SlideShare a Scribd company logo
1 of 7
Download to read offline
Resumo
A Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e                                                              O objetivo do presente artigo é apresentar a
                                                                                            Classificação Internacional de Funcionalida-
Saúde da Organização Mundial da                                                             de, Incapacidade e Saúde (CIF), que faz par-
                                                                                            te da “família” de classificações desenvolvi-
Saúde: Conceitos, Usos e                                                                    da pela Organização Mundial da Saúde
Perspectivas                                                                                (OMS). São apresentados o histórico e o pro-
                                                                                            cesso de revisão da classificação anterior -
                                                                                            Classificação Internacional de Deficiências,
                                                                                            Incapacidades e Desvantagens (CIDID)- que
The International Classification of                                                         deram origem à atual classificação - CIF. O
                                                                                            modelo da CIF substitui o enfoque negativo
Functioning, Disability and Health:                                                         da deficiência e da incapacidade por uma
                                                                                            perspectiva positiva, considerando as ativi-
Concepts, Uses and Perspectives                                                             dades que um indivíduo que apresenta alte-
                                                                                            rações de função e/ou da estrutura do cor-
                                                                                            po pode desempenhar, assim como sua par-
                                                                                            ticipação social. A funcionalidade e a inca-
                                                                                            pacidade dos indivíduos são determinadas
                                                                                            pelo contexto ambiental onde as pessoas vi-
                                                                                            vem. A CIF representa uma mudança de
                                                                                            paradigma para se pensar e trabalhar a defi-
                                                                                            ciência e a incapacidade, constituindo um
                                                                                            instrumento importante para avaliação das
                                                                                            condições de vida e para a promoção de
                                                                                            políticas de inclusão social. A classificação
                                                                                            vem sendo incorporada e utilizada em di-
                                                                                            versos setores da saúde e equipes multidis-
                                                                                            ciplinares. No entanto, será mais adequada
                                                                                            à medida que for utilizada por um número
                                                                                            maior de profissionais, em locais diversos e
                                                                                            a partir de pessoas e realidades diferentes.

                                                                                            Palavras–chave: Classificação Internacio-
                                                                                            nal de Funcionalidade, Incapacidade e Saú-
                                                                                            de. Organização Mundial da Saúde. Pessoas
                                                                                            com deficiência.




Norma Farias1*
Cassia Maria Buchalla2
1
 Instituto de Saúde - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, SP,
Brasil.
2
Departamento de Epidemiologia- Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil


*Correspondência: Norma Farias. Instituto de Saúde, Rua Santo Antônio, 590, 01314-000 São
Paulo, SP, Brasil. E-mail: norma@isaude.sp.gov.br



