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16 Maria Cristina Neiva de Carvalho / Teima Fontoura / Vera Regina Miranda
A importância da integração entre a Psicologia e o Direito re-
side no fato de que a lei é elaborada pelo homem, cumprida ou não pelo
homem, e os fatos jurídicos serão analisados e julgados também por
seres humanos. Isto é, o homem é autor, ator e juiz das leis. O homem,
como ser complexo que é, não segue o paradigma da linearidade da lei,
justamente em função de sua subjetividade.
Tendo estas premissas como base é que organizamos a pre-
sente coletânea de trabalhos de psicólogos oriundos do Curso de Espe-
cialização em Psicologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná e trabalhos produzidos por profissionais de Direito, acredi-
tando que estaremos sensibilizando para a prática da interdisciplinari-
dade, tão necessária nas questões jurídicas atuais.
As organizadoras.
DIÁLOGOS ENTRE
O DIREITO E A PSICOLOGIA
Antonia Lélia Neves Sanches
"O Estado não cria direito, o Estado cria leis.
E Estado e leis estão abaixo do direito".
Erick Kaufmann
Objetiva, o presente trabalho, recriar o cenário histórico, filo-
úlico e jurídico, que ensejou a abertura sistêmica do Direito.
O curso de Direito, outrora composto somente por matérias
logmáticas, restritas à mera literal idade dos Códigos, abre-se às demais
iências, revelando a crise do sistema até então vigente.
Para essa empreitada, será necessário percorrer todo um cami-
nho que, a partir do Jusnaturalismo, passa pelo Positivismo, até chegar
11 l'ás-Positivismo. Imprescindível, também, observar a realidade, atra-
das lentes filosóficas dos paradigmas do ser, da consciência e do
111/1' comunicativo; e, ainda, desvendar o nascimento das correntes críti-
1111 110 cenário jurídico nacional, pois, sem sombra de dúvidas, a inter-
~n() entre o Direito e a Psicologia se revela como um desdobramento
I""MII leitura crítica do Direito, que, até a pouco, era uma ciência pura-
ntc norrnativista.
Ao final dessa trajetória haverá a certeza que a introdução da
[culogia no curso de Direito, além de inevitável, veio de encontro aos
IlIl'im; dos operadores do Direito, que, não mais aceitando se submeter
mern interpretação literal dos Códigos, estavam sedentos por vislum-
I' 11 alma humana. A partir dela, conseguiram encontrar o real sentido
IJircito - aquele que tem o indivíduo, enquanto sujeito de direitos e
veres, acima das leis e do Estado.
VISÃO HISTÓRICA DO DIREITO
() Direito é um fenômeno histórico e cultural, criado pela
humana, com o objetivo de servir como instrumento de resolução
18 Antonia Lélia Neves Sanches Diálogos entre o Direito e a Psicologia 19
de conflitos sociais. O seu surgimento está vinculado ao Estado, fonte
produtora de leis, por excelência. O Direito sempre refletiu o Estado,
por vezes revelando-se um instrumento justo e, por outras, se mostrando
um mecanismo de controle e opressão do indivíduo'.
Para Bobbio, o Direito se vinculou ao justo, a partir da inver-
são de perspectivas. A relação até então existente, firmada entre sobera-
no e súditos, foi substituída pelo nexo Estado e cidadão.
Passaram, os cidadãos, a ter direitos, enquanto que os súditos
somente tinham deveres. Tal inversão resultou de guerras e lutas contra
as opressões, pois a sociedade não podia mais preponderar ao indivíduo
(BOBBIO, 2004, p. 24).
Até o século XIl, devido à descentralização do Poder, o Di-
reito em nada se assemelhava ao atualmente conhecido. Com a queda
do Império Romano do ocidente houve a descentralização total do Esta-
do, com a formação de vários centros de poder.
Com a Baixa Idade Média, no século XIII, o acúmulo de ri-
quezas possibilitou que alguns indivíduos passassem a não mais realizar
os trabalhos braçais necessários à manutenção do sistema vigente. Essa
primeira e tímida manifestação do capitalismo, somada à redução dos
bárbaros na Europa, acarretou a crise do modelo feudal e o início da
emancipação intelectual, com a fundação das primeiras Universidades.
O século XIV marca o fim dos glosadores, cuja função restrin-
gia-se a meras anotações ao Corpus Iuris Civiles. Em contrapartida
aparecem os comentadores, que viabilizaram o surgimento do Estado
Moderno.
O século XV é considerado como o período de transição para o
Direito e, ainda, para as concepções medievais que se tinha do Poder.
Por essa razão, o movimento cultural desse século recebeu o nome de
Renascimento, já que rompeu severamente com a Idade Medieval; inau-
gurando um novo momento na Europa.
Jean Bodin contribui para o conceito atual de soberania, dando
origem a um sistema dividido, similar ao atual. Para ele, a Soberania era
o "poder absoluto e perpétuo de uma República" (RISCAL, 2001),
numa concepção inovadora, em relação à Idade Média, que entendia a
soberania como o poder absoluto concentrado nas mãos do Rei, que
unia as funções de juiz, administrador e rei.
Por sua vez, Maquiavel estabeleceu a diferença entre ética e
política, ao entender que a dimensão política era um campo totalmente
desapegado da ética e o "príncipe", mais do que buscar condutas mo-
ralmente aceitáveis, devia fazer tudo que estivesse ao seu alcance para
manter o poder e sua própria segurança. Esse posicionamento estava em
sentido contrário ao defendido por Platão, para quem só podia governar
aquele que fosse virtuoso e detentor de grande conhecimento, que ja-
mais poderia servir às coisas vãs.
O Renascimento repercutiu no Direito com o surgimento do
humanismo jurídico, que, por captar os contornos da modernidadc que
se aproximava, agasalhou inequívoca aversão ao Corpus Juris Civilis e
11 tudo que representasse a tradição jurídica medieval.
É por isso que, não obstante os aparentes retrocessos verifica-
dos na Idade Média, no que pertine ao Direito, correto está o jurista
italiano Paolo Grossi (2006), ao ensinar que, justamente nesse período:
origina-se, toma/arma e se caracteriza em meio a dois vazios e gra-
ças a dois vazios: o vazio estatal que se seguiu à queda do edificio
político romano e aquela refinada cultura jurídica estreitamente li-
gada às estruturas deste edificio. Aquilo que poderia, à primeira
vista, parecer um retrocesso ou, de algum modo, um/ator negativo,
ou seja, dois vazios que restaram não preenchidos, constitui - ao
contrário - o nicho histórico adequado para o desenvolvimento de
uma experiência jurídica bastante original.
Mencionadas experiências jurídicas tiveram início no século
' VI, sobretudo com Thomas Hobbes, que defendia que o Estado surgiu
n partir de uma vontade individual, manifestada através do contrato
sucia I.
Para Hobbes, o estado de natureza do indivíduo, antes de ade-
rlr ao pacto social, é a causa da insegurança permanente, que resulta na
ucrra sem fim, de todos contra todos, o que gera a obsessão pela paz e
pela segurança e, finalmente, a celebração do contrato social, também
luunado de pacto pela paz, que, após a sua formação, produziu um
rlclato chamado Estado, que se consubstancia na parcela de poder que
I indivíduo, enquanto titular, transfere ao Estado, com o fim de garantir
, puz social.
Não existe qualquer fundamento divino, mas, sim a proteção
direitos individuais. É por essa razão que Hobbes é considerado um
É longa a batalha entre aqueles que consideram o Direito como um fato histórico, construido,
ao longo do tempo, como marco do progresso do homem, e aqueles que entendem o Direito
como imancntc ao ser humano, que o detém pelo simples fato de ter naseido homem. A pre-
sente exposição recepciona a primeira corrente, que tem como mestre maior Norberto Bobbio,
segundo a qual não existem direitos naturais, porque cada direito tem um marco histórico de-
finido de nascimento, passível de aferição no curso da história. (BOBBIO, 2004).
20 Antonia Lélia Neves Sanches
dos primeiros teóricos a disciplinar a razão, por atribuir à lei o papel de
colocar fim à guerra de todos contra todos",
Nasce, aqui, a distinção entre as esferas privada e pública, que
inexistia na Idade Média. Essa diferença é mais um dos traços do Esta-
do Moderno.
Ao final do século XVII ganhou relevo o pensamento de John
Locke, pelo qual o Estado é a única forma de viabilizar o pleno exerci-
cio do direito de liberdade e do direito de propriedade. Locke foi o pre-
cursor do individualismo proprietário e do liberalismo, por considerar
como homem somente aquele que fosse detentor de uma propriedade
privada.
