes empíricos. Neste livro, ocupo-me da interação entre os
aspectos normativos e empíricos da deliberação. Naturalmente,
os dados empíricos não podem resolver problemas normativos,
mas podem trazer novas luzes sobre tais questões. Eu venho do
mundo empírico, portanto não pretendo escrever como um
filósofo profissional. Ao invés disso, adotarei a perspectiva de um
cidadão engajado no sentido da acepção no francês para citoyen
engagé. Iniciarei meu posicionamento normativo não com
premissas filosóficas definitivas. Antes, prosseguirei com
reflexões pragmáticas sobre o que os resultados empíricos podem
significar para o papel da deliberação em uma democracia viável.
Permita-me esclarecer já de partida que não penso que a
democracia viável deva consistir meramente em deliberação.
Portanto, o conceito de democracia deliberativa no título deste
livro não significa que esta forma de democracia consista
unicamente em deliberação: significa simplesmente que a
1 De acordo com algumas leituras, Aristóteles já havia formulado um argumento
deliberativo normativo; ver, por exemplo, James Lindley Wilson, "Deliberation,
Democracy, and the Rule of Reason in Aristotle's Politics," Amer ican Pol i t ica l
Science Review 105 (2011), 259-74.
1
2. 2
deliberação desempenha um papel importante. Além da
deliberação, a democracia viável deve ter espaço, em particular,
para eleições competitivas, trocas estratégicas, votos
agregadores e protestos nas ruas. A chave é encontrar a
combinação certa de todos esses elementos, e isso dependerá do
contexto. Argumento que, nessa combinação, o papel da
deliberação frequentemente não é forte o bastante e precisa ser
fortalecido.
Mais especificamente, a análise empírica deve permitir
responder a perguntas como as seguintes: Até que ponto e sob
quais circunstâncias normas e valores privilegiados pelos teóricos
da deliberação podem ser colocados em prática? Existem trocas
entre os vários elementos da deliberação de tal maneira que,
uma vez postas em prática, certos elementos permaneçam em
tensão com os demais? Até onde é possível melhorar a
viabilidade da deliberação? A deliberação é compatível com
outras metas valiosas? Quais são os custos de oportunidade da
deliberação? Maiores graus de deliberação significam redução de
resultados? Que relação causal se estabelece entre a deliberação
e resultados da política? Quais são os modelos democráticos
alternativos à deliberação? Se obtivermos boas respostas para
tais questões, será mais fácil formular um juízo de como os
princípios morais privilegiados pelos teóricos da deliberação
deveriam ser aplicados no mundo real das políticas. Neste
sentido, este livro deveria mostrar como a pesquisa empírica
pode provocar reflexões sobre valores normativos. Tais reflexões
são postuladas de maneira concisa por Thomas Saretzki, que
escreve: "O que podemos e devemos tentar formular é uma
reflexão crítica e uma concepção cooperativa dos aspectos
empíricos e normativos da democracia deliberativa2". Nesse
mesmo caminho, Michael A. Neblo et al. esperam que "muitos
dos grandes avanços em nosso entendimento da deliberação
provavelmente serão resultado do alinhamento cuidadoso entre
questionamentos normativos e empíricos de uma forma que
2 Thomas Saretzki, "From Bargaining to Arguing, from Strategic to Communicative
Action? Theoretical Perspectives, Analytical Distinctions and Methodological
Problems in Empirical Studies of Deliberative Processes," paper apresentado no
Center for European Studies, University of Oslo, December 4, 2008, p. 38.
3. permita que ambos dialoguem entre si em termos mutuamente
interpretáveis"3. Maija Setala postula ainda que os estudos dos
filósofos da deliberação "deveriam ser empiricamente
constrastáveis, já que fazem abstrações a partir do mundo real
como se fossem experimentos"4. Simon Niemeyer alega que "a
'chegada da era' da democracia deliberativa requer a interação
entre insight teórico e pesquisa empírica"5.
Se o mundo empírico não corresponde aos ideais normativos,
poder-se-ia argumentar que o mundo empírico precisa ser
modificado. Poder-se-ia ainda argumentar, entretanto, que os
ideais normativos precisam ser ajustados ao mundo como ele é.
Mostrarei que sempre há tensão entre os ideais deliberativos e a
práxis da deliberação. E é exatamente em torno dessa tensão se
organiza este livro. Para dar conta da interação entre as questões
normativas e empíricas mais visíveis, cada capítulo está
organizado em três seções. As primeiras seções abordam a
literatura da deliberação baseada na filosofia normativa. Não se
trata de oferecer uma visão geral introdutória da literatura, mas
de apresentar as controvérsias mais importantes entre os
teóricos da deliberação. Tendo sido educado inicialmente como
historiador, permanecerei o mais próximo possível dos textos,
deixando que os teóricos falem por suas próprias palavras. Nas
segundas seções discuto a pesquisa empírica relevante para
essas controvérsias, incluindo nossa própria pesquisa. Nas
terceiras seções, discuto as possíveis implicações normativas,
relacionando os dados empíricos às controvérsias filosóficas.
(a) O modelo teórico da deliberação
Na literatura filosófica, o modelo deliberativo da democracia é
comumente construído como ideal "regulatório", algo que, de
3 Michael A. Neblo, Kevin M. Esterling, Ryan P. Kennedy, David M.J. Lazer, and Anand
E. Sokhey, "Who Wants to Deliberate: And Why?," Amer ican Pol i t ica l Science
Review 104 (2010), 566.
4 Maija Setala and Kaisa Herne, "Normative Theory and Experimental Research in
the Study of Deliberative Mini-Publics," paper presented at the Workshop on the
Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
5 Simon Niemeyer, "Deliberation and the Public Sphere: Minipublics and
Democratization," paper apresentado no Workshop on Unity and Diversity in
Deliberative Democracy, University of Bern, October 4, 2008, p. 2.
3
4. 4
acordo com Jane Mansbridge, "é impossível de ser alcançado em
sua plenitude, mas que permanece como ideal ao qual,
mantendo-se as condições, poder-se-ia considerar uma prática
determinada mais ou menos próxima"6. Esta perspectiva segue
Immanuel Kant, que define "princípio regulatório" como um
padrão "com o qual podemos nos comparar, julgando-nos e,
portanto, aprimorando-nos, mesmo que nunca possamos
atingi-lo7". Jürgen Habermas escreve no contexto das
"pressuposições da pragmática do discurso"8. O tipo ideal de
deliberação pode ser melhor compreendido se comparado com o
tipo ideal de troca estratégica. No mundo real da política,
predomina comumente uma mistura dos dois tipos ideais (Obs:
Lili- tipo ideal da pragmática do discurso e tipo ideal de
troca estratégica). Antes de abordarmos os tipos mistos, seria
útil do ponto de vista conceitual apresentar primeiramente os
dois tipos ideais. No tipo ideal da troca estratégica, os atores
políticos têm preferências fixadas. Eles sabem o que querem
quando adentram o processo político. Fazem manobras para
atingir resultados que estejam o mais próximo possível de suas
preferências. Engajam-se na realização de acordos sob a máxima
"se você me der isto, eu te darei aquilo". Para fortalecer suas
posições nas trocas, podem trabalhar com promessas e ameaças.
(Lili – isso é PODER, e não deliberação) Idealmente, a troca
estratégica resulta em situações de equilíbrio em que as partes
sempre ganham e nas quais, graças à negociação mutuamente
benéfica, todos acabam numa situação melhor do que a que
tinham antes. Em modelos sofisticados de troca estratégica, os
atores não são necessariamente sempre egoístas. Eles podem
também, por exemplo, se preocupar pelo bem-estar das futuras
gerações como preferência pessoal. Se houver novos dados
disponíveis, esses atores poderão também mudar suas
6 Jane Mansbridge with James Bohman, Simone Chambers, David Estlund, Andreas
Follesdal, Archon Fung, Christina Lafont, Bernard Manin, and José Luis Marti, "The
Place of Self-Interest and the Role of Power in Deliberative Democracy," Journal of
Pol i t i cal Phi losophy 18 (2010), 65, footnote 3.
7 Immanuel Kant, Cr i t ique of Pure Reason, ed. Paul Guyer and Allen W. Wood
(New York: Cambridge University Press, 1998 [1781]), p. 552.
8 Jürgen Habermas, On the Pragmat i cs of Communicat ion (Cambridge:
Polity Press, 1998).
5. preferências. Novas pesquisas sobre os perigos de dirigir carros,
por exemplo, podem mudar a preferência dos atores para que se
abandonem os carros e se utilizem, em substituição, o transporte
público. Nesses modelos sofisticados de troca estratégica, a base
continua sendo a orientação dos atores por suas preferências
individuais, independentemente de quais sejam essas
preferências.
Em contraposição, no tipo ideal da deliberação as
preferências não estão fixadas, mas abertas, e os atores estão
dispostos a ceder à força do melhor argumento. O importante no
debate político é o quão convincente são os argumentos dos
diferentes atores. Os atores tentam convencer os outros através
de bons argumentos, mas também estão abertos a serem
convencidos pelos argumentos dos demais. Portanto, ocorre um
processo de aprendizagem no sentido de que os atores
apreendem no debate comum quais são os melhores argumentos.
Não está claro no começo quais são os melhores argumentos,
mas espera-se que os melhores argumentos emirjam do diálogo
mútuo. Neste sentido, os atores aprendem a pensar e a agir de
novas maneiras. A deliberação pode produzir rupturas com
o passado. Mansbridge resume a essência do modelo
deliberativo de maneira sucinta: "Concluímos destacando que a
'deliberação' não é uma simples conversa. Na situação ideal, a
deliberação democrática rejeita o poder coercitivo no processo de
toma de decisões. A tarefa central é a justificação mútua.
Idealmente, os participantes do processo de deliberação estão
engajados, com respeito mútuo, como cidadãos livres e iguais em
busca de termos de cooperação justos."9 Esta definição se
aproxima do significado inicial de deliberare no Latim, onde
significa pesar, ponderar, considerar e refletir. Como assinala
Robert E. Goodin, a deliberação nesses moldes pode também ter
lugar individualmente na reflexão interna. Goodin considera que
tal deliberação é particularmente frutífera antes e depois da
deliberação em grupo10. Nessa mesma direção, Thomas Flynn e
John Parkinson argumentam, da perspectiva da psicologia social,
9 Mansbridge et al . , "The Place of Self-Interest," 94.
10 Robert E. Goodin, Ref lect ive Democracy (Oxford University Press, 2003), p.
38.
5
6. 6
que a deliberação interna pode ser potencializada se confrontar
deliberadores ideais imaginados11. Bernard Reber insiste de uma
maneira especialmente enfática que a deliberação individual
deveria ocorrer antes da deliberação em grupo, já que do
contrário existe o risco de que a argumentação não seja coerente.
Em primeiro lugar, os atores devem ter claro suas normas éticas
para poderem se engajar com outros em processos de
deliberação frutíferos.12
Durante muito tempo o interesse acadêmico concentrou-se
predominantemente no modelo de troca estratégica (Lobby,
Advocacy etc). Mais recentemente, entretanto, o modelo
deliberativo tem atraído mais a atenção. Alain Noël afirma:
O estudo predominante da política foi o estudo dos interesses, instituições
e da força, com foco nas trocas e no poder, com alguma atenção
ocasional para as ideias, consideradas como variáveis intervenientes. Nos
últimos anos, o estudo da deliberação democrática retomou uma
compreensão mais tradicional da política como fórum no qual ideias e
argumentos são trocados, evoluem ao longo do tempo e são importantes
em si mesmas.13
Ainda há muitos cientistas políticos que insistem em que a
política se resume a trocas estratégicas. Como formular um caso
no qual a deliberação não seja simplesmente um conceito
filosófico ideal, mas de fato presente no mundo real da política?