                                                                                                                      Rev Bras Epidemiol
                                                                                                                187 2005; 8(2): 187-93
Abstract                                                             Uma das missões da Organização Mun-
                                                                                           dial da Saúde - OMS consiste na produção
                          The aim of this article is to present the Inter-                 de Classificações Internacionais de Saúde
                          national Classification of Functioning, Disabil-                 que representam modelos consensuais a
                          ity and Health (ICF), which comprises the                        serem incorporados pelos Sistemas de Saú-
                          “family” of classifications of the World Health                  de, gestores e usuários, visando a utiliza-
                          Organization (WHO). This study presents the                      ção de uma linguagem comum para a des-
                          background and the process of reviewing the                      crição de problemas ou intervenções em
                          previous classification, the International Clas-                 saúde1.
                          sification of Impairments, Disabilities, and                         O propósito de “A Família de Classifica-
                          Handicaps (ICIDH), on which the current                          ções Internacionais” da OMS (WHO Family
                          classification was based. The framework of                       of International Classifications - WHO-FIC)
                          ICF replaces the negative perspective of im-                     consiste em promover a seleção apropria-
                          pairment and disability with a positive stand-                   da de classificações em vários campos da
                          point, considering the activities that a person                  saúde em todo o mundo. Estas facilitam o
                          with alterations in body functions and/or                        levantamento, consolidação, análise e in-
                          structures can perform, and also their social                    terpretação de dados; a formação de bases
                          participation. The functioning and impairment                    de dados nacionais consistentes, e permi-
                          are determined by the environmental con-                         tem a comparação de informações sobre
                          text where people live. The ICF represents a                     populações ao longo do tempo entre re-
                          change on the paradigm for thinking and                          giões e países1.
                          working impairment and disability, establish-                        As condições de saúde relacionadas às
                          ing an important instrument to evaluate the                      doenças, transtornos ou lesões são classifi-
                          living conditions and to improve social inclu-                   cadas na CID-10 (Classificação Estatística In-
                          sion policies. The classification has been in-                   ternacional de Doenças e Problemas Relaci-
                          corporated and is being used by different pro-                   onados à Saúde, 10a Revisão) que fornece um
                          fessionals in several healthcare sectors. Nev-                   modelo baseado na etiologia, anatomia e
                          ertheless, it will become more adequate as it                    causas externas das lesões2. Dessa forma, a
                          is used by a greater number of professionals                     CID-10 constitui um instrumento útil para
                          working in different contexts and with a wider                   as estatísticas de saúde, tornando possível
                          range of patients.                                               monitorar as diferentes causas de morbi-
                                                                                           dade e de mortalidade em indivíduos e po-
                          Key Words: International Classification of                       pulações.
                          Functioning. Disability and Health. World                            A necessidade de se conhecer o que
                          Health Organization. Persons with impair-                        acontece com os pacientes após o diag-
                          ment.                                                            nóstico, com o decorrer do tempo, princi-
                                                                                           palmente em relação às doenças crônicas
                                                                                           e aos acidentes, torna-se cada vez mais im-
                                                                                           portante para a área da saúde. Conhecer
                                                                                           as causas de morte e as doenças mais fre-
                                                                                           qüentes, em época que a expectativa de
                                                                                           vida aumenta e a tecnologia ajuda a medi-
                                                                                           cina a prolongar a vida humana, pode não
                                                                                           ser suficiente para o planejamento de ações
                                                                                           de saúde.
                                                                                               Esta comunicação tem como objetivo
                                                                                           apresentar os pontos fundamentais desse
                                                                                           novo modelo da Organização Mundial da
                                                                                           Saúde, a Classificação Internacional de Fun-
                                                                                           cionalidade, Incapacidade e Saúde, CIF.


