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Escola de Cidadania de Santos


       Cartilha
          da
     Participação
       Cidadã


      Diocese de Santos
Fórum da Cidadania de Santos
Universidade Católica de Santos




         Santos - 2010
Fique de olho;
informe-se e participe
ativamente da vida
de sua comunidade
Apresentação


Cartilha da Participação Cidadã

A Cartilha da Participação Cidadã é uma publicação de caráter pedagógi-
co que se insere no Projeto “ESCOLA de CIDADANIA”, desenvolvido em
parceria pela Diocese de Santos, Universidade Católica de Santos/UNISAN-
TOS e o Fórum da Cidadania de Santos.
 A finalidade da Escola de Cidadania é promover a capacitação de Agentes
Comunitários de Cidadania, de modo que esses agentes possam mobilizar
suas respectivas comunidades, no sentido de promover sistematicamente
processos articulados de Participação Cidadã que sejam desenvolvidos de
forma ativa, solidária e coletivamente organizada.
A idéia de elaborar e editar esta Cartilha partiu dos alunos concluintes da
1ª turma da Escola de Cidadania em 2008. Uma comissão organizadora, re-
presentando o conjunto dos alunos, responsabilizou-se pela definição dos
objetivos, conteúdos e pesquisa para obter as informações contidas nesta pu-
blicação.
Portanto, a Cartilha se constitui em um manual informativo para auxiliar o
trabalho de lideranças comunitárias, educadores sociais e demais pessoas in-
teressadas e comprometidas com a defesa e promoção dos direitos e deveres
de Cidadania.
Em decorrência, possuí os seguintes objetivos:
= Estimular a formação e a consciência política do cidadão;
= Proporcionar a informação básica sobre os mecanismos facilitadores para
o exercício pleno da cidadania;
= Despertar e promover o interesse na Gestão Democrática e participativa
da Cidade; e
= Fomentar a organização e mobilização dos cidadãos para a construção
de uma sociedade justa e solidária, livre de desigualdades, preconceitos e
discriminações.
Por uma ação
transformadora

É com grande alegria que apresentamos à comunidade a Cartilha da Participação
Cidadã, como um novo instrumento de mobilização social e de envolvimento de
lideranças comunitárias para a construção de uma sociedade fraterna.

Ela é fruto de uma importante parceria, formada pela Universidade Católica de San-
tos, Fórum de Cidadania e Diocese de Santos, todos empenhados em fazer presente
o apelo do Papa Paulo VI que afirma no documento Octogésima Adveniens (N.46):
“A política é uma forma sublime de praticar o amor.”

Assim, esse apelo do Papa Paulo VI ressoa ainda hoje, pedindo-nos que superemos
formas de assistencialismo e nos empenhemos na busca de políticas públicas ade-
quadas, no sentido de contribuir para uma reorientação do Estado em favor da socie-
dade e de modo especial àqueles que se encontram em situações de exclusão social.

A vocação e a missão dos cristãos exigem fervor, competência, união e encarnação
na sociedade, opção pelos pobres e ousadia profética, por meio de uma militância
sócio-política ética e transformadora. Esta cartilha demonstra o empenho da Diocese
de Santos de envolver-se nos problemas da atualidade, bem como colocar-se a servi-
ço dos mais pobres e marginalizados.

Este serviço tem como modelo a pessoa de Jesus Cristo que assumiu totalmente a
causa dos marginalizados, buscando encontrar-se com o Pai, principalmente, em
momentos fortes de oração (Lc.11,4), e a partir do encontro com o Pai abraçar a
causa dos desprotegidos, ir à rua e ouvir seus clamores (Mt 9,35-38), incluindo todos
nos valores da dignidade humana.

Ao colocar este material nas mãos de homens e mulheres de boa vontade, queremos
convidar os cristãos a se engajar nas questões sociais, pois a Igreja faz parte da so-
ciedade e ela é co-responsável, em conjunto com outras forças, pela construção de
um mundo mais justo e solidário (Gaudium et Spes).

No desejo de uma boa leitura e o devido aproveitamento deste material, esperamos
que ele nos ajude a iluminar os nossos caminhos na construção de uma cultura de
justiça e paz.


Pe Valdeci João dos Santos,
Assessor Diocesano das Pastorais Sociais,
Diocese de Santos.
A Presença
da UniSantos

É com grande alegria que a Universidade Católica de Santos compartilha com o
Fórum da Cidadania e com a Diocese de Santos do lançamento da Cartilha da Par-
ticipação Cidadã, obra elaborada como resultado de longa e profícua parceria que,
entre tantos frutos, produziu o Curso de Capacitação de Lideranças Comunitárias.

A Cartilha é uma manifestação pública e inequívoca do nível de excelência alcança-
do pelo referido curso, já que dela participam, além de professores, várias dos alunos
que nele se formaram.

Sendo um dos objetivos maiores de nossa universidade “contribuir para a defesa
e o desenvolvimento da dignidade humana, como também para herança cultural,
mediante a investigação, o ensino e os serviços prestados à comunidade” (Marco
Referencial da UNISANTOS), esta dupla realização – “curso e cartilha” – representa
a mais fiel consecução desta grande meta.

Como, diuturnamente, lutamos pela construção de uma sociedade democrática reno-
vada, mais justa, mais igualitária, participarmos de um empreendimentos educacio-
nal a partir do qual os alunos se transformaram em multiplicadores de consciência
cidadã, aptos a fomentar a organização e a mobilização para a construção de uma
sociedade justa e solidária, é, sem dúvida, a forma mais plena e gratificante de cons-
tatarmos a realização de nossas metas.

Cabe, ainda, registrar a importância, para que este projeto fosse realizado, da intima
e harmônica associação de nossa universidade com a Diocese de Santos, através de
seus agentes sociais e do Fórum da Cidadania, instituição que enche de orgulho aos
cidadãos da Baixada Santista.


Maria Helena de Almeida Lambert,
Magnífica Reitora da UNISANTOS
A Prática
da Cidadania

A Cidadania é uma prática que precisa ser incentivada. E este tem sido o grande de-
safio que adotamos como objetivo principal do Fórum da Cidadania de Santos. Por
isso, quando os alunos concluem um curso, promovido com a finalidade de despertar
a consciência participativa, e em seguida, apresentam uma proposta de elaborar uma
Cartilha para divulgar direitos que a comunidade tem, e nem sempre sabe desfrutar,
temos que reconhecer que um passo importante foi dado.

A Escola de Cidadania, que desenvolvemos em parceria com a Diocese de Santos e
a UniSantos, vem se consolidando como importante ferramenta para a capacitação e
desenvolvimento de lideranças comunitárias.

Esta Cartilha é uma iniciativa voltada a fomentar a participação cidadã, capaz de sus-
citar novos desafios, no sentido de que os direitos de cidadania em nosso país sejam
brevemente uma prerrogativa de todos os brasileiros, sem distinções ou privilégios.

O Fórum da Cidadania de Santos, por meio de seus integrantes, manifesta o orgulho
de constatar que suas finalidades estão sendo atingidas. E esta Cartilha, por certo,
representa o inicio de um novo processo de educação popular. A participação orga-
nizada, articulada e consciente dos diversos segmentos sociais será a resposta para o
enfrentamento e a superação dos problemas que nos afligem na atualidade.

Por último, agradeçemos a Diocese de Santos e a Universidade Católica de Santos -
UniSantos - pela valiosa parceria empreendida para viabilizar esta publicação.




Uriel Villas Boas,
Coordenador Geral do Fórum
da Cidadania de Santos
Índice
I. Textos para reflexão e debate

> O que se Entende por Participação Cidadã – Célio Nori                    13

> Conceitos Fundamentais - Fernando Jorge Rebelo Soares                    19

> O Exercício da Cidadania - Fernando Jorge Rebelo Soares                  25

> O Município como Unidade Federativa - Luiz Soares de Lima                35

> Direito à Cidade, Direito à Vida – José Marques Carriço                  41

> Poder Local na Perspectiva da Democracia Participativa -
Maurício Zomignani                                                         45

> Mitos, Princípios e Desafios da Cidadania - Maurício Zomignani           51




II. Instrumentos e Recursos do Poder Público e da Sociedade Civil para a
Promoção e Defesa da Cidadania                                             54



III. Glossário Técnico - Termos de natureza jurídica e política            76



IV. Referências Bibliográficas                                             83



V. Ficha Técnica                                                           88



VI. Apêndice - Fórum da Cidadania de Santos                                90
I - Textos para reflexão
         e debate
O que se entende
por Participação Cidadã

Abordar o conceito de participação cidadã em meio à grave crise que abala os ali-
cerces das instituições políticas da atualidade não é tarefa das mais fáceis, tendo em
vista a desconfiança, o descrédito e a indiferença que a Política suscita na maioria
das pessoas. Quais seriam as causas que poderiam explicar tal situação?

Cremos que, inicialmente, é necessário retroceder no tempo. Assim procedendo,
constata-se que herdamos desde os primórdios do descobrimento uma exploração
predatória de nossas riquezas, fruto de uma prática colonialista que perdurou por
mais de três séculos, aliado à escravidão, arbítrio e violência.

Em decorrência, os segmentos populares foram sempre alijados do exercício do po-
der, ora pela intimidação, ora pela desqualificação, perpetuando historicamente pro-
cessos de exclusão política e econômica do povo brasileiro.

Remetendo a questão para tempos mais modernos, outras situações se somam para
manter afastadas as pessoas do mundo da política. Aí podemos considerar o crescen-
te individualismo, as tecnologias que reforçam tal atitude e o consumismo irracional,
estimulado de modo exacerbado pela mídia e por outros instrumentos que atingem
todas as camadas sociais.

Decreta-se, assim, um estado de profunda alienação política, que se traduz por um
sentimento de apatia, quando não de aversão, a tudo que diz respeito ao mundo da
política. Esta situação não apresenta diferenças significativas em comparação com
outras sociedades, mesmo aquelas que podem ser consideradas mais evoluídas poli-
ticamente. Assiste-se, portanto, em escala mundial, ao fenômeno da despolitização
da sociedade.

Votar a cada dois anos, muito mais por obrigação do que para exercer consciente-
mente um direito fundamental de cidadania; delegar aos eleitos a total responsabi-
lidade por erros e problemas que afligem a vida pessoal e a coletividade e, vez por
outra, ensaiar críticas e desabafos motivados por uma indignação súbita, passageira
e desprovida de uma reflexão mais aprofundada são atitudes habituais presentes no
cotidiano, sobretudo daquelas pessoas que entendem ter assuntos mais sérios a tratar
do que assumir um papel participativo nas definições da vida pública.


>>Participação e Cidadania
Ainda que os antecedentes históricos acima mencionados tenham causado graves
distorções na formação social, política e econômica do país, que ainda perduram e
                                                                                       13
penalizam expressivos setores da população brasileira, não é possível culpar exclusi-
 vamente o passado por todos os nossos problemas. Não há também como negar que
 a sociedade brasileira evoluiu, acompanhando, ora de perto, ora de modo distante, os
 ventos de liberdade e avanço democrático que sopraram de democracias evoluídas.

 No último século alternaram-se no Brasil acontecimentos que reforçaram situações
 de autoritarismo, dependência e truculência, que se tornaram emblemáticas nos mais
 de vinte anos de vigência dos regimes militares (1964 - 1985), com conquistas poste-
 riores que determinaram a redemocratização e resgataram para o país a condição de
 Estado de Direito, destacando-se: anistia, eleições livres e diretas, fim da censura e
 tortura políticas, promulgação da Constituição de 1988, livre existência dos partidos
 e o pleno funcionamento das instituições

 A partir da consolidação deste novo contexto democrático começaram a ser viabi-
 lizados processos de Participação Cidadã. Para tratar deste conceito, inicialmente
 vamos nos valer dos significados atribuídos a esses vocábulos pelos dicionários.
 Assim, participação significa “ato ou efeito de participar”, enquanto que participar é
 “fazer parte de, ou tomar parte em”. Por outro lado, cidadão é “o indivíduo no gozo
 pleno de seus direitos civis e políticos e sociais”, ao passo que cidadania diz respeito
 à “qualidade que identifica e valoriza o cidadão”.

 Portanto, ao considerar a expressão “Participação Cidadã”, estamos nos referindo a
 uma atitude ou seja, a uma prática que reúne e integra pessoas conscientes de que,
 além de um projeto pessoal de vida, é necessário igualmente exercer um papel
 efetivo na construção coletiva da sociedade, de modo que se garantam os direitos
 fundamentais de cidadania e uma vida digna para todos.

 Em uma conceituação abrangente destes direitos, os Direitos Civis objetivam garan-
 tir a individualidade e a liberdade de todos, tendo como exemplos o direito à igualda-
 de, de ir e vir, de opinião e livre expressão, de crença, de fazer parte de associações
 e de privacidade dentre outros.

 Os Direitos Políticos se propõem a garantir a participação de todos nas definições so-
 bre o exercício do poder, a proteção contra eventuais atitudes de arbítrio e violência
 por parte do Estado e a delimitação do próprio poder.

 E os Direitos Sociais visam garantir uma vida com dignidade para todos e dizem
 respeito à Educação, Saúde, Trabalho, Lazer, Segurança, Previdência Social, Meio
 Ambiente, etc.

 Todos estes direitos estão preconizados pela Constituição brasileira, a nossa lei
 maior, de modo especial nos artigos 5º, 6º e 14. Vale a pena conferir e tomar conhe-
 cimento sobre eles.

 Em síntese, o conjunto dos direitos – civis, políticos e sociais - e igualmente a ob-
 servância dos deveres de cidadania caracterizam e concretizam a plena condição
 cidadã, visto que não pode existir uma cidadania somente de direitos, pois direitos
14
sem deveres são situações de privilégios que se opõem frontalmente à própria con-
cepção de cidadania.


>>Os Inimigos da Cidadania e da Democracia
No entanto, observa-se que mesmo levando em conta as prerrogativas do conceito de
cidadania estabelecidas pela Constituição e por outras leis complementares, o sim-
ples fato de as pessoas existirem , de estarem vivas, de possuir uma nacionalidade
e de portar documentos não garante por si só a condição cidadã de um indivíduo.
Como vimos, é somente a partir da plena vigência de seus direitos e deveres que o
indivíduo pode ser considerado cidadão.

Diante de tal constatação, podemos afirmar, sem medo de errar, que atualmente a ci-
dadania em nosso país se apresenta- de modo muito diferenciado, pois a prevalência
dos direitos não é igual para todos, ao contrário, é profundamente desigual segundo
a posição que o indivíduo ocupa na hierarquia social e na escala econômica. Do lado
oposto, a alguns são concedidos privilégios inacessíveis à maioria da população.

Portanto, muitos brasileiros apresentam-se como subcidadãos ou cidadãos pela me-
tade, pois seus direitos não são totalmente respeitados e garantidos pela sociedade.
Mais grave ainda, é a existência de largos segmentos da população que não atingem
                                                            os mínimos padrões de
                                                            cidadania, pois vivem
                                                            à margem do sistema
                                                            de produção e consu-
                                                            mo, sendo literalmente
                                                            excluídos como se sim-
                                                            plesmente não existis-
                                                            sem.

                                                           Em decorrência, mi-
                                                           lhões de brasileiros e
                                                           mais de um bilhão de
                                                           seres humanos do pla-
                                                           neta não são conside-
                                                           rados cidadãos; quando
                                                           muito são meramente
                                                           tachados de indivíduos
                                                           ou moradores que ha-
                                                           bitam precariamente as

                                                           Exija
                                                           o cumprimento
                                                           de seus direitos
                                                           de cidadania
                                                                                    15
cidades em geral.

 A desigualdade e a injustiça social decorrentes da absurda e injusta concentração de
 renda nas mãos de menos de 10% da população, ao lado de atitudes de discriminação
 e preconceitos, são os grandes inimigos da cidadania e da democracia no Brasil. A
 essas causas, somam-se outras situações:

 U a precariedade de acesso à justiça, sua lentidão e o funcionamento desigual das
 instituições jurídicas;

 U a ausência de informações adequadas e o comprometimento de grande parte dos
 meios de comunicação com os detentores dos poderes político e econômicos;

 U a precariedade dos serviços públicos oferecidos à população: educação, saúde,
 habitação, transporte e segurança, dentre outros;

 U a corrupção e a privatização do Estado, instaladas como doenças endêmicas nos
 mais variados segmentos políticos e sociais do país;

 U o corporativismo, o espírito de competição irracional e o consumo irresponsável
 presentes em todas as camadas sociais.


 >>Vencendo Desafios
 Enfrentar os inimigos da cidadania e da democracia é o grande desafio a ser enca-
 rado e superado pelo conjunto da sociedade brasileira, representada pelos poderes
 constituídos e pela sociedade civil, envolvendo suas mais variadas instâncias de re-
 presentação, sendo preciso reconhecer que existem cidadãos, cidadãs e segmentos
 sociais dispostos a enfrentar tal desafio. No entanto, é imprescindível que estes ato-
 res atuem de forma articulada, potencializem recursos disponíveis e definam priori-
 dades estabelecidas por amplo e democrático consenso.

 No âmbito do município, espaço público em que se viabilizam mais diretamente a Par-
 ticipação Cidadã e o exercício do Poder Local, surge a necessidade de se construir cole-
 tivamente um Sistema Integrado de Participação Cidadã, envolvendo associações civis,
 ONG-s, movimentos sociais, comunidades religiosas, sindicatos e outros organismos
 populares, buscando-se valorizar a diversidade e superar eventuais divergências em tor-
 no de princípios e valores comuns que possam unir os múltiplos atores sociais.

 Para tanto, é fundamental o acesso à informação que possa proporcionar uma re-
 flexão crítica sobre a realidade, a definição conjunta de prioridades e a organização
 coletiva de ações objetivas. Por sua vez, o resultado destas ações devem ser objeto
 de avaliações periódicas e reformuladas quando necessário e direcionadas aos se-
 guintes objetivos:

 U implantar instrumentos que garantam a devida Transparência e Controle Social
 da Cidadania sobre a Administração Pública;
16
U estabelecer indicadores e metas para as Políticas Públicas, no que diz respeito à
sua execução, monitoramento e avaliação de resultados;

U aperfeiçoar e ampliar os atuais espaços de participação da sociedade organizada.

Concluindo, o grande desafio que temos pela frente é a superação das críticas situa-
ções de desigualdades sociais que se refletem nos diferentes níveis de cidadania da
população brasileira

Independentemente de quaisquer diferenças étnico-sociais e econômicas, temos to-
dos o direito de sermos cidadãos completos, sujeitos de direitos e cumpridores por
igual dos deveres que a sociedade requer.

O caminho para conquistar esta nova realidade, configurada e edificada nos valores
e princípios do Interesse Público, Justiça Social e Dignidade e Qualidade de Vida
para Todos, passa pela nossa competência em travar uma luta contínua para efetivar
processos participativos que integrem governos comprometidos com a transforma-
ção ao lado de Entidades da Sociedade Civil, no sentido da construção conjunta de
Políticas Públicas inclusivas e adequadas às necessidades do conjunto da população.

A Participação Cidadã, ativa, solidária e coletivamente organizada e empreendida,
representa ao mesmo tempo um instrumento de ação, um método e uma práxis que
se aplicam tanto em contextos de grande amplitude, no aprimoramento e até na rein-
venção da própria Democracia, quanto em âmbitos mais próximos e localizados na
perspectiva de nos viabilizarmos como agentes comunitários de cidadania para a
conquista da Gestão Democrática de nossas cidades.


Célio Nori,
Sociólogo e Assessor Técnico
do Fórum da Cidadania de Santos




                                                                                      17
Nas praças da Grécia Antiga
     (ágoras) teve início a gestão
           participativa da cidade




18
Conceitos
Fundamentais

>>Democracia
Não é tarefa fácil expressar, com clareza, um conceito fundamental de democracia.
Embora a convicção da sua superioridade ética seja quase unânime (nem sempre
pelos méritos que tem revelado no exercício do poder político, mas porque nenhum
outro regime, até hoje, se mostrou superior), há necessidade de alguns esclarecimen-
tos a seu respeito.

O conceito de democracia teve, ao longo da História, várias interpretações, algumas
bastante diferentes umas das outras. O que entendemos hoje por democracia pouco
tem a ver com a praticada pelos gregos da antiguidade (século V a.C.), apesar de a
Grécia ser, habitualmente, apontada como seu berço. A democracia grega, no passa-
do, era direta, isto é, não havia representantes eleitos, e era exercida exclusivamente
pelos homens livres (mulheres, escravos e estrangeiros estavam excluídos); era, por-
tanto, excludente, reservada para uma elite.

Ora, a democracia moderna é predominantemente representativa, ou seja, se expres-
sa, mais frequentemente pelo voto secreto. Dessa forma, elegem-se representantes,
os quais agem politicamente em nome dos seus eleitores. Por isso, dá-se, atualmente,
maior importância à extensão do direito ao voto, antes restrito a um pequeno número
de pessoas (em função do seu sexo, poder econômico e instrução), de maneira a tor-
nar esse direito universal. Procura-se assim, envolver um maior número de pessoas
para fazer da democracia um instrumento de inclusão social.

Para melhor compreendermos o sentido do termo democracia, é útil observar a sua
etimologia. Democracia é composta de duas palavras de origem grega: demos, que
significa povo, e kratos, que significa poder e autoridade. Assim sendo, é razoável
afirmar-se que a democracia é o regime do poder do povo.

Não quer dizer governo pelo povo. Pode estar no governo uma só pessoa, ou um
grupo, e, ainda assim, tratar-se de uma democracia – desde que o poder seja do povo.
O fundamental é que o povo escolha o indivíduo ou o grupo que governa, e que
controle como ele governa.

Falamos da democracia grega e acentuamos o seu caráter excludente e elitista. To-
davia, é indispensável destacar que, apesar disso, ela teve o grande mérito de trazer
para o centro da vida dos cidadãos a discussão, na praça pública (ágora), dos pro-
blemas da comunidade e dividir tarefas, já que não havia eleições e sim divisão de
atribuições. Trouxe a política para a vida cotidiana.

