1. 19.02.2010
A Economia e os Valores Femininos
“ Por que os negócios têm de ser feitos dessa maneira? Por que o mercado não se
empenha seriamente em eliminar a pobreza? Por que não melhorar a vida dos mais pobres no
mundo em primeiro lugar? Será impossível fazer com que os negócios, além dos interesses
privados, movimentem-se em favor do bem público? ” (Anita Roddick)
Uma das mais destacadas empresárias no ramo de cosméticos, a inglesa Anita Roddick se
fundamenta em valores e princípios femininos para fazer negócios. Ela é fundadora da The
Body Shop, rede de 2.000 lojas que servem mais de 84 milhões de consumidores em 24
idiomas.
A empresária afirma que não tem interesse em ter o maior, o mais rentável ou o mais amplo
negócio varejista. Seu desejo é que The Body Shop seja a melhor, a mais vibrante empresa
dentre todas, e uma das que mudam o rumo dos negócios. É com esta visão que ela dirige a
empresa que, junto com o marido, fundou há trinta anos, quando precisava dar resposta ao
sustento da família e não tinha experiência empresarial.
Ganhadora de prêmios da Confederação das Indústrias Britânicas, detentora de ações
valorizadas e de lucros que alcançam milhões de libras, Anita mostra ao mundo que há uma
forma diferente de fazer negócios, preocupando-se com as pessoas, responsabilizando-se pela
construção do bem-estar da humanidade, agindo com ética nas relações comerciais,
respeitando e lutando pelos direitos humanos, valorizando a parceria, exercendo a
solidariedade. Em outras palavras, ela conduz seu empreendimento guiada por valores
femininos como o cuidado, a solidariedade, a integração, o altruísmo, o consenso, a
conciliação, o acolhimento. E isso tudo sem abrir mão do objetivo número um das empresas,
como estamos acostumados a ouvir: o lucro.
É verdade que muitas empresas têm assumido a responsabilidade social em sua gestão, mas,
infelizmente, os fundamentos da economia ainda tendem para a desumanização dos negócios.
A eficiência econômica desconsidera as pessoas e seus interesses e trabalha com o abstrato. É
assim que a macro e a micro economia orientam os negócios no mundo. As tentativas de
mudanças são ridicularizadas ou creditadas a não iniciados na área econômica, portanto sem
valor. Entretanto, como diz a empresária, existem muitos aspectos da vida que não podem ser
reduzidos a um lançamento contábil, e nossa sobrevivência depende muito de nos lembrarmos
disso.
Por isso, atividades e posições como da empresa The Body Shop são essenciais para mostrar as
possibilidades de fazer negócios de forma diferente, considerando outros valores, tendo as
empresas como agentes de mudanças e construtoras do bem-estar social, com
responsabilidades perante o coletivo.
2. Esta prática, que desafia a lógica microeconômica, alia-se a outra forma de pensar no campo
macroeconômico, cuja defesa, feita pela futurista americana Hazel Henderson, mostra a
necessidade de se proceder a uma revisão completa dos indicadores da macroeconomia, em
especial as estatísticas que estruturam os Produtos Nacional e Interno Brutos, considerados,
na sua visão, obsoletos, por não levarem em conta os recursos naturais, as reservas ambientais
e, em especial, o trabalho reprodutivo não remunerado, estimado hoje em mais de 50% de
toda a produção mundial. Hazel refere-se à maternidade, ao cuidado com os anciões e
membros doentes da família, à manutenção de lares, ao voluntariado dos serviços
comunitários, à agricultura mantida para o sustento familiar, enfim, tudo aquilo que dá base
para a sustentação dos grandes negócios no mundo, essencial para a vida, e que a economia
não reconhece.
Mudar esses indicadores significa mudar a forma de ver os resultados econômicos. É preciso
tirá-los do abstrato, transformar a economia em instrumento efetivo do desenvolvimento
humano e, aí sim, da riqueza mundial.
O processo deve ser o de acréscimo de valores. A economia precisa incorporar o sentido do
cuidado, do consenso, do acolhimento para poder considerar o que Hazel Henderson prega.
São valores essencialmente femininos, que, ao longo da história humana, sob domínio
patriarcal, foram legados ao ambiente privado, doméstico, fazendo parte de um mundo não
integrado, paralelo. Esses valores precisam vir para a esfera pública, não apenas por uma
questão de direitos da mulher, mas, sobretudo pela salvação da nossa espécie. Só teremos
uma sociedade justa e equilibrada quando metade dos valores humanos for incorporada às
governanças econômica e política do mundo.
Não basta que a mulher seja 50% do mercado de trabalho. É necessário que ela assuma mais
cargos de direção, na esfera pública e privada, e que a forma como pensa e age seja
incorporada na condução de negócios e governos. E que também as atividades relacionadas
com a esfera da reprodução da vida sejam assumidas pelo homem, da mesma forma que as
mulheres incorporaram as atividades de produção de bens e serviços.
Não é por acaso que a maior parte do pensamento inovador sobre responsabilidade social dos
investimentos veio das mulheres. Como provedoras, as mulheres têm um profundo
conhecimento sobre as necessidades humanas.
Não se trata de reivindicar a supremacia feminina, mas de construir um novo relacionamento
entre homens e mulheres, fundamentado nos melhores valores de cada um.
Neste mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, devemos refletir
sobre o que disse Petra Kelly, feminista e co-fundadora do Partido Verde na Alemanha:
“Precisamos trabalhar pelos nossos próprios valores e colocá-los no nível de importância dos
valores dos homens.”
* Gleisi Hoffmann é advogada e membro do Diretório Nacional do Partido dos
Trabalhadores