Se, para Hobbes, não existia qualquer condição para aderir ao
pacto social, haja vista que sua finalidade primeira era dar fim à guerra
permanente, para Locke, diferentemente, somente os proprietários é que
podiam fazer parte do pacto que deu origem ao Estado, cabendo-lhes o
sagrado direito de proteger os seus bens.
Surgiu, desta forma, no final da Idade Média, século XVI, o
Estado Moderno, sobre as ruínas do feudalismo.
Nos séculos XVll e XVIII, o Estado incorporou o Jusnatura-
lismo Racionalista e, por influência do liberalismo, passou-se a garantir
os mínimos direitos aos indivíduos e, logo a seguir, houve a superação
do Estado absolutista, com o advento das revoluções francesa e norte-
amencana.
No século XIX, o Direito moderno consolidou seus postulados
fundamentais, sob influência da onda positivista que atingiu seus opera-
dores, estimulando-os a lutar pela solidificação desse ramo de conheci-
mento como Ciência.
Essa fase durou até bem pouco tempo atrás, ainda persistindo
em alguns países, como no Brasil.
Entretanto, alguns feixes de luz vêm sendo lançados sobre o
breu dominante no cenário jurídico nacional, no qual a lei, para muitos,
ainda é considerada como a expressão superior da razão.
Na visão positivista, o Direito encontra-se completamente se-
parado da Filosofia, Sociologia, Psicologia, e de qualquer outro campo
Em sentido contrário, Foucault entende que não é o sujeito que detém o poder, mas sim o
poder que tem como um de seus efeitos o sujeito. Assim, o Estado não seria fruto da cessão
de parcela do poder do indivíduo através do contrato social, mas sim algo que antecede o su-
jeito.
Diálogos entre o Direito e a Psicologia 21
do saber. Volta-se, exclusivamente, para a dogmática jurídica, na qual
somente a lei positivada importa. Quaisquer outros fatores que não en-
contrem sustentação na estrita legalidade são desconsiderados, mesmo
que tenham relevância capital.
Assim, analisada a dimensão histórica do Direito, verifica-se
que o cenário é de total estagnação, não mais sendo possível aceitar que
a lei, alçada à categoria de elemento primeiro e único do sistema, seja a
exclusiva fonte do Direito.
Para a ruptura dessa estaticidade, há que se reconhecer que a
transdisciplinaridade do Direito é uma necessidade premente, também
no que pertine à Psicologia'.
2 MANIFESTAÇÕES FILOSÓFICAS DO DIREITO
A função primordial do Direito é a solução de conflitos e a pa-
cificação social. Portanto, sem sociedade não há Direito.
Segundo Paolo Grossi, "o direito é velho como o mundo"
(2006, p. 37), uma vez que sempre existiram ordenamentos a serem
cumpridos por toda a sociedade, ainda que guardem pouca semelhança
ao que se conhece, atualmente, como ordenamento jurídico.
A definição de Direito mudou ao longo da história e para en-
tender o seu conceito atual é preciso voltar o olhar para o passado. Essa
leitura deve passar, obrigatoriamente, pelas manifestações filosóficas do
Direito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e, por fim,
110 Pos-Positivismo.
Segundo Luís Roberto Barroso (2002), o termo jusnaturalis-
mo significa: "uma das principais correntes filosóficas que tem acom-
panhado o Direito ao longo dos séculos, fundada na existência de um
direito natural".
Tal asscrtiva ganha mais força no Brasil, diante dos escândalos de eorrupção c compra de
votos que, diuturuamcntc, grassarn os noticiários do País. É impossível aceitar que uma lei
tenha sido promulgada em razão dos parlamentares terem vendido os seus votos, que nada
mais são do que expressão da vontade geral e manifestação da soberania popular. Alguns
constitucionalistas da atualidade já vêm pregando uma nova forma de inconstitucionalidadc,
definindo-a de "inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar". Assim, na hipóte-
se da lei aprovada por compra dos votos dos legisladores não padecer de vício de inconstitu-
cionalidade formal ou material, a única forma de extirpá-Ia do ordcnarncnto jurídico, ante a
sua inequívoca dcsconformidadc com a vontade popular, é a declaração de sua inconstitucio-
nalidadc por quebra de decoro parlamentar, já que os seus claboradorcs a aprovaram, tão so-
mente, em troca de quantias em dinheiro. Nesse sentido é a lição de Pcdro Lcnza, em sua
obra Direito Constitucional Esqucrnntizado.
22 Antonia Lélia Neves Sanches Diálogos entre o Direito e a Psicologia 23
o Jusnaturalismo defende a existência do Direito Natural e sua
prevalência sobre qualquer outra manifestação jurídica.
O significado da expressão direito natural comporta muitas
controvérsias.
Entende Paolo Grossi (2006, p. 71), a partir de uma visão ins-
pirada no cristianismo, que o direito natural, base do Jusnaturalismo, é
aquele Direito que todo homem tem, pelo simples fato de ter nascido
homem. É um direito que não se encontra em leis postas, mas sim 110
interior de cada indivíduo.
A concepção de direito natural foi o móvel para a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de L789.
O JusnaturaLismo foi superado pelo Positivismo, ante a sua
inaptidão para explicar direitos que não podem ser usufruídos por todos,
pois, nas palavras de Bobbio (2004, p. 25),
e passou a ignorar, por completo, sua legitimidade, que estava na con-
formidade com a Moral e com a Justiça.
O apego excessivo às leis, sem levar em conta os casos con-
cretos e a conjuntura social diante da qual foram editadas, resultou no
aparecimento de movimentos contrários ao Positivismo Jurídico em
todo o mundo, fazendo surgir correntes filosóficas críticas. Com o
advento do Fascismo, na Itália, e diante das atrocidades cometidas pelos
Nazistas, na Alemanha, estes movimentos se fortaleceram, gerando um
sentimento de descrédito no Positivismo (BARROSO, 2002).
A situação colocada era a seguinte: O Direito Natural já não
era mais suficiente para manter a harmonia da sociedade, dada a sua
inaptidão para explicar a razão pela qual, sendo o Direito imanente à
natureza humana, nem todos os homens podiam usufruir as mesmas
prerrogativas. De igual forma, estava o Direito Positivo, anteriormente
invocado para legitimar condutas arbitrárias, desprovidas de qualquer
senso de justiça.
Diante desse contexto, teve início um novo fenômeno, o Pós-
Positivismo ; que sem ignorar o Direito Posto, conferiu relevância ao
Direito Natural, fundamentando o sistema jurídico nos princípios de
moral, justiça e equidade, os quais, além de serem recepcionados como
princípios vetores de interpretação, adquiriram força norrnativa, vincu-
lando o ordenamento jurídico.
Para Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2007,
p.279),
os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direi-
tos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracteri-
zadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos pode-
res, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de
uma vez por todas.
Contudo, não se pode negar a importância do Jusnaturalismo,
enquanto linha filosófica do Direito.
Com a transformação da razão no principal elemento do Di-
reito Natural, através do fenômeno do racionalisrno, passou-se a consi-
derar Direito somente o que fosse lei, traço típico do Positivismo.
Tornou-se, assim, o Direito Natural apenas um dos elementos
possíveis do Direito Positivo e não mais o único e exclusivo a prevale-
cer sobre ele, como outrora acontecia, o que colocou fim à supremacia
do Jusnaturalismo.
Como resultado da prevalência do conhecimento científico, o
Positivismo Jurídico apenas considerava Direito as leis emanadas do
Estado, mediante a produção intelectual dos homens. Ao separar o Di-
reito da Moral e da Justiça, o Positivismo Jurídico limitou o Direito à
norma emanada do Estado, atribuindo ao ordenamento jurídico uma
completude jamais vislumbrada.
Ao simplesmente importar conceitos do Positivismo Socioló-
gico, tais como a neutralidade e o distanciamento entre sujeito e objeto,
o Positivismo Jurídico reduziu o Direito ao ordenamento jurídico posto
o pos-posiüvismo é a designação provisória e genérica de um ideá-
rio difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores,
princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica cons-
titucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o
fundamento da dignidade humana.
O sistema jurídico propugnado pelos pós-positivistas não se
apoiava, somente, em abstrações decorrentes da natureza, tal como pro-
pugnado pelo Jusnaturalismo, nem, exclusivamente, em regras emana-
das do Estado, como defendido pelo Positivismo.
Inovou, essa corrente, ao sustentar a junção de regras, princí-
pios e valores, que têm, na satisfação dos direitos fundamentais e na
busca por uma vida digna, seus pilares de sustentação.
Foi nesse quadro que se constatou a urgente necessidade de ha-
ver a abertura sistêmica do Direito para as outras ciências, estando aí
24
Antonia Lélia Neves Sanches
incluída a Psicologia. A transdiciplinaridade, como iocus de junção de
regras e princípios, constituiu-se em corolário lógico do Pós-Positivisrno.