Aristóteles (384 a 322 a.C.), ao referir-se à democracia, afirmava que a liberdade
                                                                                      19
constituía seu princípio fundamental. Dizia também que a igualdade de todos os
 cidadãos era outro dos seus traços característicos. Resumia o filósofo grego as prin-
 cipais características da democracia da seguinte forma:

 U as decisões mais importantes na cidade devem ser tomadas em Assembleia Geral
 por todos os integrantes, que deliberam com toda a liberdade;

 U os cargos que devem ocupar os cidadãos devem ser exercidos somente uma única
 vez, durante períodos curtos de tempo, e o acesso a eles deve ser feito por meio de
 sorteio (pois todos são iguais);

 U todos os cidadãos têm a possibilidade de ser eleitos para os diversos cargos, e, por
 sua vez, também são eleitores.

 Atualmente, muitos reduzem a democracia ao direito ao voto e à realização de elei-
 ções. Mas a democracia é muito mais do que isso. A democracia deve ser o regime
 que garanta a participação efetiva do povo (de todos, não só dos mais poderosos)
 na discussão e tomada de decisões a respeito dos problemas mais importantes da
 sociedade.


 >>República
 Já afirmamos que a democracia moderna tem como característica predominante a
 eleição de representantes que atuem politicamente em nome dos seus eleitores. As-
 sim, os cidadãos eleitores indicam, livremente, quem vai governar por determinado
 período. Os eleitores também devem escolher a forma de governo, ou seja, como
 deve ser organizado e exercido o poder político na comunidade.

 Em 21 de abril de 1993, os eleitores brasileiros foram convocados (artigo 2º do Ato
 das Disposições Constitucionais Transitórias – Constituição de 1988) para escolher,
 por um plebiscito, a forma de governo a ser adotada no Brasil: república ou monar-
 quia constitucional. Cabia-lhes, ainda, caso a forma de governo escolhida fosse a re-
 publicana, optar entre o sistema presidencialista e o parlamentarista. Como sabemos,
 a forma de governo escolhida foi a republicana presidencialista.

 Nos dias atuais, existem duas formas de governo consideradas principais: a repú-
 blica e a monarquia parlamentar (constitucional). À primeira vista, pensamos que a
 república é o contrário da monarquia. Antigamente, talvez essa idéia tivesse funda-
 mento quando o modelo de monarquia era a monarquia absolutista, isto é, o rei ou
 a rainha tinha poder absoluto, quer dizer, fazia e aplicava as leis e a justiça. Con-
 centrava, portanto, todos os poderes na sua pessoa. Monarquia se definia por quem
 mandava (rei ou rainha).

 Atualmente, isso não é mais verdade. Nas monarquias hoje existentes, o monarca
 não governa, quem governa é o parlamento, é liderado pelo primeiro ministro. Por
 essa razão, utilizamos o termo monarquia parlamentar. Assim acontece em grandes
20
países europeus, como a Espanha, Inglaterra, Holanda, Noruega, Dinamarca e ou-
tros. Por isso, hoje há monarquias que são mais democráticas do que repúblicas,
que podem ser ditaduras. Logo, é necessário caracterizar melhor a forma de governo
chamada república. Mais uma vez nos socorremos da etimologia. República vem de
res publica coisa pública.

Assim, a palavra república não indica quem manda (como na monarquia), e sim
para que manda. O poder na república deve estar a serviço do bem comum, da coisa
coletiva ou pública. O essencial na república não vem a ser quantos são beneficiados,
e sim o tipo de bem que se procura. O bem comum é um bem público, que não se
confunde com o bem privado. Um candidato que promete vantagens a todos à custa
dos cofres públicos, visando obter proveito pessoal não respeita a res publica.

Por isso, um dos requisitos fundamentais da forma republicana é a transparência. Na
república, não se pode buscar a vantagem de um ou de poucos, mas a do coletivo.


>>Política
A definição clássica de política foi legada pelos antigos gregos, com as restrições a
que já nos referimos. O conceito de política é derivado de polis, que significa tudo
que se refere à cidade e, consequentemente, público e social. O termo é emprega-
do para indicar o conjunto de atividades que tem relação com a administração de um
país ou, até mesmo, de uma cidade.

O conceito de política está relacionado com a noção de poder. Nos objetivos desta
cartilha está incluído o de tentar explicar como o exercício desse poder pode abran-
ger o maior número de pessoas (cidadãos), e não só uns poucos. Isso exige participa-
ção. Participar da discussão e das decisões que envolvam interesses da comunidade.

É importante frisar que, mesmo quando não fazemos nada, estamos participando,
isto é, estamos deixando que outros ocupem o nosso lugar. O Cardeal D. Paulo Eva-
risto Arns afirmou, na abertura da Campanha da Fraternidade de 1996, que a pior
forma de fazermos política é não fazermos nada, pois isso significa engrossar o par-
tido dos que não querem que as coisas mudem.

O poeta alemão Berthold Brecht (1898-1956) sintetiza com precisão o sentido de
participação política.

“O pior analfabeto é o analfabeto político, ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do pei-
xe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o me-
nor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra,
corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

                                                                                       21
É nesse sentido que a política deve ser entendida, pois ela deve constituir a preocu-
 pação do homem livre, e sua prática é a garantia da liberdade.


 >>Estado
 Como se costuma dizer, o Estado constitui uma sociedade politicamente organizada.
 Vamos tentar explicar isso de maneira compreensível.

 Inicialmente, devemos entender que o Estado é composto de três elementos indis-
 pensáveis: povo, território e governo soberano. Faltando qualquer um desses três
 elementos não existe Estado. Cabe ao Estado a tarefa de governar uma sociedade ter-
 ritorialmente definida. O Estado monopoliza (soberania) o direito de utilizar todos os
 recursos necessários para atingir suas finalidades. Podemos afirmar que a segurança
 e a felicidade da sociedade são os fins que devem nortear o Estado Democrático.

 O Estado constitui uma organização que busca impulsionar, desenvolver e coordenar
 as atividades humanas para a obtenção do bem comum. Para atingir esse objetivo, o
 Estado deve atuar amparado no Direito. Por isso, é necessário que todos os cidadãos
 participem na elaboração das leis e no controle da sua aplicação, levando em conta a
 capacidade diversificada das pessoas.

 Para ilustrar melhor o que dissemos, é interessante observar o texto do Art.3º da atual
 Constituição do Brasil. “Constituem objetivos fundamentais da República Federa-
 tiva do Brasil:

 I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

 II – garantir o desenvolvimento nacional;

 III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
 regionais;

  IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
 idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

 Em resumo, podemos afirmar que é próprio de cada Estado a criação de condições que
 permitam a cada indivíduo e a cada grupo social alcançar seus respectivos fins particula-
 res, respeitados os princípios da justiça e da solidariedade. Podemos ressaltar, no caso do
 Brasil, a luta contra a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais e regionais.


 >>Poder
 Sem sombra de dúvida, o poder constitui-se num dos mais importantes processos
 sociais das sociedades humanas. As relações de poder estão espalhadas por toda a
 sociedade. Todavia, há um poder supremo, ao qual todos os outros se submetem,
 que é o poder político. A legitimidade do poder político deriva da necessidade de
22
organizar a convivência social.

Ora, o exercício do poder é feito por pessoas reais, as quais, autorizadas pela lei, num
determinado momento histórico, podem determinar certos comportamentos sociais. As-
sim, o exercício do poder é um processo social, na medida em que indivíduos ou grupos
sociais apresentam condições para alterar o comportamento de outros grupos ou pessoas.

O exercício do poder constitui-se numa das mais importantes relações sociais exis-
tentes. O poder interfere em todas as relações sociais, quer sejam econômicas, mi-
litares, culturais, familiares etc., manifestando-se como poder militar, econômico,
sindical, e também como poder político.

Assim sendo, podemos afirmar que na sociedade coexistem vários tipos de poder, e
cada ator social (indivíduos, grupos, classes, organizações etc.) detém determinada
parcela de poder que dá lugar a diversos tipos de enfrentamentos que constituem
uma parte fundamental da vida social. Na relação com o outro, podemos encontrar
uma situação de inferioridade, de igualdade ou de superioridade.

Há diversas fontes de poder; entre as principais estão a força e a autoridade. O poder
é legítimo quando é aceito e existe a disposição de obediência por parte daqueles que
não o detêm. Será ilegítimo o poder quando exercido somente com base na força,
por indivíduo ou grupo social que não é aceito pelos demais e impõe sua vontade,
mesmo havendo resistência.

O poder político deve repousar na autoridade como um direito estabelecido para
tomar decisões e ordenar ações de outrem. É a legitimação do poder amparada pelo
seu conteúdo jurídico e moral. Pressupõe, portanto, reconhecimento e autorização
para exercê-lo por parte dos membros de uma sociedade ou de um grupo social. Tan-
to o reconhecimento quanto a autorização devem estar previstos em processos que
respeitem os direitos fundamentais de todos os cidadãos.


>>Constituição
Podemos dizer que a Constituição é a lei fundamental de uma sociedade, que esta-
belece as regras básicas de organização do poder e das relações sociais. Podemos
também afirmar que a Constituição é o instrumento fundamental para o controle
do poder político. Ela define a forma pela qual o poder político está distribuído e é
exercido na sociedade.

Assim, a lei ou o ato que contraria uma regra da Constituição, recebe o nome de lei
ou ato inconstitucional, pois ela tem um nível superior às demais normas do ordena-
mento jurídico. Uma Constituição deverá ter como um dos seus objetivos principais
a criação de instituições para limitar e controlar o poder político.

Nos Estados que têm a forma federativa, como é o caso do Brasil, a lei suprema é
a Constituição Federal, mas os estados da federação (Paraná, Bahia, São Paulo, por
                                                                                       23
exemplo) possuem a sua própria Constituição, pois têm autonomia política. Todavia,
 essas constituições não podem desrespeitar a Constituição Federal.

  No caso brasileiro, verificamos também a existência dos municípios como entes
 federativos. Os municípios têm autonomia relativa para organizar-se. A Lei Orgâni-
 ca é a lei fundamental dos municípios e deve respeitar a Constituição do respectivo
 Estado a que pertencem e a Constituição Federal.

 O Brasil teve diversas Constituições, que correspondem às profundas transformações
 de natureza política e social ocorridas em nosso país. A primeira Constituição do Brasil
 é de 1824, após a declaração da nossa independência. A seguir, vem a primeira Consti-
 tuição republicana (1891), após a proclamação da República (1889). A próxima foi a de
 1934 (era Vargas), decorrente da Revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas. O
 próprio Vargas, por meio de um golpe de estado (1937), instalou uma ditadura chamada
 Estado Novo (de inspiração fascista), do qual surgiu outra Constituição (1937).

 Após a Segunda Guerra Mundial (1945) e o fim da ditadura fascista de Vargas, o
 Brasil se redemocratizou e aprovou uma nova Constituição de natureza democrática
 em 1946. No entanto, o golpe militar de 31 de março de 1964 depôs o presidente
 João Goulart eleito democraticamente. O governo militar impôs então uma nova
 Constituição ao país (1967).

 Finalmente, após novo processo de redemocratização, foi promulgada, em cinco
 de outubro de 1988, a atual Constituição, carinhosamente chamada de Constituição
 Cidadã, devido aos grandes avanços nos campos político e social que podem ser
 observados no seu texto.

 A rigor, todas as constituições deveriam surgir de processos democráticos, apro-
 vadas por uma Assembleia Constituinte, composta por representantes do povo. No
 Brasil, isso nem sempre aconteceu. Algumas constituições foram impostas pelos
 governantes (outorgadas), outras foram aprovadas democraticamente, umas mais,
 outras menos (promulgadas).

 São exemplos de constituições outorgadas, a de 1824 (dava ao imperador poderes
 absolutos); a de 1937 (marcada pelo totalitarismo, os direitos sociais eram favores
 do Estado); a de 1967 (imposta pela ditadura militar, durante a qual os governos
 militares preferiam governar por meio de Atos Institucionais).

 São exemplos de constituições promulgadas, a primeira republicana de 1891 (intro-
 duziu o presidencialismo e a forma federativa); a de 1934 (admitiu o voto feminino,
 criou o salário mínimo, proibiu o trabalho infantil e instalou a Justiça do Trabalho);
 a de 1946 (admitiu a liberdade sindical e o pluripartidarismo); a de 1988 (consagrou
 o Estado Democrático e conferiu direitos fundamentais aos cidadãos).

 Na atual Constituição podem ser apontados alguns defeitos. Todavia, eles decorrem, princi-
 palmente, do fato de ela ter surgido após uma feroz ditadura militar que durou cerca de duas
 décadas. Entretanto, ela é de longe a mais democrática da nossa história política.
24
Exercício da Cidadania
>>Democracia representativa
Quando falamos de democracia, observamos que a democracia moderna é predomi-
nantemente representativa, ou seja, se expressa, mais frequentemente, pelo VOTO,
voto secreto. O artigo 1º, parágrafo único, da nossa atual Constituição diz: “Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou dire-
tamente, nos termos desta Constituição.” A leitura deste parágrafo da Constituição
permite-nos chegar a duas conclusões.

Em primeiro lugar, que o povo é o titular originário do poder político (todo poder
emana do povo). Em segundo lugar, que o povo exerce esse poder de duas formas: a)
por meio de representantes eleitos (democracia representativa); b) diretamente, nos
termos previstos na Constituição (democracia direta, também chamada de semidireta).
Agora, vamos falar da democracia representativa a qual, como já vimos se expressa
pelo exercício do voto. Podemos afirmar que o direito ao voto corresponde a um di-
reito individual de todo cidadão, sendo, assim, um exemplo de exercício de cidadania.

A luta democrática pela universalização do direito ao voto (direito de todos, não só
de alguns) desenvolveu-se em todos os países, e isso aconteceu também no Brasil. O
objetivo a ser alcançado era que o direito ao voto fosse universal, igualitário, direto,
secreto e livre, sem que ocorressem exclusões politicamente significativas de deter-
minados setores ou grupos sociais, motivadas pela raça, sexo, religião, ideologia,
riqueza, profissão, nível educacional etc.

No Brasil, por exemplo, o direito ao voto para as mulheres só foi estabelecido em 1932, e
confirmado na Constituição de 1934. Hoje, as mulheres representam mais de 50% do elei-
torado em nosso país. Na África do Sul, até alguns anos atrás, somente os brancos tinham
acesso ao voto, sendo excluídos os negros. O mesmo acontecia em algumas regiões dos
Estados Unidos da América do Norte, país apontado como símbolo da democracia.

O voto secreto só começou a ser adotado em diversos países no final do século XIX.
No Brasil, o voto não era secreto até 1930, sendo conhecido pelo nome de voto de
cabresto, pois os eleitores votavam expondo-se aos candidatos com o voto aberto, o
que permitia toda sorte de barganha eleitoral incluindo-se a intimidação.

Considera-se que as eleições são livres quando estão conjugados alguns fatores,
como, por exemplo:

a) garantias jurídicas;

b) pluralismo político;

c) eleições periódicas;

                                                                                        25
d) voto secreto;

 e) transparência na apuração dos votos;

 f) inexistência de exclusão decorrente da condição econômica e/ ou cultural do eleitor.

 No Brasil, já tivemos o chamado voto censitário, ou seja, estabelecia-se um limite
 mínimo de renda para que o cidadão pudesse ter o direito de votar.

 A atual Constituição do Brasil, em seu artigo 14, diz: “A soberania popular será exer-
 cida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos
 e, nos termos da lei, mediante:”. Sufrágio significa o poder reconhecido ao corpo de
 cidadãos de participar direta ou indiretamente na soberania.

 A leitura desse texto constitucional também enseja concluir que o voto no Brasil é
 universal, direto, secreto e igualitário. Além disso, ele é obrigatório para os maiores
 de dezoito anos (C. F. Art.14, § 1º, inciso I) e facultativo para os analfabetos, os
 maiores de setenta anos e para os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito
 anos (C. F. Art.14, § 1º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”). O analfabeto, embora tenha
 o direito de votar, não tem o direito de ser candidato (C. F. Art.14, § 4º).

 Quanto ao exercício do direito ao voto, há necessidade de uma breve explanação a
 respeito da sua obrigatoriedade. Muitos defendem a ideia de que sendo o voto um
 direito, ele não pode ser uma obrigação. Não pensamos assim, pois nos parece ser
 essa uma visão essencialmente individualista, fruto da doutrina liberal, pouco ou
 nada voltada para o social.

 No moderno Estado Social, existem direitos que são também obrigações. É o que
 chamamos direitos/deveres. Assim, por exemplo, os filhos estão sujeitos ao poder fa-
 miliar, enquanto menores (Código Civil art. 1630). Isso confere aos pais certos direi-
 tos, como dirigir-lhes a educação e tê-los em sua companhia e guarda. Mas, os pais
 não podem escolher entre exercer ou não exercer esses direitos. Têm obrigação de
 fazê-lo, pois se não o fizerem poderão perder o poder familiar, por decisão judicial.

 Ora, situação semelhante ocorre com o exercício da cidadania. Para que alguém possa re-
 clamar da inexistência de condições básicas que permitam a qualquer cidadão ter uma vida
 digna, entendemos ser condição elementar que todos cumpram o dever de escolher os me-
 lhores governantes (vale a pena reler o que Brecht pensa a respeito da participação política).

 Quanto à participação política, as INSTITUIÇÕES POLÍTICAS – e não somente
 indivíduos ou classes – é o elemento central. Os indivíduos são agentes importantes
 sem dúvida nenhuma, mas é mais importante compreender os limites institucionais
 dentro dos quais eles podem agir. Tal compreensão ajuda a entender melhor as mo-
 tivações, as escolhas e as preferências, do que a observação de comportamentos
 individuais, isolados desse contexto.

 Todavia, não é simples definir o que são instituições. Instituições podem ser, por
 exemplo, modelos morais (vida familiar), normas e valores (sexo, religião etc.), que
26
determinam o comportamento dos indivíduos com vistas à sua aceitação social. Ins-
tituições também podem ser estímulos sociais (valorização dos intelectuais) a partir
dos quais os indivíduos definem suas preferências. Instituições são, igualmente, as
estruturas burocráticas e governamentais que traçam procedimentos obrigatórios.

Dessa maneira, os fatores institucionais têm um impacto decisivo sobre o compor-
tamento das pessoas que estão inseridas no sistema político, quer sejam eleitores,
legisladores, executivos, participantes de movimentos sociais etc. Esse impacto con-
duz a estratégias de ação. Em resumo, instituições condicionam a ação e a relação
política, estabelecendo uma determinada hierarquia entre os agentes políticos e so-
ciais, pois distribuem desigualmente o poder entre eles.

Entretanto, a eficácia das instituições varia conforme o tempo e o lugar. Seu funcio-
namento depende, essencialmente, do contexto histórico e sócio-cultural. Por isso,
o que é válido para a França, não vale necessariamente o mesmo no Brasil. A quase
totalidade dos intelectuais brasileiros, formadores de opinião, na época da nossa
independência, estudaram fora do Brasil e aplicaram em nosso país modelos que
pouco tinham a ver com a nossa realidade.

Numa época em que tanto se fala na necessidade de reforma das nossas instituições
políticas, é muito importante insistir que essa reforma não pode surgir da simples
cópia de modelos já aplicados em outros países. É indispensável que tal reforma
(realmente necessária) atenda às peculiaridades do nosso país e conte com a partici-
pação do conjunto da sociedade e não só dos políticos profissionais.

No prosseguimento do assunto que estamos tratando, os PARTIDOS POLÍTICOS
têm um papel fundamental. Eles surgem no mundo da política ao mesmo tempo em
que os sistemas eleitorais e a necessidade de representação. Um partido político
pode ser definido como qualquer grupo de pessoas unidas por um mesmo interesse e
que tem como objetivo final conseguir exercer o poder político. Assim, há nos par-
tidos políticos um interesse básico em vista: alcançar e conservar o poder político.

Os partidos políticos têm, habitualmente, uma base social que não é, necessariamente,
absolutamente uniforme (operários, profissionais liberais, funcionários públicos, em-
presários etc.). Têm também uma orientação ideológica (a divisão mais comum é di-
reita e esquerda). Essa classificação direita e esquerda é, atualmente, bastante polêmica
e admite subdivisões, como centro-direita e centro-esquerda. Embora polêmica essa
classificação ajuda a identificar a orientação ideológica dos partidos, pela sua prática.

Mesmo bastante discutível, como já afirmamos, a classificação dos partidos como “de
direita” e “de esquerda” foi muito utilizada durante o século XX e tem raízes na Revo-
lução Francesa de 1789. Ela identificava a localização dos representantes ao se reunirem
no Parlamento: à esquerda se localizavam os representantes do povo; e à direita a nobre-
za, as camadas mais abastadas. Importantes doutrinadores da Ciência Política (Norberto
Bobbio, por exemplo) utilizam como critérios para a distinção entre direita e esquerda a
apreciação diversa que esses partidos têm das ideias de igualdade e liberdade.

                                                                                        27
À esquerda (e centro esquerda) se encontram os partidos que incluem em seus programas
 de governo doutrinas igualitárias e libertárias (apesar de alguns caírem no autoritarismo). À
 direita (e centro direita) estão os partidos conservadores, aqueles que, mesmo respeitando
 de certa forma as regras democráticas, têm quanto aos ideais de liberdade e igualdade uma
 avaliação de forte sentido legalista, ou seja, liberdade e igualdade de acordo com a lei (sem
 questionarem a sua origem e o fato de certas leis poderem ser profundamente injustas).

 No Brasil, o pluralismo político está incluído como um dos princípios fundamentais
 do Estado (C. F. Art.1º, inciso V). Não existe, portanto, qualquer bloqueio para a
 criação de partidos políticos (a ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964, só
 permitia a existência de dois partidos políticos: Arena e MDB). É, pois, livre a cria-
 ção, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos no Brasil (C. F. Art.17).
 Eles só estão obrigados a respeitar a soberania nacional, o regime democrático, o
 pluripartidarismo político e os direitos fundamentais da pessoa humana.