Deixe-me exemplificar esta questão com o conflito da Irlanda do
Norte, especificamente com o Acordo de Belfast de 1998 e sua
implementação. Ian O'Flynn oferece a seguinte interpretação:
No fundo, os nacionalistas irlandeses o endossaram porque o acordo
acolheu a promessa de unificação da Irlanda, enquanto que os unionistas
britânicos o endossaram porque acolhia a melhor oportunidade de
reconciliação dos nacionalistas com a união. A importância do acordo,
11 John Parkinson and Thomas Flynn, "Deliberation, Team Reasoning, and the
Idealized Interlocutor: Why It May Be Better to Debate with Imagined Others," paper
presented at the Workshop on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St.
Gallen, 12 April 12-17, 2011. Bernard Reber, "Les risques de l'exposition à la deliberation des autres,"
Ar chi ves de phi losophie du droi t 54 (2011), 261-81.
13 Alain Noël, "Democratic Deliberation in a Multinational Federation," Cr i t i cal
Review of Internat ional Social and Pol i t ica l Phi lo sophy 9 (2006), 432.
7. contudo, é que ambos conjuntos de aspirações são sustentados por
um compromisso compartilhado de princípios de
autodeterminação, igualdade democrática, tolerância e respeito
mútuo. São esses princípios que conferem ao acordo legitimidade
aos olhos dos cidadãos comuns e da comunidade internacional, e
que sustentam a esperança pela paz e estabilidade duradoura14.
Como O'Flynn sabe que não apenas poder e interesses, mas
também a deliberação com tolerância e respeito mútuo
desempenharam seu papel? Ele mergulhou no processo de
decisão, estudando documentos e conduzindo entrevistas. Outros
acadêmicos, entretanto, baseando-se em fontes semelhantes,
vêm apenas interesses e poder em jogo15. Quem está com a
razão? Penso que nenhum dos dois lados pode provar seus
argumentos de maneira definitiva. Toda análise dependerá
sempre da visão de mundo de quem a conduz, e a maneira
como cada um de nós vê o mundo depende em grande
parte de como fomos socializados. Alguns dispõem de
esquemas cognitivos que os levam a ver as políticas
puramente como um jogo de poder. Para outros, os esquemas
cognitivos funcionam de tal forma que também vêm a
deliberação em jogo. Não estou dizendo que o axioma da política
como um puro jogo de poder não seja plausível. Simplesmente
considero plausível o axioma de que a política não é unicamente
um puro jogo e poder. Enquanto escrevia este livro, li a
autobiografia de Nelson Mandela. Fiquei impressionado ao ver
que no capítulo da conclusão ele oferece uma visão de mundo
segundo a qual o coração humano está aberto para os outros:
Eu sempre soube que no fundo do coração humano existe
misericórdia e generosidade. Ninguém nasce odiando
outra pessoa por causa da cor da pele, antecedentes ou
religião. As pessoas devem aprender a odiar, e se podem
aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o
amor emerge no coração humano com maior
14 Ian O'Flynn, "Divided Societies and Deliberative Democracy," Br i t i sh Journal
of Pol i t i cal Science 37 (2007), 741. Ver também Ian O'Flynn, Del iberat i ve
Democracy and Divided Societ ies (Edinburgh University Press, 2006).
15 Ver, por exemplo, alguns artigos em Rupert Taylor (ed.), Consociat ional
Theory: McGar ry and O'Leary and the Nor thern I reland Conf l ict
(London: Routledge, 2009).
7
8. naturalidade do que seu oposto. Mesmo nos momentos
mais sombrios na prisão, quando meus camaradas e eu
fomos levados até nossos limites, eu ainda via um
lampejo de humanidade nos guardas, talvez apenas por
um segundo, mas o suficiente para me tranquilizar e me
manter vivo. A bondade do homem é uma chama que
pode ser ocultada, mas nunca extinguida 16.
Essa visão de mundo de Mandela é precisamente o tipo de visão
sobre a qual a pesquisa da deliberação foi construída. Ainda que
Mandela tenha sido tratado com crueldade pelos guardas brancos
na prisão, ele foi capaz de ver neles, em algumas ocasiões, um
lampejo de humanidade. Ele nunca desistiu completamente da
chama da bondade humana. Concordo com Mandela em que essa
chama permanece muitas vezes oculta, sem que possa ser
completamente extinguida. A esperança nessa chama é a
base de um programa de pesquisa gratificante, pelo
menos para mim e para muitos dos meus colegas teóricos
da deliberação.
Como Mauro Barisione me mostrou17, é na base do modelo
deliberativo que as suposições devem permanecer abertas para
serem desafiadas. Portanto, a suposição da bondade humana não
pode ser tomada como uma meta-suposição não desafiável. Com
isso, entretanto, a lógica da deliberação coloca em risco seus
próprios fundamentos. Barisione certamente tem razão em
destacar isto já que, de fato, um dos pressupostos básicos da
deliberação é que tudo deve estar aberto para novos desafios.
Minha resposta é que as agendas de pesquisa devem
partir de algum pressuposto básico sobre a natureza
humana, e o pressuposto da minha agenda é que, apesar
de toda a maldade que há no mundo, ao menos alguns
seres humanos têm, em algum momento, um senso de
bondade que os leva realmente a se preocuparem pelo
bem-estar dos demais. Aceito que outros pesquisadores não
compartilhem esse pressuposto e criem suas próprias agendas de
16 Nelson Mandela, Long Walk to Freedom (New York: Little, Brown and Company,
1995), p. 622.
17 Personal communication, July 30, 2011.
8
9. pesquisa. Afinal de contas, a boa pesquisa se beneficia da
competição, incluindo a competição por pressupostos básicos
sobre a natureza humana.
Tendo estabelecido por que faz sentido trabalhar com o modelo
deliberativo, passarei agora a tratá-lo com maior detalhe. Em
primeiro lugar, tratarei da questão do vocabulário. Alguns
teóricos como Dennis F. Thompson18, Joshua Cohen19 e Claudia
Landwehr e Katharina Holzinger20 utilizam o termo "deliberação"
somente para fóruns nos quais é necessário tomar uma decisão,
como comitês parlamentares, mas não, por exemplo, para
discussões que ocorrem na televisão ou entre vizinhos.
Mansbridge propõe "usar adjetivos para fazer uma distinção
importante entre a deliberação em fóruns, empoderados para a
toma de decisões vinculantes, e outras formas de decisão"21. Para
situações nas quais é preciso tomar decisões vinculantes, ela
sugere usar a expressão "deliberação empoderada". Para os
casos em que não se busca a toma de decisões vinculantes,
Mansbridge utiliza outras distinções com a ajuda de outros
adjetivos, como "deliberação consultiva" para "fóruns
empoderados somente para aconselhamento de uma autoridade
decisória" ou "deliberação pública" para "fóruns abertos ao
público, mas que não geram decisões vinculantes, como
audiências públicas"22. Mansbridge utiliza ainda outros adjetivos
para fazer outras distinções no campo da deliberação. Concordo
com Thompson, Cohen, Landwehr, Holzinger e Mansbridge em
que é necessário fazer distinções importantes. Prefiro, entretanto,
18 Para Thompson, deliberação significa "discussão orientada à toma de decisão".
Dennis F. Thompson, "Deliberative Democratic Theory and Empirical Political
Science," Annual Review of Political Science 11 (2008), 503-4.
19 Para Cohen, significa "ponderar as razões relevantes para tomar uma decisão
com vistas a que a decisão esteja baseada na ponderação". Joshua Cohen,
"Deliberative Democracy," in Shawn W. Rosenberg (ed.), Par t icipat ion and
Democracy: Can the People Govern? (New York: Palgrave Macmillan,
2200 07), p. 219. Claudia Landwehr and Katharina Holzinger, "Institutional Determinants of
Deliberative Interaction," European Pol i t ica l Science Review 2 (2010),
373-400.
21 Jane Mansbridge, "Everyday Talk Goes Viral," paper presented at the annual
meeting of the American Political Science Association, Washington, DC, September
2-5, 2010.
22 Mansbridge, "Everyday Talk Goes Viral."
9
10. 10
usar o termo deliberação de forma genérica para depois
caracterizar verbalmente os fóruns nos quais a deliberação
ocorre. Quando escrevo, por exemplo, no capítulo 8, sobre
a deliberação nos meios de comunicação, não uso a
expressão "deliberação midiática". Ao invés disso,
caracterizo o meio específico no qual estou interessado,
como por exemplo, deliberação em jornais de elite,
deliberação em jornais de boulevard ou deliberação na
Internet.
Uma vez esclarecidas essas questões terminológicas, passarei
a tratar mais especificamente do modelo de deliberação em suas
variadas expressões. Ainda que exista consenso entre os teóricos
da deliberação sobre o princípio geral de que os argumentos
deveriam ser importantes para a discussão política, existem
desacordos bastante fortes em como esse princípio deveria ser
implementado. Mansbridge assinala que esses desacordos
tornaram-se maiores nos últimos anos23. Hoje, o conceito de
deliberação é um conceito bastante fluido. Jensen Sass e
John S. Dryzek vêm a deliberação como prática cultural
"com significado e significância que variam
substancialmente entre contextos e ao longo do tempo...
Portanto, a forma como a deliberação é vista na América
do Norte ou na Europa Ocidental difere muito da maneira
como aparece em Botswana, Madagascar ou Iêmen"24.
Dada tal variação, Sass e Dryzek consideram adequado
não usar definições universais de deliberação, mas
adaptar tais definições aos respectivos contextos
históricos e culturais25. Com essa ampla orientação de
pesquisa, não é de se surpreender que o desacordo a respeito da
definição exata de deliberação seja cada vez maior. Farei uma
aproximação geral breve a tais desacordos sobre definições, que
23 Jane Mansbridge, "Recent Advances in Deliberative Theory," paper presentado no
Max Weber Workshop on Deliberation in Politics na New York University, October 29,
2010.
24 Jensen Sass and John S. Dryzek, "Deliberative Cultures," paper presented at the
Workshop on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April
12-17, 2011, p. 4.
25 Sass and Dryzek, "Deliberative Cultures," p. 11.
11. serão discutidos posteriormente em maior detalhe nos
respectivos capítulos.
Um dos pontos de desacordo diz respeito a quão intensamente
cidadãos comuns deveriam estar envolvidos no processo
deliberativo. Por um lado está o argumento que defende que os
cidadãos comuns deveriam participar tanto quanto possível dos
processos deliberativos. Na vida diária, discutem-se assuntos
políticos na família, entre amigos e vizinhos, no trabalho e em
clubes e associações. Neste sentido, os cidadãos comuns são
também atores políticos e deveria ser aplicado o princípio de que
estão dispostos a serem convencidos pela força do melhor
argumento. Portanto, no âmbito dos cidadãos, a formação de
opiniões ocorre de maneira reflexiva. Essas opiniões decorrentes
da reflexão são comunicadas aos líderes políticos através de
diferentes canais como encontros pessoais, reuniões públicas,
mídia e Internet. Por outro lado, alguns teóricos consideram que a
participação de todos os cidadãos comuns no processo
deliberativo é totalmente irrealista. De seu ponto de vista, seria
mais realista esperar que todos os cidadãos tivessem a
oportunidade de participar, sendo que na prática apenas um
pequeno número de pessoas poderá participar
regularmente das deliberações políticas, por exemplo em
míni-públicos compostos aleatoriamente.