3 PARADICMAS FILOSÓFICOS DO DIREITO
Para que se entenda o atual momento do Direito, é preciso fa-
zer uso dos Paradigmas Filosóficos norteadores do pensamento jurídico,
de modo a explicar a razão da insuficiência do Direito Natural e do Di-
reito Positivo.
Ludwig (2006) sustenta que a filosofia analisa a realidade a
partir das perspectivas cosmológica, teocêntrica, antropocêntrica e bio-
cêntrica.
Para a perspectiva cosmológica o essencial era a natureza, o
cosmos.
Na perspectiva teocêntrica, a grande questão estava em situar
a razão num patamar localizado abaixo da fé, de modo a harmonizar a
sujeição da filosofia à teologia, já que o elemento nuclear do teocen-
trismo era a presença de Deus, enquanto Criador do Universo.
Na perspectiva antropocêninca o quadro medieval foi inverti-
do, ao atribuir à razão o papel de fundamentar a realidade e por transfor-
mar o homem - único animal racional- no elemento central do sistema.
Finalmente, para a perspectiva biocêntrica, o fulcro central
não era a natureza, nem Deus e nem mesmo o homem, mas sim a vida,
em todas as suas formas de manifestação.
Para Ludwig, o modo como as perspectivas filosóficas da rea-
lidade vêm sendo interpretadas ao longo do tempo, sobretudo por esta-
rem atreladas ao Direito, pode levar ao equívoco de se concluir pela
superação linear desses aspectos, o que, por certo, não se revela correto.
Por tal razão, esse filósofo propõe adotar, na análise histórica da filoso-
fia e, também, na filosofia jurídica, a noção de paradigma, asseverando:
"A passagem de um paradigma para o outro não configura um proces-
so contínuo e cumulativo. Ou seja, a ciência não muda de forma gra-
dual e contínua. Ela muda paradigmaticamente. IJ (2006, p. 19-ss.).
Ainda, de acordo com Ludwig, para a compreensão da filosofia
jurídica é necessário perquirir acerca dos paradigmas estabelecidos por
Habermas - ser, consciência e linguagem - e, ainda, de um quarto para-
digma, tratado por Enrique Dussel, que é o paradigma da vida concreta.
Diálogos entre o Direito e a Psicologia 25
Na tarefa de recriar o cenário que reflete a real necessidade da
transdisciplinaridade do Direito, passa-se a uma sucinta digressão sobre
os paradigmas filosóficos do Direito.
O primeiro paradigma filosófico foi o Paradigma do Ser, sin-
tetizado na lição de Parrnênides, na qual "O ser é. o não-ser não é".
Esse paradigrna compreendeu as teorias de Platão, Aristóteles e de
alguns neoplatônicos surgidos na ldade Média.
No entendimento de Platão, o ser habitava no mundo das ideias,
que se contrapõe ao mundo sensível.
Já, para Aristóteles, o ser era a junção de todos os elementos,
constituindo-se na essência resultante da forma e da matéria.
No que pertine ao Direito, Luis Fernando Coelho (1991) aduz
que o Paradigma do Ser era a raiz do Direito Natural, pois encontrava
um fundamento metafísico para o modelo de justiça, então vigente.
Para Descartes, na senda do Paradigma do Ser a humanidade
deixava de caminhar, pois restava eliminada qualquer discussão sobre a
razão. Passou-se, então, ao Paradigma do Sujeito, segundo o qual o
sujeito era dotado de razão e consciência, o que pode ser traduzido por
"penso, logo existo".
Em seguida, surgiu Kant criticando a razão desapegada de
qualquer senso de justiça e de moral. O ponto central dos ensinamentos
kantianos estava no encontro da paz perpétua, através da razão, que se
dá quando os homens cumprem seus deveres de buscar a maioridade
intelectual. Por isso, Kant conferia ao conhecimento o papel de desvelar
nos homens os sentimentos de moral e justiça.
O Paradigma do Sujeito, também chamado de Paradigma da
( 'onsciência, repercutiu no Direito, diante do fenômeno da laicização do
Direito, e, posteriormente, face à solidificação da Escola do Direito
Natural.
Tendo em vista que a razão se tornou fundamento e limite de
tudo, o homem não dependia mais do Deus Criador para saber o que era
(I Direito.
A partir do Paradigma do Sujeito, a nova leitura do Direito
provocou profundas alterações nas funções dos juristas, que deixaram
lc ser meros intérpretes das condutas, tornando-se criadores de regras.
) Direito vai se transformando, cada vez mais, em uma ciência.
Com isso, abriu-se caminho para o positivismo, que levou às
ultimas consequências a leitura do Direito enquanto sistema, de modo a
bundonar, por completo, os elementos metajurídicos. O Paradigma do
J

,j
26
Antonia Lélia Neves Sanches
Sujeito foi o condutor do positivismo, haja vista que a razão, enquanto
fundamento, limite e fator legitimador de tudo, é a base deste paradigma
e do positivismo.
O esgotamento do Paradigma do Ser e do Paradigma do Su-
jeito resultou na transição para o Paradigma do Agir Comunicativo, que
tem na reviravolta linguistico-pragmática sua pedra de toque. "nesse
novo paradigrna, a linguagem passa de condição de objeto da reflexão
para a condição defundamento de todo pensar." (LUDWIG, 2006, p. 93).
A linguagem assume papel central no Paradigma do Agir Co-
municativo, pois é ela que serve de meio de reflexão. A comunicação
desprovida de coação, violência ou força é o fundamento moral e ético
neste paradigma. Não é mais o ser ou a razão que dão sustentação a
todo o sistema, mas sim a Linguagem. Esta transição de paradigmas
também acarreta transformações no Direito, com a adoção, através da
Linguagem, de postulados de outros ramos do conhecimento, como a
Psicologia, na solução dos problemas.
A apreciação da realidade, a partir dos paradigrnas filosóficos
do Direito, confirma, ainda mais uma vez, que a transdisciplinaridade
do Direito é, de fato, imprescindível.
4 TEORIA CRÍTICA DO DIREITO BRASILEIRO -
O INÍCIO DA INTERSEÇÃO COM A PSICOLOGIA
A crise do Paradigma do Ser e do Paradigma do Sujeito, bem
como a estagnação das correntes Jusnaturalista e Positivista, reveladas
com a ascensão do Pós-positivismo e a transposição para o Paradigma
do Agir Comunicativo, fez gerar, nos operadores do Direito, um senti-
mento de revolta com certos dogmas, o que possibilitou o surgimento de
escolas direcionadas ao estudo crítico do Direito.
No Brasil, a Escola de Direito de Recife, no século XIX,
passou a criticar o Jusnaturalismo, dando início ao fortalecimento do
fenômeno positivista, o que ensejou o movimento de codificação, que,
nos anos seguintes, foi extremamente utilizado.
Entretanto, essa onda positivista foi rompida com a expansão
do pensamento jurídico crítico de Miguel Reale, que estabeleceu um
conceito tridimensional do Direito, segundo o qual o Direito é fato,
valor e norma.
Para Antonio Carlos Wolkmer, a diversidade de fundamentos
epistemológicos, estabelecidos com o advento dos mais distintos movi-
Diálogos entre o Direito e a Psicologia
mentos críticos surgidos no Brasil, não deve ser considerada como algo
absoluto, pois todas as linhas críticas de pensamento se aproximam.
Não obstante, oportuno analisar esses movimentos críticos,
pois foram seus matizes distintos que acarretaram, no ordenamento pá-
trio, a tão necessária transdisciplinaridade do Direito com as demais
ciências, incluída aí sua interseção com a Psicologia.
Wolkmer ensina que a teoria crítica delineada no Brasil pode
ser lida a partir das perspectivas sistêmica, dialética, semiologica e
analítica. (200 i, p. 96).
A crítica jurídica de perspectiva sistêmica, cujo maior
expoente é Tércio Sampaio Ferraz Júnior, influenciou o Direito, ao
possibilitar a adoção do rigor técnico na Ciência Jurídica, atribuindo-lhe
hermetismo cornunicacional, sob o argumento que o Direito já possuía
elementos suficientes à fundamentação de suas decisões. Embora pareça
acrítico, esse entendimento foi muito importante para legitimar o
Direito, até então impregnado por um idealismo exacerbado, oriundo do
Jusnaturalismo e, também, por uma total ausência de rigor em seus
conceitos, o que possibilitou desrnandos de todas as espécies.
Por sua vez, a perspectiva dialética da crítica jurídica se re-
velou na inversão do Direito, até então considerado um instrumento de
dominação de classes e de lutas pela afirmação da dignidade dos
excluídos.