 Atendidos esses preceitos (mais o seu caráter nacional e a proibição de se subordina-
 rem a entidades ou governos estrangeiros), os partidos políticos têm autonomia para
 definir a sua organização interna, o seu funcionamento e a sua prática política. Ora,
 é exatamente pela sua prática política, ou seja, mais precisamente pelas posições que
 eles adotam diante dos mais graves problemas da nação, que devem ser identificados
 e escolhidos como opção de voto, para constituírem os parlamentos (Poder Legisla-
 tivo), local onde são elaboradas as leis.




 Vote com consciência, pois
 voto não tem preço ... tem consequências!
28
>>Democracia participativa
Já fizemos referência à frase do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns na abertura da Cam-
panha da Fraternidade de 1996, alertando que “a pior forma de fazermos política é
não fazermos nada, pois isso significa engrossar o partido dos que não querem que as
coisas mudem”. Diante desse alerta, é relevante discutir o conceito e o papel da cha-
mada SOCIEDADE CIVIL. Esse termo surge na história em meados do século XVII
em contraposição a um estado primitivo da humanidade, em que os seres humanos
viviam de acordo, unicamente, com as leis naturais de sobrevivência. A sociedade
civil seria a superação da sociedade natural.

Poderíamos, então, entender o termo sociedade civil com o significado de sociedade
política e sociedade civilizada. Não há espaço nesta cartilha para discutirmos, mais
profundamente, os vários sentidos que a expressão “civilizada” vai adquirindo ao
longo do tempo. Essa expressão é usada aqui com o sentido de sociedade organiza-
da, na qual existem regras obrigatórias de convivência, garantidas pelo Estado.

Durante os séculos XIX e XX, os autores com ideias mais libertárias e igualitárias
distinguem as expressões sociedade civil e sociedade política. Sociedade civil seria
o conjunto de organismos privados (hoje chamamos de sociedade organizada), en-
quanto sociedade política corresponderia à estrutura complexa que chamamos Esta-
do, o qual exerce o monopólio do poder político (só ele pode coagir).

Na verdade, os regimes políticos não se sustentam apenas baseados em instrumen-
tos de coação (leis por exemplo). São necessários espaços de formação e difusão
de ideias que se transformam em valores, os quais, quando se tornam dominantes
(hegemônicos), são obedecidos pela sociedade como se fossem obrigatórios (é o que
chamamos ideologia). Os espaços (ambientes) onde se difundem essas ideias podem
ser: a família, a escola, o trabalho, a Igreja etc.

Ora, nesses espaços (ambientes) as ideias e valores difundidos podem estar em con-
flito uns com os outros. Esses espaços são, portanto, locais de disputa ideológica,
onde é possível observar que algumas ideias e valores podem tornar-se dominantes,
outros não. Em outras palavras, sociedade civil é, hoje, o terreno dos conflitos eco-
nômicos, ideológicos, sociais, religiosos etc.

Por isso, é possível, atualmente, contrapor as ideias de sociedade civil e Estado.
Entende-se por sociedade civil a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos
e entre classes sociais, muitas vezes conflitantes, que se desenvolvem à margem do
poder político do Estado. Já o Estado exerce a tarefa de resolver esses conflitos de
interesses, intervindo como mediador ou como juiz, para solucioná-los.

A sociedade civil mantém relações com o Estado através de instituições mediadoras.
No Brasil, essas relações desenvolveram-se bastante com o crescimento dos movi-
mentos sociais, decorrente da crise dos partidos políticos. Com o declínio do prestígio
dos partidos políticos, os cidadãos passaram a se envolver com outros grupos e ativida-
des, como movimentos de bairro, associações de moradores, paróquias, comunidades
                                                                                       29
eclesiais de base, movimentos de mulheres, de negros, de homossexuais etc.

 Cabe, agora, uma ligeira reflexão sobre o problema das POLÍTICAS PÚBLICAS,
 enquanto atividade a ser exercida pelo Estado moderno. Já fizemos referência ao arti-
 go 3º, inciso III da atual Constituição do Brasil, mas julgamos importante repetir esse
 texto: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III –
 erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”

 Com o aumento da complexidade das sociedades modernas, que inclui maior diver-
 sidade das demandas da sociedade para com o Estado, tornou-se imprescindível para
 este desenvolver novas ações, as quais denominamos políticas públicas. A amplia-
 ção da necessidade da intervenção do Estado na realidade social (meio ambiente,
 proteção das crianças e adolescentes, idosos etc.) obriga-o a atuar no atendimento a
 demandas coletivas, diretamente pelos próprios órgãos governamentais ou por orga-
 nizações do terceiro setor (ONGs, OSCIPs, fundações etc.), pelo estabelecimento de
 parcerias com o Estado.

 Desse modo, podemos entender política pública como um instrumento de trabalho
 utilizado pelo Estado, com o qual ele pretende alcançar determinados objetivos que
 são de interesse comum de toda a sociedade civil. A política pública deve compreen-
 der um rigoroso planejamento e o estabelecimento de prioridades, considerando os
 recursos limitados disponíveis.

 O objeto das políticas públicas deve ser definido de forma democrática adotando o
 princípio da participação social. Deve levar em conta que há vinculação direta entre
 políticas públicas e direitos fundamentais do ser humano. Neste sentido, as políticas
 públicas podem ser consideradas meios essenciais para a concretização dos direitos
 à saúde, à habitação, ao lazer, à educação etc., descritos como direitos sociais no
 artigo 6º da Constituição Federal.

 No campo da DEMOCRACIA PARTICIPATIVA estão incluídas a DEFESA e PRO-
 MOÇÃO DE DIREITOS. A sociedade civil desempenha um papel importantíssi-
 mo na elaboração, acompanhamento e verificação das ações de gestão pública. Na
 prática, significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridade, avaliar
 programas, ações, processos, objetivos e resultados alcançados. A participação da
 sociedade, através de processos criados por ela ou utilizando-se de mecanismos ins-
 titucionais, deve ser considerada prioritária para a implementação de ações que ga-
 rantam a defesa e a promoção dos direitos da população mais vulnerável.

 Quem desconhece os seus direitos é como se não os tivesse. Nas suas relações com o
 Poder Público, assumirá sempre o papel de objeto de favores do Estado. Dificilmente
 entenderá que o Estado moderno tem obrigações a cumprir. Voltamos ao artigo 3º
 da nossa Constituição Federal, que trata dos objetivos do Estado: “IV – promover
 o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou-
 tras formas de discriminação”. Outros dispositivos constitucionais conexos apontam
 nessa direção (C. F. Art.5º, inciso XLI – a lei punirá qualquer discriminação atenta-
 tória dos direitos e liberdades fundamentais;).
30
A Constituição Federal de 1988 introduziu elementos e diretrizes de democracia parti-
cipativa que exigem a intervenção da sociedade civil na defesa e formação de direitos.
No campo da Seguridade Social, por exemplo, o artigo 194 incorpora a participação
da comunidade nos seguintes termos: “A seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

É no âmbito municipal que se percebem mais claramente as necessidades da po-
pulação, que habitualmente não são atendidas pelas esferas do poder político mais
distantes (estadual e federal). Por isso, os governos municipais, pela sua proximi-
dade física com os cidadãos, sempre recebem maior pressão destes para a solução
de problemas que podem não estar na sua alçada. Todavia, hoje não se admite mais
a concepção de governo municipal como mero administrador de serviços. Nasce,
então, uma nova forma de compartilhamento do exercício do poder político, na qual
é indispensável a presença dos cidadãos.




Solidariedade: condição essencial para a Participação Cidadã


>>Democracia Direta
Quando tratamos da democracia representativa fizemos menção ao artigo 1º, § úni-
co, da Constituição Federal. Retornamos, agora, à sua leitura: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos
desta Constituição”.

O artigo 14 da Constituição Federal indica os três instrumentos aprovados para o
exercício direto (também chamado semidireto) do poder político: I – plebiscito;
II – referendo; III – iniciativa popular. Podemos dizer que a democracia direta é
                                                                                     31
o modelo de organização política na qual o povo, além de ser o titular legítimo do
 poder supremo, pode e deve exercê-lo diretamente – isto é, sem a intermediação de
 pessoas ou instituições – nos diversos processos de decisão, controle, fiscalização e
 sanção na esfera política.

 Esta forma exclusiva da participação popular nasceu e se consolidou na Grécia quan-
 do o povo-cidadão se reunia na praça para decidir sobre tudo o que fosse de interesse
 público. Nas sociedades modernas tal modelo tornou-se inviável. Logo, atualmente,
 as formas de participação política direta, coexistem com a representação e as elei-
 ções. Sendo assim, as formas de Democracia Direta não visam descartar ou diminuir
 a democracia representativa (como muitos alegam tementes da perda de privilégios).

 REFERENDO e PLEBISCITO são consultas ao eleitorado, em votação livre e se-
 creta, para que expressem sua opinião ou vontade em relação a questões de interesse
 público. Não são sinônimos, embora sejam comumente confundidos. No Brasil, o
 resultado do Plebiscito e do Referendo é vinculativo, ou seja, a vontade do eleitora-
 do deve ser respeitada. Em Portugal (onde o voto não é obrigatório), a consulta ao
 eleitorado só deve ser obrigatoriamente respeitada, no caso do comparecimento às
 urnas de mais de 50% do eleitorado. Não sendo alcançado esse quorum, o resultado
 da consulta é apenas indicativo, facultando ao Parlamento atender ou não à mani-
 festação popular.

 PLEBISCITO é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado antes
 da aprovação de qualquer tipo de questão de interesse público, não necessariamente de
 natureza jurídica, como por exemplo, políticas governamentais. Por meio do plebiscito,
 o povo é consultado sobre medidas futuras, de caráter geral, bem como sobre fatos ou
 eventos excepcionais. O plebiscito é obrigatório para decisões sobre questões territoriais,
 como a criação, anexação ou separação de municípios ou Estados (C. F. Art.18, § 3º).

 REFERENDO é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado
 depois da aprovação de normas legais ou constitucionais, podendo confirmar ou re-
 jeitar a norma. No Brasil, foram realizadas apenas três consultas nacionais. As duas
 primeiras denominadas plebiscitos e a terceira, referendo (há quem entenda que as
 três foram referendos). Antes da atual Constituição, em 1963, a consulta era para
 manter ou não o sistema parlamentarista, adotado, após a renúncia do Presidente
 Jânio Quadros, para resolver o impasse institucional criado pelos militares, que se
 recusavam a aceitar a posse do vice-presidente eleito, João Goulart. O povo optou
 pela volta ao presidencialismo.

 Em 1993, era para decidir se manteríamos a forma de governo republicana ou nos
 tornaríamos uma monarquia constitucional. Além disso, caso a escolha fosse repu-
 blicana, se o sistema de governo seria presidencialista ou parlamentarista. Aliás,
 esta consulta já estava prevista no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais
 Provisórias (ADCP), da Constituição de 1988. Como sabemos, foi mantida a forma
 de governo republicana e o sistema presidencialista.

 Finalmente, em 23 de outubro de 2005, o povo foi consultado, através de um refe-
32
rendo, se o comércio de armas e munições deveria continuar existindo no país ou,
ao contrário deveria acabar. A proibição já constava no Estatuto do Desarmamento
(aprovado anteriormente pelo Congresso), mas somente com o referendo esse ponto
da lei teria validade. A resposta do eleitorado foi no sentido de ser mantido o comér-
cio de armas e munições.

Nas democracias do Ocidente, consultas populares ocorrem com regularidade. Na
maioria dos Estados norte-americanos elas ocorrem a cada dois anos. A Suíça, berço
da democracia direta, responde por cerca da metade de todos os referendos realiza-
dos no mundo. No Brasil, as consultas populares estão muito longe de constituir uma
prática política costumeira, pois dependem (por incrível que pareça) de autorização
do Congresso (C. F. Art.49, inciso XV).

INICIATIVA POPULAR é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo
apresenta ao Poder Legislativo um projeto de lei de interesse coletivo. Trata-se de
um processo de participação mais complexo, pois exige prévia organização e ampla
mobilização do povo que deverá elaborar um texto (projeto de lei), coletar assina-
turas, fazer a defesa pública e apresentar ao Poder Legislativo. Depois, aguardar a
discussão e aprovação parlamentar nos termos previstos para o processo legislativo.

No Brasil, são raríssimos os projetos de lei de iniciativa popular aprovados pelo
Congresso. Em 1999, foi aprovada a Lei 9.840 que alterou a legislação eleitoral,
facilitando à Justiça Eleitoral coibir a corrupção eleitoral. Graças a essa lei já foi
cassado, em todo o Brasil, um grande número de parlamentares e membros do exe-
cutivo. Em 2005, foi aprovada a Lei 11.124 que dispõe sobre o Sistema Nacional
de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS.

Embora a nossa Constituição permita ao povo exercer diretamente seu poder sobera-
no por meio dos mecanismos de democracia direta (plebiscito, referendo e iniciativa
popular), a legislação que regulamenta o exercício desse poder (Lei nº 9.709/98)
inviabiliza sua prática. Ao estabelecer que apenas ao Legislativo cabe convocar as
consultas populares, inverte a ordem natural das coisas, pois exige que o titular do
poder (o povo) necessite de autorização dos seus representantes (congressistas), para
utilizar o que lhe pertence.

Quanto à iniciativa popular, a exigência de um número elevadíssimo de assinaturas
para encaminhar um projeto de lei ao Poder Legislativo (1% do eleitorado nacional,
distribuído, pelo menos, por cinco Estados), transforma-se num obstáculo quase in-
superável para atingir esse objetivo.

Atualmente, várias entidades da sociedade civil estão tentando obter as assinaturas
necessárias para encaminhar para o Congresso um projeto de lei de iniciativa popu-
lar que altera a lei de inelegibilidades. Por esse projeto de lei são incluídas hipóteses
de inelegibilidade, levando em conta a vida pregressa do candidato. O propósito
dessa iniciativa popular é proteger a probidade administrativa e a moralidade no
exercício do mandato.
                                                                                        33
Diante dessa realidade, há necessidade urgente de desbloquear o uso desses mecanis-
 mos de democracia direta, além de criar outros. A crise da democracia representativa
 é evidente. É indispensável que não se crie uma falsa oposição entre democracia di-
 reta e democracia representativa. Mas é, também, essencial que o povo se reconheça
 o titular originário do poder político, e para que isso aconteça é imprescindível que
 ele possa controlar o poder que transmite, periodicamente, aos seus representantes.




                                                                       A Soberania
                                                                     é prerrogativa
                                                                          exclusiva
                                                                          do Povo!

 >>Referências Bibliográficas
 DIAS, Reinaldo. Ciência política. São Paulo : Atlas, 2008

 Instituto Cultiva. Escola de Governo de São Paulo. Dicionário da gestão democráti-
 ca : conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores partici-
 pativos. Belo Horizonte : Autêntica, 2007 (Gestor público ; 1)

 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do Estado. 8. ed. rev. e atual.por José Lindo-
 so. Rio de Janeiro : Forense, 2004

 MORAES, Alexandre (Org.) Constituição da República Federativa do Brasil : de 5
 de outubro de 1988. 30. ed. São Paulo : Atlas, 2009 (Manuais de Legislação Atlas)

 RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo : Publifolha, 2001 (Folha Explica ; 29)

 RIBEIRO, Renato Janine. A república. São Paulo : Publifolha, 2001 (Folha Explica ; 30)


 Fernando Jorge Rebelo Soares,
 Advogado, Mestre em Direito,
 Professor de Ciência Política da UNISANTOS
 e Coordenador Jurídico do Fórum da Cidadania de Santos

34
O Município
como Unidade Federativa
U Quantas perguntas faremos para responder
sobre o que é o lugar em que todo mundo vive?
Muitas perguntas devem ser feitas e sempre refeitas, pois o olhar crítico sobre o
mundo que nos rodeia e a incansável vontade de transformar para melhor nossa
cidade, influenciando os outros, devem ser instrumentos permanentes do cidadão.


U Só quem mora no Distrito Federal é que não
mora num Município?
O Distrito Federal não é Município, mas pela Constituição Federal tem atribuições
e competências legislativas idênticas aos Estados e Municípios.É um ser híbrido.


U Mas, o que é mesmo um Município?
É uma unidade político-administrativa e financeira, com autonomia. Sua criação,
atualmente, faz-se na forma estabelecida nas Constituições Federal e dos Estados,
sendo que estes deverão editar leis para regulamentar a criação, desmembramento,
fusão e a incorporação de municípios.


U Quanto de independência e autonomia ele tem?
A autonomia política do Município é garantida constitucionalmente. Ela permite
ao Município elaborar sua própria Lei Orgânica, eleger seu prefeito, vice-prefeito
e vereadores, legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar as
legislações federal e estadual no que lhe couber.


U O que uma lei tem a ver com seu nascimento?
Hoje uma lei estadual cria municípios? Há Mu-
nicípios que nasceram antes da lei?
Claro. Aí vamos retornar no tempo e lembrar que o Município, como unidade polí-
tico-administrativa nasceu na Roma Antiga.



                                                                                  35
U Por que obedeço a uma lei?
 Essa é uma questão filosófico-jurídica. Mas, lembremos que a idéia da lei nasce des-
 se consenso para vivermos em sociedade. A Constituição diz que ninguém é obriga-
 do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Esse é o princípio.
 As leis, lembremos, são feitas por aqueles homens e mulheres que elegemos, sejam
 para o Senado Federal, para as Câmaras Federal, Estaduais e Municipais. Mas, todo
 o PODER , diz a Constituição Brasileira, emana (sai, provém) DO POVO!!! Daí
 precisarmos cada vez mais acreditar nisso e tornar efetivo tal poder.


 U O que é o Poder Executivo Municipal?
 O Poder Executivo é um dentre os demais Poderes existentes na famosa divisão que
 se faz das tarefas existentes. Os outros dois são o Legislativo e o Judiciário. Classi-
 camente é aquele que executa as leis.


 U Quem lhe dá esse poder?
 De novo voltamos à Constituição Federal.

 Por que aquele que manda no Poder Executivo se chama prefeito? Porque ele é
 o chefe , o dirigente supremo da Prefeitura. Ele representa o Município política e
 juridicamente, nas relações internas e externas, com os munícipes ou cidadãos ou
 com outras entidades públicas ou privadas do Município. Ele, o prefeito, não é um
 servidor público (concursado). É um agente político. Eleito obrigatoriamente pelo
 voto popular.


 U Quem defende o Município na Justiça?
 Nesse caso, o município é representado pelos seus procuradores, que têm o papel de
 defender o Município na Justiça. Eles não são eleitos pelo voto popular. São servi-
 dores públicos e devem ingressar nesse serviço por concurso público.


 U O que é o Poder Legislativo Municipal?
 É a Câmara Municipal, composta por vereadores eleitos diretamente pelos cidadãos
 do Município,por um período de 4 anos.


 U Que poder tem ele?
 O poder de fazer leis para o Município e fiscalizar o Poder Executivo.

36
U Quem lhe dá poderes?
Novamente é a Constituição Federal e a Lei Orgânica de cada Município.

Por que aquele que está nesse poder se chama vereador?´ É o nome que há muito se
deu; dizem que sua origem remonta à idéia de vereda ou caminho.Já o verbo verear,
significa administrar ou vigiar pelo bem-estar e segurança dos munícipes.


U Há um Poder Judiciário Municipal?
Não. No Município só existem os Poderes Executivo e Legislativo.


U Ele tem algum poder no Município?
Sim, como em todo o país.


U Juiz, Desembargador e Ministro é tudo a mes-
ma coisa?
Sim, no sentido de serem aqueles agentes políticos responsáveis por interpretar e
decidir as ações ou discussões judiciais. A figura do juiz liga-se às causas que se
chamam de primeira instância. Os desembargadores estão nos Tribunais dos Estados
e vão decidir aquelas causas que já foram julgadas pelos Juízes. Já os Ministros dos
Tribunais estão nos Tribunais Superiores, todos em Brasília, e decidem, na maioria
das vezes, as causas julgadas pelos Tribunais inferiores.


U O Ministério Público é um mistério? É possí-
vel desvendá-lo?
Não. O Ministério Público não é um mistério. A pergunta se fez porque apesar de
sua grande importância para os cidadãos e para as causas da cidadania, não aparece
como um 4º poder. É uma instituição pública permanente e essencial à função juris-
dicional (que interpreta e diz o que é o direito). Defende a ordem jurídica, o regime
democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

U O que o Ministério Público faz por nós no
Município?
É exatamente a defesa e a proteção dos direitos dos cidadãos, dos consumidores, dos
índios, das questões da saúde, educação, bem como do exercício das ações penais.
São tarefas dos Promotores, Procuradores da Justiça e os Procuradores da Repúbli-
ca, cada um dentro de sua competência ou jurisdição.
                                                                                        37
U Que lei rege ou manda no Município?
 A Lei Orgância do Município, que funciona como se fosse a Constituição de cada
 município brasileiro.


 U Como o Município se sustenta?
 Basicamente pelos impostos , taxas e contribuições pagas por todos os cidadãos.


 U Por que tenho de pagar impostos?
 Essa é outra questão para refletir. Mas, principalmente se paga imposto para a manu-
 tenção dos serviços básicos de manutenção das ruas, saúde, educação , prestação de
 demais serviços públicos, recolhimento do lixo etc.


 U O Estado e a União Federal também contri-
 buem para manter o Município?
  Sim, a Constituição Federal manda a União e os Estados fazerem repasses de seus
 impostos aos Municípios. Aliás, muitos dos Municípios têm renda própria muito
 pequena e são mantidos por esses repasses.


 U Quanto um prefeito pode gastar do dinheiro
 que recebe?
 Ele tem limites impostos pela Constituição Federal e pela lei de responsabilidade
 fiscal.


 U Pode-se gastar mais com Educação e Saúde ?
 Essa pergunta é interessante, porque a resposta sempre deve ser sim, principalmente
 pela importância desses dois serviços para todos os cidadãos. Lembremos, apenas,
 que o Município, quanto à educação, manutenção e desenvolvimento do ensino, não
 pode gastar menos do que 25%(vinte por cento) de sua receita de impostos.