Há ainda desacordo sobre a justificativa de argumentos para a
deliberação: SE os argumentos precisam ser justificados de
forma racional, lógica e elaborada ou se as narrativas das
histórias de vida podem também servir como justificativas
para a deliberação. Os argumentos apresentados de maneira
racional, lógica e elaborada podem ser avaliados com base na
lógica formal. Permitir somente argumentos racionais, lógicos e
elaborados origina críticas de teóricos que argumentam que tal
definição discrimina as pessoas que têm pouca habilidade em
racionalização. Dado o espírito inclusivo do modelo de
deliberação, essas pessoas também deveriam poder participar do
processo político. Se há, por exemplo, uma reunião da direção de
uma escola pública numa comunidade local, o fato de que os pais
contem histórias sobre os graves problemas de consumo de
drogas que seus filhos apresentam também deveriam contar
11
12. 12
como justificativas deliberativas. Contar essas histórias pessoais
envolverá muita emoção e empatia não autorizadas na
aproximação puramente racional da deliberação.
Há também desacordo sobre se, na deliberação, todos os
argumentos devem dizer respeito ao interesse público ou se
argumentos relacionados a interesses privados ou específicos de
um grupo devem ser considerados. A qualidade do ar é um
exemplo de interesse público, já que todos nos beneficiamos
desse bem. Alguns teóricos argumentam que somente as
questões de interesse público pertencem ao discurso deliberativo.
Outros, contudo, incluiriam interesses individuais e grupais. Por
exemplo, estabelecer padrões de qualidade do ar mais estritos
geraria desemprego e provocaria sofrimento para os
trabalhadores da indústria automobilística. Falando em termos
gerais, não é fácil distinguir entre interesse público e interesse
grupal. Interesses grupais como o dos trabalhadores da indústria
automobilística podem atravessar as fronteiras nacionais, por
exemplo entre os Estados Unidos e o Canadá. No que diz respeito
a certos assuntos, vários países ou o mundo todo compartilham
um interesse público comum. Portanto, os conceitos de interesse
público e interesse grupal não podem ser considerados
unicamente no interior das fronteiras dos estados nacionais.
Qualquer argumento pode ser considerado na
deliberação? Novamente, temos aqui desacordo. Alguns teóricos
adotam a posição de que todos os argumentos,
independentemente de parecerem ofensivos, devem ser
ouvidos com respeito e tomados com seriedade. Uma crítica
a essa posição é que se um dado argumento viola os direitos
humanos fundamentais, seu mérito não deveria ser considerado
de forma alguma. Se alguém oferecer, por exemplo, um
posicionamento racista, seu argumento não deveria ser discutido
por princípio porque viola um direito humano fundamental. Ainda
que tal posicionamento não deva ser discutido, poder-se-ia ainda
argumentar que existe obrigação de justificar por que se trata de
um posicionamento racista e, portanto, sua discussão fica vetada.
Outro ponto de desacordo diz respeito a se a deliberação
necessariamente deve terminar em consenso. Por um lado,
existe a expectativa de que pessoas razoáveis
13. conseguirão entrar em acordo sob a força de diferentes
argumentos, de forma que o consenso seria um resultado
natural. Esta visão está baseada no pressuposto de que por trás
das preferências individuais existe um núcleo básico de
racionalidade evidente para o indivíduo quando somente as
habilidades de raciocínio são utilizadas. Portanto, o consenso
deveria ser construído sobre as mesmas razões. Uma forma mais
branda de entender a argumentação para consenso é que os
atores podem ter diferentes razões para chegar ao consenso. Por
outro lado, existe também a visão que defende que certos valores
profundamente assentados podem vir a ser tão irreconciliáveis
que, apesar de todas as referências à racionalidade, não serão
possíveis ou nem mesmo desejáveis. Existe também, contra a
ideia de consenso, o argumento pragmático que considera que as
limitações de tempo frequentemente impossibilitam que a
conversa siga até que todos estejam de acordo. Em algumas
ocasiões é preciso recorrer à votação, colocando-se assim parte
dos participantes numa minoria. A chave para a deliberação é
que as opiniões das minorias perdedoras sejam tratadas com
respeito e devidamente consideradas. É também importante que
as decisões sejam consideradas, na maior parte, falíveis, e
possam ser retomadas mais adiante quando novas informações e
novos argumentos surgirem.
Para alguns teóricos, a boa deliberação pressupõe
transparência e abertura aos olhos públicos, enquanto que outros
teóricos destacam que sob certas condições, a deliberação pode
se beneficiar de discussões nos bastidores que possam ser mais
sérias e menos apoteóticas. Tais teóricos apontam também que a
deliberação nos bastidores pode auxiliar na deliberação posterior
sob os olhos públicos.
Os teóricos também discordam a respeito da importância da
sinceridade na deliberação. Alguns não estão muito interessados
em saber por que alguém se engaja na deliberação. O que
importa, de acordo com esta visão, é se os participantes mostram
respeito pelos argumentos dos demais, independentemente de se
esse respeito é oferecido de forma sincera ou não. Em contraste,
outros teóricos vêm na sinceridade o elemento chave da
deliberação. A deliberação não verdadeira seria tão somente uma
13
14. 14
estratégia retórica inteligente. Demonstrar respeito pelos
argumentos dos demais poderia simplesmente ser mais um entre
outros interesses particulares. Isso eliminaria a essência da
deliberação, que também possui um valor intrínseco importante
para a auto-atualização, e esse valor poderia ser negado pela
falta de sinceridade.
Espero que este livro traga alguma luz para essas controvérsias
presentes na literatura teórica sobre deliberação. É certamente
possível que os dados empíricos a serem apresentados não
resolvam as controvérsias. A maneira como alguém define um
conceito dependerá de sua agenda de pesquisa e essa agenda,
por outra parte, dependerá das normas de valores do
pesquisador. Considerar, por exemplo, a narração de histórias
como deliberação dependerá, entre outras coisas, da noção que
essa pessoa tenha sobre racionalidade. Ainda que os dados
empíricos não possam resolver tais controvérsias, podem ajudar a
esclarecer as relações empíricas e causais entre os diferentes
elementos da deliberação. Por exemplo, poderíamos dizer que
uma justificativa lógica, racional e elaborada dos argumentos de
alguém conduz a maior ou menor respeito pelos argumentos dos
demais do que os argumentos justificados por uma história
pessoal? Os dados empíricos podem também mostrar como os
antecedentes e consequentes da deliberação podem variar
dependendo da definição de deliberação.
(b) Pesquisa empírica em deliberação
Afinal de contas, quais são os dados empíricos que usarei para
trazer à luz controvérsias normativas sobre o modelo de
democracia deliberativa? Na literatura é possível encontrar dados
de observação e experimentais. Em nosso grupo de pesquisa
usamos ambos os métodos. Começamos com dados de
observações de debates parlamentares na Alemanha, Suíça,
Reino Unido e Estados Unidos. Essas análises foram discutidas em
um livro anterior, publicado pela Cambridge University Press in
200426. Para medir o grau de deliberação em ambas as
26 Jürg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli, and Marco R. Steenbergen,
Del iberat i ve Pol i t ic s in Act ion: Analys ing Par l iamentary Di scour se
(Cambridge University Press, 2005).
15. seções plenárias e reuniões de comitês desenvolvemos um
índice que chamamos de Índice de Qualidade do
Discurso (IQD, DQI em inglês), que cobria inicialmente os
seguintes aspectos da deliberação (a forma como o IQD é
empregado na prática será tratada em outro lugar27):
1. participação no debate;
2. grau de justificativa dos argumentos;
3. conteúdo da justificativa dos argumentos;
4. respeito demonstrado por outros grupos;
5. respeito demonstrado pelas demandas de outros
participantes;
6. respeito demonstrado pelos contra-argumentos de
outros participantes;
7.mudanças de posição durante o debate.
Os teóricos críticos e pós-modernos preocupam-se sobre qualquer
tentativa de medir a qualidade da deliberação28. Eles
argumentam que as medidas da deliberação nunca são objetivas,
mas sempre interpretações subjetivas. Não nego que nossa
codificação esteja sujeita à interpretação. Ao longo da
apresentação do IQD em nosso livro explicitamos claramente que
"medir a qualidade do discurso requer interpretação. É necessário
conhecer a cultura da instituição política, o contexto do debate e
a natureza do assunto em discussão"29. A interpretação, para
ser certeira, nunca pode obter objetividade absoluta. Não
se trata de escolher entre objetividade e subjetividade.
(Roberto Gondo – sobre a minha Subjetividade) Nenhum
pesquisador sério das ciências sociais declarou ter alcançado a
verdade objetiva. Todas as interpretações contêm elementos
subjetivos, mas as interpretações não são todas iguais. Nem tudo
27 André Bächtiger, Jürg Steiner, and John Gastil, "The Discourse Quality Index
Approach to Measuring Deliberation," in Lyn Carson, John Gastil, Ron Lubenski, and
Janette Hartz-Karp (eds.), The Aus t ral ian Ci t i zens ' Par l iament and the
Future of Del iberat ive Democracy (College Park: Penn State University
Press, forthcoming).
28 Ver, por exemplo Martin King, "A Critical Assessment of Steenbergen et al.'s
Discourse Quality Index," Roundhouse: A Journal of Cr i t ical Theory and
Pract i ce 1 (2009), online: www.essl.leeds.ac.uk/roundhouse, pp.
6-7.
29 Steiner et al . , Del iberat i ve Pol i t ic s in Act ion, p. 60.
15
16. 16
funciona. O critério para uma interpretação acadêmica frutífera é
se é exitosa para a obtenção de algum grau de intersubjetividade,
resultando em um grau suficiente de confiabilidade entre
codificadores. É isso que obtemos em nossa pesquisa com o IQD.
O IDQ sempre foi considerado um instrumento de medida
flexível que precisa ser adaptado a projetos de pesquisa
específicos. Sou a favor desse pluralismo em métodos de
pesquisa, que correspondem a uma aplicação do discurso
deliberativo sobre como fazer pesquisa em deliberação. É
precisamente o lugar onde se dá a boa deliberação que
ninguém no mundo diz observar com absoluta
objetividade. Isso vale também para a pesquisa acadêmica em
deliberação.
Feita a tentativa de medir o grau de deliberação dos debates
parlamentares, observamos as causalidades dos antecedentes e
consequentes da variação no grau de deliberação. No que diz
respeito aos antecedentes, estávamos interessados
principalmente nos aspectos institucionais e examinamos as
seguintes dimensões:
1. instituições que favoreciam o consenso versus
instituições que favoreciam a competição;
2. atores de veto forte ou fraco;
3. sistemas parlamentares e sistemas presidencialistas;
4. primeiras e segundas câmaras parlamentares;
5. arenas públicas e arenas não-públicas.
Observamos também as questões substantivas em debate,
colocando foco sobre a dimensão das questões polarizadas
versus questões não polarizadas. No que diz respeito às
consequências da variação no grau de deliberação, examinamos
os aspectos formais e substantivos dos resultados da decisão. No
aspecto formal, debruçamos nosso foco sobre se as decisões
foram tomadas com unanimidade ou por voto majoritário. No
aspecto substantivo, questionamos até que ponto os resultados
da decisão correspondem ao critério de justiça social.
Deixe-me agora descrever como organizaremos as seções
empíricas em cada capítulo. No início da maior parte das seções
empíricas, voltarei sobre nosso estudo anterior sobre debates
17. parlamentares, mas somente naquilo que os resultados
mostraram sobre controvérsias filosóficas, ajudando-me a
fundamentar minhas conclusões normativas. Depois continuo
com uma ampla revisão da literatura empírica sobre deliberação.
Portanto, levo em consideração todos os estudos que pude reunir
nos quais o grau de deliberação é realmente medido e não
meramente assumido. Tento oferecer, na medida do possível,
uma revisão completa da pesquisa na qual o grau de deliberação
é medido de forma suficientemente confiável e válida. Por
necessidade, alguns países estão mais cobertos do que outros, e
algumas dimensões conflitantes mais do que outras. Ao final da
seção sobre dados empíricos, apresento resultados de
experimentos recentes sobre deliberação que nosso grupo de
pesquisa realizou na Colômbia, Bósnia-Herzegovina, Bélgica,
União Europeia e Finlândia.