A perspectiva semiolágica. propugnada por Luis Alberto
Warat, chega ao fenômeno da carnavalização do Direito. Há a necessi-
dade de resgatar a subjetividade do Direito, com o abandono das amar-
ras legais, até que sejam recuperados os desejos dos indivíduos. Para
tanto, é preciso privilegiar os desejos e sentimentos mais profundos,
pura que se alcance a libertação jurídica.
Warat abre espaço para a crítica jurídica de perspectiva psica-
nalltica, movimento alternativo ainda recente no Brasil, que mostra a
ultcração de paradigmas que vem passando a ciência jurídica brasileira,
no revelar a necessidade da transdisciplinaridade entre o Direito e a
Psicologia.
No âmbito da crítica jurídica brasileira, a perspectiva psicana-
IItica. começou a despontar a partir da década de 1980. Para Wolkmer,
busca-se, com esse movimento
interpretar no espaço institucional a efetiva intertextualidade do
'jurídico' e do 'psicanalítico', realçando o simbólico representativo
que domina o discurso da dogmáticajurldica, bem como destacando
28 Antonia Lélia Neves Sanches
a vinculação do texto legal na manipulação dos desejos incons-
cientes e na revelação especifica da função normativa enquanto
estrutura repressora da sociedade. (2001, p. 130) (grifou-se).
Agostinho Ramalho Marques Neto desempenhou papel fun-
damental na tarefa de desconstrução do império da lei, estimulando o
desenvolvimento da subjetividade, corno fenômeno central do Direito.
Ao estudar o sujeito de Direito, esse autor analisou o sujeito individual,
o sujeito das emoções e desejos, para elaborar o conceito de sujeitos
coletivos de Direito (WOLKMER, 2001, p. 132). Estava, portanto, for-
temente ligado eom o Direito Alternativo.
Essa corrente volta-se para o sujeito, configurando a manifes-
tação inicial da interseção entre o Direito e a Psicologia, que resultou na
inclusão dessa última no currículo dos cursos jurídicos brasileiros. Ao
retirar a pecha de ciência normativa, atribuída ao longo do tempo, so-
bretudo, pelos positivistas do século XIX, essa nova perspectiva crítica
mostra que o núcleo do Direito, assim como da Psicologia, está na vida
humana, algo, até então, inadmissível.
Tal como a Psicologia e as demais ciências, o Direito precisa
construir seus fundamentos e existência para os sujeitos, nas suas mais
variadas formas.
O ponto central da transdisciplinaridade" está na transforma-
ção teórica havida no interior dos operadores do Direito, que abando-
nando, de vez, a idolatria às leis e o respeito a tudo que se pretenda
absoluto, passam a observar o sujeito tal como ele é, e não mais como
ele deve ser, conforme estabelecido por um parlamento estatal.
Portanto, essas duas ciências, Direito e Psicologia, até então
completamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois, na
medida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, se
ocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas de normas jurídicas, a
Psicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações intrapsíquicas e
inter-relacionais.
É impossível, deste modo, negar a relação de convergência
entre o Direito e a Psicologia e, por consequência, a abertura sistemática
operada na ciência jurídica, com a transposição desses paradigmas.
Existe uma diferença entre interdiseiplinaridade, que ocorre quando as ciências diferentes
podem ser aplicadas em conjunto, de transdiseiplinaridadc, que se verifica quando duas ciên-
cias se transformam pela influência de uma sobre a outra. O Direito c a Psicologia parecem
estar vivendo uma relação de transdisciplinaridade, para além da interdisciplinaridade, uma
vez que o Direito, depois da sua interseção com a Psicologia, já não é mais o mesmo.
29Diálogos entre o Direito e a Psicologia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou, o presente trabalho, reconstruir o cen1!hó que propi-
ciou a inclusão da Psicologia no currículo dos cursos de Direito, através
da Resolução 09, de 2004, editada pelo Ministério da Educação.
Em sua primeira parte, verificou-se que a evolução histórica
do Direito, desde o Período Feudal até a formação do Direito Moderno,
abriu caminho para a interseção do Direito com outras ciências, ante a
constatação da estagnação da lei, como exclusiva fonte jurídica.
Em seguida, coube a análise das manifestações filosóficas do
Direito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e no Pós-
Positivismo, na tarefa de recriar o quadro da abertura sistêmica do Di-
reito. A crise do Jusnaturalismo, baseado no Direito Natural, e do Posi-
tivismo, fulcrado apenas no Direito Posto, resultou no advento do Pós-
Positivismo, fenômeno que, ao aglutinar regras e princípios, inaugurou
um sistema jurídico permeável aos interesses da sociedade, de forma
completamente aberta, não mais considerando, apenas, a lei, mas, tam-
bém, tudo que rege a vida dos indivíduos, que pode ser incorporado ao
universo jurídico através de princípios.
Para uma melhor compreensão da transmutação teórica havi-
da, tratou-se dos Paradigmas Filosóficos do Direito, visto que a história
não se desenvolve de modo linear, mas sim em idas e vindas, que aca-
bam por formar paradigmas. Fez-se, então, uma breve digressão sobre
os Paradigmas do Ser, do Sujeito e do Agir Comunicativo e, por fim,
sobre o Paradigma da Linguagem, o qual, por suas características, re-
velou maior consonância com a interseção do Direito com a Psicologia,
já que tem na fala seu ponto nuclear.
Analisou-se, ainda, a teoria crítica, que, ao defender a interse-
ção do Direito com as demais ciências, abriu as portas do Direito para a
Psicologia, provocando não só o movimento da transdisciplinaridade,
mas, também, a transformação de campos do conhecimento até então
totalmente separados, pela influência da penetração dos métodos e con-
ceitos de um em outro.
Em considerações finais, chega-se à constatação que o Direito
o a Psicologia, que até pouco tempo eram considerados água e óleo,
estão sim muito próximos, o que revela ser imprescindível a transdisci-
plinaridade entre esses dois ramos do conhecimento, como solução para
11 estagnação das fontes jurídicas, de modo a viabilizar a efetivação da
verdade real e a maior consideração do ser humano e dos fatores que o
'11 volvem.
J
<J
30 Antonia Lélia Neves Sanches
Referências
BARCELLOS, A. P.; BARROSO, L. R. O começo da história: a nova inter-
pretação constitucional. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.). Interpretação
Constitucional. I. ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.
BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e tilosól1cos do novo Direito Cons-
titucional brasileiro. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.brldoutrina/
texto.asp?id=3208>. Acesso em: 23 maio 2008.
BOBBIO, N. A Era dos direitos, nova edição. São Paulo: Campus, 2004.
COELHO, L. F. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1991.
FERRAZ JUNlOR, T. S. Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. São Paulo: Atlas, 1988.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2002.
GROSS1, P. Primeira lição sobre direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
KANT,1. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70,1995.
LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2008.
LUDWIG, C. L. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da
Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Editorial
Conceito, 2006.
MARQUES NETO, A. R. A ciência do direito: conceito, objeto, método. 2.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
RISCAL, S. A. O conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do
desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e Estado no
Século XVI. Tese de doutorado defendida perante a Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP. 2001. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/
documentl?code=vtls000225862>. Acesso em: 13 jul. 2008.
WARA T, L. A. Introdução Geral ao Direito - Interpretação da Lei. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
WOLK.MER, A. C. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do
Direito. São Paulo: Alfa Omega, 200l.
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VIRA CASO DE POLÍCIA:
UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO COM A
VIOLÊNCIA DO CASAL NO JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL DE CURITIBAS
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Marisa Schmidt Silva
INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo é refletir sobre o tema preocupante da
violência" contra a mulher ou violência de gênero que, desde 1998 até
os primeiros meses de 2007, após a promulgação da Lei "Maria da Pe-
nha", foi a principal questão abordada no Setor Psicossoeial da Premo-
teria de Justiça junto ao Juizado Especial Criminal - JECRIM - da Co-
marca de Curitiba.