 U Como pensar a cidade, seu crescimento e en-
 velhecimento?
 A Cidade, o Município deve ser pensado para o futuro. Combinando-se sempre as
 necessidades, compatibilizando-as com a proteção ambiental e o melhor ordenamen-
 to do território.
38
U Como construir?
Também aqui é o Município quem impõe regras, por meio de leis (Plano Diretor,
Código de Edificações, Código de Posturas).


U Quem fiscaliza?
Novamente o município deve contar com um aparato fiscalizatório, composto por
servidores públicos , devidamente concursados para tais atividades.


U Como o cidadão pode participar?
Participando. Tendo coragem. Indo às sessões da Câmara Municipal. Lendo os jo-
nais.Prestar atenção.Ser crítico. Ir à escola do filho. Saber se professores dão aula.
Procurar descobrir quanto se gasta com lixo no Município; quais são as despesas
com educação e saúde; quanto se arrecada; quais a despesas com os servidores públi-
cos.Buscar saber o que é um Plano Plurianual, uma Lei de Diretrizes Orçamentárias
e um Orçamento Anual. Buscar informações.


U Existem instrumentos , escudos, armas, defe-
sas da cidadania?
Sim, o primeiro é lutar por um ensino universal,
igual e progressista. Denunciar e lutar contra as
artimanhas, as ideologias que querem continu-
ar a reproduzir uma educação contrária a isso.
Milton Santos, famoso professor da Universi-
dade de São Paulo, dizia que o brasileiro é um
deficiente cívico, porque há muito tempo rece-
be ensino deficiente e acrítico, fruto do aban-
dono que lhe impôs os Poderes Públicos. Dizia
ele que há necessidade de que o ensino volte a
ser realmente universal (concebido para atingir
a todas as pessoas), igualitário (como garantia
de que a educação contribua para eliminar desi-
gualdades) e progressista (desencorajando pre-
conceitos e assegurando uma visão de futuro).

A saúde também universal e gratuita é uma bus-          Educação e qualdidade
ca, e o Estado deve garanti-la a todos. Qual-              de vida para todos:
quer o procedimento do Estado, da União e dos                   sem o que não
Municípios que queira privatizar o ensino ou a                    há cidadania
educação deve ser denunciado.
                                                                                     39
U A quem se deve recorrer?
 Ao Ministério Público da Cidade. Seja o Federal ou o Estadual. Outro espaço inte-
 ressante e que está reforçado são as Defensorias Públicas (eles, os defensores, são
 responsáveis por defender o cidadão mais pobre até mesmo contra o Município ou o
 Estado). Vamos procurá-los. Também podem-se criar associações em defesa da cida-
 dania ou do meio ambiente, as quais têm o direito de ingressar com ações coletivas
 em defesa desses interesses plurais ou difusos.


 U Viver só e viver solidário, o que isso tem a
 ver com a cidadania?
 Essa cartilha, como voce vê, não tem todas as respostas. Esta última explica um
 pouco a idéia de participação.


 Luiz Soares de Lima,
 Advogado, Procurador Chefe da Prefeitura Municipal de Santos,
 Pós Graduado em Direito Ambiental,
 Direito do Consumidor
 e Processos Coletivos
 e ainda Membro do Fórum da Cidadania de Santos




           “A Paz é fruto da Justiça”
40
Direito à Cidade,
Direito à Vida

                                       “Se a cidade é o mundo que o homem criou,
                                            este é o mundo no qual daqui para frente
                                                        ele está condenado a viver. ”
                                                                        (Robert Park)



O processo de urbanização sofreu notável aceleração nos países em que a economia
capitalista se desenvolveu. A circulação do capital, de modo rápida e desimpedido,
tornou-se requisito para o reinvestimento dos excedentes de capital acumulados pelo
sistema. Esta necessidade historicamente demandou altos investimentos em infraes-
trutura e promoveu expressivas transformações espaciais, mudando radicalmente a
fisionomia das cidades.

A princípio, este processo ocorreu nos países em que o capitalismo se desenvolveu
mais cedo e exigiu o direcionamento de recursos estatais para obras de remodelação
do espaço urbano, como no século XIX, em Paris no governo de Haussmann e, mais
tardiamente, no Rio de Pereira Passos e na São Paulo de Prestes Maia.

Por vezes, como no caso de Nova Iorque, no segundo pós-guerra, surgiram transfor-
mações profundas, que significaram uma grande mudança na escala de intervenção,
com o surgimento dos subúrbios e, posteriormente, com a metropolização de enor-
mes áreas do território americano.

Desde o princípio da evolução capitalista, o direcionamento de recursos para obras
de transformação dos espaços levou à remoção maciça de trabalhadores, dos centros
urbanos, como no caso da Paris de Haussmann, e na degradação destes centros,
como na Nova Iorque dos anos 70.

No Brasil, como em todos os países em que o desenvolvimento do capitalismo foi
incompleto, este processo ocorreu de modo mais perverso, baseado em brutal desi-
gualdade espacial, gerando o que Mike Davis chamou apropriadamente de Planeta
Favela .

Tanto as remoções em massa, na Paris do século XIX, como a degradação dos centros
na Nova Iorque e na Paris do pós-guerra, não ocorreram sem fortes reações populares,
em lutas pelo direito de viver na cidade com dignidade. Neste sentido, foram historica-
mente marcantes movimentos como a Comuna de Paris, a luta pelos direitos civis nos
EUA, liderada por Martin Luther King, e a revolta de maio de 68, na capital francesa.
                                                                                        41
Nos países do chamado “terceiro mundo”, as revoltas e lutas contra a iniquidade da
 vida urbana também eclodiram, sob as formas mais variadas. No Brasil, no prin-
 cípio da década de 60, organizou-se o Movimento Nacional pela Reforma Urbana
 (MNRU), que sufocado pelo golpe militar, ressurgiu nos anos 80, na luta pela in-
 serção na Constituição Federal de 1988, de mecanismos visando garantir a função
 social da propriedade urbana, princípio que se tornou bandeira deste movimento, na
 década seguinte.

 A vitória do MNRU no processo constituinte foi limitada, garantindo apenas a in-
 serção dos artigos 182 e 183, do Capítulo da Política Urbana, estabelecendo, dentre
 outras providências, o princípio da função social da cidade, no artigo 182 da Carta
 Magna. Contudo, nos anos seguintes, setores conservadores da sociedade brasileira
 impediram a implementação deste princípio constitucional, sob o argumento de que
 o dispositivo carecia de regulamentação, que tardou 13 anos para concretizar-se.

 Durante a crise econômica do final da década de 90, a luta pela reforma urbana
 convergiu, circunstancialmente, com os objetivos neoliberais de promover maior ca-
 pacidade de financiamento aos municípios. Esta convergência resultou na sanção do
 Estatuto da Cidade, em 2001, lei federal que, após tramitar no Congresso por mais de
 uma década, veio regulamentar a
 Constituição, no que diz respeito
 à função social da propriedade e
 da cidade, dispondo da política
 urbana e criando diversos instru-
 mentos para sua implementação.

 Em âmbito mundial, as Nações
 Unidas criaram em 1976 o Pro-
 grama de Assentamentos Hu-
 manos (UM-HABITAT) e duas
 décadas mais tarde, durante a
 Conferência Habitat II, em Is-
 tambul, consagrou-se o “Di-
 reito à Moradia” e o “Direito à
 Cidade”. Os Fóruns Urbanos
 Mundiais que sucederam Is-
 tambul estreitaram o enfoque
 nas cidades, simultaneamente à
 aceleração geométrica do cres-
 cimento da população mundial,
 num contexto em que a imensa
 maioria das cidades não estava
 preparada para receber este gi-
 gantesco aporte demográfico, e
 a consequente necessidade de                   A Cidade deve ser construída
 provisão de serviços e moradias                coletiva e democraticamente
42
adequadas para milhões de famílias.

Nos últimos anos, tanto a América Latina quanto a Europa têm vivenciado diferen-
tes iniciativas que ampliaram o conceito de democracia, lastreando a legitimidade
das decisões e ações políticas ocorridas em ampla concertação de sujeitos políticos
representativos dos diferentes segmentos que produzem as cidades.

Mas, agora, impõe-se a tarefa de reavaliar e renegociar as bases fundamentais da
cidade que queremos. Habitantes de diferentes países consomem produtos que cir-
culam mundialmente e se deslocam com velocidade cada vez maior, no âmbito de
um sistema produtivo que vem esgotando exponencialmente os recursos naturais,
levando ao recrudescimento de lutas e revoltas, não apenas pelo espaço, mas pelo
acesso a estes recursos. A partir desta perspectiva, o Fórum Urbano Mundial, reali-
zado pela primeira vez em 2002, no Quênia, tem como objetivo tratar de problemas
que se repetem em cada uma de nossas cidades, onde queremos desfrutar, de modo
coletivo, os benefícios trazidos pela modernidade e pelo desenvolvimento humano.

Milhões de pessoas, em todo o mundo, unem-se à luta para transformar as cidades
em espaços coletivos, culturalmente ricos e diversificados, que pertencem a todos os
seus habitantes, tendo suas funções sociais voltadas a assegurar a distribuição uni-
versal, justa, democrática e sustentável de riquezas, serviços, bens e oportunidades
por elas oferecidas.

Desta forma, o “Direito à Cidade” deve ser compreendido como um direito ao seu
usufruto equitativo, dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade
e justiça social . Mas essa cidade, constituída por pessoas a ela vinculadas afetiva
e culturalmente, com diversidades que expressam identidades próprias, é o espaço
principal das tensões sociais, marcadas por disputas pelo poder e pelo direcionamen-
to dos recursos públicos, que historicamente garantiram a produção deste espaço.

Portanto, é estratégico adotar o “Direito à Cidade” como bandeira da luta pela trans-
formação da realidade urbana por meio da construção de cidades mais humanas,
democráticas, ambiental e socialmente sustentáveis. E quando se defende o “Direi-
to à Cidade”, defende-se o direito democrático ao espaço, rompendo o sistema de
segregação social e o processo de fragmentação existente hoje nas nossas cidades.

Esta compreensão resultou na escolha desta temática para o 5º Fórum Urbano Mun-
dial, que será realizado em março de 2010, na cidade do Rio de Janeiro. Tal estra-
tégia visa superar o debate pela ação, para que Governos garantam a efetivação
deste Direito, por meio de regulamentações, programas, ações, projetos e políticas
públicas. A materialização desses conceitos, no âmbito do 5º Fórum Urbano Mun-
dial, será desdobrada nos seguintes eixos estratégicos, que nortearão as discussões:

U 1. Levar Adiante o Direito à Cidade
U 2. Unir o Urbano Dividido
                                                                                        43
U 3. Acesso Igualitário à Moradia
 U 4. Diversidade Cultural nas Cidades
 U 5. Governança e Participação
 U 6. Urbanização sustentável e inclusiva
 Um dos objetivos centrais desta estratégia é a construção de uma agenda comum de
 compromissos que resulte em boas e novas soluções para nossas cidades. Repensar
 nossa utopia urbana é a principal tarefa. Nosso atual desafio é aprender com o mundo
 e, na medida das necessidades dos nossos parceiros, colaborar para que boas práticas
 e ações sejam empregadas em todas as cidades, criando um mundo melhor e mais
 equânime, para que todos possam morar e viver com dignidade, respeito e cidadania.


 >>Referências Bibliográficas


 Park R., On Social Control and Collective Behavior, Chicago 1967, p. 3.

 Davis, M. Planet of Slums, London and New York, 2006, 256 p.

 Venino, A. Fórum Urbano Mundial 5 – Direito à Cidade: Unindo o Urbano Divi-
 dido. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades/biblioteca/
 forum-urbano-mundial-5-direito-a-cidade-unindo-o-urbano-dividido/ - Acesso em:
 11 set 2009.


 José Marques Carriço,
 Arquiteto, Doutor em Planejamento Urbano e Regional,
 Assessor Parlamentar
 e membro do Fórum da Cidadania de Santos




44
O Poder Local
na Perspectiva da
Democracia Participativa

Vive o cidadão tão imerso num permanente conflito com o Estado pela efetivação
dos seus direitos, que lhe parece sempre ter sido assim, como se isso fosse tão natural
quanto a luta pela sobrevivência. Mas nem o que conhecemos como Estado, muito
menos a noção de direito nada têm de natural, sendo na verdade uma construção
humana e histórica que, para ser bem entendida, precisa ser desconstruída e recons-
truída. Aliás, distorcido por vícios como o patrimonialismo, o clientelismo e pelo
uso desproporcional do poder econômico, parece-nos mesmo que o Estado não só
para ser entendido, mas para ser realmente efetivado como garantia da cidadania co-
letiva, precisa ser mesmo simbolicamente destruído para ser reconstruído e, assim,
valorizado e assimilado por todos. Por isso, para nós que nos propomos à luta por
uma sociedade mais justa e solidária, rever a relação do cidadão com o Estado parece
ser um processo fundamental.

O desafio primitivo que confrontou a humanidade e com o qual, ainda hoje, o ser
humano se depara é a satisfação das suas necessidades básicas, o que nos faz supor,
sem muita margem de erro, que este foi o desafio central dos nossos ancestrais mais
longínquos. No enfrentamento desse desafio, indivíduos e coletividades foram pro-
duzindo hábitos, costumes, manifestações e soluções peculiares para os seus proble-
mas, tudo isso integrado nas diferentes culturas. Mas essa formação da cultura não
se dá de uma forma harmônica nem individual.

Desde muito cedo, o ser humano foi produzindo coletividades e, inerente a elas, con-
flitos, aparentemente pela escassez de recursos necessários à satisfação das necessi-
dades básicas. Mas depois, se percebeu ser o conflito próprio da condição humana,
porque onde quer que haja dois ou mais seres humanos haverá sempre pontos de
vista diferentes, interesses diversos, e oposição de interesses.

Os hábitos, costumes e soluções que se foram instituindo foram sempre resultantes
dos conflitos entre as diferentes idéias e forças de uma coletividade. Os vencedores
desse jogo de forças, as classes dominantes, em cada momento de cada coletividade,
tendem a impor as regras e a distribuição de recursos de uma forma que os privile-
gia, contra a resistência das demais forças, umas e outras baseadas em conjuntos de
idéias, comumente chamados ideologias, que pretendem dar legitimidade às regras e
à distribuição desigual dos recursos, ou questionar tal situação.

Nas coletividades pequenas e homogêneas, como no modelo tribal, a História e a
Antropologia mostram que foram relativamente pequenas e simplificadas as diferen-
                                                                                      45
ças, imposições e conflitos. Nas coletividades maiores, principalmente nas primeiras
cidades, a diversidade se foi instituindo como consequência inevitável de um pro-
cesso de aumento populacional, bem como da crescente interdependência entre os
povos, instituída pela intensificação das relações comerciais.


>>Os modelos existentes na relação
Cidadão X Estado
Desde os feudos e cidades, mas explicitamente nos Estados nacionais, as relações
entre indivíduo e coletividade sempre foram fruto das lutas sociais. Pela força e
pela economia, buscando a coerção, mas também pela religião, por serviços, por
normas e instituições, visando à coesão, as classes dominantes foram instituindo
mecanismos que buscaram, sempre encobertas por sua ideologia, a legitimação e o
reconhecimento do status quo, a situação existente que lhes favorece, por parte das
maiorias excluídas.

Quando esse continente, de cuja parte se depois formou o Brasil, foi invadido, o
europeu trouxe um status quo basicamente opressivo-predatório-religioso para im-
plantar nas novas terras. O mecanismo instituído para a legitimação desse violento
modelo ultraexploratório das riquezas naturais, que privilegiava uma restrita elite,
oferecia uma escassa destinação de recursos para solução de necessidades das maio-
rias, expressa na manutenção e na opressão destinadas aos escravos, na remissão de
penas para os condenados que aqui aportaram, e no raríssimo trabalho remunerado
destinado apenas a uns poucos especialistas protegidos. De modo complementar,
para aquela parte das maiorias que não podia prover suas necessidades apenas com
aqueles mecanismos, foram trazidas as grandes instituições religiosas de acolhimen-
to de bastardos, órfãos, doentes pobres e enjeitados: as Santas Casas, sendo a Santa
Casa de Misericórdia de Santos, a primeira do Brasil, importante símbolo dessa fase.

Desde o Brasil colônia até o início da República, o que se assistiu foi a uma grada-
tiva, lenta e incipiente formação do que, na República, seriam dois pilares funda-
mentais do nosso primeiro ensaio de Estado: o advento das leis e o crescimento do
trabalho remunerado, num contexto mundial de soberania absoluta das Nações sobre
seus cidadãos.

O mercado, legitimado pela ideologia liberal, foi cada vez mais conscientemente
percebido e defendido como a instituição central para a solução dos problemas hu-
manos, especialmente a partir da Revolução Francesa e da sucessiva disseminação
da ascensão da burquesia ao poder nas mais diversas sociedades. Alimentação, ha-
bitação, vestuário, saúde, transporte, segurança, educação, todas essas necessidades
eram sanadas no mercado por aqueles indivíduos que detinham a condição central
para resolver problemas no mercado: o poder econômico.

As duas guerras mundiais, por excelência guerras de mercado, foram exageros de
liberalismo. Mas a suplementação do status quo pelas ações religiosas já se mostra-
46
va altamente insuficiente para manter a coesão social, tendo em vista os problemas
oriundos da urbanização e industrialização, dando margem a um segundo modelo
caracterizado pelo intervencionismo estatal autoritário, cujo símbolo mais concreto
na área social eram as grandes instituições totais, como manicômios, orfanatos, re-
formatórios, asilos, nosocômios. Ao final da Segunda Guerra, também a soberania
absoluta das Nações estava amplamente questionada.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Direitos Civis, os Direitos da
Mulher exigiam instituições que os garantissem, pois seu mecanismo de expressão
não poderia ser o Mercado, mas o Estado, como um conjunto de leis e autoridades
instituídas a partir de ensaios cada vez mais amplos de participação nas diversas so-
ciedades. Além disso, foram instituídas e ganhando especial força nesse período as
organizações pretensamente multilaterais de nações, na verdade sempre dominadas
pelas maiores potências econômicas e militares.

No Brasil, até o fim da Ditadura Militar, só tinha direito à política de saúde o traba-
lhador formal, só tinha direito às poucas vagas na educação pública uma pequena
elite que conseguia ser selecionada em estreitos processos de seleção, só tinham
assistência social aqueles que caíam nas graças de uma instituição filantrópica e de
uma religião, submetidos, portanto, às idéias e critérios das elites. Cultura e Esportes
obedeciam aos mesmos paradigmas: elitização, ações privadas e, no caso de alguma
ação estatal, a forte centralização na União.

A Constituição Cidadã de 1988 foi o grande marco da virada nas Políticas Públicas
brasileiras, inaugurando um terceiro modelo de atendimento às necessidades sociais,
cuja satisfação passou a ser vista como um direito do cidadão e um dever do Estado.
O modelo que desde aí vem se disseminando é o da Universalização, Municipaliza-
ção e Participação basicamente por meio de instituições públicas, estando as priva-
das integradas ao sistema, já que submetidas a uma lógica pública. A primeira das
Políticas Públicas a se estruturar nesses moldes foi a Saúde, depois o atendimento
à Criança e ao Adolescente, a Educação, a Assistência Social, a proteção ao Idoso.
Marcante, nesse período, foi a Rio 92, como uma tentativa de conciliar desenvolvi-
mento com responsabilidade ambiental e social.

Aos Conselhos de Políticas Públicas coube o papel de implementar a participação
através de colegiados que reúnem sistematicamente os representantes do aparelho
estatal e os representantes da sociedade civil nos níveis nacional, estaduais e mu-
nicipais. Deliberativos, normatizadores e responsáveis por Fundos em seu campo
de ação, também fiscalizam e promovem direitos, como os Conselhos Tutelares,
surgindo hoje já como instituições superficialmente incorporadas ao cotidiano do
cidadão comum.

Sindicatos, Movimentos, Igrejas e ong´s, no entanto, ainda não assimilaram o grande
potencial democrático dos conselhos e, muitas vezes, se deixam cooptar pela estrutu-
ra estatal, a qual é muito mais consciente da importância de conquistar a hegemonia
nos conselhos municipais. Fica evidente a necessidade de consolidação dos Fundos,
                                                                                   47
Conselhos Tutelares e Conselhos Municipais tendo em vista a construção de meca-
 nismos voltados a uma representação e uma atuação social efetiva e consciente da
 sociedade na tarefa de construir o constante aperfeiçoamento das Políticas Públicas.


 >>Os Conselhos Municipais
 Em dezembro de 2005, o Fórum da Cidadania concluiu uma pesquisa realizada jun-
 to a 25 conselhos e comissões municipais de Santos, obtendo significativo quadro
 dessas fundamentais organizações numa cidade que é pioneira em sua implantação
 e funcionamento.

 Entre outras informações colhidas, soube-se que apenas pouco mais da metade dos
 Conselhos (57,1%) foi alguma vez consultada para a elaboração de leis, uma parte
 menor (45,0%) já havia proposto leis, sendo que uma pequena minoria já encami-
 nhara alguma vez propostas ao Orçamento Municipal (apenas 25,0%). Revelou-se
 também que, apesar de boa parte organizar Conferências (61,1%), a maioria (75,0%)
 não elaborava Planos Municipais e alguns (52,4%) nem Resoluções. Perguntados
 sobre que instituições lhes davam o devido valor, poucos conselhos informaram
 se sentirem valorizados por igrejas (apenas 33,3%), Clubes de Servir e Sindicatos
 (38,1%). Informaram se sentirem valorizados por Universidades (61,9%) e pelo
 Executivo Municipal (95,2%) mas, mesmo assim, apontaram problemas com falta
 de infraestrutura e de liberação de recursos.