Por que foram escolhidos justamente esses países? A
maior parte da literatura empírica existente sobre
deliberação provém de democracias estáveis tais como
Alemanha, Holanda, França e Canadá. Esses dados empíricos são
úteis para se pensar de maneira geral sobre a democracia
deliberativa. Contudo, a deliberação se faz mais necessária
justamente nos países profundamente divididos por conflitos
militares internos. Naturalmente, é mais difícil obter deliberação
nesses países. O máximo que se pode esperar, provavelmente, é
que as pessoas queiram reconhecer que as posições adotadas ao
outro lado da profunda divisão também são legítimas, ainda que
não concordem com elas. Quando esse reconhecimento é
obtido, o outro lado é humanizado, o que poderia tornar
menos provável que alguém atirasse e matasse ao outro lado da
profunda cisão. Se olharmos para o mundo atual, os verdadeiros
pontos problemáticos são países profundamente divididos e
envolvidos em conflitos militares internos. Minha esperança é que
a aproximação deliberativa possa oferecer algo a esses países de
forma que possam a aprender a lidar pacificamente com seus
conflitos. Portanto, minha esperança está mais ligada aos
cidadãos comuns do que a líderes políticos, que muitas vezes só
estão interessados em manter cisões profundas para
17
18. 18
permanecerem dos no nos spodoers. Aessstiumd,o so efosctoá no nível do cidadão.
A Colômbia corresponde exatamente ao meu interesse de
pesquisa, com combates militares em curso entre guerrilhas de
esquerda e paramilitares de direita. Na Bósnia-Herzegovina, com
cisões profundas entre servos, croatas e bósnios, a guerra civil
acabou, mas suas consequências ainda são muito perceptíveis.
Incluímos também a Bélgica, onde a divisão linguística entre
flamengos e valões é cada dia maior, ainda que até o momento
não tenha resultado em violência política. O caso da Bélgica é um
caso limite para meu objetivo de pesquisa principal e será
interessante ver até que ponto o grau de deliberação
difere na Bélgica da Colômbia e da Bósnia-Herzegovina.
Incluímos a Finlândia como um caso real de contraste, com
pequenas divisões entre falantes de finlandês e sueco. A União
Europeia, finalmente, é um caso interessante em si mesmo, com
muitas guerras entre os países-membros no passado, e com
relações ainda às vezes complicadas entre alguns membros na
atualidade.
Não apresentarei uma análise completamente detalhada
dos nossos experimentos nesses quatro países e União
Europeia, limitando-me ao que é útil para este livro
orientado para o aspecto normativo. Um livro em
coautoria, orientado à análise e intitulado Potential for
Deliberation Across Deep Divisions (Potencial para
deliberação aravés de cisões profundas) está sendo
preparado. Os colaboradores de cada parte das pesquisas
experimentais são:
• Maria Clara Jaramillo (Colômbia);
• Juan Ugarriza (Colômbia);
• Simona Mameli (Bósnia-Herzegovina);
• Didier Caluwaerts (Bélgica);
• Marlene Gerber (Európolis);
• Staffan Himmelroos (Finlândia).
Por que escolhemos o método experimental? Um método de
pesquisa possível teria sido usar sondagens perguntando às
19. pessoas o quão deliberativas elas são quando conversam sobre
política na família, com amigos e vizinhos e no ambiente de
trabalho. Tais sondagens introduzem o risco de que os
participantes digam o que é socialmente desejável, ou seja, que
eles são deliberativos quando falam de política mostrando, por
exemplo, respeito pela opinião dos demais e vontade de acatar o
melhor argumento. Tendo em vista o problema que isso
representa para a pesquisa em questão, optamos pelo desenho
experimental como método. Isso significa concretamente que
reunimos cidadãos comuns para discutir sobre um tópico
em particular. Os participantes tiveram que preencher
questionários antes e depois dos experimentos. As
discussões foram gravadas e codificadas com um IQD
expandido que o leitor encontrará no Apêndice. Vejamos
agora os desenhos de pesquisa utilizados nos cinco casos
de teste.
Desenho de pesquisa para a Colômbia
Maria Clara Jaramillo e Juan Ugarriza foram responsáveis pela
porção da pesquisa correspondente à Colômbia. Eles planejaram,
inicialmente, desenvolver a pesquisa com estudantes
universitários, o que do ponto de vista organizacional teria sido
relativamente simples. Mas optaram por um desafio maior, onde
a deliberação é particularmente mais difícil de ocorrer e,
portanto, mais necessária. Encontraram esse desafio nos
ex-combatentes do conflito armado interno. Ocorre que,
quando Jaramillo e Ugarriza iniciaram sua pesquisa, o
governo colombiano tinha um programa de desarticulação
em andamento. Esse programa foi aplicado aos
combatentes de grupos de guerrilha esquerdistas
(particularmente as FARC, Fuerzas Armadas
Revolucionarias de Colombia e alguns grupos de guerrilha
menores) e das forças paramilitares de extrema direita.
Estariam ex-combatentes que há pouco estavam dando
tiros uns nos outros dispostos a participar juntos de
experimentos sobre deliberação? Esse foi o desafio no
início da pesquisa, que exigiu muita paciência, entusiasmo
19
20. 20
e habilidade por parte de Jaramillo e Ugarriza para
finalmente organizar 28 experimentos com um total de
342 participantes.
Para conseguir remuneração econômica, os ex-combatentes
tiveram que participar de um programa de reintegração da
Agência do Alto Comissariado para a Reintegração. Psicólogos e
assistentes sociais agiram como orientadores e os
ex-combatentes tiveram que participar duas vezes por mês de
sessões de grupo com eles. Focamos nossa pesquisa na região da
grande Bogotá, onde cerca de 3.000 ex-combatentes
participavam do programa de reintegração. Eram, na maioria,
homens com pouco grau de instrução. Inicialmente tentamos
selecionar uma amostra aleatória para participação no estudo.
Mas os orientadores nos advertiram sobre os problemas de
segurança, já que muitos dos ex-combatentes estavam
gravemente traumatizados e, portanto, eram violentos ou
perturbados. Havia também um problema de motivação: na
primeira fase da pesquisa, muitos ex-combatentes convidados
para o estudo simplesmente não apareceram. Os orientadores
nos ajudaram com uma solução que oferecia aos ex-combatentes
os incentivos necessários para participar dos estudos. Eles
poderiam substituir as sessões quinzenais pela participação em
um único estudo e ainda receberiam a remuneração econômica.
O fato de os estudos terem lugar nos consultórios dos
orientadores também ajudou. Os orientadores permaneceram por
perto para o caso de ocorrer alguma manifestação violenta.
Graças à Agência do Alto Comissionado para a
Reintegração, obtivemos dados aproximados sobre o total
da população de 3000 ex-combatentes na região de
Bogotá em termos de gênero, idade e grau de instrução.
Para tais critérios, os 342 ex-combatentes que
participaram dos estudos correspondiam, grosso modo, ao
total da população de ex-combatentes da região de
Bogotá30. Isso era reconfortante, apesar de que não podíamos
30 Dos ex-combatentes participantes dos nossos experimentos, 15 por cento eram
mulheres, em comparação com 16 por cento na população total de ex-combatentes
na região de Bogotá. Cerca de 30 por cento dos participantes nos experimentos
tinham entre 18 e 25 anos de idade, comparados com 37 por cento região de
Bogotá. No que diz respeito à educação, é preciso diferenciar entre ex-guerrilheiros
21. afirmar que os ex-combatentes participantes correspondiam a
uma amostra aleatória da população total de ex-combatentes.
Quão grandes eram as diferenças entre os ex-guerrilheiros e
ex-paramilitares que se voluntariaram para participar dos
experimentos? Como hipótese nula, assumimos que não
havia diferenças. Essa hipótese é até certo ponto plausível
porque poderia ser que os ex-combatentes não estivessem
ideologicamente orientados, mas estivessem
simplesmente procurando por um trabalho remunerado e
não se importariam com o lado ao qual teriam que se unir.
Isso poderia ter sido fatal para os propósitos dos nossos
estudos, já que estávamos interessados em estudar as
discussões políticas através de cisões profundas. A
hipótese nula pode ser rejeitada. Os ex-guerrilheiros
estavam sobrerrepresentados no grupo de idade mais
jovem e tinham também mais mulheres do que os
ex-paramilitares. No que diz respeito ao grau de instrução e à
classe social, os ex-guerrilheiros tinham menor grau de
escolarização formal e eram mais pobres do que os
paramilitares31. As grandes diferenças políticas existentes entre
os dois grupos foi particularmente importante para a
interpretação dos resultados. Os ex-guerrilheiros provinham
em muito maior medida de famílias de esquerda, enquanto
os ex-paramilitares provinham principalmente de famílias
de direita. Dessa forma, o envolvimento dos ex-combatentes
com um dos dois lados do conflito não ocorreu por acaso. O
indicador mais claro das divisões ainda profundas entre os dois
grupos veio à luz em resposta à pergunta sobre suas atitudes em
relação aos combatentes que ainda lutam na selva. Ainda que os
participantes dos experimentos tinha abandonado seus antigos
camaradas, expressaram uma atitude mais positiva em relação
ao seu próprio lado do que em relação ao outro. Isso não era
necessariamente esperado, já que poderíamos imaginar que os
e ex-paramilitares. Entre os ex-guerrilheiros participantes, 60 por cento tinham 11
anos de escolaridade ou menos, para 64 por cento no total de ex-guerrilheiros em
toda a região de Bogotá. No caso dos ex-paramilitares, os números ficam entre 41 e
36 por cento.
31 É preciso considerar, entretanto, que os ex-guerrilheiros receberam algum grau
de educação informal durante o tempo em que permaneceram no campo.
21
22. 22
ex-combatentes abandonaram as lutas porque não concordavam
mais com a causa de seu lado. Ainda que alguns tenham deixado
as lutas por isso, a maioria ainda tinha mais simpatia por seu
próprio lado do que pelo outro. Provavelmente saíram das
selvas porque já estavam fartos de lutar e se sentiram
atraídos pelos benefícios dos programas governamentais
de reconciliação. A conclusão de todos esses dados é que os
participantes dos estudos formaram dois grupos diferentes, não
somente no que diz respeito às características demográficas, mas
também no sentido político.
Como desenho experimental ideal, cada experimento deveria
ter incluído o mesmo número de participantes com a mesma
distribuição entre ex-guerrilheiros e ex-paramilitares. Mas dadas
todas as dificuldades de adesão, estávamos distantes de
conseguir atingir esse ideal. Não era uma situação de
laboratório onde é possível manter tudo sob controle. Para
aprender sobre os ex-combatentes, era o melhor que podíamos
fazer. Nas ciências sociais, as questões realmente interessantes
quase nunca podem ser estudadas em situações totalmente
controladas, de forma que é preciso partir para desenhos menos
perfeccionistas. Antes e depois dos experimentos, os
participantes tiveram que preencher questionários sobre
características demográficas e políticas, assim como questões de
cunho psicológico. Esses dados ajudarão a testar as hipóteses
sobre os antecedentes e consequências das variações no grau de
deliberação entre os 28 estudos e também no âmbito da
participação individual. Institucionalmente, o desenho de
pesquisa incluiu variações, sendo que a metade dos grupos não
tinha que tomar nenhuma decisão no final do experimento,
enquanto que a outra metade deveria decidir entre um conjunto
de recomendações sobre o futuro da Colômbia para enviar para o
Alto Comissariado para a Reintegração. A metade dessas
decisões deveria ser tomada por voto majoritário e a outra
metade por unanimidade. As cartas foram efetivamente enviadas
para o Alto Comissariado de forma que para a metade dos
estudos as discussões tiveram relevância política imediata,
enquanto que para a outra metade as discussões não produziram
efeitos externos imediatos.
