O documento discute como a demolição de casas históricas para vender madeira de forma ilegal ameaça a preservação do patrimônio histórico em Minas Gerais. Apesar de órgãos tentarem impedir as demolições, falta fiscalização e incentivos à restauração desses imóveis. A venda da madeira também pode ser usada para lavar dinheiro do tráfico de drogas.
Patrimônio histórico em risco com móveis de demolição
1. 08/09/12 Reportagem - Casas cobiçadas - Revista de História
Reportagem - Casas cobiçadas
Móveis feitos com madeira de demolição põem em risco a conservação do
patrimônio histórico
Adriano Belisário
19/11/2010
Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
A máxima de Lavoisier parece inspirar os
marceneiros que fabricam móveis com madeiras
de demolição. Postos abaixo antigos casarios,
algumas de suas partes são reaproveitadas para a
construção de mobiliários de luxo. Porém, ao
mesmo tempo em que preserva o meio ambiente,
esta prática também põe em risco a conservação
de imóveis históricos, especialmente no Sudeste do
país.
“Quase não se pensa mais em restauração. Os
proprietários querem apenas repartir a casa e
vender seus pedaços. Eles se sentem seduzidos
pelas cifras propostas por coisas que deveriam ter
mais valor se estivessem no seu contexto
original”, diz a arquiteta Francyla Bousquet. O
bom preço por aquilo que alguns veriam como lixo reflete a alta qualidade dos materiais usados
O administrador de uma loja do ramo diz
na construção destes imóveis dos séculos passados. São madeiras nobres, antes comuns, mas o
que o consumidor desses produtos "não é
hoje proibidas de corte ou até mesmo extintas, como é o caso do pinho-de-riga.
cara que vai comprar um armário nas Casas
Bahia". Segundo o Ministério Público,
Segundo Marco Roberto Ribeiro de Almeida, administrador de uma lojausarramo no Rio depara
traficantes podem do esses objetos
Janeiro, o trabalho de limpeza das tábuas e o singular aspecto rústico dos móveis também
lavagem de dinheiro.
contribuem para tornar o metro cúbico de uma madeira desta até dez vezes mais caro do que a
convencional, dependendo do tipo de material usado. “Meus clientes são pessoas de classe média
ou alta. Todos os móveis são exclusivos, feitos de acordo com a necessidade. Não é o cara que
vai comprar um armário nas Casas Bahia. Eles querem coisas de boa qualidade e estão dispostos
a pagar um pouco mais caro. É gente com bom gosto e bom dinheiro”, relata o comerciante.
Para Renato César José de Souza, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de
Minas Gerais (Iepha), esta prática começou por volta dos anos 1970, com uma tentativa urbana
de reproduzir ambientes rurais. E a grande quantidade de edificações dos tempos coloniais fez
de Minas Gerais um dos principais palcos das demolições que dão a matéria-prima para esse
estilo. Mas os órgãos oficiais de preservação do patrimônio do estado já ligaram o sinal vermelho
e pretendem manter de pé os imóveis históricos da região.
“Toda demolição precisa ser autorizada pelo município, independentemente de o bem ter valor
cultural ou não. Porém, na maioria dos casos, as demolições são ilícitas por não possuírem o
alvará. Por isso, temos conseguido evitá-las judicialmente e pleitear a conservação dos imóveis”,
afirma Marcos Paulo de Souza Miranda, do Ministério Público de Minas Gerais. A pena para os
infratores pode variar de uma multa de R$10 mil a R$ 500 mil a até três anos de prisão, caso o
bem seja tombado.
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Marcos diz ainda que a maior dificuldade neste trabalho é o pouco controle sobre a venda e a
compra de materiais de demolição. Também fazem falta uma lei específica sobre o tema e
registros capazes de identificar os compradores, como a emissão de notas fiscais. Tudo isso faz
deste comércio um “terreno propício para a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e receptação
e destruição clandestina dos bens culturais brasileiros”, segundo ele. “Traficantes de drogas
costumam receber grande quantidade de dinheiro em espécie, sem poderem comprovar a
origem. Por isso, podem vir a comprar objetos produzidos com madeira de demolição, que têm
valor variável, como investimento ou mesmo para depois revendê-los auferindo grandes lucros,
dando aparência de legalidade à transação. Os consumidores devem pedir a comprovação da
procedência lícita, exigindo nota fiscal e declaração em tal sentido por parte da loja”, completa.
Na hora de os proprietários decidirem entre a restauração e a demolição, a falta de laços
afetivos com a casa aparece como um dos fatores decisivos. “O grande vilão da conservação dos
prédios rurais é o famoso espólio. Mortos os proprietários que moravam naquele lugar, os
herdeiros chegam para disputar não só a terra, mas até o último prego”, afirma Renato. Porém,
existem aspectos menos subjetivos que também pesam nesta escolha. “Nós conseguimos
facilmente financiamento para comprar bens, mas não existe nenhum incentivo para este tipo
específico de reforma que é a restauração de um patrimônio histórico particular. Uma antiga
fazenda de café que foi importante economicamente no passado não precisa ser tombada para
que possamos reconhecer seu valor”, critica Francyla.
Já Paulo Knauss, historiador da Universidade Federal Fluminense, explica que imóveis dentro de
áreas de proteção ambiental (APA) podem contar com auxílio técnico e isenção fiscal para
restauração de patrimônios históricos. “É o tipo de iniciativa que deveria ser multiplicada.
Mesmo porque há falta de mão de obra qualificada no mercado para este tipo de trabalho.
Preservar o patrimônio é uma operação complexa e exige tanto profissionais bem qualificados
como outros de formação mais básica”, diz.
Porém, restauração nem sempre é igual a prejuízos financeiros. O turismo rural de Minas Gerais
é um exemplo disso, como lembra Renato César. “Todo o estado foi muito afetado. A região
metropolitana era repleta de fazendas, e sobraram apenas duas ou três. Todo o resto foi
demolido. Mas no interior existe um circuito de fazendas que investiram na preservação de seu
cenário, possuem pousadas, fazem atividades culturais e outras coisas, garantindo sempre uma
lotação muito boa”. Prova de que, mais do que as madeiras, é preciso reciclar as ideias sobre
preservação do patrimônio histórico.
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