 A pesquisa apontou significativa distância entre esses colegiados e a sociedade, dis-
 tinguindo como fatores tanto os problemas internos dos conselhos, como a enorme
 aproximação com o poder público, a ausência de efetividade nas ações e mesmo a
 insuficiência de participação e de prioridade por parte da própria sociedade. Fica evi-
 dente que existem uma tendência de desresponsabilização pelas questões públicas,
 por parte da sociedade, e desqualificação dessa sociedade, por parte dos poderes pú-
 blicos. Percebe-se claramente que são questões importantes para toda a democracia,
 mas é preciso ir além e perceber a estreita relação que os fatores apresentam entre si.




48
>>A nova Cidadania e o Trabalho em Rede
É preciso denunciar abertamente que as políticas públicas são insuficientes, apresen-
tam muitas vezes saídas autoritárias, interesseiras e distantes da realidade do povo
brasileiro, mas isso, de uma forma ou de outra, grande parte da sociedade brasileira
já sabe. É fundamental, agora, admitirmos também como problema importante, in-
clusive por ser causa e conseqüência dessa insuficiência, a falta de participação, de
fiscalização e de integração, de compromisso com a construção de um novo modelo
de cidadania por parte de nossas principais instituições e dos membros da sociedade.

Este parece ser um desafio significativo para todos os cidadãos e instituições que
se dediquem ao aprimoramento democrático em geral e, para isso, dos Conselhos
Municipais em particular. Em outras palavras, que as políticas públicas para todos,
que tanto desejamos e que as leis determinam, só serão possíveis com o engajamen-
to efetivo e consciente dos diversos segmentos sociais, formando capital político e
cultural para uma reinvenção da República, a revitalização da solidariedade e do
interesse público como valores primordiais da sociedade democrática.

Atualmente, a enorme importância de temas que exigem articulação interinstitucio-
nal horizontal lastreada nas novas tecnologias de informação já sugere um novo mo-
delo de relações na sociedade e com o Estado, baseado nas relações e intervenções
em rede, atingindo tanto o âmbito mundial quanto o local e imediato, mesmo sendo
ainda tão evidentes os sinais de permanência de aspectos dos modelos anteriores.
Ao mesmo tempo em que se multiplica a necessidade de ações globais sobre proble-
mas como a mudança climática, o tráfico internacional de drogas, armas e pessoas,
o terrorismo e a pedofilia, abre-se enorme espaço a ações em pequena escala – a
articulação de vizinhança, a polícia comunitária, o direito à identidade étnica – para
efetivação das quais a sociedade já ensaia uma nova mudança no modelo de solução
das necessidades humanas, integrando dimensões distintas da cidadania no que vem
sendo chamado de poder local.

A nova cidadania precisa de mais que conscientização, organização e mobilização.