23. Para a organização prática dos estudos, logo no início Jaramillo
e Ugarriza estabeleceram o seguinte tópico de discussão: "Quais
são as suas recomendações para que a Colômbia tenha um futuro
de paz, no qual as pessoas de esquerda, de direita, guerrilheiros
e paramilitares possam viver juntos em paz?" Em contraste com
outros experimentos do gênero, e em particular a "Sondagem
Deliberativa"32, nenhum material de briefing foi oferecido antes
sobre o assunto a ser discutido. Além disso, em contraste ainda
com esse mesmo estudo, os moderadores não intervieram para
incentivar o comportamento deliberativo. Estávamos
interessados, de fato, em ver até que ponto os ex-combatentes
estavam dispostos e capacitados para se comportar de forma
deliberativa sem nenhum tipo de ajuda externa. Se, por exemplo,
alguns participantes não falaram durante todo o experimento, os
moderadores não pediriam que falassem. Ou, quando as opiniões
foram expressadas sem justificativas, os moderadores não
perguntaram por que tais opiniões foram sustentadas. Portanto, a
discussão flutuou livremente nos limites de um tópico
amplamente formulado. Não fornecer material ou informação
sobre os experimentos antes e o fato de que os moderadores não
interviessem nas discussões eliminou dois possíveis fatores que
poderiam confundir nossa análise causal. Depois de 45 minutos,
Jaramillo e Ugarriza finalizaram a discussão.
Desenho de pesquisa para a Bósnia-Herzegovina – sábado
18/05/2013
A Bósnia-Herzegovina, com seu recente conflito armado interno,
também foi um lugar difícil para a realização dos experimentos. A
responsável por esta parte do projeto foi Simona Mameli . Ela
organizou um experimento de teste preliminar em Sarajevo, mas
chegou à conclusão de que não era um bom lugar para
desenvolver sua pesquisa. O motivo foi que ela se deparou com
muitas famílias etnicamente mistas, o que dificultou a
formação de grupos com cisões profundas. Mameli escolheu
então dois lugares onde a guerra civil foi particularmente feroz,
Srebrenica e Stolac. Em Srebrenica, como bem se sabe, um
32 Veja abaixo o desenho experimental Európolis.
23
24. 24
grande número de homens muçulmanos foram brutalmente
assassinados pelos sérvios. Na Bósnia-Herzegovina, os
muçulmanos preferem ser chamados de bósnios, e não querem
ser identificados com a religião. Eu também usarei esse termo.
Stolac apresenta uma cisão profunda entre croatas e
bósnios. Stolac fica próxima da mais conhecida cidade de
Mostar. Os dois lugares sofreram lutas sangrentas. Mameli
decidiu realizar seus experimentos em Stolac porque Mostar
tornou-se um destino turístico demais.
O desenho experimental utilizado na
Bósnia-Herzegovina foi basicamente o mesmo usado na
Colômbia no sentido de que não foram fornecidos
materiais informativos antes e de que os moderadores não
intervieram para incentivar o comportamento
deliberativo. Em Srebrenica, Mameli organizou seis
experimentos com 40 participantes: 22 mulheres e 18
homens. Em três experimentos ela selecionou os
participantes utilizando um método denominado
"caminhada aleatória" (também conhecido como
"caminhada do bêbado"). Para tanto ela caminhou pelas
ruas de Srebrenica e abordou pessoas de forma aleatória,
convidando-as para participar dos experimentos. Teria sido
melhor extrair amostras aleatórias a partir de listas de habitantes
de Srebrenica sérvios e bósnios, mas como não existem tais
listas, a caminhada aleatória foi o segundo melhor método de
seleção disponível. Ao adotar a caminhada aleatória para a
seleção de participantes, Mameli deparou-se com duas
dificuldades. Uma delas estava relacionada ao padrão de vida da
população bósnia. Os bósnios são maioria em Srebrenica, mas
muitos só estão formalmente registrados na cidade e preferem
passar a maior parte to tempo em outro lugar. Mameli encontrou
muitas casas de bósnios vazias. Parece que muitos voltam
somente para as eleições ou eventos comemorativos do
genocídio, pois as memórias traumáticas fazem com que seja
muito difícil para eles morar em Srebrenica. Aparentemente os
bósnios mais moderados tendem a viver permanentemente em
Srebrenica. Para os experimentos, isto significou que
provavelmente a amostra estava composta mais por bósnios
25. moderados. Esse viés ocorreu também na Colômbia, onde,
como vimos antes, os ex-combatentes mais violentos e
psicologicamente abalados tiveram que ser excluídos dos
estudos. Isto não é o ideal do ponto de vista do desenho
experimental, mas assim é a vida nas sociedades que
enfrentam conflitos armados internos atuais ou recentes. A
segunda dificuldade relacionada à busca de participantes através
da caminhada aleatória foi que algumas pessoas, tanto servios
como bósnios, não quiseram participar ou, nos casos em que
prometeram comparecer, não apareceram.
Para os outros três experimentos realizados em Srebrenica
queríamos que os participantes tivessem sido expostos a um
programa de reconciliação e construção de paz para examinar se
a participação em tais programas faria alguma diferença no
comportamento demonstrado nos experimentos. O Centro para o
Diálogo de Nansen, uma ONG norueguesa, tem um programa
assim. Seu principal objetivo é "contribuir com a reconciliação e
com a construção da paz através do diálogo interétnico"33. A
equipe do centro ajudou no recrutamento de pessoas que
poderiam participar em suas atividades, tornando a seleção o
mais aleatória possível. Algumas das pessoas recrutadas pelo
Centro para o Diálogo de Nansen também não compareceram.
Portanto, assim como na Colômbia, os seis grupos experimentais
de Srebrenica tiveram tamanhos diferentes e nem sempre o
mesmo número de sérvios e bósnios. Uma vez mais, foi o melhor
que pudemos fazer num lugar onde ocorreu o pior genocídio na
Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De certa forma foi uma
surpresa que Mameli conseguisse realizar os seis experimentos,
já que poderíamos esperar que fosse impossível encontrar sérvios
e bósnios que quisessem se sentar juntos na mesma mesa.
A organização prática dos experimentos em Srebrenica
foi basicamente a mesma adotada na Colômbia. Os
participantes tiveram que preencher questionários antes e
depois dos experimentos. Com exceção de algumas
adaptações locais, os questionários foram os mesmos usados na
Colômbia. No início de cada experimento, Mameli, assistida por
33 Consulte www.nansen-dialogue.net/content.
25
26. 26
um amigo da região, ofereceu o tópico de discussão, que
consistia em formular recomendações para um futuro melhor na
Bósnia-Herzegovina. Os participantes teriam que formular em
comum acordo um conjunto de recomendações para enviar para
o Alto Representante da Bósnia e Herzegovina. Diferentemente
da Colômbia, essa decisão teria que ser tomada em todos os
experimentos. Houve também microexperimentos para introduzir
outra variável de controle. Contrariamente à Colômbia, onde, por
razões de segurança as discussões foram somente gravadas em
áudio, os experimentos realizados em Srebrenica foram gravados
em áudio e vídeo.
Em Stolac, os experimentos foram organizados da mesma
forma que em Srebrenica. Como já foi mencionado, a cidade está
profundamente dividida entre croatas e bósnios. Os croatas são
maioria, e o prefeito pertence a um partido nacionalista croata.
Supõe-se que haja certa partilha de poder com o partido
nacionalista bósnio, mas os resultados não são nada bons. Há
bandeiras croatas por todas as partes, causando ressentimento
entre os bósnios. Como em Srebrenica, há um sentimento geral
de cansaço e desilusão. O Alto Comissário visitou a cidade no ano
anterior e ouviu os problemas da população, mas nada mudou
desde sua visita. Com isso os habitantes de Stolac não só estão
frustrados com sua própria administração local, mas também com
os "internacionais", que pareciam tornar as coisas ainda piores.
Simona Mameli, novamente assistida por um amigo familiarizado
com a situação, conseguiu também realizar os seis experimentos
em Stolac com um total de 35 participantes: 20 mulheres e 15
homens. Como em Srebrenica, a metade dos participantes dos
experimentos foi recrutada pelo Centro para o Diálogo de Nansen
e a outra metade através do percurso aleatório pelas ruas da
cidade. Novamente, nem todas as pessoas que prometeram
comparecer o fizeram, de forma que o número de participantes
sofreu variações e croatas e bósnios não estavam sempre em
igualdade numérica. Como em Srebrenica, provavelmente houve
um viés em favor da moderação entre os que participaram dos
experimentos.
27. Desenho de pesquisa para a Bélgica
A Bélgica enfrenta uma divisão cada vez mais profunda
entre flamengos (que falam holandês) e valões (que falam
francês). Em contraste com a Colômbia e com a
Bósnia-Herzegovina, nunca houve nenhum conflito armado
entre os dois grupos linguísticos, de forma que foi mais fácil
organizar os experimentos. Um fator que ajudou
particularmente foi que Didier
Caluwaerts, o organizador dos
experimentos, pôde confiar numa agência
de pesquisa com experiência em realizar
pela Internet pesquisas sociais34. Com base
nessas pesquisas, Caluwaerts selecionou pessoas a serem
convidadas para participar dos experimentos, usando o método
de amostragem baseado na heterogeneidade. Ele queria que em
cada grupo experimental houvesse suficiente variedade com
relação a gênero, idade e grau de instrução. Além disso, ele
queria que cada grupo contivesse participantes que mostrassem
sentimentos positivos ou negativos sobre o outro lado da divisão
linguística. Caluwaerts realizou um total de 9 experimentos,
convidando 90 pessoas para participar, das quais 83
efetivamente compareceram. Em cada experimento havia ao
menos 8 participantes. Como na Colômbia e na
Bósnia-Herzegovina, não foi fornecido nenhum material
antes, os moderadores não intervieram, e os participantes
tiveram que preencher questionários antes e depois dos
experimentos. Três experimentos apresentaram
homogeneidade flamenga, três apresentaram homogeneidade
valã e outros três eram heterogêneos nos dois lados.
Similarmente à Colômbia e Bósnia-Herzegovina, o tópico de
discussão foi formulado da seguinte forma abrangente: "Como
você vê as relações futuras entre os grupos linguísticos na
Bélgica?" Os grupos tiveram que tomar uma decisão a respeito do
34 Didier Caluwaerts, "Deliberation across Linguistic Divides: Why It May Be
Better to Debate with Imagined Others," paper apresentado no Workshop sobre
Fronteiras da Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
27
28. 28
seguinte: em três grupos por maioria simples, em três por maioria
de dois terços e em outros três por unanimidade. Combinando a
composição linguística dos grupos e as regras de decisão
obtém-se uma tabela de 9 células (3 x 3) com um experimento
em cada campo. Na primeira rodada dos experimentos, de
somente alguns minutos, os participantes tiveram que dizer em
uma ou duas palavras-chave o que consideravam ser o problema
ou fato mais importante na Bélgica. Na segunda rodada, de
aproximadamente uma hora e meia, a discussão era livre. Na
terceira rodada, também de uma hora e meia aproximadamente,
os participantes tinham que discutir tópicos específicos sobre a
política atual da Bélgica no que diz respeito à questão linguística.
Era necessário tomar decisões depois da segunda e da terceira
rodadas. Os experimentos foram realizados em um sábado na
University Foundation em Bruxelas, que não mantém nenhum
vínculo com nenhuma organização política. Nos três grupos
linguisticamente mistos, houve tradução simultânea. Nos grupos
flamencos, Caluwaerts, falante nativo da língua holandesa, foi o
moderador. Nos grupos valões o moderador foi um falante da
língua francesa e nos grupos mistos a moderação foi realizada
por falantes de francês e flamenco.