A Lei 9.099/95, de 26.09.1995, que implantou os Juizados Es-
pcciais Cíveis e Criminais e começou a funcionar em Curitiba em de-
.cmbro de 1995 foi criada com o objetivo de desafogar o judiciário e o
sistema carcerário, porque já naquela época, e ainda hoje, estes sistemas
esrão sobrecarregados com uma demanda maior do que a sua possibili-
dade de atendimento. Para tanto, optou-se por privilegiar a utilização de
11111 procedimento simples e célerc e a aplicação de medidas de caráter
social menos punitivas, dando uma resposta judicial aos crimes ou in-
truções penais denominados "de menor potencial ofensivo" nos quais a
pena prevista era até um ano de prisão sendo que, atualmente, a com-
pctência é de dois anos pela Lei 10.259, de 12.07.2001. Para realizar as
audiências preliminares a Lei instituiu a função de Conciliador e Juiz
Leigo, os quais têm a incumbência de trabalhar a questão de conflito
Síntese da Monografia apresentada no Curso de Especialização em Psicologia Jurídica -
I'UCPR, como requisito à obtenção do título de Especialista
Violência compreendida como qualquer ato que coloque em risco a sobrevivência física,
psicológica, social 01 espiritual de uma pessoa ou grupo, na concepção do Dr. Gilberto
Giacoia, Procurador de Justiça do Estado do Paraná em palestra proferida em 31.03.2005 no I
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  • 1. 16 Maria Cristina Neiva de Carvalho / Teima Fontoura / Vera Regina Miranda A importância da integração entre a Psicologia e o Direito re- side no fato de que a lei é elaborada pelo homem, cumprida ou não pelo homem, e os fatos jurídicos serão analisados e julgados também por seres humanos. Isto é, o homem é autor, ator e juiz das leis. O homem, como ser complexo que é, não segue o paradigma da linearidade da lei, justamente em função de sua subjetividade. Tendo estas premissas como base é que organizamos a pre- sente coletânea de trabalhos de psicólogos oriundos do Curso de Espe- cialização em Psicologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e trabalhos produzidos por profissionais de Direito, acredi- tando que estaremos sensibilizando para a prática da interdisciplinari- dade, tão necessária nas questões jurídicas atuais. As organizadoras. DIÁLOGOS ENTRE O DIREITO E A PSICOLOGIA Antonia Lélia Neves Sanches "O Estado não cria direito, o Estado cria leis. E Estado e leis estão abaixo do direito". Erick Kaufmann Objetiva, o presente trabalho, recriar o cenário histórico, filo- úlico e jurídico, que ensejou a abertura sistêmica do Direito. O curso de Direito, outrora composto somente por matérias logmáticas, restritas à mera literal idade dos Códigos, abre-se às demais iências, revelando a crise do sistema até então vigente. Para essa empreitada, será necessário percorrer todo um cami- nho que, a partir do Jusnaturalismo, passa pelo Positivismo, até chegar 11 l'ás-Positivismo. Imprescindível, também, observar a realidade, atra- das lentes filosóficas dos paradigmas do ser, da consciência e do 111/1' comunicativo; e, ainda, desvendar o nascimento das correntes críti- 1111 110 cenário jurídico nacional, pois, sem sombra de dúvidas, a inter- ~n() entre o Direito e a Psicologia se revela como um desdobramento I""MII leitura crítica do Direito, que, até a pouco, era uma ciência pura- ntc norrnativista. Ao final dessa trajetória haverá a certeza que a introdução da [culogia no curso de Direito, além de inevitável, veio de encontro aos IlIl'im; dos operadores do Direito, que, não mais aceitando se submeter mern interpretação literal dos Códigos, estavam sedentos por vislum- I' 11 alma humana. A partir dela, conseguiram encontrar o real sentido IJircito - aquele que tem o indivíduo, enquanto sujeito de direitos e veres, acima das leis e do Estado. VISÃO HISTÓRICA DO DIREITO () Direito é um fenômeno histórico e cultural, criado pela humana, com o objetivo de servir como instrumento de resolução
  • 2. 18 Antonia Lélia Neves Sanches Diálogos entre o Direito e a Psicologia 19 de conflitos sociais. O seu surgimento está vinculado ao Estado, fonte produtora de leis, por excelência. O Direito sempre refletiu o Estado, por vezes revelando-se um instrumento justo e, por outras, se mostrando um mecanismo de controle e opressão do indivíduo'. Para Bobbio, o Direito se vinculou ao justo, a partir da inver- são de perspectivas. A relação até então existente, firmada entre sobera- no e súditos, foi substituída pelo nexo Estado e cidadão. Passaram, os cidadãos, a ter direitos, enquanto que os súditos somente tinham deveres. Tal inversão resultou de guerras e lutas contra as opressões, pois a sociedade não podia mais preponderar ao indivíduo (BOBBIO, 2004, p. 24). Até o século XIl, devido à descentralização do Poder, o Di- reito em nada se assemelhava ao atualmente conhecido. Com a queda do Império Romano do ocidente houve a descentralização total do Esta- do, com a formação de vários centros de poder. Com a Baixa Idade Média, no século XIII, o acúmulo de ri- quezas possibilitou que alguns indivíduos passassem a não mais realizar os trabalhos braçais necessários à manutenção do sistema vigente. Essa primeira e tímida manifestação do capitalismo, somada à redução dos bárbaros na Europa, acarretou a crise do modelo feudal e o início da emancipação intelectual, com a fundação das primeiras Universidades. O século XIV marca o fim dos glosadores, cuja função restrin- gia-se a meras anotações ao Corpus Iuris Civiles. Em contrapartida aparecem os comentadores, que viabilizaram o surgimento do Estado Moderno. O século XV é considerado como o período de transição para o Direito e, ainda, para as concepções medievais que se tinha do Poder. Por essa razão, o movimento cultural desse século recebeu o nome de Renascimento, já que rompeu severamente com a Idade Medieval; inau- gurando um novo momento na Europa. Jean Bodin contribui para o conceito atual de soberania, dando origem a um sistema dividido, similar ao atual. Para ele, a Soberania era o "poder absoluto e perpétuo de uma República" (RISCAL, 2001), numa concepção inovadora, em relação à Idade Média, que entendia a soberania como o poder absoluto concentrado nas mãos do Rei, que unia as funções de juiz, administrador e rei. Por sua vez, Maquiavel estabeleceu a diferença entre ética e política, ao entender que a dimensão política era um campo totalmente desapegado da ética e o "príncipe", mais do que buscar condutas mo- ralmente aceitáveis, devia fazer tudo que estivesse ao seu alcance para manter o poder e sua própria segurança. Esse posicionamento estava em sentido contrário ao defendido por Platão, para quem só podia governar aquele que fosse virtuoso e detentor de grande conhecimento, que ja- mais poderia servir às coisas vãs. O Renascimento repercutiu no Direito com o surgimento do humanismo jurídico, que, por captar os contornos da modernidadc que se aproximava, agasalhou inequívoca aversão ao Corpus Juris Civilis e 11 tudo que representasse a tradição jurídica medieval. É por isso que, não obstante os aparentes retrocessos verifica- dos na Idade Média, no que pertine ao Direito, correto está o jurista italiano Paolo Grossi (2006), ao ensinar que, justamente nesse período: origina-se, toma/arma e se caracteriza em meio a dois vazios e gra- ças a dois vazios: o vazio estatal que se seguiu à queda do edificio político romano e aquela refinada cultura jurídica estreitamente li- gada às estruturas deste edificio. Aquilo que poderia, à primeira vista, parecer um retrocesso ou, de algum modo, um/ator negativo, ou seja, dois vazios que restaram não preenchidos, constitui - ao contrário - o nicho histórico adequado para o desenvolvimento de uma experiência jurídica bastante original. Mencionadas experiências jurídicas tiveram início no século ' VI, sobretudo com Thomas Hobbes, que defendia que o Estado surgiu n partir de uma vontade individual, manifestada através do contrato sucia I. Para Hobbes, o estado de natureza do indivíduo, antes de ade- rlr ao pacto social, é a causa da insegurança permanente, que resulta na ucrra sem fim, de todos contra todos, o que gera a obsessão pela paz e pela segurança e, finalmente, a celebração do contrato social, também luunado de pacto pela paz, que, após a sua formação, produziu um rlclato chamado Estado, que se consubstancia na parcela de poder que I indivíduo, enquanto titular, transfere ao Estado, com o fim de garantir , puz social. Não existe qualquer fundamento divino, mas, sim a proteção direitos individuais. É por essa razão que Hobbes é considerado um É longa a batalha entre aqueles que consideram o Direito como um fato histórico, construido, ao longo do tempo, como marco do progresso do homem, e aqueles que entendem o Direito como imancntc ao ser humano, que o detém pelo simples fato de ter naseido homem. A pre- sente exposição recepciona a primeira corrente, que tem como mestre maior Norberto Bobbio, segundo a qual não existem direitos naturais, porque cada direito tem um marco histórico de- finido de nascimento, passível de aferição no curso da história. (BOBBIO, 2004).