                                                                                     49
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Cartilha da cidadania

  • 1. Escola de Cidadania de Santos Cartilha da Participação Cidadã Diocese de Santos Fórum da Cidadania de Santos Universidade Católica de Santos Santos - 2010
  • 2. Fique de olho; informe-se e participe ativamente da vida de sua comunidade
  • 3. Apresentação Cartilha da Participação Cidadã A Cartilha da Participação Cidadã é uma publicação de caráter pedagógi- co que se insere no Projeto “ESCOLA de CIDADANIA”, desenvolvido em parceria pela Diocese de Santos, Universidade Católica de Santos/UNISAN- TOS e o Fórum da Cidadania de Santos. A finalidade da Escola de Cidadania é promover a capacitação de Agentes Comunitários de Cidadania, de modo que esses agentes possam mobilizar suas respectivas comunidades, no sentido de promover sistematicamente processos articulados de Participação Cidadã que sejam desenvolvidos de forma ativa, solidária e coletivamente organizada. A idéia de elaborar e editar esta Cartilha partiu dos alunos concluintes da 1ª turma da Escola de Cidadania em 2008. Uma comissão organizadora, re- presentando o conjunto dos alunos, responsabilizou-se pela definição dos objetivos, conteúdos e pesquisa para obter as informações contidas nesta pu- blicação. Portanto, a Cartilha se constitui em um manual informativo para auxiliar o trabalho de lideranças comunitárias, educadores sociais e demais pessoas in- teressadas e comprometidas com a defesa e promoção dos direitos e deveres de Cidadania. Em decorrência, possuí os seguintes objetivos: = Estimular a formação e a consciência política do cidadão; = Proporcionar a informação básica sobre os mecanismos facilitadores para o exercício pleno da cidadania; = Despertar e promover o interesse na Gestão Democrática e participativa da Cidade; e = Fomentar a organização e mobilização dos cidadãos para a construção de uma sociedade justa e solidária, livre de desigualdades, preconceitos e discriminações.
  • 4.
  • 5. Por uma ação transformadora É com grande alegria que apresentamos à comunidade a Cartilha da Participação Cidadã, como um novo instrumento de mobilização social e de envolvimento de lideranças comunitárias para a construção de uma sociedade fraterna. Ela é fruto de uma importante parceria, formada pela Universidade Católica de San- tos, Fórum de Cidadania e Diocese de Santos, todos empenhados em fazer presente o apelo do Papa Paulo VI que afirma no documento Octogésima Adveniens (N.46): “A política é uma forma sublime de praticar o amor.” Assim, esse apelo do Papa Paulo VI ressoa ainda hoje, pedindo-nos que superemos formas de assistencialismo e nos empenhemos na busca de políticas públicas ade- quadas, no sentido de contribuir para uma reorientação do Estado em favor da socie- dade e de modo especial àqueles que se encontram em situações de exclusão social. A vocação e a missão dos cristãos exigem fervor, competência, união e encarnação na sociedade, opção pelos pobres e ousadia profética, por meio de uma militância sócio-política ética e transformadora. Esta cartilha demonstra o empenho da Diocese de Santos de envolver-se nos problemas da atualidade, bem como colocar-se a servi- ço dos mais pobres e marginalizados. Este serviço tem como modelo a pessoa de Jesus Cristo que assumiu totalmente a causa dos marginalizados, buscando encontrar-se com o Pai, principalmente, em momentos fortes de oração (Lc.11,4), e a partir do encontro com o Pai abraçar a causa dos desprotegidos, ir à rua e ouvir seus clamores (Mt 9,35-38), incluindo todos nos valores da dignidade humana. Ao colocar este material nas mãos de homens e mulheres de boa vontade, queremos convidar os cristãos a se engajar nas questões sociais, pois a Igreja faz parte da so- ciedade e ela é co-responsável, em conjunto com outras forças, pela construção de um mundo mais justo e solidário (Gaudium et Spes). No desejo de uma boa leitura e o devido aproveitamento deste material, esperamos que ele nos ajude a iluminar os nossos caminhos na construção de uma cultura de justiça e paz. Pe Valdeci João dos Santos, Assessor Diocesano das Pastorais Sociais, Diocese de Santos.
  • 6. A Presença da UniSantos É com grande alegria que a Universidade Católica de Santos compartilha com o Fórum da Cidadania e com a Diocese de Santos do lançamento da Cartilha da Par- ticipação Cidadã, obra elaborada como resultado de longa e profícua parceria que, entre tantos frutos, produziu o Curso de Capacitação de Lideranças Comunitárias. A Cartilha é uma manifestação pública e inequívoca do nível de excelência alcança- do pelo referido curso, já que dela participam, além de professores, várias dos alunos que nele se formaram. Sendo um dos objetivos maiores de nossa universidade “contribuir para a defesa e o desenvolvimento da dignidade humana, como também para herança cultural, mediante a investigação, o ensino e os serviços prestados à comunidade” (Marco Referencial da UNISANTOS), esta dupla realização – “curso e cartilha” – representa a mais fiel consecução desta grande meta. Como, diuturnamente, lutamos pela construção de uma sociedade democrática reno- vada, mais justa, mais igualitária, participarmos de um empreendimentos educacio- nal a partir do qual os alunos se transformaram em multiplicadores de consciência cidadã, aptos a fomentar a organização e a mobilização para a construção de uma sociedade justa e solidária, é, sem dúvida, a forma mais plena e gratificante de cons- tatarmos a realização de nossas metas. Cabe, ainda, registrar a importância, para que este projeto fosse realizado, da intima e harmônica associação de nossa universidade com a Diocese de Santos, através de seus agentes sociais e do Fórum da Cidadania, instituição que enche de orgulho aos cidadãos da Baixada Santista. Maria Helena de Almeida Lambert, Magnífica Reitora da UNISANTOS
  • 7. A Prática da Cidadania A Cidadania é uma prática que precisa ser incentivada. E este tem sido o grande de- safio que adotamos como objetivo principal do Fórum da Cidadania de Santos. Por isso, quando os alunos concluem um curso, promovido com a finalidade de despertar a consciência participativa, e em seguida, apresentam uma proposta de elaborar uma Cartilha para divulgar direitos que a comunidade tem, e nem sempre sabe desfrutar, temos que reconhecer que um passo importante foi dado. A Escola de Cidadania, que desenvolvemos em parceria com a Diocese de Santos e a UniSantos, vem se consolidando como importante ferramenta para a capacitação e desenvolvimento de lideranças comunitárias. Esta Cartilha é uma iniciativa voltada a fomentar a participação cidadã, capaz de sus- citar novos desafios, no sentido de que os direitos de cidadania em nosso país sejam brevemente uma prerrogativa de todos os brasileiros, sem distinções ou privilégios. O Fórum da Cidadania de Santos, por meio de seus integrantes, manifesta o orgulho de constatar que suas finalidades estão sendo atingidas. E esta Cartilha, por certo, representa o inicio de um novo processo de educação popular. A participação orga- nizada, articulada e consciente dos diversos segmentos sociais será a resposta para o enfrentamento e a superação dos problemas que nos afligem na atualidade. Por último, agradeçemos a Diocese de Santos e a Universidade Católica de Santos - UniSantos - pela valiosa parceria empreendida para viabilizar esta publicação. Uriel Villas Boas, Coordenador Geral do Fórum da Cidadania de Santos
  • 8.
  • 9. Índice I. Textos para reflexão e debate > O que se Entende por Participação Cidadã – Célio Nori 13 > Conceitos Fundamentais - Fernando Jorge Rebelo Soares 19 > O Exercício da Cidadania - Fernando Jorge Rebelo Soares 25 > O Município como Unidade Federativa - Luiz Soares de Lima 35 > Direito à Cidade, Direito à Vida – José Marques Carriço 41 > Poder Local na Perspectiva da Democracia Participativa - Maurício Zomignani 45 > Mitos, Princípios e Desafios da Cidadania - Maurício Zomignani 51 II. Instrumentos e Recursos do Poder Público e da Sociedade Civil para a Promoção e Defesa da Cidadania 54 III. Glossário Técnico - Termos de natureza jurídica e política 76 IV. Referências Bibliográficas 83 V. Ficha Técnica 88 VI. Apêndice - Fórum da Cidadania de Santos 90
  • 10. I - Textos para reflexão e debate
  • 11. O que se entende por Participação Cidadã Abordar o conceito de participação cidadã em meio à grave crise que abala os ali- cerces das instituições políticas da atualidade não é tarefa das mais fáceis, tendo em vista a desconfiança, o descrédito e a indiferença que a Política suscita na maioria das pessoas. Quais seriam as causas que poderiam explicar tal situação? Cremos que, inicialmente, é necessário retroceder no tempo. Assim procedendo, constata-se que herdamos desde os primórdios do descobrimento uma exploração predatória de nossas riquezas, fruto de uma prática colonialista que perdurou por mais de três séculos, aliado à escravidão, arbítrio e violência. Em decorrência, os segmentos populares foram sempre alijados do exercício do po- der, ora pela intimidação, ora pela desqualificação, perpetuando historicamente pro- cessos de exclusão política e econômica do povo brasileiro. Remetendo a questão para tempos mais modernos, outras situações se somam para manter afastadas as pessoas do mundo da política. Aí podemos considerar o crescen- te individualismo, as tecnologias que reforçam tal atitude e o consumismo irracional, estimulado de modo exacerbado pela mídia e por outros instrumentos que atingem todas as camadas sociais. Decreta-se, assim, um estado de profunda alienação política, que se traduz por um sentimento de apatia, quando não de aversão, a tudo que diz respeito ao mundo da política. Esta situação não apresenta diferenças significativas em comparação com outras sociedades, mesmo aquelas que podem ser consideradas mais evoluídas poli- ticamente. Assiste-se, portanto, em escala mundial, ao fenômeno da despolitização da sociedade. Votar a cada dois anos, muito mais por obrigação do que para exercer consciente- mente um direito fundamental de cidadania; delegar aos eleitos a total responsabi- lidade por erros e problemas que afligem a vida pessoal e a coletividade e, vez por outra, ensaiar críticas e desabafos motivados por uma indignação súbita, passageira e desprovida de uma reflexão mais aprofundada são atitudes habituais presentes no cotidiano, sobretudo daquelas pessoas que entendem ter assuntos mais sérios a tratar do que assumir um papel participativo nas definições da vida pública. >>Participação e Cidadania Ainda que os antecedentes históricos acima mencionados tenham causado graves distorções na formação social, política e econômica do país, que ainda perduram e 13
  • 12. penalizam expressivos setores da população brasileira, não é possível culpar exclusi- vamente o passado por todos os nossos problemas. Não há também como negar que a sociedade brasileira evoluiu, acompanhando, ora de perto, ora de modo distante, os ventos de liberdade e avanço democrático que sopraram de democracias evoluídas. No último século alternaram-se no Brasil acontecimentos que reforçaram situações de autoritarismo, dependência e truculência, que se tornaram emblemáticas nos mais de vinte anos de vigência dos regimes militares (1964 - 1985), com conquistas poste- riores que determinaram a redemocratização e resgataram para o país a condição de Estado de Direito, destacando-se: anistia, eleições livres e diretas, fim da censura e tortura políticas, promulgação da Constituição de 1988, livre existência dos partidos e o pleno funcionamento das instituições A partir da consolidação deste novo contexto democrático começaram a ser viabi- lizados processos de Participação Cidadã. Para tratar deste conceito, inicialmente vamos nos valer dos significados atribuídos a esses vocábulos pelos dicionários. Assim, participação significa “ato ou efeito de participar”, enquanto que participar é “fazer parte de, ou tomar parte em”. Por outro lado, cidadão é “o indivíduo no gozo pleno de seus direitos civis e políticos e sociais”, ao passo que cidadania diz respeito à “qualidade que identifica e valoriza o cidadão”. Portanto, ao considerar a expressão “Participação Cidadã”, estamos nos referindo a uma atitude ou seja, a uma prática que reúne e integra pessoas conscientes de que, além de um projeto pessoal de vida, é necessário igualmente exercer um papel efetivo na construção coletiva da sociedade, de modo que se garantam os direitos fundamentais de cidadania e uma vida digna para todos. Em uma conceituação abrangente destes direitos, os Direitos Civis objetivam garan- tir a individualidade e a liberdade de todos, tendo como exemplos o direito à igualda- de, de ir e vir, de opinião e livre expressão, de crença, de fazer parte de associações e de privacidade dentre outros. Os Direitos Políticos se propõem a garantir a participação de todos nas definições so- bre o exercício do poder, a proteção contra eventuais atitudes de arbítrio e violência por parte do Estado e a delimitação do próprio poder. E os Direitos Sociais visam garantir uma vida com dignidade para todos e dizem respeito à Educação, Saúde, Trabalho, Lazer, Segurança, Previdência Social, Meio Ambiente, etc. Todos estes direitos estão preconizados pela Constituição brasileira, a nossa lei maior, de modo especial nos artigos 5º, 6º e 14. Vale a pena conferir e tomar conhe- cimento sobre eles. Em síntese, o conjunto dos direitos – civis, políticos e sociais - e igualmente a ob- servância dos deveres de cidadania caracterizam e concretizam a plena condição cidadã, visto que não pode existir uma cidadania somente de direitos, pois direitos 14
  • 13. sem deveres são situações de privilégios que se opõem frontalmente à própria con- cepção de cidadania. >>Os Inimigos da Cidadania e da Democracia No entanto, observa-se que mesmo levando em conta as prerrogativas do conceito de cidadania estabelecidas pela Constituição e por outras leis complementares, o sim- ples fato de as pessoas existirem , de estarem vivas, de possuir uma nacionalidade e de portar documentos não garante por si só a condição cidadã de um indivíduo. Como vimos, é somente a partir da plena vigência de seus direitos e deveres que o indivíduo pode ser considerado cidadão. Diante de tal constatação, podemos afirmar, sem medo de errar, que atualmente a ci- dadania em nosso país se apresenta- de modo muito diferenciado, pois a prevalência dos direitos não é igual para todos, ao contrário, é profundamente desigual segundo a posição que o indivíduo ocupa na hierarquia social e na escala econômica. Do lado oposto, a alguns são concedidos privilégios inacessíveis à maioria da população. Portanto, muitos brasileiros apresentam-se como subcidadãos ou cidadãos pela me- tade, pois seus direitos não são totalmente respeitados e garantidos pela sociedade. Mais grave ainda, é a existência de largos segmentos da população que não atingem os mínimos padrões de cidadania, pois vivem à margem do sistema de produção e consu- mo, sendo literalmente excluídos como se sim- plesmente não existis- sem. Em decorrência, mi- lhões de brasileiros e mais de um bilhão de seres humanos do pla- neta não são conside- rados cidadãos; quando muito são meramente tachados de indivíduos ou moradores que ha- bitam precariamente as Exija o cumprimento de seus direitos de cidadania 15
  • 14. cidades em geral. A desigualdade e a injustiça social decorrentes da absurda e injusta concentração de renda nas mãos de menos de 10% da população, ao lado de atitudes de discriminação e preconceitos, são os grandes inimigos da cidadania e da democracia no Brasil. A essas causas, somam-se outras situações: U a precariedade de acesso à justiça, sua lentidão e o funcionamento desigual das instituições jurídicas; U a ausência de informações adequadas e o comprometimento de grande parte dos meios de comunicação com os detentores dos poderes político e econômicos; U a precariedade dos serviços públicos oferecidos à população: educação, saúde, habitação, transporte e segurança, dentre outros; U a corrupção e a privatização do Estado, instaladas como doenças endêmicas nos mais variados segmentos políticos e sociais do país; U o corporativismo, o espírito de competição irracional e o consumo irresponsável presentes em todas as camadas sociais. >>Vencendo Desafios Enfrentar os inimigos da cidadania e da democracia é o grande desafio a ser enca- rado e superado pelo conjunto da sociedade brasileira, representada pelos poderes constituídos e pela sociedade civil, envolvendo suas mais variadas instâncias de re- presentação, sendo preciso reconhecer que existem cidadãos, cidadãs e segmentos sociais dispostos a enfrentar tal desafio. No entanto, é imprescindível que estes ato- res atuem de forma articulada, potencializem recursos disponíveis e definam priori- dades estabelecidas por amplo e democrático consenso. No âmbito do município, espaço público em que se viabilizam mais diretamente a Par- ticipação Cidadã e o exercício do Poder Local, surge a necessidade de se construir cole- tivamente um Sistema Integrado de Participação Cidadã, envolvendo associações civis, ONG-s, movimentos sociais, comunidades religiosas, sindicatos e outros organismos populares, buscando-se valorizar a diversidade e superar eventuais divergências em tor- no de princípios e valores comuns que possam unir os múltiplos atores sociais. Para tanto, é fundamental o acesso à informação que possa proporcionar uma re- flexão crítica sobre a realidade, a definição conjunta de prioridades e a organização coletiva de ações objetivas. Por sua vez, o resultado destas ações devem ser objeto de avaliações periódicas e reformuladas quando necessário e direcionadas aos se- guintes objetivos: U implantar instrumentos que garantam a devida Transparência e Controle Social da Cidadania sobre a Administração Pública; 16
  • 15. U estabelecer indicadores e metas para as Políticas Públicas, no que diz respeito à sua execução, monitoramento e avaliação de resultados; U aperfeiçoar e ampliar os atuais espaços de participação da sociedade organizada. Concluindo, o grande desafio que temos pela frente é a superação das críticas situa- ções de desigualdades sociais que se refletem nos diferentes níveis de cidadania da população brasileira Independentemente de quaisquer diferenças étnico-sociais e econômicas, temos to- dos o direito de sermos cidadãos completos, sujeitos de direitos e cumpridores por igual dos deveres que a sociedade requer. O caminho para conquistar esta nova realidade, configurada e edificada nos valores e princípios do Interesse Público, Justiça Social e Dignidade e Qualidade de Vida para Todos, passa pela nossa competência em travar uma luta contínua para efetivar processos participativos que integrem governos comprometidos com a transforma- ção ao lado de Entidades da Sociedade Civil, no sentido da construção conjunta de Políticas Públicas inclusivas e adequadas às necessidades do conjunto da população. A Participação Cidadã, ativa, solidária e coletivamente organizada e empreendida, representa ao mesmo tempo um instrumento de ação, um método e uma práxis que se aplicam tanto em contextos de grande amplitude, no aprimoramento e até na rein- venção da própria Democracia, quanto em âmbitos mais próximos e localizados na perspectiva de nos viabilizarmos como agentes comunitários de cidadania para a conquista da Gestão Democrática de nossas cidades. Célio Nori, Sociólogo e Assessor Técnico do Fórum da Cidadania de Santos 17
  • 16. Nas praças da Grécia Antiga (ágoras) teve início a gestão participativa da cidade 18
  • 17. Conceitos Fundamentais >>Democracia Não é tarefa fácil expressar, com clareza, um conceito fundamental de democracia. Embora a convicção da sua superioridade ética seja quase unânime (nem sempre pelos méritos que tem revelado no exercício do poder político, mas porque nenhum outro regime, até hoje, se mostrou superior), há necessidade de alguns esclarecimen- tos a seu respeito. O conceito de democracia teve, ao longo da História, várias interpretações, algumas bastante diferentes umas das outras. O que entendemos hoje por democracia pouco tem a ver com a praticada pelos gregos da antiguidade (século V a.C.), apesar de a Grécia ser, habitualmente, apontada como seu berço. A democracia grega, no passa- do, era direta, isto é, não havia representantes eleitos, e era exercida exclusivamente pelos homens livres (mulheres, escravos e estrangeiros estavam excluídos); era, por- tanto, excludente, reservada para uma elite. Ora, a democracia moderna é predominantemente representativa, ou seja, se expres- sa, mais frequentemente pelo voto secreto. Dessa forma, elegem-se representantes, os quais agem politicamente em nome dos seus eleitores. Por isso, dá-se, atualmente, maior importância à extensão do direito ao voto, antes restrito a um pequeno número de pessoas (em função do seu sexo, poder econômico e instrução), de maneira a tor- nar esse direito universal. Procura-se assim, envolver um maior número de pessoas para fazer da democracia um instrumento de inclusão social. Para melhor compreendermos o sentido do termo democracia, é útil observar a sua etimologia. Democracia é composta de duas palavras de origem grega: demos, que significa povo, e kratos, que significa poder e autoridade. Assim sendo, é razoável afirmar-se que a democracia é o regime do poder do povo. Não quer dizer governo pelo povo. Pode estar no governo uma só pessoa, ou um grupo, e, ainda assim, tratar-se de uma democracia – desde que o poder seja do povo. O fundamental é que o povo escolha o indivíduo ou o grupo que governa, e que controle como ele governa. Falamos da democracia grega e acentuamos o seu caráter excludente e elitista. To- davia, é indispensável destacar que, apesar disso, ela teve o grande mérito de trazer para o centro da vida dos cidadãos a discussão, na praça pública (ágora), dos pro- blemas da comunidade e dividir tarefas, já que não havia eleições e sim divisão de atribuições. Trouxe a política para a vida cotidiana. Aristóteles (384 a 322 a.C.), ao referir-se à democracia, afirmava que a liberdade 19
  • 18. constituía seu princípio fundamental. Dizia também que a igualdade de todos os cidadãos era outro dos seus traços característicos. Resumia o filósofo grego as prin- cipais características da democracia da seguinte forma: U as decisões mais importantes na cidade devem ser tomadas em Assembleia Geral por todos os integrantes, que deliberam com toda a liberdade; U os cargos que devem ocupar os cidadãos devem ser exercidos somente uma única vez, durante períodos curtos de tempo, e o acesso a eles deve ser feito por meio de sorteio (pois todos são iguais); U todos os cidadãos têm a possibilidade de ser eleitos para os diversos cargos, e, por sua vez, também são eleitores. Atualmente, muitos reduzem a democracia ao direito ao voto e à realização de elei- ções. Mas a democracia é muito mais do que isso. A democracia deve ser o regime que garanta a participação efetiva do povo (de todos, não só dos mais poderosos) na discussão e tomada de decisões a respeito dos problemas mais importantes da sociedade. >>República Já afirmamos que a democracia moderna tem como característica predominante a eleição de representantes que atuem politicamente em nome dos seus eleitores. As- sim, os cidadãos eleitores indicam, livremente, quem vai governar por determinado período. Os eleitores também devem escolher a forma de governo, ou seja, como deve ser organizado e exercido o poder político na comunidade. Em 21 de abril de 1993, os eleitores brasileiros foram convocados (artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – Constituição de 1988) para escolher, por um plebiscito, a forma de governo a ser adotada no Brasil: república ou monar- quia constitucional. Cabia-lhes, ainda, caso a forma de governo escolhida fosse a re- publicana, optar entre o sistema presidencialista e o parlamentarista. Como sabemos, a forma de governo escolhida foi a republicana presidencialista. Nos dias atuais, existem duas formas de governo consideradas principais: a repú- blica e a monarquia parlamentar (constitucional). À primeira vista, pensamos que a república é o contrário da monarquia. Antigamente, talvez essa idéia tivesse funda- mento quando o modelo de monarquia era a monarquia absolutista, isto é, o rei ou a rainha tinha poder absoluto, quer dizer, fazia e aplicava as leis e a justiça. Con- centrava, portanto, todos os poderes na sua pessoa. Monarquia se definia por quem mandava (rei ou rainha). Atualmente, isso não é mais verdade. Nas monarquias hoje existentes, o monarca não governa, quem governa é o parlamento, é liderado pelo primeiro ministro. Por essa razão, utilizamos o termo monarquia parlamentar. Assim acontece em grandes 20
  • 19. países europeus, como a Espanha, Inglaterra, Holanda, Noruega, Dinamarca e ou- tros. Por isso, hoje há monarquias que são mais democráticas do que repúblicas, que podem ser ditaduras. Logo, é necessário caracterizar melhor a forma de governo chamada república. Mais uma vez nos socorremos da etimologia. República vem de res publica coisa pública. Assim, a palavra república não indica quem manda (como na monarquia), e sim para que manda. O poder na república deve estar a serviço do bem comum, da coisa coletiva ou pública. O essencial na república não vem a ser quantos são beneficiados, e sim o tipo de bem que se procura. O bem comum é um bem público, que não se confunde com o bem privado. Um candidato que promete vantagens a todos à custa dos cofres públicos, visando obter proveito pessoal não respeita a res publica. Por isso, um dos requisitos fundamentais da forma republicana é a transparência. Na república, não se pode buscar a vantagem de um ou de poucos, mas a do coletivo. >>Política A definição clássica de política foi legada pelos antigos gregos, com as restrições a que já nos referimos. O conceito de política é derivado de polis, que significa tudo que se refere à cidade e, consequentemente, público e social. O termo é emprega- do para indicar o conjunto de atividades que tem relação com a administração de um país ou, até mesmo, de uma cidade. O conceito de política está relacionado com a noção de poder. Nos objetivos desta cartilha está incluído o de tentar explicar como o exercício desse poder pode abran- ger o maior número de pessoas (cidadãos), e não só uns poucos. Isso exige participa- ção. Participar da discussão e das decisões que envolvam interesses da comunidade. É importante frisar que, mesmo quando não fazemos nada, estamos participando, isto é, estamos deixando que outros ocupem o nosso lugar. O Cardeal D. Paulo Eva- risto Arns afirmou, na abertura da Campanha da Fraternidade de 1996, que a pior forma de fazermos política é não fazermos nada, pois isso significa engrossar o par- tido dos que não querem que as coisas mudem. O poeta alemão Berthold Brecht (1898-1956) sintetiza com precisão o sentido de participação política. “O pior analfabeto é o analfabeto político, ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do pei- xe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o me- nor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” 21
  • 20. É nesse sentido que a política deve ser entendida, pois ela deve constituir a preocu- pação do homem livre, e sua prática é a garantia da liberdade. >>Estado Como se costuma dizer, o Estado constitui uma sociedade politicamente organizada. Vamos tentar explicar isso de maneira compreensível. Inicialmente, devemos entender que o Estado é composto de três elementos indis- pensáveis: povo, território e governo soberano. Faltando qualquer um desses três elementos não existe Estado. Cabe ao Estado a tarefa de governar uma sociedade ter- ritorialmente definida. O Estado monopoliza (soberania) o direito de utilizar todos os recursos necessários para atingir suas finalidades. Podemos afirmar que a segurança e a felicidade da sociedade são os fins que devem nortear o Estado Democrático. O Estado constitui uma organização que busca impulsionar, desenvolver e coordenar as atividades humanas para a obtenção do bem comum. Para atingir esse objetivo, o Estado deve atuar amparado no Direito. Por isso, é necessário que todos os cidadãos participem na elaboração das leis e no controle da sua aplicação, levando em conta a capacidade diversificada das pessoas. Para ilustrar melhor o que dissemos, é interessante observar o texto do Art.3º da atual Constituição do Brasil. “Constituem objetivos fundamentais da República Federa- tiva do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Em resumo, podemos afirmar que é próprio de cada Estado a criação de condições que permitam a cada indivíduo e a cada grupo social alcançar seus respectivos fins particula- res, respeitados os princípios da justiça e da solidariedade. Podemos ressaltar, no caso do Brasil, a luta contra a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais e regionais. >>Poder Sem sombra de dúvida, o poder constitui-se num dos mais importantes processos sociais das sociedades humanas. As relações de poder estão espalhadas por toda a sociedade. Todavia, há um poder supremo, ao qual todos os outros se submetem, que é o poder político. A legitimidade do poder político deriva da necessidade de 22