Desenho de pesquisa para o projeto Európolis da União
Europeia
Depois de três estados nação profundamente divididos, passo
agora para o nível supranacional da União Europeia (UE).
Historicamente, os estados membros da UE enfrentaram, em
muitas ocasiões, cisões profundas produzidas pela guerra. Hoje
ainda existem divisões profundas entre alguns estados membros,
como por exemplo entre a Hungria e a Eslováquia no que diz
respeito à situação dos húngaros na Eslováquia. Para realizar os
experimentos entre cidadãos europeus comuns, nossa equipe de
pesquisa foi convidada a juntar-se ao projeto Európolis e a
codificar as discussões com nosso IQD. Este projeto está baseado
na ideia de sondagem deliberativa desenvolvida por James S.
29. Fishkin e Robert C. Luskin35. Eles fizeram as seguintes perguntas:
"O que aconteceria se o grau de
deliberação pudesse ser elevado, se não
para todo o público, ao menos para uma
amostra aleatória da população? O que
ocorreria se a sondagem pudesse se tornar
deliberativa?" A resposta que oferecem é a
seguinte: "A sondagem deliberativa explora
estas possibilidades ao expor amostras
aleatórias a informações balanceadas,
incentivando as pessoas a ponderar entre
argumentos opostos nas discussões com
interlocutores heterogêneos, obtendo
assim opiniões mais consideradas.36" A
ideia de sondagem deliberativa foi posta
em prática muitas vezes, por exemplo no
ano 2000 de uma forma particularmente
elaborada na Dinamarca, antes do
referendo sobre o euro37.
O projeto Európolis faz parte do 7º Programa de
Enquadramento da UE e está coordenado por Pierangelo
Isernia da Universidade de Siena. Em 29-31 de maio de 2009,
348 pessoas aleatoriamente selecionadas dos 27 estados
membros da UE se reuniram em Bruxelas e discutiram em 25
pequenos grupos primeiro sobre a imigração de fora da UE e
depois sobre as mudanças climáticas. Não era necessário tomar
decisões no encerramento das discussões dos grupos pequenos.
Houve também sessões plenárias com especialistas e políticos.
Os participantes tiveram que preencher quatro
questionários: um em seus países de origem, outro
quando chegassem a Bruxelas, um terceiro ao sair de
35 James S. Fishkin and Robert C. Luskin, "Experimenting with a Democratic
Ideal: Deliberative Polling and Public Opinion," Acta Pol i t i ca 40 (2005), 284-98.
36 Fishkin and Luskin, "Experimenting with a Democratic Ideal," 287.
37 Kasper M. Hansen, Del iberat ive Democracy and Opinion Format ion
(Odensee: University Press of Southern Denmark), p. 2004.
29
30. 30
Bruxelas e o quarto ao retornarem para seus países. É
importante observar que em todos os projetos
organizados pela sondagem deliberativa
foi feito um esforço especial para criar condições favoráveis para
a deliberação.
Neste sentido, o desenho da pesquisa é diferente do
desenho adotado na Colômbia, Bósnia-Herzegovina e
Bélgica, onde não fizemos nenhum esforço especial para
criar condições favoráveis à deliberação. No projeto
Európolis, foi tudo diferente. No dia anterior ao evento, os
moderadores foram treinados em longas sessões. Eram na
maioria jovens acadêmicos com ótimas habilidades linguísticas,
de diferentes países da UE. Ainda que recebessem a informação
de que não deveriam intervir de forma substantiva nas
discussões, os moderadores foram instruídos para tornar as
discussões o mais deliberativas possível, por exemplo,
incentivando todos a falarem, a justificarem seus
argumentos e a respeitarem os argumentos dos demais.
Outro fator que também contribuiria para a boa
deliberação no Európolis foi a informação anterior
fornecida aos participantes em uma cartilha de 40 páginas
contendo informações sobre a UE e os dois assuntos a
serem discutidos. Do ponto de vista gráfico, os principais
fatores e os argumentos foram apresentados de forma
profissional. Ainda que não se tenha testado se os participantes
leram o material, a maioria indicou tê-lo feito ao preencher seus
questionários. Comparando o desenho com a Colômbia,
Bósnia-Herzegovina e Bélgica, devemos ficar atentos ao fato do
desenho do projeto Európolis ter sido muito diferente. Por outro
lado, isso tornou as comparações diretas um problema. Contudo,
a fortaleza das nossas conclusões está justamente no fato de
estarem baseadas em dois desenhos de pesquisa diferentes.
Todas as discussões do Európolis foram gravadas em áudio. A
natureza multilíngue dos participantes constituiu um problema
especial, exigindo a tradução simultânea por intérpretes
profissionais. Para tornar a tradução gerenciável, houve apenas
duas ou três línguas representadas por grupo. Um dos idiomas foi
31. escolhido para a gravação nas vozes originais e os outros
somente na tradução. Este método tem a desvantagem de que os
codificadores não puderam ouvir possíveis emoções nas vozes
originais dos participantes dos quais somente a tradução foi
gravada. Codificar e analisar os 25 grupos em suas discussões
sobre imigração e mudança climática levará um bom tempo,
sendo coberto em outras publicações futuras. Neste livro, tomo
como base a análise que Marlène Gerber et al. fez para ECPR
Joint Sessions em St. Gallen, em abril de 201138. Foram
investigados 9 dos 25 grupos e somente nas sessões sobre
imigração, deixando de fora a mudança climática. Escolheram
grupos nos quais o idioma gravado, no original ou na tradução, foi
o alemão, o francês ou o polonês. Nos grupos de polonês,
pudemos contar com o apoio de uma falante nativa de polonês.
Suas transcrições foram traduzidas para o inglês de forma que
pudemos verificar a confiabilidade de sua codificação. A
discussão sobre imigração veio antes do que a discussão sobre
mudança climática. A primeira sessão sobre imigração em
pequenos grupos teve lugar na sexta-feira, 29 de maio de 2009
às 16:00h, durando aproximadamente uma hora com um
intervalo para café e continuando depois por mais uma hora
aproximadamente. No dia seguinte, às 9 horas, houve uma
sessão plenária sobre imigração com especialistas com uma hora
e meia de duração. Depois de um intervalo houve mais uma
sessão de pequenos grupos, que passou rapidamente do assunto
imigração para questões políticas mais gerais, de forma que nós a
omitimos da codificação.
Desenho de pesquisa para a Finlândia
Uso a Finlândia como caso controle para os três países
fortemente divididos e a UE como caso especial em si mesmo. A
Finlândia é um país homogêneo com uma pequena minoria sueca
que, contudo, não causa nenhum problema interlinguístico
relevante. A Finlândia pode também ser caracterizada como uma
38 Marlène Gerber, André Báchtiger, Susumu Shikano, Simon Reber, and Samuel
Rohr, "How Deliberative Are Deliberative Opinion Polls? Why It May Be Better to
Debate with Imagined Others," paper apresentado no Workshop sobre Fronteiras da
Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
31
32. 32
sociedade de consenso. Por isso serve bem como caso controle
para testar em que medida nossas conclusões sobre os países
profundamente cindidos são específicas de cada caso ou são
aplicáveis também a uma sociedade de consenso homogêneo.
Assim como ocorreu no projeto Európolis, nos juntamos ao projeto
finlandês quando já estava em andamento. Foi lançado
inicialmente na Abo Akademi University em Turku por um grupo
de pesquisa liderado por Kimmo Grönland, Maija Setälä e Kaisa
Herne39. A codificação e a análise com uma versão modificada do
IQD foram feitas por Staffan Himmelroos 4 0. Os participantes dos
experimentos finlandeses constituíram uma amostra aleatória da
região de Turku. Em novembro de 2006, eles discutiram em oito
grupos se deveria ser construída na Finlândia a sexta planta
nuclear. Cada sessão experimental durou aproximadamente três
horas e terminou com uma decisão por voto ou consenso. Foram
90 participantes, totalizando 1.189 atos de fala relevantes
relacionados à questão nuclear. Como no Európolis, mas
diferentemente dos experimentos realizados na Colômbia,
Bósnia-Herzegovina e Bélgica, o projeto Finlândia contou com
esforços especiais que contribuíram para condições favoráveis à
deliberação. Os participantes receberam material sobre energia
nuclear antes e puderam se encontrar com especialistas
representantes de diferentes interesses no assunto. No começo
das discussões em cada grupo, foram estabelecidas regras de
base para lembrar os participantes de que deveriam falar e
respeitar os pontos de vista dos outros. As discussões foram
lideradas por facilitadores treinados que foram instruídos para
não influenciar nos pontos de vista dos participantes, mas para
intervir caso se perdesse o foco da discussão ou as características
de deliberação se perdessem.
39 Kimmo Grönland, Maija Setälä, and Kaisa Herne, "Deliberation and Civic Virtue:
Lessons from a Citizen Deliberation Experiment," European Pol i t ica l Science
Review 2 (2010), 95-117.
40 Staffan Himmelroos, "Democratically Speaking: Can Citizen Deliberation Be
Considered Fair and Equal?," paper apresentado no Workshop sobre Fronteiras da
Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
33. (c) A prática da deliberação
Escrevi este livro para que fosse também relevante para a prática
política. Nos últimos anos, a deliberação tem se tornado
proeminente na prática política com esforços para engajar mais
os cidadãos comuns no processo político. Esses esforços se
subscrevem a etiquetas como míni-púBlicos, jurados de cidadãos,
reuniões de consenso, células de planejamento e outros. Tais
esforços na prática política precisam ser acompanhadas de
pesquisas empíricas e normativas sistemáticas sobre deliberação.
É exatamente com isso que espero que este livro possa
contribuir. Qual é o apelo da deliberação cidadã para a prática
política? Um dos apelos importantes é garantir maior legitimidade
às decisões políticas. Muitos cidadãos tendem a não confiar
nos políticos no que diz respeito a tomar decisões para o
bem público. Existe um amplo grau de suspeita de que muitos
políticos sejam guiados unicamente por seus interesses de
carreira ou sejam, ainda, corruptos. Essa suspeita é
alimentada pela maneira como a mídia tende a cobrir os
assuntos políticos. Em meio a esse cinismo, reclama-se de um
déficit democrático. A estratégia óbvia para contra-restar esse
déficit é envolver mais os cidadãos comuns no processo político.
Dessa forma, as decisões políticas deveriam se tornar mais
aceitáveis para o público geral. É uma hipótese que merece ser
testada. Outro apelo importante para permitir que cidadãos
comuns deliberem sobre questões políticas é a expectativa de
que ideias novas sejam introduzidas, conduzindo a melhores
resultados na formulação de políticas. Os cidadãos não querem
mais aceitar que os políticos, por terem autoridade, saibam mais.
De fato, em muitos lugares a reputação dos políticos é
desalentadoramente ruim. Ao mesmo tempo, muitos cidadãos
são especialistas em suas áreas de atuação profissional e trazem
experiências da vida privada relevantes para muitas decisões
políticas.
A esperança de se obter resultados políticos melhores e mais
legítimos originou muitos esforços para envolver os cidadãos
comuns no processo político de formas mais plenas e
sistemáticas. Apresento como exemplo disso o projeto do
33
34. 34
Conselho Regional da Toscana41. Em 2007, a prefeitura
promulgou a Lei Regional nº 69, intitulada "Regras para a
Promoção da Participação na Formulação de Políticas Locais e
Regionais"42. Trechos importantes sobre o quanto essa lei era
necessária dizem o seguinte:
• A participação na formulação e realização de políticas
locais e regionais é um direito de todos. Esta lei promove
proativamente formas e instrumentos de participação
democrática para que isto se traduza em direito efetivo
disponibilizando recursos como dinheiro e suporte
metodológico.
• A lei incentiva a iniciativa autônoma de grupos sociais
organizados como autoridades locais, escolas e empresas
para que formulem projetos que melhorem a participação
cidadã.