Rev Bras Epidemiol           A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
 2005; 8(2): 187-93
                      188 Farias, N. & Buchalla, C.M.
Histórico da CIF                                    capacidade relacionadas às condições de
                                                    saúde, identificando o que uma pessoa “pode
    Visando responder às necessidades de se         ou não pode fazer na sua vida diária”, tendo
conhecer mais sobre as conseqüências das            em vista as funções dos órgãos ou sistemas e
doenças, em 1976 a OMS publicou a                   estruturas do corpo, assim como as limita-
International Classification of Impairment,         ções de atividades e da participação social
Disabilities and Handicaps (ICIDH), em ca-          no meio ambiente onde a pessoa vive7,8.
ráter experimental. Esta foi traduzida para o           Segundo a OMS, a CID-10 e a CIF são
Português como Classificação Internacional          complementares: a informação sobre o di-
das Deficiências, Incapacidades e Desvanta-         agnóstico acrescido da funcionalidade for-
gens (handicaps), a CIDID3.                         nece um quadro mais amplo sobre a saúde
    De acordo com esse marco conceitual,            do indivíduo ou populações. Por exemplo,
impairment (deficiência) é descrita como as         duas pessoas com a mesma doença podem
anormalidades nos órgãos e sistemas e nas           ter diferentes níveis de funcionalidade, e duas
estruturas do corpo; disability (incapacida-        pessoas com o mesmo nível de funcionali-
de) é caracterizada como as conseqüências           dade não têm necessariamente a mesma
da deficiência do ponto de vista do rendi-          condição de saúde9.
mento funcional, ou seja, no desempenho                 O termo do modelo da CIF é a funciona-
das atividades; handicap (desvantagem) re-          lidade, que cobre os componentes de fun-
flete a adaptação do indivíduo ao meio am-          ções e estruturas do corpo, atividade e par-
biente resultante da deficiência e incapa-          ticipação social. A funcionalidade é usada no
cidade4.                                            aspecto positivo e o aspecto negativo
    O modelo da CIDID descreve, como uma            corresponde à incapacidade. Segundo esse
seqüência linear, as condições decorrentes          modelo, a incapacidade é resultante da
da doença:                                          interação entre a disfunção apresentada pelo
                                                    indivíduo (seja orgânica e/ou da estrutura
 Doença ⇒ Deficiência ⇒ Incapacidade ⇒              do corpo), a limitação de suas atividades e a
            Desvantagem                             restrição na participação social, e dos fato-
                                                    res ambientais que podem atuar como
    O processo de revisão da ICIDH apon-            facilitadores ou barreiras para o desempe-
tou suas principais fragilidades, como a falta      nho dessas atividades e da participação 6,9.
de relação entre as dimensões que a com-                A CIF é baseada, portanto, numa abor-
põe, a não abordagem de aspectos sociais e          dagem biopsicossocial que incorpora os
ambientais, entre outras. Após várias ver-          componentes de saúde nos níveis corporais
sões e numerosos testes, em maio de 2001 a          e sociais 6,9. Assim, na avaliação de uma pes-
Assembléia Mundial da Saúde aprovou a               soa com deficiência, esse modelo destaca-
International Classification of Functioning,        se do biomédico, baseado no diagnóstico
Disability and Health (ICF)5 .                      etiológico da disfunção, evoluindo para um
    A versão em língua portuguesa foi               modelo que incorpora as três dimensões: a
traduzida pelo Centro Colaborador da Or-            biomédica, a psicológica (dimensão indivi-
ganização Mundial da Saúde para a Família           dual) e a social. Nesse modelo cada nível age
de Classificações Internacionais em Língua          sobre e sofre a ação dos demais, sendo to-
Portuguesa com o título de Classificação In-        dos influenciados pelos fatores ambientais
ternacional de Funcionalidade, Incapacida-          (Figura 1). A OMS pretende incorporar tam-
de e Saúde, CIF6.                                   bém, no futuro, os fatores pessoais, impor-
                                                    tantes na forma de lidar com as condições
Conceituações, objetivos e                          limitantes.
componentes da CIF                                      O objetivo pragmático da CIF é fornecer
                                                    uma linguagem padronizada e um modelo
   A CIF descreve a funcionalidade e a in-          para a descrição da saúde e dos estados rela-


                                         A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde            Rev Bras Epidemiol
                                                                                      Farias, N. & Buchalla, C.M.
                                                                                                                    189 2005; 8(2): 187-93
Figura 1 - Interação entre os componentes da CIF. Adaptação: OMS (2003) .
                          Figure 1 – Interaction between the components of ICF. Adapted from WHO (2003).