  • 3. 20 Antonia Lélia Neves Sanches dos primeiros teóricos a disciplinar a razão, por atribuir à lei o papel de colocar fim à guerra de todos contra todos", Nasce, aqui, a distinção entre as esferas privada e pública, que inexistia na Idade Média. Essa diferença é mais um dos traços do Esta- do Moderno. Ao final do século XVII ganhou relevo o pensamento de John Locke, pelo qual o Estado é a única forma de viabilizar o pleno exerci- cio do direito de liberdade e do direito de propriedade. Locke foi o pre- cursor do individualismo proprietário e do liberalismo, por considerar como homem somente aquele que fosse detentor de uma propriedade privada. Se, para Hobbes, não existia qualquer condição para aderir ao pacto social, haja vista que sua finalidade primeira era dar fim à guerra permanente, para Locke, diferentemente, somente os proprietários é que podiam fazer parte do pacto que deu origem ao Estado, cabendo-lhes o sagrado direito de proteger os seus bens. Surgiu, desta forma, no final da Idade Média, século XVI, o Estado Moderno, sobre as ruínas do feudalismo. Nos séculos XVll e XVIII, o Estado incorporou o Jusnatura- lismo Racionalista e, por influência do liberalismo, passou-se a garantir os mínimos direitos aos indivíduos e, logo a seguir, houve a superação do Estado absolutista, com o advento das revoluções francesa e norte- amencana. No século XIX, o Direito moderno consolidou seus postulados fundamentais, sob influência da onda positivista que atingiu seus opera- dores, estimulando-os a lutar pela solidificação desse ramo de conheci- mento como Ciência. Essa fase durou até bem pouco tempo atrás, ainda persistindo em alguns países, como no Brasil. Entretanto, alguns feixes de luz vêm sendo lançados sobre o breu dominante no cenário jurídico nacional, no qual a lei, para muitos, ainda é considerada como a expressão superior da razão. Na visão positivista, o Direito encontra-se completamente se- parado da Filosofia, Sociologia, Psicologia, e de qualquer outro campo Em sentido contrário, Foucault entende que não é o sujeito que detém o poder, mas sim o poder que tem como um de seus efeitos o sujeito. Assim, o Estado não seria fruto da cessão de parcela do poder do indivíduo através do contrato social, mas sim algo que antecede o su- jeito. Diálogos entre o Direito e a Psicologia 21 do saber. Volta-se, exclusivamente, para a dogmática jurídica, na qual somente a lei positivada importa. Quaisquer outros fatores que não en- contrem sustentação na estrita legalidade são desconsiderados, mesmo que tenham relevância capital. Assim, analisada a dimensão histórica do Direito, verifica-se que o cenário é de total estagnação, não mais sendo possível aceitar que a lei, alçada à categoria de elemento primeiro e único do sistema, seja a exclusiva fonte do Direito. Para a ruptura dessa estaticidade, há que se reconhecer que a transdisciplinaridade do Direito é uma necessidade premente, também no que pertine à Psicologia'. 2 MANIFESTAÇÕES FILOSÓFICAS DO DIREITO A função primordial do Direito é a solução de conflitos e a pa- cificação social. Portanto, sem sociedade não há Direito. Segundo Paolo Grossi, "o direito é velho como o mundo" (2006, p. 37), uma vez que sempre existiram ordenamentos a serem cumpridos por toda a sociedade, ainda que guardem pouca semelhança ao que se conhece, atualmente, como ordenamento jurídico. A definição de Direito mudou ao longo da história e para en- tender o seu conceito atual é preciso voltar o olhar para o passado. Essa leitura deve passar, obrigatoriamente, pelas manifestações filosóficas do Direito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e, por fim, 110 Pos-Positivismo. Segundo Luís Roberto Barroso (2002), o termo jusnaturalis- mo significa: "uma das principais correntes filosóficas que tem acom- panhado o Direito ao longo dos séculos, fundada na existência de um direito natural". Tal asscrtiva ganha mais força no Brasil, diante dos escândalos de eorrupção c compra de votos que, diuturuamcntc, grassarn os noticiários do País. É impossível aceitar que uma lei tenha sido promulgada em razão dos parlamentares terem vendido os seus votos, que nada mais são do que expressão da vontade geral e manifestação da soberania popular. Alguns constitucionalistas da atualidade já vêm pregando uma nova forma de inconstitucionalidadc, definindo-a de "inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar". Assim, na hipóte- se da lei aprovada por compra dos votos dos legisladores não padecer de vício de inconstitu- cionalidade formal ou material, a única forma de extirpá-Ia do ordcnarncnto jurídico, ante a sua inequívoca dcsconformidadc com a vontade popular, é a declaração de sua inconstitucio- nalidadc por quebra de decoro parlamentar, já que os seus claboradorcs a aprovaram, tão so- mente, em troca de quantias em dinheiro. Nesse sentido é a lição de Pcdro Lcnza, em sua obra Direito Constitucional Esqucrnntizado.
  • 4. 22 Antonia Lélia Neves Sanches Diálogos entre o Direito e a Psicologia 23 o Jusnaturalismo defende a existência do Direito Natural e sua prevalência sobre qualquer outra manifestação jurídica. O significado da expressão direito natural comporta muitas controvérsias. Entende Paolo Grossi (2006, p. 71), a partir de uma visão ins- pirada no cristianismo, que o direito natural, base do Jusnaturalismo, é aquele Direito que todo homem tem, pelo simples fato de ter nascido homem. É um direito que não se encontra em leis postas, mas sim 110 interior de cada indivíduo. A concepção de direito natural foi o móvel para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de L789. O JusnaturaLismo foi superado pelo Positivismo, ante a sua inaptidão para explicar direitos que não podem ser usufruídos por todos, pois, nas palavras de Bobbio (2004, p. 25), e passou a ignorar, por completo, sua legitimidade, que estava na con- formidade com a Moral e com a Justiça. O apego excessivo às leis, sem levar em conta os casos con- cretos e a conjuntura social diante da qual foram editadas, resultou no aparecimento de movimentos contrários ao Positivismo Jurídico em todo o mundo, fazendo surgir correntes filosóficas críticas. Com o advento do Fascismo, na Itália, e diante das atrocidades cometidas pelos Nazistas, na Alemanha, estes movimentos se fortaleceram, gerando um sentimento de descrédito no Positivismo (BARROSO, 2002). A situação colocada era a seguinte: O Direito Natural já não era mais suficiente para manter a harmonia da sociedade, dada a sua inaptidão para explicar a razão pela qual, sendo o Direito imanente à natureza humana, nem todos os homens podiam usufruir as mesmas prerrogativas. De igual forma, estava o Direito Positivo, anteriormente invocado para legitimar condutas arbitrárias, desprovidas de qualquer senso de justiça. Diante desse contexto, teve início um novo fenômeno, o Pós- Positivismo ; que sem ignorar o Direito Posto, conferiu relevância ao Direito Natural, fundamentando o sistema jurídico nos princípios de moral, justiça e equidade, os quais, além de serem recepcionados como princípios vetores de interpretação, adquiriram força norrnativa, vincu- lando o ordenamento jurídico. Para Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2007, p.279), os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direi- tos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracteri- zadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos pode- res, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Contudo, não se pode negar a importância do Jusnaturalismo, enquanto linha filosófica do Direito. Com a transformação da razão no principal elemento do Di- reito Natural, através do fenômeno do racionalisrno, passou-se a consi- derar Direito somente o que fosse lei, traço típico do Positivismo. Tornou-se, assim, o Direito Natural apenas um dos elementos possíveis do Direito Positivo e não mais o único e exclusivo a prevale- cer sobre ele, como outrora acontecia, o que colocou fim à supremacia do Jusnaturalismo. Como resultado da prevalência do conhecimento científico, o Positivismo Jurídico apenas considerava Direito as leis emanadas do Estado, mediante a produção intelectual dos homens. Ao separar o Di- reito da Moral e da Justiça, o Positivismo Jurídico limitou o Direito à norma emanada do Estado, atribuindo ao ordenamento jurídico uma completude jamais vislumbrada. Ao simplesmente importar conceitos do Positivismo Socioló- gico, tais como a neutralidade e o distanciamento entre sujeito e objeto, o Positivismo Jurídico reduziu o Direito ao ordenamento jurídico posto o pos-posiüvismo é a designação provisória e genérica de um ideá- rio difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica cons- titucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. O sistema jurídico propugnado pelos pós-positivistas não se apoiava, somente, em abstrações decorrentes da natureza, tal como pro- pugnado pelo Jusnaturalismo, nem, exclusivamente, em regras emana- das do Estado, como defendido pelo Positivismo. Inovou, essa corrente, ao sustentar a junção de regras, princí- pios e valores, que têm, na satisfação dos direitos fundamentais e na busca por uma vida digna, seus pilares de sustentação. Foi nesse quadro que se constatou a urgente necessidade de ha- ver a abertura sistêmica do Direito para as outras ciências, estando aí