Com tais formulações, os legisladores da Toscana apresentarão
uma agenda deliberativa para a região. Eles enfatizam uma forma
de participação democrática na qual os cidadãos comuns
discutem assuntos políticos e comunicam suas opiniões às
autoridades locais. É também num espírito deliberativo que todos
os interesses deverão ser ouvidos no processo político e que o
conhecimento político dos cidadãos melhore para que possam
oferecer justificativas bem desenvolvida em seus argumentos. Em
suma, uma nova cultura cívica deveria emergir na Toscana de
acordo com os objetivos dessa lei. Antonio Floridia e Rodolfo
Lewanski, dois acadêmicos da deliberação envolvidos no projeto
comentam:
A Toscana tornou-se um "laboratório" notável para testar empiricamente
a validade da participação deliberativa no mundo real, verificando os
efeitos e possíveis benefícios de sua institucionalização, e aplicando um
modelo específico cujo objetivo é fazer não apenas com que o governo
representativo e míni-públicos coexistam, mas que sejam realmente
41 Para uma descrição do projeto, ver Antonio Floridia e Rodolfo Lewanski,
"Institutionalizating Deliberative Democracy: The Tuscany Laboratory," paper
apresentado no Workshop on the Effects of Participatory Innovations, ECPR Joint
Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
42 Ver www.consiglio.regione.toscana.it/partecipazione. O site
contém também uma versão da lei em inglês.
35. complementares e mutuamente recursivos no cumprimento das leis. De
uma forma ou de outra, os resultados serão relevantes para aqueles que,
sejam acadêmicos, praticantes, políticos ou governantes, estejam
interessados em tais inovações para a democracia43.
Para implementar a lei, o Conselho Regional deveria apontar "um
especialista em direito público e ciência política com experiência
comprovada nos métodos e práticas participativos". Isso
aconteceu em 1 de outubro de 2008, com a indicação de Rodolfo
Lewanski, um cientista político da Universidade de Bolonha com
amplo histórico de publicações no campo da deliberação44. Ele
lidera a Autorita per la Partecipazione (Autoridade para a
Participação), com uma equipe que o ajuda a executar seus
deveres. Nos três anos que se passaram de 2008 a 2010, foram
concedidos fundos de 2.138.775 euros. A média de concessões foi
de 31.453 euros45. Comunidades locais, escolas, empresas e
qualquer grupo formal ou infomal de cidadãos comuns
podem solicitar fundos. É dever da Autoridade para a
Participação avaliar as solicitações e decidir quem será
beneficiado. Uma vez finalizado um projeto, a Autoridade para a
Participação deverá determinar em que medida as metas
estabelecidas para o projeto foram atingidas.
Como exemplo de projeto concreto, uso a comunidade local de
Piombino, localizada na costa do Mar da Ligúria. O assunto era a
renovação da Piazza Bovio (praça da cidade), localizada numa
rocha à beira do mar. Ao invés de deixar a decisão nas mãos de
técnicos especialistas e das autoridades locais, os cidadãos de
Piombino envolveram-se intensamente no processo de decisão.
As condições eram particularmente favoráveis para a deliberação,
uma vez que as preferências dos cidadãos ainda não estavam
fortemente cristalizadas, não dependiam de afiliações grupais
fortes e não promoviam apelos à identidade. Discutirei, mais
adiante no livro, casos nos quais as condições para a deliberação
43 Floridia e Lewanski, "Institutionalizing Deliberative Democracy," p. 2.
44 Conheço Rodolfo Lewanski pessoalmente, e portanto, conheço bem seu
trabalho no Conselho Regional.
45 Floridia and Lewanski, "Institutionalizing Deliberative Democracy," tabela 1 no
Anexo.
35
36. 36
eram menos favoráveis. A modo de introdução, parece-me
apropriado começar com um caso no qual as condições eram
favoráveis à deliberação, analisando o que ocorre sob tais
circunstâncias.
O projeto Piombino transcorreu de abril a dezembro de 2008.
Em abril, foram distribuídos folhetos em vários lugares como a
praça do mercado, informando a população sobre o projeto. Na
noite de 9 de maio, uma assembleia informativa sobre o projeto
contou com a presença de membros da equipe da Autoridade
para a Participação. Com o prefeito da cidade, os membros da
equipe apresentaram as metas do projeto: em conversa com os
técnicos especialistas, os cidadãos deveriam encontrar a melhor
solução para a renovação da Piazza Bovio. Portanto, todos os
participantes deveriam expressar livremente suas opiniões, e
todas as opiniões deveriam ser respeitadas. As discussões
ocorreram em pequenos grupos formados por, no máximo,
dez participantes. Por um lado, os participantes foram
selecionados aleatoriamente em listas oficiais da cidade. Por
outro lado, habitantes da cidade puderam se apresentar
voluntariamente para participar. Assim, foram formados cinco
grupos. Cada grupo se encontrou três vezes entre maio e
outubro. Nesses encontros, técnicos especialistas da cidade
(engenheiros e arquitetos) estiveram disponíveis para obter
informação caso os cidadãos desejassem. Era importante,
entretanto, que esses técnicos especialistas não liderassem as
discussões. Ao invés disso, um dos cidadãos desempenhou a
função de moderador. Depois de cada encontro, as discussões
foram resumidas em um relatório que continha os argumentos
articulados nas discussões. No início de cada discussão de grupo,
pedia-se aos participantes que dissessem o que a Piazza Bovio
significava para eles. As respostas foram uniformemente
positivas. Por exemplo:
• a praça serve como vínculo entre as gerações, contribui
para a identidade da cidade, estamos orgulhosos dela;
• na rocha que se projeta sobre o mar, a praça abre a
cidade para as belezas da natureza, como uma janela para a
amplidão infinita do mundo;
37. • a praça é um espaço social onde os moradores da cidade
se encontram e é especial para os amantes;
• a praça é um lugar tranquilo onde as pessoas podem refletir
calmamente.
Apesar dessas reações geralmente positivas, as discussões
grupais trouxeram muitas sugestões de melhora,
especificamente:
• A iluminação deveria ser reduzida para que as estrelas
pudessem ser melhor apreciadas à noite, especialmente da
extremidade externa da praça. Esta sugestão sofreu objeções,
já que a redução da iluminação poderia colocar em risco a
segurança, especialmente para os mais idosos ou pessoas com
deficiências. Para dar conta desses argumentos conflitantes,
seguiu-se com uma discussão sobre formas de iluminação.
Sugeriu-se que se usassem mais luzes no solo e menos luzes
para o alto. Sugeriu-se também que se utilizasse energia solar
para a iluminação da praça.
• Para o pavimento da praça foram feitas várias sugestões
referentes à cor e ao material a ser usado. Os participantes
foram detalhistas ao ponto de sugerirem, por exemplo, que se
usassem materiais que permitissem que a goma de mascar das
crianças pudesse ser removida.
• Houve uma discussão vívida sobre o número e tipo de árvores a
serem plantadas. Aqui, mais uma vez, os participantes tiveram
que enfrentar critérios conflitantes. Por um lado, as árvores
deveriam ser frondosas, mas não deveriam ocultar a vista do
mar. As árvores escolhidas não deveriam danificar o pavimento
com suas raízes.
Ao discutir esses e muitos outros assuntos, os grupos tentaram
chegar a um consenso ou ao menos a posições majoritárias. As
posições minoritárias, entretanto, também foram incluídas nos
relatórios dos grupos. Assim, uma voz solitária demandava que
todos os bancos fossem retirados da praza; apesar dessa
demanda não obter suporte algum, foi mencionada no relatório
do grupo. Um elemento particularmente inovador do projeto em
sua totalidade foi o envolvimento das crianças das escolas de
37
38. 38
Piombino. Depois de excursões escolares para a praça, as
crianças tiveram que fazer desenhos de como a praça deveria
ficar. Esses desenhos, frequentemente cheios de cores e alegria,
foram exibidos e também publicados no site da cidade. Desta
forma, as crianças aprenderam uma boa lição sobre a prática da
política através de um caso muito concreto de formulação de
políticas.
O projeto terminou em dezembro de 2008, quando toda a
população de Piombino foi convidada para ser informada sobre os
resultados das discussões em grupo. Nessa ocasião, as
autoridades locais prometeram levar em consideração as
sugestões formuladas nos grupos, o que de fato foi feito,
especialmente nos aspectos para os quais havia consenso sobre
como a praça deveria ficar. Os cidadãos foram incentivados a
continuar envolvidos também no processo de planejamento e
execução da renovação da praça. Do ponto de vista da
deliberação, é importante observar que, de acordo com os
relatórios dos grupos, as discussões foram conduzidas com
seriedade e respeito, ponderando-se cuidadosamente os
argumentos e com disposição dos participantes para mudarem de
posição caso se confrontassem com novas informações e bons
argumentos. Às vezes, as discussões deliberativas são
organizadas sem nenhum vínculo com debate público em curso.
Como veremos mais adiante neste livro, tais discussões
flutuantes sem ponto de chegada também são valiosas ao
contribuírem com o desenvolvimento político individual dos
participantes. Neste capítulo, entretanto, quero apresentar com
Piombino um caso no qual as discussões dos cidadãos faziam
parte de um processo político em curso. Desta forma, quero
enfatizar que a deliberação cidadã pode muito bem ter relevância
política.
Apresentei um exemplo que mostra como cidadãos comuns
podem ser envolvidos em questões de política deliberativa. Uma
onda de empreendimentos como este vem ocorrendo em
muitas partes do mundo nos últimos anos. É óbvio que há a
necessidade de engajar mais os cidadãos e mais plenamente no
debate político. Para a comunidade acadêmica, o desafio está em
39. pesquisar as condições nas quais essas experiências em
deliberação cidadã podem ter sucesso. Abordarei esse desafio
nos próximos capítulos. No último capítulo, voltarei para a prática
da deliberação.
39
40. 40
STEINER, Jürg. The Foundations of
Deliberative Democracy. Empirical Research
and Normative Implications. Cambridge :
Cambridge University Press, 2012.
Francine Altheman
Capítulo 1
A participação dos cidadãos na deliberação
a) Controvérsias normativas na literatura
Há consenso entre os teóricos deliberativos de
que cidadãos comuns devem ter a oportunidade
de fazer parte da política deliberativa, mas há
controvérsia sobre quantos cidadãos devem
realmente fazê-lo. Por um lado, há uma posição
normativa ideal de que todos os cidadãos devem
estar envolvidos em políticas deliberativas. Em
suas vidas cotidianas, eles devem discutir
assuntos políticos entre seus familiares, com os
amigos e vizinhos, no local de trabalho, e nos
clubes e associações. Essas discussões devem
ter um caráter deliberativo no sentido de os
participantes se voltarem para a força do melhor
argumento. Como consequência, a formação de
opinião entre a população comum se daria de
uma forma reflexiva. Essas opiniões refletidas
[opinião pública] são então comunicadas aos
líderes políticos por meio de uma variedade de
canais como encontros pessoais, eventos
públicos, a mídia, e a Internet. Essa posição
41. participativa é defendida por Jürgen Habermas,
que argumenta que todos os afetados por uma
decisão política devemser incluídos na
deliberação (Inklusion aller Betroffenen).46 Desde
que decisões importantes, por exemplo sobre o
meio ambiente ou assistência médica, que afeta
todo mundo, a posição habermasiana é de que
todo mundo deve participar da deliberação de
tais questões. Habermas espera que a
deliberação entre cidadãos comuns terá
influência em eleições, legislação e poder
administrativo, desde que “o fluxo
comunicacional que serpeia entre formação
pública da vontade, decisões institucionalizadas
e deliberações legislativas garantea
transformação do poder produzido
comunicativamente, e da influência adquirida
através da publicidade, em poder aplicável
administrativamente pelo caminho da
legislação.” Nesse caso, cidadãos devem ser uma
grande força de compensação contra as duas
tradicionais influências políticas, “dinheiro e
poder administrativo”.47
Alguns teóricos consideram como utópico que
praticamente todos os cidadãos irão sempre
participar da política deliberativa. Portanto, como
esses teóricos argumentam, tem que se pensar
sobre um modo mais real de envolver os líderes
populares na deliberação de questões políticas.