  • 21. organizar a convivência social. Ora, o exercício do poder é feito por pessoas reais, as quais, autorizadas pela lei, num determinado momento histórico, podem determinar certos comportamentos sociais. As- sim, o exercício do poder é um processo social, na medida em que indivíduos ou grupos sociais apresentam condições para alterar o comportamento de outros grupos ou pessoas. O exercício do poder constitui-se numa das mais importantes relações sociais exis- tentes. O poder interfere em todas as relações sociais, quer sejam econômicas, mi- litares, culturais, familiares etc., manifestando-se como poder militar, econômico, sindical, e também como poder político. Assim sendo, podemos afirmar que na sociedade coexistem vários tipos de poder, e cada ator social (indivíduos, grupos, classes, organizações etc.) detém determinada parcela de poder que dá lugar a diversos tipos de enfrentamentos que constituem uma parte fundamental da vida social. Na relação com o outro, podemos encontrar uma situação de inferioridade, de igualdade ou de superioridade. Há diversas fontes de poder; entre as principais estão a força e a autoridade. O poder é legítimo quando é aceito e existe a disposição de obediência por parte daqueles que não o detêm. Será ilegítimo o poder quando exercido somente com base na força, por indivíduo ou grupo social que não é aceito pelos demais e impõe sua vontade, mesmo havendo resistência. O poder político deve repousar na autoridade como um direito estabelecido para tomar decisões e ordenar ações de outrem. É a legitimação do poder amparada pelo seu conteúdo jurídico e moral. Pressupõe, portanto, reconhecimento e autorização para exercê-lo por parte dos membros de uma sociedade ou de um grupo social. Tan- to o reconhecimento quanto a autorização devem estar previstos em processos que respeitem os direitos fundamentais de todos os cidadãos. >>Constituição Podemos dizer que a Constituição é a lei fundamental de uma sociedade, que esta- belece as regras básicas de organização do poder e das relações sociais. Podemos também afirmar que a Constituição é o instrumento fundamental para o controle do poder político. Ela define a forma pela qual o poder político está distribuído e é exercido na sociedade. Assim, a lei ou o ato que contraria uma regra da Constituição, recebe o nome de lei ou ato inconstitucional, pois ela tem um nível superior às demais normas do ordena- mento jurídico. Uma Constituição deverá ter como um dos seus objetivos principais a criação de instituições para limitar e controlar o poder político. Nos Estados que têm a forma federativa, como é o caso do Brasil, a lei suprema é a Constituição Federal, mas os estados da federação (Paraná, Bahia, São Paulo, por 23
  • 22. exemplo) possuem a sua própria Constituição, pois têm autonomia política. Todavia, essas constituições não podem desrespeitar a Constituição Federal. No caso brasileiro, verificamos também a existência dos municípios como entes federativos. Os municípios têm autonomia relativa para organizar-se. A Lei Orgâni- ca é a lei fundamental dos municípios e deve respeitar a Constituição do respectivo Estado a que pertencem e a Constituição Federal. O Brasil teve diversas Constituições, que correspondem às profundas transformações de natureza política e social ocorridas em nosso país. A primeira Constituição do Brasil é de 1824, após a declaração da nossa independência. A seguir, vem a primeira Consti- tuição republicana (1891), após a proclamação da República (1889). A próxima foi a de 1934 (era Vargas), decorrente da Revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas. O próprio Vargas, por meio de um golpe de estado (1937), instalou uma ditadura chamada Estado Novo (de inspiração fascista), do qual surgiu outra Constituição (1937). Após a Segunda Guerra Mundial (1945) e o fim da ditadura fascista de Vargas, o Brasil se redemocratizou e aprovou uma nova Constituição de natureza democrática em 1946. No entanto, o golpe militar de 31 de março de 1964 depôs o presidente João Goulart eleito democraticamente. O governo militar impôs então uma nova Constituição ao país (1967). Finalmente, após novo processo de redemocratização, foi promulgada, em cinco de outubro de 1988, a atual Constituição, carinhosamente chamada de Constituição Cidadã, devido aos grandes avanços nos campos político e social que podem ser observados no seu texto. A rigor, todas as constituições deveriam surgir de processos democráticos, apro- vadas por uma Assembleia Constituinte, composta por representantes do povo. No Brasil, isso nem sempre aconteceu. Algumas constituições foram impostas pelos governantes (outorgadas), outras foram aprovadas democraticamente, umas mais, outras menos (promulgadas). São exemplos de constituições outorgadas, a de 1824 (dava ao imperador poderes absolutos); a de 1937 (marcada pelo totalitarismo, os direitos sociais eram favores do Estado); a de 1967 (imposta pela ditadura militar, durante a qual os governos militares preferiam governar por meio de Atos Institucionais). São exemplos de constituições promulgadas, a primeira republicana de 1891 (intro- duziu o presidencialismo e a forma federativa); a de 1934 (admitiu o voto feminino, criou o salário mínimo, proibiu o trabalho infantil e instalou a Justiça do Trabalho); a de 1946 (admitiu a liberdade sindical e o pluripartidarismo); a de 1988 (consagrou o Estado Democrático e conferiu direitos fundamentais aos cidadãos). Na atual Constituição podem ser apontados alguns defeitos. Todavia, eles decorrem, princi- palmente, do fato de ela ter surgido após uma feroz ditadura militar que durou cerca de duas décadas. Entretanto, ela é de longe a mais democrática da nossa história política. 24
  • 23. Exercício da Cidadania >>Democracia representativa Quando falamos de democracia, observamos que a democracia moderna é predomi- nantemente representativa, ou seja, se expressa, mais frequentemente, pelo VOTO, voto secreto. O artigo 1º, parágrafo único, da nossa atual Constituição diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou dire- tamente, nos termos desta Constituição.” A leitura deste parágrafo da Constituição permite-nos chegar a duas conclusões. Em primeiro lugar, que o povo é o titular originário do poder político (todo poder emana do povo). Em segundo lugar, que o povo exerce esse poder de duas formas: a) por meio de representantes eleitos (democracia representativa); b) diretamente, nos termos previstos na Constituição (democracia direta, também chamada de semidireta). Agora, vamos falar da democracia representativa a qual, como já vimos se expressa pelo exercício do voto. Podemos afirmar que o direito ao voto corresponde a um di- reito individual de todo cidadão, sendo, assim, um exemplo de exercício de cidadania. A luta democrática pela universalização do direito ao voto (direito de todos, não só de alguns) desenvolveu-se em todos os países, e isso aconteceu também no Brasil. O objetivo a ser alcançado era que o direito ao voto fosse universal, igualitário, direto, secreto e livre, sem que ocorressem exclusões politicamente significativas de deter- minados setores ou grupos sociais, motivadas pela raça, sexo, religião, ideologia, riqueza, profissão, nível educacional etc. No Brasil, por exemplo, o direito ao voto para as mulheres só foi estabelecido em 1932, e confirmado na Constituição de 1934. Hoje, as mulheres representam mais de 50% do elei- torado em nosso país. Na África do Sul, até alguns anos atrás, somente os brancos tinham acesso ao voto, sendo excluídos os negros. O mesmo acontecia em algumas regiões dos Estados Unidos da América do Norte, país apontado como símbolo da democracia. O voto secreto só começou a ser adotado em diversos países no final do século XIX. No Brasil, o voto não era secreto até 1930, sendo conhecido pelo nome de voto de cabresto, pois os eleitores votavam expondo-se aos candidatos com o voto aberto, o que permitia toda sorte de barganha eleitoral incluindo-se a intimidação. Considera-se que as eleições são livres quando estão conjugados alguns fatores, como, por exemplo: a) garantias jurídicas; b) pluralismo político; c) eleições periódicas; 25
  • 24. d) voto secreto; e) transparência na apuração dos votos; f) inexistência de exclusão decorrente da condição econômica e/ ou cultural do eleitor. No Brasil, já tivemos o chamado voto censitário, ou seja, estabelecia-se um limite mínimo de renda para que o cidadão pudesse ter o direito de votar. A atual Constituição do Brasil, em seu artigo 14, diz: “A soberania popular será exer- cida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante:”. Sufrágio significa o poder reconhecido ao corpo de cidadãos de participar direta ou indiretamente na soberania. A leitura desse texto constitucional também enseja concluir que o voto no Brasil é universal, direto, secreto e igualitário. Além disso, ele é obrigatório para os maiores de dezoito anos (C. F. Art.14, § 1º, inciso I) e facultativo para os analfabetos, os maiores de setenta anos e para os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos (C. F. Art.14, § 1º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”). O analfabeto, embora tenha o direito de votar, não tem o direito de ser candidato (C. F. Art.14, § 4º). Quanto ao exercício do direito ao voto, há necessidade de uma breve explanação a respeito da sua obrigatoriedade. Muitos defendem a ideia de que sendo o voto um direito, ele não pode ser uma obrigação. Não pensamos assim, pois nos parece ser essa uma visão essencialmente individualista, fruto da doutrina liberal, pouco ou nada voltada para o social. No moderno Estado Social, existem direitos que são também obrigações. É o que chamamos direitos/deveres. Assim, por exemplo, os filhos estão sujeitos ao poder fa- miliar, enquanto menores (Código Civil art. 1630). Isso confere aos pais certos direi- tos, como dirigir-lhes a educação e tê-los em sua companhia e guarda. Mas, os pais não podem escolher entre exercer ou não exercer esses direitos. Têm obrigação de fazê-lo, pois se não o fizerem poderão perder o poder familiar, por decisão judicial. Ora, situação semelhante ocorre com o exercício da cidadania. Para que alguém possa re- clamar da inexistência de condições básicas que permitam a qualquer cidadão ter uma vida digna, entendemos ser condição elementar que todos cumpram o dever de escolher os me- lhores governantes (vale a pena reler o que Brecht pensa a respeito da participação política). Quanto à participação política, as INSTITUIÇÕES POLÍTICAS – e não somente indivíduos ou classes – é o elemento central. Os indivíduos são agentes importantes sem dúvida nenhuma, mas é mais importante compreender os limites institucionais dentro dos quais eles podem agir. Tal compreensão ajuda a entender melhor as mo- tivações, as escolhas e as preferências, do que a observação de comportamentos individuais, isolados desse contexto. Todavia, não é simples definir o que são instituições. Instituições podem ser, por exemplo, modelos morais (vida familiar), normas e valores (sexo, religião etc.), que 26
  • 25. determinam o comportamento dos indivíduos com vistas à sua aceitação social. Ins- tituições também podem ser estímulos sociais (valorização dos intelectuais) a partir dos quais os indivíduos definem suas preferências. Instituições são, igualmente, as estruturas burocráticas e governamentais que traçam procedimentos obrigatórios. Dessa maneira, os fatores institucionais têm um impacto decisivo sobre o compor- tamento das pessoas que estão inseridas no sistema político, quer sejam eleitores, legisladores, executivos, participantes de movimentos sociais etc. Esse impacto con- duz a estratégias de ação. Em resumo, instituições condicionam a ação e a relação política, estabelecendo uma determinada hierarquia entre os agentes políticos e so- ciais, pois distribuem desigualmente o poder entre eles. Entretanto, a eficácia das instituições varia conforme o tempo e o lugar. Seu funcio- namento depende, essencialmente, do contexto histórico e sócio-cultural. Por isso, o que é válido para a França, não vale necessariamente o mesmo no Brasil. A quase totalidade dos intelectuais brasileiros, formadores de opinião, na época da nossa independência, estudaram fora do Brasil e aplicaram em nosso país modelos que pouco tinham a ver com a nossa realidade. Numa época em que tanto se fala na necessidade de reforma das nossas instituições políticas, é muito importante insistir que essa reforma não pode surgir da simples cópia de modelos já aplicados em outros países. É indispensável que tal reforma (realmente necessária) atenda às peculiaridades do nosso país e conte com a partici- pação do conjunto da sociedade e não só dos políticos profissionais. No prosseguimento do assunto que estamos tratando, os PARTIDOS POLÍTICOS têm um papel fundamental. Eles surgem no mundo da política ao mesmo tempo em que os sistemas eleitorais e a necessidade de representação. Um partido político pode ser definido como qualquer grupo de pessoas unidas por um mesmo interesse e que tem como objetivo final conseguir exercer o poder político. Assim, há nos par- tidos políticos um interesse básico em vista: alcançar e conservar o poder político. Os partidos políticos têm, habitualmente, uma base social que não é, necessariamente, absolutamente uniforme (operários, profissionais liberais, funcionários públicos, em- presários etc.). Têm também uma orientação ideológica (a divisão mais comum é di- reita e esquerda). Essa classificação direita e esquerda é, atualmente, bastante polêmica e admite subdivisões, como centro-direita e centro-esquerda. Embora polêmica essa classificação ajuda a identificar a orientação ideológica dos partidos, pela sua prática. Mesmo bastante discutível, como já afirmamos, a classificação dos partidos como “de direita” e “de esquerda” foi muito utilizada durante o século XX e tem raízes na Revo- lução Francesa de 1789. Ela identificava a localização dos representantes ao se reunirem no Parlamento: à esquerda se localizavam os representantes do povo; e à direita a nobre- za, as camadas mais abastadas. Importantes doutrinadores da Ciência Política (Norberto Bobbio, por exemplo) utilizam como critérios para a distinção entre direita e esquerda a apreciação diversa que esses partidos têm das ideias de igualdade e liberdade. 27
  • 26. À esquerda (e centro esquerda) se encontram os partidos que incluem em seus programas de governo doutrinas igualitárias e libertárias (apesar de alguns caírem no autoritarismo). À direita (e centro direita) estão os partidos conservadores, aqueles que, mesmo respeitando de certa forma as regras democráticas, têm quanto aos ideais de liberdade e igualdade uma avaliação de forte sentido legalista, ou seja, liberdade e igualdade de acordo com a lei (sem questionarem a sua origem e o fato de certas leis poderem ser profundamente injustas). No Brasil, o pluralismo político está incluído como um dos princípios fundamentais do Estado (C. F. Art.1º, inciso V). Não existe, portanto, qualquer bloqueio para a criação de partidos políticos (a ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964, só permitia a existência de dois partidos políticos: Arena e MDB). É, pois, livre a cria- ção, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos no Brasil (C. F. Art.17). Eles só estão obrigados a respeitar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo político e os direitos fundamentais da pessoa humana. Atendidos esses preceitos (mais o seu caráter nacional e a proibição de se subordina- rem a entidades ou governos estrangeiros), os partidos políticos têm autonomia para definir a sua organização interna, o seu funcionamento e a sua prática política. Ora, é exatamente pela sua prática política, ou seja, mais precisamente pelas posições que eles adotam diante dos mais graves problemas da nação, que devem ser identificados e escolhidos como opção de voto, para constituírem os parlamentos (Poder Legisla- tivo), local onde são elaboradas as leis. Vote com consciência, pois voto não tem preço ... tem consequências! 28
  • 27. >>Democracia participativa Já fizemos referência à frase do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns na abertura da Cam- panha da Fraternidade de 1996, alertando que “a pior forma de fazermos política é não fazermos nada, pois isso significa engrossar o partido dos que não querem que as coisas mudem”. Diante desse alerta, é relevante discutir o conceito e o papel da cha- mada SOCIEDADE CIVIL. Esse termo surge na história em meados do século XVII em contraposição a um estado primitivo da humanidade, em que os seres humanos viviam de acordo, unicamente, com as leis naturais de sobrevivência. A sociedade civil seria a superação da sociedade natural. Poderíamos, então, entender o termo sociedade civil com o significado de sociedade política e sociedade civilizada. Não há espaço nesta cartilha para discutirmos, mais profundamente, os vários sentidos que a expressão “civilizada” vai adquirindo ao longo do tempo. Essa expressão é usada aqui com o sentido de sociedade organiza- da, na qual existem regras obrigatórias de convivência, garantidas pelo Estado. Durante os séculos XIX e XX, os autores com ideias mais libertárias e igualitárias distinguem as expressões sociedade civil e sociedade política. Sociedade civil seria o conjunto de organismos privados (hoje chamamos de sociedade organizada), en- quanto sociedade política corresponderia à estrutura complexa que chamamos Esta- do, o qual exerce o monopólio do poder político (só ele pode coagir). Na verdade, os regimes políticos não se sustentam apenas baseados em instrumen- tos de coação (leis por exemplo). São necessários espaços de formação e difusão de ideias que se transformam em valores, os quais, quando se tornam dominantes (hegemônicos), são obedecidos pela sociedade como se fossem obrigatórios (é o que chamamos ideologia). Os espaços (ambientes) onde se difundem essas ideias podem ser: a família, a escola, o trabalho, a Igreja etc. Ora, nesses espaços (ambientes) as ideias e valores difundidos podem estar em con- flito uns com os outros. Esses espaços são, portanto, locais de disputa ideológica, onde é possível observar que algumas ideias e valores podem tornar-se dominantes, outros não. Em outras palavras, sociedade civil é, hoje, o terreno dos conflitos eco- nômicos, ideológicos, sociais, religiosos etc. Por isso, é possível, atualmente, contrapor as ideias de sociedade civil e Estado. Entende-se por sociedade civil a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos e entre classes sociais, muitas vezes conflitantes, que se desenvolvem à margem do poder político do Estado. Já o Estado exerce a tarefa de resolver esses conflitos de interesses, intervindo como mediador ou como juiz, para solucioná-los. A sociedade civil mantém relações com o Estado através de instituições mediadoras. No Brasil, essas relações desenvolveram-se bastante com o crescimento dos movi- mentos sociais, decorrente da crise dos partidos políticos. Com o declínio do prestígio dos partidos políticos, os cidadãos passaram a se envolver com outros grupos e ativida- des, como movimentos de bairro, associações de moradores, paróquias, comunidades 29
  • 28. eclesiais de base, movimentos de mulheres, de negros, de homossexuais etc. Cabe, agora, uma ligeira reflexão sobre o problema das POLÍTICAS PÚBLICAS, enquanto atividade a ser exercida pelo Estado moderno. Já fizemos referência ao arti- go 3º, inciso III da atual Constituição do Brasil, mas julgamos importante repetir esse texto: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” Com o aumento da complexidade das sociedades modernas, que inclui maior diver- sidade das demandas da sociedade para com o Estado, tornou-se imprescindível para este desenvolver novas ações, as quais denominamos políticas públicas. A amplia- ção da necessidade da intervenção do Estado na realidade social (meio ambiente, proteção das crianças e adolescentes, idosos etc.) obriga-o a atuar no atendimento a demandas coletivas, diretamente pelos próprios órgãos governamentais ou por orga- nizações do terceiro setor (ONGs, OSCIPs, fundações etc.), pelo estabelecimento de parcerias com o Estado. Desse modo, podemos entender política pública como um instrumento de trabalho utilizado pelo Estado, com o qual ele pretende alcançar determinados objetivos que são de interesse comum de toda a sociedade civil. A política pública deve compreen- der um rigoroso planejamento e o estabelecimento de prioridades, considerando os recursos limitados disponíveis. O objeto das políticas públicas deve ser definido de forma democrática adotando o princípio da participação social. Deve levar em conta que há vinculação direta entre políticas públicas e direitos fundamentais do ser humano. Neste sentido, as políticas públicas podem ser consideradas meios essenciais para a concretização dos direitos à saúde, à habitação, ao lazer, à educação etc., descritos como direitos sociais no artigo 6º da Constituição Federal. No campo da DEMOCRACIA PARTICIPATIVA estão incluídas a DEFESA e PRO- MOÇÃO DE DIREITOS. A sociedade civil desempenha um papel importantíssi- mo na elaboração, acompanhamento e verificação das ações de gestão pública. Na prática, significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridade, avaliar programas, ações, processos, objetivos e resultados alcançados. A participação da sociedade, através de processos criados por ela ou utilizando-se de mecanismos ins- titucionais, deve ser considerada prioritária para a implementação de ações que ga- rantam a defesa e a promoção dos direitos da população mais vulnerável. Quem desconhece os seus direitos é como se não os tivesse. Nas suas relações com o Poder Público, assumirá sempre o papel de objeto de favores do Estado. Dificilmente entenderá que o Estado moderno tem obrigações a cumprir. Voltamos ao artigo 3º da nossa Constituição Federal, que trata dos objetivos do Estado: “IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou- tras formas de discriminação”. Outros dispositivos constitucionais conexos apontam nessa direção (C. F. Art.5º, inciso XLI – a lei punirá qualquer discriminação atenta- tória dos direitos e liberdades fundamentais;). 30
  • 29. A Constituição Federal de 1988 introduziu elementos e diretrizes de democracia parti- cipativa que exigem a intervenção da sociedade civil na defesa e formação de direitos. No campo da Seguridade Social, por exemplo, o artigo 194 incorpora a participação da comunidade nos seguintes termos: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. É no âmbito municipal que se percebem mais claramente as necessidades da po- pulação, que habitualmente não são atendidas pelas esferas do poder político mais distantes (estadual e federal). Por isso, os governos municipais, pela sua proximi- dade física com os cidadãos, sempre recebem maior pressão destes para a solução de problemas que podem não estar na sua alçada. Todavia, hoje não se admite mais a concepção de governo municipal como mero administrador de serviços. Nasce, então, uma nova forma de compartilhamento do exercício do poder político, na qual é indispensável a presença dos cidadãos. Solidariedade: condição essencial para a Participação Cidadã >>Democracia Direta Quando tratamos da democracia representativa fizemos menção ao artigo 1º, § úni- co, da Constituição Federal. Retornamos, agora, à sua leitura: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O artigo 14 da Constituição Federal indica os três instrumentos aprovados para o exercício direto (também chamado semidireto) do poder político: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular. Podemos dizer que a democracia direta é 31
  • 30. o modelo de organização política na qual o povo, além de ser o titular legítimo do poder supremo, pode e deve exercê-lo diretamente – isto é, sem a intermediação de pessoas ou instituições – nos diversos processos de decisão, controle, fiscalização e sanção na esfera política. Esta forma exclusiva da participação popular nasceu e se consolidou na Grécia quan- do o povo-cidadão se reunia na praça para decidir sobre tudo o que fosse de interesse público. Nas sociedades modernas tal modelo tornou-se inviável. Logo, atualmente, as formas de participação política direta, coexistem com a representação e as elei- ções. Sendo assim, as formas de Democracia Direta não visam descartar ou diminuir a democracia representativa (como muitos alegam tementes da perda de privilégios). REFERENDO e PLEBISCITO são consultas ao eleitorado, em votação livre e se- creta, para que expressem sua opinião ou vontade em relação a questões de interesse público. Não são sinônimos, embora sejam comumente confundidos. No Brasil, o resultado do Plebiscito e do Referendo é vinculativo, ou seja, a vontade do eleitora- do deve ser respeitada. Em Portugal (onde o voto não é obrigatório), a consulta ao eleitorado só deve ser obrigatoriamente respeitada, no caso do comparecimento às urnas de mais de 50% do eleitorado. Não sendo alcançado esse quorum, o resultado da consulta é apenas indicativo, facultando ao Parlamento atender ou não à mani- festação popular. PLEBISCITO é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado antes da aprovação de qualquer tipo de questão de interesse público, não necessariamente de natureza jurídica, como por exemplo, políticas governamentais. Por meio do plebiscito, o povo é consultado sobre medidas futuras, de caráter geral, bem como sobre fatos ou eventos excepcionais. O plebiscito é obrigatório para decisões sobre questões territoriais, como a criação, anexação ou separação de municípios ou Estados (C. F. Art.18, § 3º). REFERENDO é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado depois da aprovação de normas legais ou constitucionais, podendo confirmar ou re- jeitar a norma. No Brasil, foram realizadas apenas três consultas nacionais. As duas primeiras denominadas plebiscitos e a terceira, referendo (há quem entenda que as três foram referendos). Antes da atual Constituição, em 1963, a consulta era para manter ou não o sistema parlamentarista, adotado, após a renúncia do Presidente Jânio Quadros, para resolver o impasse institucional criado pelos militares, que se recusavam a aceitar a posse do vice-presidente eleito, João Goulart. O povo optou pela volta ao presidencialismo. Em 1993, era para decidir se manteríamos a forma de governo republicana ou nos tornaríamos uma monarquia constitucional. Além disso, caso a escolha fosse repu- blicana, se o sistema de governo seria presidencialista ou parlamentarista. Aliás, esta consulta já estava prevista no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias (ADCP), da Constituição de 1988. Como sabemos, foi mantida a forma de governo republicana e o sistema presidencialista. Finalmente, em 23 de outubro de 2005, o povo foi consultado, através de um refe- 32
  • 31. rendo, se o comércio de armas e munições deveria continuar existindo no país ou, ao contrário deveria acabar. A proibição já constava no Estatuto do Desarmamento (aprovado anteriormente pelo Congresso), mas somente com o referendo esse ponto da lei teria validade. A resposta do eleitorado foi no sentido de ser mantido o comér- cio de armas e munições. Nas democracias do Ocidente, consultas populares ocorrem com regularidade. Na maioria dos Estados norte-americanos elas ocorrem a cada dois anos. A Suíça, berço da democracia direta, responde por cerca da metade de todos os referendos realiza- dos no mundo. No Brasil, as consultas populares estão muito longe de constituir uma prática política costumeira, pois dependem (por incrível que pareça) de autorização do Congresso (C. F. Art.49, inciso XV). INICIATIVA POPULAR é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo apresenta ao Poder Legislativo um projeto de lei de interesse coletivo. Trata-se de um processo de participação mais complexo, pois exige prévia organização e ampla mobilização do povo que deverá elaborar um texto (projeto de lei), coletar assina- turas, fazer a defesa pública e apresentar ao Poder Legislativo. Depois, aguardar a discussão e aprovação parlamentar nos termos previstos para o processo legislativo. No Brasil, são raríssimos os projetos de lei de iniciativa popular aprovados pelo Congresso. Em 1999, foi aprovada a Lei 9.840 que alterou a legislação eleitoral, facilitando à Justiça Eleitoral coibir a corrupção eleitoral. Graças a essa lei já foi cassado, em todo o Brasil, um grande número de parlamentares e membros do exe- cutivo. Em 2005, foi aprovada a Lei 11.124 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Embora a nossa Constituição permita ao povo exercer diretamente seu poder sobera- no por meio dos mecanismos de democracia direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), a legislação que regulamenta o exercício desse poder (Lei nº 9.709/98) inviabiliza sua prática. Ao estabelecer que apenas ao Legislativo cabe convocar as consultas populares, inverte a ordem natural das coisas, pois exige que o titular do poder (o povo) necessite de autorização dos seus representantes (congressistas), para utilizar o que lhe pertence. Quanto à iniciativa popular, a exigência de um número elevadíssimo de assinaturas para encaminhar um projeto de lei ao Poder Legislativo (1% do eleitorado nacional, distribuído, pelo menos, por cinco Estados), transforma-se num obstáculo quase in- superável para atingir esse objetivo. Atualmente, várias entidades da sociedade civil estão tentando obter as assinaturas necessárias para encaminhar para o Congresso um projeto de lei de iniciativa popu- lar que altera a lei de inelegibilidades. Por esse projeto de lei são incluídas hipóteses de inelegibilidade, levando em conta a vida pregressa do candidato. O propósito dessa iniciativa popular é proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. 33
  • 32. Diante dessa realidade, há necessidade urgente de desbloquear o uso desses mecanis- mos de democracia direta, além de criar outros. A crise da democracia representativa é evidente. É indispensável que não se crie uma falsa oposição entre democracia di- reta e democracia representativa. Mas é, também, essencial que o povo se reconheça o titular originário do poder político, e para que isso aconteça é imprescindível que ele possa controlar o poder que transmite, periodicamente, aos seus representantes. A Soberania é prerrogativa exclusiva do Povo! >>Referências Bibliográficas DIAS, Reinaldo. Ciência política. São Paulo : Atlas, 2008 Instituto Cultiva. Escola de Governo de São Paulo. Dicionário da gestão democráti- ca : conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores partici- pativos. Belo Horizonte : Autêntica, 2007 (Gestor público ; 1) MENEZES, Aderson de. Teoria geral do Estado. 8. ed. rev. e atual.por José Lindo- so. Rio de Janeiro : Forense, 2004 MORAES, Alexandre (Org.) Constituição da República Federativa do Brasil : de 5 de outubro de 1988. 30. ed. São Paulo : Atlas, 2009 (Manuais de Legislação Atlas) RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo : Publifolha, 2001 (Folha Explica ; 29) RIBEIRO, Renato Janine. A república. São Paulo : Publifolha, 2001 (Folha Explica ; 30) Fernando Jorge Rebelo Soares, Advogado, Mestre em Direito, Professor de Ciência Política da UNISANTOS e Coordenador Jurídico do Fórum da Cidadania de Santos 34