  • 5. 24 Antonia Lélia Neves Sanches incluída a Psicologia. A transdiciplinaridade, como iocus de junção de regras e princípios, constituiu-se em corolário lógico do Pós-Positivisrno. 3 PARADICMAS FILOSÓFICOS DO DIREITO Para que se entenda o atual momento do Direito, é preciso fa- zer uso dos Paradigmas Filosóficos norteadores do pensamento jurídico, de modo a explicar a razão da insuficiência do Direito Natural e do Di- reito Positivo. Ludwig (2006) sustenta que a filosofia analisa a realidade a partir das perspectivas cosmológica, teocêntrica, antropocêntrica e bio- cêntrica. Para a perspectiva cosmológica o essencial era a natureza, o cosmos. Na perspectiva teocêntrica, a grande questão estava em situar a razão num patamar localizado abaixo da fé, de modo a harmonizar a sujeição da filosofia à teologia, já que o elemento nuclear do teocen- trismo era a presença de Deus, enquanto Criador do Universo. Na perspectiva antropocêninca o quadro medieval foi inverti- do, ao atribuir à razão o papel de fundamentar a realidade e por transfor- mar o homem - único animal racional- no elemento central do sistema. Finalmente, para a perspectiva biocêntrica, o fulcro central não era a natureza, nem Deus e nem mesmo o homem, mas sim a vida, em todas as suas formas de manifestação. Para Ludwig, o modo como as perspectivas filosóficas da rea- lidade vêm sendo interpretadas ao longo do tempo, sobretudo por esta- rem atreladas ao Direito, pode levar ao equívoco de se concluir pela superação linear desses aspectos, o que, por certo, não se revela correto. Por tal razão, esse filósofo propõe adotar, na análise histórica da filoso- fia e, também, na filosofia jurídica, a noção de paradigma, asseverando: "A passagem de um paradigma para o outro não configura um proces- so contínuo e cumulativo. Ou seja, a ciência não muda de forma gra- dual e contínua. Ela muda paradigmaticamente. IJ (2006, p. 19-ss.). Ainda, de acordo com Ludwig, para a compreensão da filosofia jurídica é necessário perquirir acerca dos paradigmas estabelecidos por Habermas - ser, consciência e linguagem - e, ainda, de um quarto para- digma, tratado por Enrique Dussel, que é o paradigma da vida concreta. Diálogos entre o Direito e a Psicologia 25 Na tarefa de recriar o cenário que reflete a real necessidade da transdisciplinaridade do Direito, passa-se a uma sucinta digressão sobre os paradigmas filosóficos do Direito. O primeiro paradigma filosófico foi o Paradigma do Ser, sin- tetizado na lição de Parrnênides, na qual "O ser é. o não-ser não é". Esse paradigrna compreendeu as teorias de Platão, Aristóteles e de alguns neoplatônicos surgidos na ldade Média. No entendimento de Platão, o ser habitava no mundo das ideias, que se contrapõe ao mundo sensível. Já, para Aristóteles, o ser era a junção de todos os elementos, constituindo-se na essência resultante da forma e da matéria. No que pertine ao Direito, Luis Fernando Coelho (1991) aduz que o Paradigma do Ser era a raiz do Direito Natural, pois encontrava um fundamento metafísico para o modelo de justiça, então vigente. Para Descartes, na senda do Paradigma do Ser a humanidade deixava de caminhar, pois restava eliminada qualquer discussão sobre a razão. Passou-se, então, ao Paradigma do Sujeito, segundo o qual o sujeito era dotado de razão e consciência, o que pode ser traduzido por "penso, logo existo". Em seguida, surgiu Kant criticando a razão desapegada de qualquer senso de justiça e de moral. O ponto central dos ensinamentos kantianos estava no encontro da paz perpétua, através da razão, que se dá quando os homens cumprem seus deveres de buscar a maioridade intelectual. Por isso, Kant conferia ao conhecimento o papel de desvelar nos homens os sentimentos de moral e justiça. O Paradigma do Sujeito, também chamado de Paradigma da ( 'onsciência, repercutiu no Direito, diante do fenômeno da laicização do Direito, e, posteriormente, face à solidificação da Escola do Direito Natural. Tendo em vista que a razão se tornou fundamento e limite de tudo, o homem não dependia mais do Deus Criador para saber o que era (I Direito. A partir do Paradigma do Sujeito, a nova leitura do Direito provocou profundas alterações nas funções dos juristas, que deixaram lc ser meros intérpretes das condutas, tornando-se criadores de regras. ) Direito vai se transformando, cada vez mais, em uma ciência. Com isso, abriu-se caminho para o positivismo, que levou às ultimas consequências a leitura do Direito enquanto sistema, de modo a bundonar, por completo, os elementos metajurídicos. O Paradigma do J ,j
  • 6. 26 Antonia Lélia Neves Sanches Sujeito foi o condutor do positivismo, haja vista que a razão, enquanto fundamento, limite e fator legitimador de tudo, é a base deste paradigma e do positivismo. O esgotamento do Paradigma do Ser e do Paradigma do Su- jeito resultou na transição para o Paradigma do Agir Comunicativo, que tem na reviravolta linguistico-pragmática sua pedra de toque. "nesse novo paradigrna, a linguagem passa de condição de objeto da reflexão para a condição defundamento de todo pensar." (LUDWIG, 2006, p. 93). A linguagem assume papel central no Paradigma do Agir Co- municativo, pois é ela que serve de meio de reflexão. A comunicação desprovida de coação, violência ou força é o fundamento moral e ético neste paradigma. Não é mais o ser ou a razão que dão sustentação a todo o sistema, mas sim a Linguagem. Esta transição de paradigmas também acarreta transformações no Direito, com a adoção, através da Linguagem, de postulados de outros ramos do conhecimento, como a Psicologia, na solução dos problemas. A apreciação da realidade, a partir dos paradigrnas filosóficos do Direito, confirma, ainda mais uma vez, que a transdisciplinaridade do Direito é, de fato, imprescindível. 4 TEORIA CRÍTICA DO DIREITO BRASILEIRO - O INÍCIO DA INTERSEÇÃO COM A PSICOLOGIA A crise do Paradigma do Ser e do Paradigma do Sujeito, bem como a estagnação das correntes Jusnaturalista e Positivista, reveladas com a ascensão do Pós-positivismo e a transposição para o Paradigma do Agir Comunicativo, fez gerar, nos operadores do Direito, um senti- mento de revolta com certos dogmas, o que possibilitou o surgimento de escolas direcionadas ao estudo crítico do Direito. No Brasil, a Escola de Direito de Recife, no século XIX, passou a criticar o Jusnaturalismo, dando início ao fortalecimento do fenômeno positivista, o que ensejou o movimento de codificação, que, nos anos seguintes, foi extremamente utilizado. Entretanto, essa onda positivista foi rompida com a expansão do pensamento jurídico crítico de Miguel Reale, que estabeleceu um conceito tridimensional do Direito, segundo o qual o Direito é fato, valor e norma. Para Antonio Carlos Wolkmer, a diversidade de fundamentos epistemológicos, estabelecidos com o advento dos mais distintos movi- Diálogos entre o Direito e a Psicologia mentos críticos surgidos no Brasil, não deve ser considerada como algo absoluto, pois todas as linhas críticas de pensamento se aproximam. Não obstante, oportuno analisar esses movimentos críticos, pois foram seus matizes distintos que acarretaram, no ordenamento pá- trio, a tão necessária transdisciplinaridade do Direito com as demais ciências, incluída aí sua interseção com a Psicologia. Wolkmer ensina que a teoria crítica delineada no Brasil pode ser lida a partir das perspectivas sistêmica, dialética, semiologica e analítica. (200 i, p. 96). A crítica jurídica de perspectiva sistêmica, cujo maior expoente é Tércio Sampaio Ferraz Júnior, influenciou o Direito, ao possibilitar a adoção do rigor técnico na Ciência Jurídica, atribuindo-lhe hermetismo cornunicacional, sob o argumento que o Direito já possuía elementos suficientes à fundamentação de suas decisões. Embora pareça acrítico, esse entendimento foi muito importante para legitimar o Direito, até então impregnado por um idealismo exacerbado, oriundo do Jusnaturalismo e, também, por uma total ausência de rigor em seus conceitos, o que possibilitou desrnandos de todas as espécies. Por sua vez, a perspectiva dialética da crítica jurídica se re- velou na inversão do Direito, até então considerado um instrumento de dominação de classes e de lutas pela afirmação da dignidade dos excluídos. A perspectiva semiolágica. propugnada por Luis Alberto Warat, chega ao fenômeno da carnavalização do Direito. Há a necessi- dade de resgatar a subjetividade do Direito, com o abandono das amar- ras legais, até que sejam recuperados os desejos dos indivíduos. Para tanto, é preciso privilegiar os desejos e sentimentos mais profundos, pura que se alcance a libertação jurídica. Warat abre espaço para a crítica jurídica de perspectiva psica- nalltica, movimento alternativo ainda recente no Brasil, que mostra a ultcração de paradigmas que vem passando a ciência jurídica brasileira, no revelar a necessidade da transdisciplinaridade entre o Direito e a Psicologia. No âmbito da crítica jurídica brasileira, a perspectiva psicana- IItica. começou a despontar a partir da década de 1980. Para Wolkmer, busca-se, com esse movimento interpretar no espaço institucional a efetiva intertextualidade do 'jurídico' e do 'psicanalítico', realçando o simbólico representativo que domina o discurso da dogmáticajurldica, bem como destacando