Eles colocam suas esperanças nos chamados
41
46 Jürgen Habermas, Ach, Europa (Frankfurt a.M.:
Suhurkamp, 2008), p. 148.
47 Jürgen Habermas, Between Facts and Norms:
Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy
(Cambridge, MA: MIT Press, 1996), p. 299.
42. 42
mini-públicos, os quais eles entendem como
grupos de cidadãos escolhidos aleatoriamente.
James S. Fishkin, um teórico importante, está na
vanguarda desse movimento com a ideia do
Voto Deliberativo.48 A questão crucial é o
que a deliberação em mini-públicos desse
tipo significa para o sistema político em
grande escala. Fishkin espera que os
participantes nesses mini-públicos peguem o
gosto pela deliberação e, em seus contextos
pessoais, façam com que outros cidadãos se
engajem em atividades deliberativas. Ele
também espera que a opinião dos líderes que
emergem dos participantes desses mini-públicos
possa refletir as opiniões dos outros cidadãos.
Em todos esses casos, a deliberação em
mini-públicos deve se espalhar para um grande
número de cidadãos.
Maija Setälä também reflete sobre o papel dos
mini-públicos no processo de decisão política.49
Ela adverte que “mini-públicos deliberativos são
frequentemente considerados pelas autoridades
públicas em uma base ad hoc,” e isso levanta
para Setälä “questões sobre motivações além
deles. As recomendações a que chegam o debate
dos mini-públicos são normalmente ignoradas.”
De acordo com Setälä, “o impacto dos
mini-públicos poderia ser reforçado pela
institucionalização de sua utilização e
48 James S. Fishkin, When the People Speak : Deliberative
Democracy and Public Consultation (Oxford University
Press, 2009).
49 Maija Setälä, “Designing Issue-Focused Forms of Citizen
Participation”, artigo apresentado na Conferência da
Democracia: uma perspectiva cidadã, Âbo, Maio 25-27,
2010, p. 15.
43. 43
desenvolvendo formas em que tais
recomendações fossem tratadas nas
instituições representativas.”50
Erika Cellini et al. vai um passo além que
Setälä quando alerta que a organização dos
mini-públicos pode ser mal utilizada para
distrair a atenção das reais decisões
tomadas pelos públicos das arenas.51 Como
exemplo eles citam a decisão tomada na
região da Toscana sobre a política de
saúde: enquanto o governo organizou
mini-públicos para discutir sobre a
distribuição dos custos da saúde, ele
decidiu ao mesmo tempo sobre a
reorganização de todo o sistema hospitalar
na região. Desse modo, os mini-públicos
afastaram a atenção de onde a real tomada
de decisão estava ocorrendo. Cellini et al.
também demonstra que esses mini-públicos, que
foram anunciados pelos organizadores como
representativos quando não eram, tinham uma
forte representação de pessoas altamente
educadas e politicamente ativas. O fato é que
não foi aos mini-públicos, representados por
cidadãos comuns, o poder de influenciar a
política de saúde na região. Em primeiro lugar,
os cidadãos comuns não estavam
devidamente representados e, segundo, os
mini-públicos não tiveram nenhuma
50 Setälä, “Designing Issue-Focused Forms of Citizen
Participation”, p. 15.
51 Erika Cellini, Anna Carola Freschi, and Vittorio Mete, “Chi
delibera? Alla ricerca del significato politico di un
‘esperienza partecipativo-deliberativo’,” Rivista Italiana di
Scienza Politica 40 (2010), 138: “distrazione dell’attenzione
del pubblico dalle sedi dove si negoziano gli interessi.”
44. 44
influência sobre o curso de tomada de
decisão das autoridades políticas.
Um problema especial para o critério de
igualdade de participação no processo
deliberativo é como lidar com os cientistas e
outros especialistas. Alfred Moore alerta “que o
ideal de igualdade entre os cidadãos para
participar da deliberação de problemas que lhes
afeta está em tensão com as desigualdades de
conhecimento que são inerentes às sociedades
complexas.”52 Ele considera essa tensão como
inevitável; portanto, “a questão não é se a
autoridade especialista faz parte do sistema
deliberativo, mas como ela será integrada e se
essa integração é objeto de padrões
deliberativos.”53 Moore contrasta a tecnocracia
com um modelo de democracia das autoridades
especialistas. O modelo democrático, em
contraste, coloca “a autoridade especialista ao
julgamento do público de um jeito que desafia
algumas defesas tecnocratas no papel da
expertise política, mesmo que não implique uma
rejeição do valor da autoridade especialista nas
políticas”.54 Como exemplo ele menciona os
ativistas da Aids que “desenvolveram uma
expertise e foram capazes de forçar seus pontos
de vista nas discussões de estratégias de
tratamento e o caminho dos experimentos”.55
Como um princípio geral, Moore quer “ser capaz
52 Alfred Moore, “Questioning Deference: Expert Authority
in a Deliberative System”, artigo apresentado no encontro
anual da Midwest Political Science Association, Chicago,
Março 31-Abril 3, 2011, p. 14.
53 Moore, “Questioning Deference,” p. 14.
54 Moore, “Questioning Deference,” pp. 4-5.
55 Moore, “Questioning Deference,” p. 13.
45. de um tipo de crítica que fundamenta a
autoridade especialista na ausência de mera
deferência cega”.56
John Parkinson alerta que com todo o foco nos
mini-públicos, nós não devemos nos esquecer do
nível macro. Ele quer olhar “para o público
racional e formador de opinião que está em e
entre as sociedades democráticas todos os dias
em vez de estar apenas confinada no julgamento
dos cidadãos.” Parkinson preocupa-se que
“tecnocratas assumiram e transformaram a
democracia deliberativa em apenas um
conjunto de ferramentas para pesquisar,
mesmo que manipulando, o usuário dos
serviços públicos.”57 Como consequência dessa
tendência, Parkinson vê o perigo de a
democracia deliberativa perder “seu grande
potencial crítico”.58 Ele quer ver como a
deliberação funciona não somente em
mini-públicos, mas também em grandes
sociedades. Jane Mansbridge et al. reafirma que
deve-se também olhar para como a deliberação
funciona em grandes sociedades.
Para entender o grande objetivo da deliberação,
é necessário ir além dos estudos sobre
instituições individuais e processos para
examinar suas interações no sistema como um
todo. Reconhecemos que a maioria das
democracias é uma complexa entidade com uma
56 Moore, “Questioning Deference”, p. 14.
57 John Parkinson, “Conceptualising and Mapping the
Deliberative Society,” artigo apresentado na Political
Association Conference, Edinburgh, 2010, pp. 14-15.
58 Parkinson, “Conceptualising and Mapping the
Deliberative Society,” p. 2.
45
46. 46
variedade de instituições, associações, e espaços
de contestação política, incluindo as redes
informais, a mídia, os grupos organizados de
defesa, escolas, fundações, instituições privadas
e não lucrativas, legislaturas, agências
executivas e os tribunais. Assim, nós defendemos
o que pode ser chamado de um sistema próximo
do que é a democracia deliberativa.59
Mansbridge et al. enfatiza que no sistema
deliberativo nem todos os elementos precisam
ter uma natureza deliberativa: “por exemplo,
retórica altamente partidária, mesmo
violando alguns ideais deliberativos como o
respeito mútuo e de ajustamento, pode,
contudo, ajudar a cumprir outros ideais
deliberativos, como a inclusão”.60 Para
ilustrar sua abordagem, Mansbridge et al. NÃO
CONCORDO.
olhe atentamente para os protestos. Protestos
frequentemente aparecem para violar diversas
normas da deliberação. Primeiro, os
manifestantes usam slogans para provocar o
entusiasmo e transmitir uma mensagem
dramática que frequentemente minam a sutileza
epistêmica. Segundo, quando um protesto
implicitamente ou explicitamente ameaça
promover sanções ou impõe cotas, ele age como
uma forma de coerção. Terceiro, protestos por
59 Jane Mansbridge, James Bohman, Simone Chambers,
Tom Christiano, Archon Fung, John Parkinson, Dennis
Thompson, and Mark Warren, “A Systemic Approach to
Deliberative Democracy”, artigo apresentado no Workshop
on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St.
Gallen, Abril 12-17, 2011.
60 Mansbridge et al., “A Systemic Approach to Deliberative
Democracy”, p. 3.
47. 47
vezes envolvem níveis de rompimento e
contestação que deixam de atender as normas
da deliberação de civilidade e respeito mútuo,
[mas] protestos podem ser interessantes para
corrigir as desigualdades no acesso ao debate
trazendo mais vozes e interesses ao processo de
decisão.61
Pensar em deliberação em termos sistêmicos é
um exercício útil, mas isso torna mais difícil de
identificar o que é deliberativo e o que não é.
Tomando a ilustração de Mansbridge et al., uma
ação de protesto pode parecer como
não-deliberativa no âmbito micro mas como
contributiva à deliberação no âmbito sistêmico,
mas não é fácil determinar se uma ação de
protesto em particular contribui para a
deliberação no âmbito sistêmico.
Stefan Rummens também tem um olhar
sistêmico e argumenta que uma boa
deliberação em todos os tipos de fóruns e
redes não é suficiente para a democracia
deliberativa, que deve ser fortemente
respaldada pelas instituições
representativas tradicionais. Para ele,
“políticas representativas proporcionam um
debate político com uma narrativa estruturada
que faz o processo político ser particularmente
visível e acessível para uma grande audiência”.62
61Mansbridge et al., “A Systemic Approach to Deliberative
Democracy”, p. 25.
62 Stefan Rummens, “Staging Deliberation: the role of
representative institutions in the deliberative democratic
process”, artigo apresentado no Workshop on the Frontiers
of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, Abril 12-17,
2011, p. 20. Prestes a ser publicado no Journal of Political
48. 48
Apesar de todas as controvérsias entre os
teóricos, eles concordam que os cidadãos devem
estar envolvidos em política e, tanto quanto
possível, em um nível de igualdade. Como Dennis
F. Thompson coloca: “Igualdade de participação
requer que nenhuma pessoa ou grupo de
favorecidos domine completamente o processo
de debate racional [ação comunicativa], mesmo
se os sujeitos do debate não estejam
rigorosamente em igualdade de poder e
prestígio.”63 Jane Mansbridge coloca a mesma
ideia como segue: “A deliberação deve,
idealmente, ser aberta a todos os afetados pela
decisão. Os participantes devem ter igual
oportunidade para influenciar o processo, ter
iguais recursos, e serem protegidos por direitos
básicos”.64 A questão é somente quantos
cidadãos são atualmente capazes e dispostos a
participar desse modo em processos políticos.
Enquanto Habermas salienta o ideal de que todos
os cidadãos deliberam em um nível de igualdade
e sem constrangimentos [coerções], teóricos
como Fishkin vê esse ideal como utópico e pensa
em modos de aumentar a quantidade e
qualidade de participação dos cidadãos na
política deliberativa. Mansbridge também
reconhece que o ideal que ela propõe nas
Philosophy.
63 Dennis F. Thompson, “Deliberative Democratic Theory
and Empirical Political Science”, Annual Review of Political
Science 11 (2008), 527.
64 Jane Mansbridge com James Bohman, Simone Chambers,
David Estlund, Andreas Follesdal, Archon Fung, Christina
Lafont, Bernard Manin e José Luis Marti, “The Place of
Self-Interest and the Role of Power in Deliberative
Democracy”, Journal of Political Philosophy 18 (2010), 2.