  • 33. O Município como Unidade Federativa U Quantas perguntas faremos para responder sobre o que é o lugar em que todo mundo vive? Muitas perguntas devem ser feitas e sempre refeitas, pois o olhar crítico sobre o mundo que nos rodeia e a incansável vontade de transformar para melhor nossa cidade, influenciando os outros, devem ser instrumentos permanentes do cidadão. U Só quem mora no Distrito Federal é que não mora num Município? O Distrito Federal não é Município, mas pela Constituição Federal tem atribuições e competências legislativas idênticas aos Estados e Municípios.É um ser híbrido. U Mas, o que é mesmo um Município? É uma unidade político-administrativa e financeira, com autonomia. Sua criação, atualmente, faz-se na forma estabelecida nas Constituições Federal e dos Estados, sendo que estes deverão editar leis para regulamentar a criação, desmembramento, fusão e a incorporação de municípios. U Quanto de independência e autonomia ele tem? A autonomia política do Município é garantida constitucionalmente. Ela permite ao Município elaborar sua própria Lei Orgânica, eleger seu prefeito, vice-prefeito e vereadores, legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar as legislações federal e estadual no que lhe couber. U O que uma lei tem a ver com seu nascimento? Hoje uma lei estadual cria municípios? Há Mu- nicípios que nasceram antes da lei? Claro. Aí vamos retornar no tempo e lembrar que o Município, como unidade polí- tico-administrativa nasceu na Roma Antiga. 35
  • 34. U Por que obedeço a uma lei? Essa é uma questão filosófico-jurídica. Mas, lembremos que a idéia da lei nasce des- se consenso para vivermos em sociedade. A Constituição diz que ninguém é obriga- do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Esse é o princípio. As leis, lembremos, são feitas por aqueles homens e mulheres que elegemos, sejam para o Senado Federal, para as Câmaras Federal, Estaduais e Municipais. Mas, todo o PODER , diz a Constituição Brasileira, emana (sai, provém) DO POVO!!! Daí precisarmos cada vez mais acreditar nisso e tornar efetivo tal poder. U O que é o Poder Executivo Municipal? O Poder Executivo é um dentre os demais Poderes existentes na famosa divisão que se faz das tarefas existentes. Os outros dois são o Legislativo e o Judiciário. Classi- camente é aquele que executa as leis. U Quem lhe dá esse poder? De novo voltamos à Constituição Federal. Por que aquele que manda no Poder Executivo se chama prefeito? Porque ele é o chefe , o dirigente supremo da Prefeitura. Ele representa o Município política e juridicamente, nas relações internas e externas, com os munícipes ou cidadãos ou com outras entidades públicas ou privadas do Município. Ele, o prefeito, não é um servidor público (concursado). É um agente político. Eleito obrigatoriamente pelo voto popular. U Quem defende o Município na Justiça? Nesse caso, o município é representado pelos seus procuradores, que têm o papel de defender o Município na Justiça. Eles não são eleitos pelo voto popular. São servi- dores públicos e devem ingressar nesse serviço por concurso público. U O que é o Poder Legislativo Municipal? É a Câmara Municipal, composta por vereadores eleitos diretamente pelos cidadãos do Município,por um período de 4 anos. U Que poder tem ele? O poder de fazer leis para o Município e fiscalizar o Poder Executivo. 36
  • 35. U Quem lhe dá poderes? Novamente é a Constituição Federal e a Lei Orgânica de cada Município. Por que aquele que está nesse poder se chama vereador?´ É o nome que há muito se deu; dizem que sua origem remonta à idéia de vereda ou caminho.Já o verbo verear, significa administrar ou vigiar pelo bem-estar e segurança dos munícipes. U Há um Poder Judiciário Municipal? Não. No Município só existem os Poderes Executivo e Legislativo. U Ele tem algum poder no Município? Sim, como em todo o país. U Juiz, Desembargador e Ministro é tudo a mes- ma coisa? Sim, no sentido de serem aqueles agentes políticos responsáveis por interpretar e decidir as ações ou discussões judiciais. A figura do juiz liga-se às causas que se chamam de primeira instância. Os desembargadores estão nos Tribunais dos Estados e vão decidir aquelas causas que já foram julgadas pelos Juízes. Já os Ministros dos Tribunais estão nos Tribunais Superiores, todos em Brasília, e decidem, na maioria das vezes, as causas julgadas pelos Tribunais inferiores. U O Ministério Público é um mistério? É possí- vel desvendá-lo? Não. O Ministério Público não é um mistério. A pergunta se fez porque apesar de sua grande importância para os cidadãos e para as causas da cidadania, não aparece como um 4º poder. É uma instituição pública permanente e essencial à função juris- dicional (que interpreta e diz o que é o direito). Defende a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. U O que o Ministério Público faz por nós no Município? É exatamente a defesa e a proteção dos direitos dos cidadãos, dos consumidores, dos índios, das questões da saúde, educação, bem como do exercício das ações penais. São tarefas dos Promotores, Procuradores da Justiça e os Procuradores da Repúbli- ca, cada um dentro de sua competência ou jurisdição. 37
  • 36. U Que lei rege ou manda no Município? A Lei Orgância do Município, que funciona como se fosse a Constituição de cada município brasileiro. U Como o Município se sustenta? Basicamente pelos impostos , taxas e contribuições pagas por todos os cidadãos. U Por que tenho de pagar impostos? Essa é outra questão para refletir. Mas, principalmente se paga imposto para a manu- tenção dos serviços básicos de manutenção das ruas, saúde, educação , prestação de demais serviços públicos, recolhimento do lixo etc. U O Estado e a União Federal também contri- buem para manter o Município? Sim, a Constituição Federal manda a União e os Estados fazerem repasses de seus impostos aos Municípios. Aliás, muitos dos Municípios têm renda própria muito pequena e são mantidos por esses repasses. U Quanto um prefeito pode gastar do dinheiro que recebe? Ele tem limites impostos pela Constituição Federal e pela lei de responsabilidade fiscal. U Pode-se gastar mais com Educação e Saúde ? Essa pergunta é interessante, porque a resposta sempre deve ser sim, principalmente pela importância desses dois serviços para todos os cidadãos. Lembremos, apenas, que o Município, quanto à educação, manutenção e desenvolvimento do ensino, não pode gastar menos do que 25%(vinte por cento) de sua receita de impostos. U Como pensar a cidade, seu crescimento e en- velhecimento? A Cidade, o Município deve ser pensado para o futuro. Combinando-se sempre as necessidades, compatibilizando-as com a proteção ambiental e o melhor ordenamen- to do território. 38
  • 37. U Como construir? Também aqui é o Município quem impõe regras, por meio de leis (Plano Diretor, Código de Edificações, Código de Posturas). U Quem fiscaliza? Novamente o município deve contar com um aparato fiscalizatório, composto por servidores públicos , devidamente concursados para tais atividades. U Como o cidadão pode participar? Participando. Tendo coragem. Indo às sessões da Câmara Municipal. Lendo os jo- nais.Prestar atenção.Ser crítico. Ir à escola do filho. Saber se professores dão aula. Procurar descobrir quanto se gasta com lixo no Município; quais são as despesas com educação e saúde; quanto se arrecada; quais a despesas com os servidores públi- cos.Buscar saber o que é um Plano Plurianual, uma Lei de Diretrizes Orçamentárias e um Orçamento Anual. Buscar informações. U Existem instrumentos , escudos, armas, defe- sas da cidadania? Sim, o primeiro é lutar por um ensino universal, igual e progressista. Denunciar e lutar contra as artimanhas, as ideologias que querem continu- ar a reproduzir uma educação contrária a isso. Milton Santos, famoso professor da Universi- dade de São Paulo, dizia que o brasileiro é um deficiente cívico, porque há muito tempo rece- be ensino deficiente e acrítico, fruto do aban- dono que lhe impôs os Poderes Públicos. Dizia ele que há necessidade de que o ensino volte a ser realmente universal (concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua para eliminar desi- gualdades) e progressista (desencorajando pre- conceitos e assegurando uma visão de futuro). A saúde também universal e gratuita é uma bus- Educação e qualdidade ca, e o Estado deve garanti-la a todos. Qual- de vida para todos: quer o procedimento do Estado, da União e dos sem o que não Municípios que queira privatizar o ensino ou a há cidadania educação deve ser denunciado. 39
  • 38. U A quem se deve recorrer? Ao Ministério Público da Cidade. Seja o Federal ou o Estadual. Outro espaço inte- ressante e que está reforçado são as Defensorias Públicas (eles, os defensores, são responsáveis por defender o cidadão mais pobre até mesmo contra o Município ou o Estado). Vamos procurá-los. Também podem-se criar associações em defesa da cida- dania ou do meio ambiente, as quais têm o direito de ingressar com ações coletivas em defesa desses interesses plurais ou difusos. U Viver só e viver solidário, o que isso tem a ver com a cidadania? Essa cartilha, como voce vê, não tem todas as respostas. Esta última explica um pouco a idéia de participação. Luiz Soares de Lima, Advogado, Procurador Chefe da Prefeitura Municipal de Santos, Pós Graduado em Direito Ambiental, Direito do Consumidor e Processos Coletivos e ainda Membro do Fórum da Cidadania de Santos “A Paz é fruto da Justiça” 40
  • 39. Direito à Cidade, Direito à Vida “Se a cidade é o mundo que o homem criou, este é o mundo no qual daqui para frente ele está condenado a viver. ” (Robert Park) O processo de urbanização sofreu notável aceleração nos países em que a economia capitalista se desenvolveu. A circulação do capital, de modo rápida e desimpedido, tornou-se requisito para o reinvestimento dos excedentes de capital acumulados pelo sistema. Esta necessidade historicamente demandou altos investimentos em infraes- trutura e promoveu expressivas transformações espaciais, mudando radicalmente a fisionomia das cidades. A princípio, este processo ocorreu nos países em que o capitalismo se desenvolveu mais cedo e exigiu o direcionamento de recursos estatais para obras de remodelação do espaço urbano, como no século XIX, em Paris no governo de Haussmann e, mais tardiamente, no Rio de Pereira Passos e na São Paulo de Prestes Maia. Por vezes, como no caso de Nova Iorque, no segundo pós-guerra, surgiram transfor- mações profundas, que significaram uma grande mudança na escala de intervenção, com o surgimento dos subúrbios e, posteriormente, com a metropolização de enor- mes áreas do território americano. Desde o princípio da evolução capitalista, o direcionamento de recursos para obras de transformação dos espaços levou à remoção maciça de trabalhadores, dos centros urbanos, como no caso da Paris de Haussmann, e na degradação destes centros, como na Nova Iorque dos anos 70. No Brasil, como em todos os países em que o desenvolvimento do capitalismo foi incompleto, este processo ocorreu de modo mais perverso, baseado em brutal desi- gualdade espacial, gerando o que Mike Davis chamou apropriadamente de Planeta Favela . Tanto as remoções em massa, na Paris do século XIX, como a degradação dos centros na Nova Iorque e na Paris do pós-guerra, não ocorreram sem fortes reações populares, em lutas pelo direito de viver na cidade com dignidade. Neste sentido, foram historica- mente marcantes movimentos como a Comuna de Paris, a luta pelos direitos civis nos EUA, liderada por Martin Luther King, e a revolta de maio de 68, na capital francesa. 41
  • 40. Nos países do chamado “terceiro mundo”, as revoltas e lutas contra a iniquidade da vida urbana também eclodiram, sob as formas mais variadas. No Brasil, no prin- cípio da década de 60, organizou-se o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que sufocado pelo golpe militar, ressurgiu nos anos 80, na luta pela in- serção na Constituição Federal de 1988, de mecanismos visando garantir a função social da propriedade urbana, princípio que se tornou bandeira deste movimento, na década seguinte. A vitória do MNRU no processo constituinte foi limitada, garantindo apenas a in- serção dos artigos 182 e 183, do Capítulo da Política Urbana, estabelecendo, dentre outras providências, o princípio da função social da cidade, no artigo 182 da Carta Magna. Contudo, nos anos seguintes, setores conservadores da sociedade brasileira impediram a implementação deste princípio constitucional, sob o argumento de que o dispositivo carecia de regulamentação, que tardou 13 anos para concretizar-se. Durante a crise econômica do final da década de 90, a luta pela reforma urbana convergiu, circunstancialmente, com os objetivos neoliberais de promover maior ca- pacidade de financiamento aos municípios. Esta convergência resultou na sanção do Estatuto da Cidade, em 2001, lei federal que, após tramitar no Congresso por mais de uma década, veio regulamentar a Constituição, no que diz respeito à função social da propriedade e da cidade, dispondo da política urbana e criando diversos instru- mentos para sua implementação. Em âmbito mundial, as Nações Unidas criaram em 1976 o Pro- grama de Assentamentos Hu- manos (UM-HABITAT) e duas décadas mais tarde, durante a Conferência Habitat II, em Is- tambul, consagrou-se o “Di- reito à Moradia” e o “Direito à Cidade”. Os Fóruns Urbanos Mundiais que sucederam Is- tambul estreitaram o enfoque nas cidades, simultaneamente à aceleração geométrica do cres- cimento da população mundial, num contexto em que a imensa maioria das cidades não estava preparada para receber este gi- gantesco aporte demográfico, e a consequente necessidade de A Cidade deve ser construída provisão de serviços e moradias coletiva e democraticamente 42
  • 41. adequadas para milhões de famílias. Nos últimos anos, tanto a América Latina quanto a Europa têm vivenciado diferen- tes iniciativas que ampliaram o conceito de democracia, lastreando a legitimidade das decisões e ações políticas ocorridas em ampla concertação de sujeitos políticos representativos dos diferentes segmentos que produzem as cidades. Mas, agora, impõe-se a tarefa de reavaliar e renegociar as bases fundamentais da cidade que queremos. Habitantes de diferentes países consomem produtos que cir- culam mundialmente e se deslocam com velocidade cada vez maior, no âmbito de um sistema produtivo que vem esgotando exponencialmente os recursos naturais, levando ao recrudescimento de lutas e revoltas, não apenas pelo espaço, mas pelo acesso a estes recursos. A partir desta perspectiva, o Fórum Urbano Mundial, reali- zado pela primeira vez em 2002, no Quênia, tem como objetivo tratar de problemas que se repetem em cada uma de nossas cidades, onde queremos desfrutar, de modo coletivo, os benefícios trazidos pela modernidade e pelo desenvolvimento humano. Milhões de pessoas, em todo o mundo, unem-se à luta para transformar as cidades em espaços coletivos, culturalmente ricos e diversificados, que pertencem a todos os seus habitantes, tendo suas funções sociais voltadas a assegurar a distribuição uni- versal, justa, democrática e sustentável de riquezas, serviços, bens e oportunidades por elas oferecidas. Desta forma, o “Direito à Cidade” deve ser compreendido como um direito ao seu usufruto equitativo, dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social . Mas essa cidade, constituída por pessoas a ela vinculadas afetiva e culturalmente, com diversidades que expressam identidades próprias, é o espaço principal das tensões sociais, marcadas por disputas pelo poder e pelo direcionamen- to dos recursos públicos, que historicamente garantiram a produção deste espaço. Portanto, é estratégico adotar o “Direito à Cidade” como bandeira da luta pela trans- formação da realidade urbana por meio da construção de cidades mais humanas, democráticas, ambiental e socialmente sustentáveis. E quando se defende o “Direi- to à Cidade”, defende-se o direito democrático ao espaço, rompendo o sistema de segregação social e o processo de fragmentação existente hoje nas nossas cidades. Esta compreensão resultou na escolha desta temática para o 5º Fórum Urbano Mun- dial, que será realizado em março de 2010, na cidade do Rio de Janeiro. Tal estra- tégia visa superar o debate pela ação, para que Governos garantam a efetivação deste Direito, por meio de regulamentações, programas, ações, projetos e políticas públicas. A materialização desses conceitos, no âmbito do 5º Fórum Urbano Mun- dial, será desdobrada nos seguintes eixos estratégicos, que nortearão as discussões: U 1. Levar Adiante o Direito à Cidade U 2. Unir o Urbano Dividido 43
  • 42. U 3. Acesso Igualitário à Moradia U 4. Diversidade Cultural nas Cidades U 5. Governança e Participação U 6. Urbanização sustentável e inclusiva Um dos objetivos centrais desta estratégia é a construção de uma agenda comum de compromissos que resulte em boas e novas soluções para nossas cidades. Repensar nossa utopia urbana é a principal tarefa. Nosso atual desafio é aprender com o mundo e, na medida das necessidades dos nossos parceiros, colaborar para que boas práticas e ações sejam empregadas em todas as cidades, criando um mundo melhor e mais equânime, para que todos possam morar e viver com dignidade, respeito e cidadania. >>Referências Bibliográficas Park R., On Social Control and Collective Behavior, Chicago 1967, p. 3. Davis, M. Planet of Slums, London and New York, 2006, 256 p. Venino, A. Fórum Urbano Mundial 5 – Direito à Cidade: Unindo o Urbano Divi- dido. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades/biblioteca/ forum-urbano-mundial-5-direito-a-cidade-unindo-o-urbano-dividido/ - Acesso em: 11 set 2009. José Marques Carriço, Arquiteto, Doutor em Planejamento Urbano e Regional, Assessor Parlamentar e membro do Fórum da Cidadania de Santos 44
  • 43. O Poder Local na Perspectiva da Democracia Participativa Vive o cidadão tão imerso num permanente conflito com o Estado pela efetivação dos seus direitos, que lhe parece sempre ter sido assim, como se isso fosse tão natural quanto a luta pela sobrevivência. Mas nem o que conhecemos como Estado, muito menos a noção de direito nada têm de natural, sendo na verdade uma construção humana e histórica que, para ser bem entendida, precisa ser desconstruída e recons- truída. Aliás, distorcido por vícios como o patrimonialismo, o clientelismo e pelo uso desproporcional do poder econômico, parece-nos mesmo que o Estado não só para ser entendido, mas para ser realmente efetivado como garantia da cidadania co- letiva, precisa ser mesmo simbolicamente destruído para ser reconstruído e, assim, valorizado e assimilado por todos. Por isso, para nós que nos propomos à luta por uma sociedade mais justa e solidária, rever a relação do cidadão com o Estado parece ser um processo fundamental. O desafio primitivo que confrontou a humanidade e com o qual, ainda hoje, o ser humano se depara é a satisfação das suas necessidades básicas, o que nos faz supor, sem muita margem de erro, que este foi o desafio central dos nossos ancestrais mais longínquos. No enfrentamento desse desafio, indivíduos e coletividades foram pro- duzindo hábitos, costumes, manifestações e soluções peculiares para os seus proble- mas, tudo isso integrado nas diferentes culturas. Mas essa formação da cultura não se dá de uma forma harmônica nem individual. Desde muito cedo, o ser humano foi produzindo coletividades e, inerente a elas, con- flitos, aparentemente pela escassez de recursos necessários à satisfação das necessi- dades básicas. Mas depois, se percebeu ser o conflito próprio da condição humana, porque onde quer que haja dois ou mais seres humanos haverá sempre pontos de vista diferentes, interesses diversos, e oposição de interesses. Os hábitos, costumes e soluções que se foram instituindo foram sempre resultantes dos conflitos entre as diferentes idéias e forças de uma coletividade. Os vencedores desse jogo de forças, as classes dominantes, em cada momento de cada coletividade, tendem a impor as regras e a distribuição de recursos de uma forma que os privile- gia, contra a resistência das demais forças, umas e outras baseadas em conjuntos de idéias, comumente chamados ideologias, que pretendem dar legitimidade às regras e à distribuição desigual dos recursos, ou questionar tal situação. Nas coletividades pequenas e homogêneas, como no modelo tribal, a História e a Antropologia mostram que foram relativamente pequenas e simplificadas as diferen- 45
  • 44. ças, imposições e conflitos. Nas coletividades maiores, principalmente nas primeiras cidades, a diversidade se foi instituindo como consequência inevitável de um pro- cesso de aumento populacional, bem como da crescente interdependência entre os povos, instituída pela intensificação das relações comerciais. >>Os modelos existentes na relação Cidadão X Estado Desde os feudos e cidades, mas explicitamente nos Estados nacionais, as relações entre indivíduo e coletividade sempre foram fruto das lutas sociais. Pela força e pela economia, buscando a coerção, mas também pela religião, por serviços, por normas e instituições, visando à coesão, as classes dominantes foram instituindo mecanismos que buscaram, sempre encobertas por sua ideologia, a legitimação e o reconhecimento do status quo, a situação existente que lhes favorece, por parte das maiorias excluídas. Quando esse continente, de cuja parte se depois formou o Brasil, foi invadido, o europeu trouxe um status quo basicamente opressivo-predatório-religioso para im- plantar nas novas terras. O mecanismo instituído para a legitimação desse violento modelo ultraexploratório das riquezas naturais, que privilegiava uma restrita elite, oferecia uma escassa destinação de recursos para solução de necessidades das maio- rias, expressa na manutenção e na opressão destinadas aos escravos, na remissão de penas para os condenados que aqui aportaram, e no raríssimo trabalho remunerado destinado apenas a uns poucos especialistas protegidos. De modo complementar, para aquela parte das maiorias que não podia prover suas necessidades apenas com aqueles mecanismos, foram trazidas as grandes instituições religiosas de acolhimen- to de bastardos, órfãos, doentes pobres e enjeitados: as Santas Casas, sendo a Santa Casa de Misericórdia de Santos, a primeira do Brasil, importante símbolo dessa fase. Desde o Brasil colônia até o início da República, o que se assistiu foi a uma grada- tiva, lenta e incipiente formação do que, na República, seriam dois pilares funda- mentais do nosso primeiro ensaio de Estado: o advento das leis e o crescimento do trabalho remunerado, num contexto mundial de soberania absoluta das Nações sobre seus cidadãos. O mercado, legitimado pela ideologia liberal, foi cada vez mais conscientemente percebido e defendido como a instituição central para a solução dos problemas hu- manos, especialmente a partir da Revolução Francesa e da sucessiva disseminação da ascensão da burquesia ao poder nas mais diversas sociedades. Alimentação, ha- bitação, vestuário, saúde, transporte, segurança, educação, todas essas necessidades eram sanadas no mercado por aqueles indivíduos que detinham a condição central para resolver problemas no mercado: o poder econômico. As duas guerras mundiais, por excelência guerras de mercado, foram exageros de liberalismo. Mas a suplementação do status quo pelas ações religiosas já se mostra- 46
  • 45. va altamente insuficiente para manter a coesão social, tendo em vista os problemas oriundos da urbanização e industrialização, dando margem a um segundo modelo caracterizado pelo intervencionismo estatal autoritário, cujo símbolo mais concreto na área social eram as grandes instituições totais, como manicômios, orfanatos, re- formatórios, asilos, nosocômios. Ao final da Segunda Guerra, também a soberania absoluta das Nações estava amplamente questionada. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Direitos Civis, os Direitos da Mulher exigiam instituições que os garantissem, pois seu mecanismo de expressão não poderia ser o Mercado, mas o Estado, como um conjunto de leis e autoridades instituídas a partir de ensaios cada vez mais amplos de participação nas diversas so- ciedades. Além disso, foram instituídas e ganhando especial força nesse período as organizações pretensamente multilaterais de nações, na verdade sempre dominadas pelas maiores potências econômicas e militares. No Brasil, até o fim da Ditadura Militar, só tinha direito à política de saúde o traba- lhador formal, só tinha direito às poucas vagas na educação pública uma pequena elite que conseguia ser selecionada em estreitos processos de seleção, só tinham assistência social aqueles que caíam nas graças de uma instituição filantrópica e de uma religião, submetidos, portanto, às idéias e critérios das elites. Cultura e Esportes obedeciam aos mesmos paradigmas: elitização, ações privadas e, no caso de alguma ação estatal, a forte centralização na União. A Constituição Cidadã de 1988 foi o grande marco da virada nas Políticas Públicas brasileiras, inaugurando um terceiro modelo de atendimento às necessidades sociais, cuja satisfação passou a ser vista como um direito do cidadão e um dever do Estado. O modelo que desde aí vem se disseminando é o da Universalização, Municipaliza- ção e Participação basicamente por meio de instituições públicas, estando as priva- das integradas ao sistema, já que submetidas a uma lógica pública. A primeira das Políticas Públicas a se estruturar nesses moldes foi a Saúde, depois o atendimento à Criança e ao Adolescente, a Educação, a Assistência Social, a proteção ao Idoso. Marcante, nesse período, foi a Rio 92, como uma tentativa de conciliar desenvolvi- mento com responsabilidade ambiental e social. Aos Conselhos de Políticas Públicas coube o papel de implementar a participação através de colegiados que reúnem sistematicamente os representantes do aparelho estatal e os representantes da sociedade civil nos níveis nacional, estaduais e mu- nicipais. Deliberativos, normatizadores e responsáveis por Fundos em seu campo de ação, também fiscalizam e promovem direitos, como os Conselhos Tutelares, surgindo hoje já como instituições superficialmente incorporadas ao cotidiano do cidadão comum. Sindicatos, Movimentos, Igrejas e ong´s, no entanto, ainda não assimilaram o grande potencial democrático dos conselhos e, muitas vezes, se deixam cooptar pela estrutu- ra estatal, a qual é muito mais consciente da importância de conquistar a hegemonia nos conselhos municipais. Fica evidente a necessidade de consolidação dos Fundos, 47
  • 46. Conselhos Tutelares e Conselhos Municipais tendo em vista a construção de meca- nismos voltados a uma representação e uma atuação social efetiva e consciente da sociedade na tarefa de construir o constante aperfeiçoamento das Políticas Públicas. >>Os Conselhos Municipais Em dezembro de 2005, o Fórum da Cidadania concluiu uma pesquisa realizada jun- to a 25 conselhos e comissões municipais de Santos, obtendo significativo quadro dessas fundamentais organizações numa cidade que é pioneira em sua implantação e funcionamento. Entre outras informações colhidas, soube-se que apenas pouco mais da metade dos Conselhos (57,1%) foi alguma vez consultada para a elaboração de leis, uma parte menor (45,0%) já havia proposto leis, sendo que uma pequena minoria já encami- nhara alguma vez propostas ao Orçamento Municipal (apenas 25,0%). Revelou-se também que, apesar de boa parte organizar Conferências (61,1%), a maioria (75,0%) não elaborava Planos Municipais e alguns (52,4%) nem Resoluções. Perguntados sobre que instituições lhes davam o devido valor, poucos conselhos informaram se sentirem valorizados por igrejas (apenas 33,3%), Clubes de Servir e Sindicatos (38,1%). Informaram se sentirem valorizados por Universidades (61,9%) e pelo Executivo Municipal (95,2%) mas, mesmo assim, apontaram problemas com falta de infraestrutura e de liberação de recursos. A pesquisa apontou significativa distância entre esses colegiados e a sociedade, dis- tinguindo como fatores tanto os problemas internos dos conselhos, como a enorme aproximação com o poder público, a ausência de efetividade nas ações e mesmo a insuficiência de participação e de prioridade por parte da própria sociedade. Fica evi- dente que existem uma tendência de desresponsabilização pelas questões públicas, por parte da sociedade, e desqualificação dessa sociedade, por parte dos poderes pú- blicos. Percebe-se claramente que são questões importantes para toda a democracia, mas é preciso ir além e perceber a estreita relação que os fatores apresentam entre si. 48
  • 47. >>A nova Cidadania e o Trabalho em Rede É preciso denunciar abertamente que as políticas públicas são insuficientes, apresen- tam muitas vezes saídas autoritárias, interesseiras e distantes da realidade do povo brasileiro, mas isso, de uma forma ou de outra, grande parte da sociedade brasileira já sabe. É fundamental, agora, admitirmos também como problema importante, in- clusive por ser causa e conseqüência dessa insuficiência, a falta de participação, de fiscalização e de integração, de compromisso com a construção de um novo modelo de cidadania por parte de nossas principais instituições e dos membros da sociedade. Este parece ser um desafio significativo para todos os cidadãos e instituições que se dediquem ao aprimoramento democrático em geral e, para isso, dos Conselhos Municipais em particular. Em outras palavras, que as políticas públicas para todos, que tanto desejamos e que as leis determinam, só serão possíveis com o engajamen- to efetivo e consciente dos diversos segmentos sociais, formando capital político e cultural para uma reinvenção da República, a revitalização da solidariedade e do interesse público como valores primordiais da sociedade democrática. Atualmente, a enorme importância de temas que exigem articulação interinstitucio- nal horizontal lastreada nas novas tecnologias de informação já sugere um novo mo- delo de relações na sociedade e com o Estado, baseado nas relações e intervenções em rede, atingindo tanto o âmbito mundial quanto o local e imediato, mesmo sendo ainda tão evidentes os sinais de permanência de aspectos dos modelos anteriores. Ao mesmo tempo em que se multiplica a necessidade de ações globais sobre proble- mas como a mudança climática, o tráfico internacional de drogas, armas e pessoas, o terrorismo e a pedofilia, abre-se enorme espaço a ações em pequena escala – a articulação de vizinhança, a polícia comunitária, o direito à identidade étnica – para efetivação das quais a sociedade já ensaia uma nova mudança no modelo de solução das necessidades humanas, integrando dimensões distintas da cidadania no que vem sendo chamado de poder local. A nova cidadania precisa de mais que conscientização, organização e mobilização. 49