  • 7. 28 Antonia Lélia Neves Sanches a vinculação do texto legal na manipulação dos desejos incons- cientes e na revelação especifica da função normativa enquanto estrutura repressora da sociedade. (2001, p. 130) (grifou-se). Agostinho Ramalho Marques Neto desempenhou papel fun- damental na tarefa de desconstrução do império da lei, estimulando o desenvolvimento da subjetividade, corno fenômeno central do Direito. Ao estudar o sujeito de Direito, esse autor analisou o sujeito individual, o sujeito das emoções e desejos, para elaborar o conceito de sujeitos coletivos de Direito (WOLKMER, 2001, p. 132). Estava, portanto, for- temente ligado eom o Direito Alternativo. Essa corrente volta-se para o sujeito, configurando a manifes- tação inicial da interseção entre o Direito e a Psicologia, que resultou na inclusão dessa última no currículo dos cursos jurídicos brasileiros. Ao retirar a pecha de ciência normativa, atribuída ao longo do tempo, so- bretudo, pelos positivistas do século XIX, essa nova perspectiva crítica mostra que o núcleo do Direito, assim como da Psicologia, está na vida humana, algo, até então, inadmissível. Tal como a Psicologia e as demais ciências, o Direito precisa construir seus fundamentos e existência para os sujeitos, nas suas mais variadas formas. O ponto central da transdisciplinaridade" está na transforma- ção teórica havida no interior dos operadores do Direito, que abando- nando, de vez, a idolatria às leis e o respeito a tudo que se pretenda absoluto, passam a observar o sujeito tal como ele é, e não mais como ele deve ser, conforme estabelecido por um parlamento estatal. Portanto, essas duas ciências, Direito e Psicologia, até então completamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois, na medida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, se ocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas de normas jurídicas, a Psicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações intrapsíquicas e inter-relacionais. É impossível, deste modo, negar a relação de convergência entre o Direito e a Psicologia e, por consequência, a abertura sistemática operada na ciência jurídica, com a transposição desses paradigmas. Existe uma diferença entre interdiseiplinaridade, que ocorre quando as ciências diferentes podem ser aplicadas em conjunto, de transdiseiplinaridadc, que se verifica quando duas ciên- cias se transformam pela influência de uma sobre a outra. O Direito c a Psicologia parecem estar vivendo uma relação de transdisciplinaridade, para além da interdisciplinaridade, uma vez que o Direito, depois da sua interseção com a Psicologia, já não é mais o mesmo. 29Diálogos entre o Direito e a Psicologia CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscou, o presente trabalho, reconstruir o cen1!hó que propi- ciou a inclusão da Psicologia no currículo dos cursos de Direito, através da Resolução 09, de 2004, editada pelo Ministério da Educação. Em sua primeira parte, verificou-se que a evolução histórica do Direito, desde o Período Feudal até a formação do Direito Moderno, abriu caminho para a interseção do Direito com outras ciências, ante a constatação da estagnação da lei, como exclusiva fonte jurídica. Em seguida, coube a análise das manifestações filosóficas do Direito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e no Pós- Positivismo, na tarefa de recriar o quadro da abertura sistêmica do Di- reito. A crise do Jusnaturalismo, baseado no Direito Natural, e do Posi- tivismo, fulcrado apenas no Direito Posto, resultou no advento do Pós- Positivismo, fenômeno que, ao aglutinar regras e princípios, inaugurou um sistema jurídico permeável aos interesses da sociedade, de forma completamente aberta, não mais considerando, apenas, a lei, mas, tam- bém, tudo que rege a vida dos indivíduos, que pode ser incorporado ao universo jurídico através de princípios. Para uma melhor compreensão da transmutação teórica havi- da, tratou-se dos Paradigmas Filosóficos do Direito, visto que a história não se desenvolve de modo linear, mas sim em idas e vindas, que aca- bam por formar paradigmas. Fez-se, então, uma breve digressão sobre os Paradigmas do Ser, do Sujeito e do Agir Comunicativo e, por fim, sobre o Paradigma da Linguagem, o qual, por suas características, re- velou maior consonância com a interseção do Direito com a Psicologia, já que tem na fala seu ponto nuclear. Analisou-se, ainda, a teoria crítica, que, ao defender a interse- ção do Direito com as demais ciências, abriu as portas do Direito para a Psicologia, provocando não só o movimento da transdisciplinaridade, mas, também, a transformação de campos do conhecimento até então totalmente separados, pela influência da penetração dos métodos e con- ceitos de um em outro. Em considerações finais, chega-se à constatação que o Direito o a Psicologia, que até pouco tempo eram considerados água e óleo, estão sim muito próximos, o que revela ser imprescindível a transdisci- plinaridade entre esses dois ramos do conhecimento, como solução para 11 estagnação das fontes jurídicas, de modo a viabilizar a efetivação da verdade real e a maior consideração do ser humano e dos fatores que o '11 volvem. J <J
  • 8. 30 Antonia Lélia Neves Sanches Referências BARCELLOS, A. P.; BARROSO, L. R. O começo da história: a nova inter- pretação constitucional. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.). Interpretação Constitucional. I. ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007. BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e tilosól1cos do novo Direito Cons- titucional brasileiro. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.brldoutrina/ texto.asp?id=3208>. Acesso em: 23 maio 2008. BOBBIO, N. A Era dos direitos, nova edição. São Paulo: Campus, 2004. COELHO, L. F. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. FERRAZ JUNlOR, T. S. Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1988. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2002. GROSS1, P. Primeira lição sobre direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. KANT,1. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70,1995. LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. LUDWIG, C. L. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Editorial Conceito, 2006. MARQUES NETO, A. R. A ciência do direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. RISCAL, S. A. O conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e Estado no Século XVI. Tese de doutorado defendida perante a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. 2001. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/ documentl?code=vtls000225862>. Acesso em: 13 jul. 2008. WARA T, L. A. Introdução Geral ao Direito - Interpretação da Lei. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994. WOLK.MER, A. C. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. São Paulo: Alfa Omega, 200l. A "DANÇA" DO CASAL VIRA CASO DE POLÍCIA: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO COM A VIOLÊNCIA DO CASAL NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE CURITIBAS Julio deI Valle Mahez Marisa Schmidt Silva INTRODUÇÃO A proposta deste artigo é refletir sobre o tema preocupante da violência" contra a mulher ou violência de gênero que, desde 1998 até os primeiros meses de 2007, após a promulgação da Lei "Maria da Pe- nha", foi a principal questão abordada no Setor Psicossoeial da Premo- teria de Justiça junto ao Juizado Especial Criminal - JECRIM - da Co- marca de Curitiba. A Lei 9.099/95, de 26.09.1995, que implantou os Juizados Es- pcciais Cíveis e Criminais e começou a funcionar em Curitiba em de- .cmbro de 1995 foi criada com o objetivo de desafogar o judiciário e o sistema carcerário, porque já naquela época, e ainda hoje, estes sistemas esrão sobrecarregados com uma demanda maior do que a sua possibili- dade de atendimento. Para tanto, optou-se por privilegiar a utilização de 11111 procedimento simples e célerc e a aplicação de medidas de caráter social menos punitivas, dando uma resposta judicial aos crimes ou in- truções penais denominados "de menor potencial ofensivo" nos quais a pena prevista era até um ano de prisão sendo que, atualmente, a com- pctência é de dois anos pela Lei 10.259, de 12.07.2001. Para realizar as audiências preliminares a Lei instituiu a função de Conciliador e Juiz Leigo, os quais têm a incumbência de trabalhar a questão de conflito Síntese da Monografia apresentada no Curso de Especialização em Psicologia Jurídica - I'UCPR, como requisito à obtenção do título de Especialista Violência compreendida como qualquer ato que coloque em risco a sobrevivência física, psicológica, social 01 espiritual de uma pessoa ou grupo, na concepção do Dr. Gilberto Giacoia, Procurador de Justiça do Estado do Paraná em palestra proferida em 31.03.2005 no I Seminário de Penas Alternativas realizado em Curitiba - PR.