                          cionados à saúde, permitindo a comparação                        crevem como o indivíduo exerce suas ativi-
                          de dados referentes a essas condições entre                      dades diárias e se engaja na vida social, con-
                          países, serviços, setores de atenção à saúde,                    siderando as funções e estruturas do seu
                          bem como o acompanhamento da sua evo-                            corpo. O conteúdo desses componentes (A
                          lução no tempo 6.                                                & P) é organizado desde simples tarefas e
                              No entanto, os conceitos apresentados na                     ações até áreas mais complexas da vida, sen-
                          classificação introduzem um novo paradigma                       do incluídos itens referentes à aprendizagem
                          para pensar e trabalhar a deficiência e a in-                    e aplicação do conhecimento; tarefas e de-
                          capacidade: elas não são apenas uma conse-                       mandas gerais; comunicação, mobilidade,
                          qüência das condições de saúde/doença, mas                       cuidados pessoais, atividades e situações da
                          são determinadas também pelo contexto do                         vida doméstica; relações e interações
                          meio ambiente físico e social, pelas diferentes                  interpessoais; educação e trabalho; auto-su-
                          percepções culturais e atitudes em relação à                     ficiência econômica; vida comunitária6.9.
                          deficiência, pela disponibilidade de serviços                         As limitações de atividade são as dificul-
                          e de legislação. Dessa forma, a classificação                    dades que o indivíduo pode ter para execu-
                          não constitui apenas um instrumento para                         tar uma determinada atividade. As restrições
                          medir o estado funcional dos indivíduos.                         à participação social são os problemas que
                          Além disso, ela permite avaliar as condições                     um indivíduo pode enfrentar ao se envolver
                          de vida e fornecer subsídios para políticas de                   em situações de vida6,9.
                          inclusão social.                                                      Os fatores ambientais constituem o “am-
                                                                                           biente físico, social e de atitudes” em que as
                          Terminologias utilizadas na CIF                                  pessoas vivem e conduzem suas vidas. Esse
                                                                                           componente inclui itens referentes a produ-
                              Os conceitos e terminologias utilizados                      tos e tecnologia; ambiente natural como cli-
                          na CIF são apresentados no Quadro 1.                             ma, luz, som; apoios e relacionamentos
                              As funções do corpo são definidas como                       como a família imediata, “cuidadores” e as-
                          as funções fisiológicas e psicológicas dos sis-                  sistentes sociais; atitudes individuais e soci-
                          temas do corpo. As estruturas são definidas                      ais; normas e ideologias; serviços, sistemas e
                          como as partes anatômicas do corpo, como                         políticas de previdência social, saúde, edu-
                          os órgãos e seus componentes 6,9.                                cação, trabalho, emprego, transportes, den-
                              As atividades e participação (A & P) des-                    tre outros6,9.


Rev Bras Epidemiol           A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
 2005; 8(2): 187-93
                      190 Farias, N. & Buchalla, C.M.
Quadro 1 - Conceituações e terminologias dos componentes relatados na CIF.
Picture 1 – Concepts and terminology of the components listed in the ICF.


Componente             Funções do Corpo                       Atividade                                 Participação                 Fatores Ambientais
                       Estruturas do Corpo
Definição              Funções do corpo são                   Atividade é a execução                    Participação é               Compreende os
                       as funções fisiológicas                de tarefas realizadas no                  o envolvimento               fatores externos
                       dos sistemas do corpo                  dia a dia de um                            numa situação               do meio ambiente
                       ( incluindo as funções                 indivíduo.                                da vida social.              onde a pessoa
                       mentais) .                                                                                                         vive.
                       Estruturas do corpo são
                       as partes anatômicas
                       do corpo.
Aspecto                Integridade                            Atividade                                 Participação                  Facilitadores
Positivo               Funcional e
                       Estrutural
                                      FUNCIONALIDADE
Aspecto                Deficiência                            Limitação da                              Restrição da                 Barreiras/
Negativo                                                      Atividade                                 Participação                 Obstáculos
                                      INCAPACIDADE
Fonte: adaptada de: (1) WHO.Towards a Common Language for Functioning, Disability and Health– ICF. Geneva, 2002 e (2) OMS: Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; coordenação da tradução: Cassia Maria Buchalla. São Paulo: EDUSP; 2003.




Os Usos da CIF                                                 tar sua aplicação, têm sido criados instru-
                                                               mentos que resumem a classificação. Nessa
    A CIF tem sido apontada como uma espé-                     perspectiva, a OMS propôs uma lista genéri-
cie de “canivete suíço”: contém uma série de                   ca criada a partir da CIF, contendo as condi-
ferramentas e permite várias abordagens. Ela                   ções mais importantes a serem levantadas
pode ser usada em muitos setores que inclu-                    durante a atenção ao paciente. Essa checklist
em a saúde, educação, previdência social,                      é composta por 152 categorias que repre-
medicina do trabalho, estatísticas, políticas                  sentam os domínios mais relevantes da CIF
públicas. Sua importância pode ser colocada                    e classifica 38 códigos de funções do corpo,
para as práticas clínicas, ensino e pesquisa6,10.              20 códigos de estrutura do corpo, 57 de ati-
    Na área clínica, ela se propõe a servir de                 vidade e participação e 37 códigos de fatores
modelo de atendimento multidisciplinar,                        ambientais.9 Além desse instrumento, des-
devendo servir para as várias equipes e os                     taca-se o projeto de elaboração dos Core
vários recursos de que dispõem os serviços,                    sets para algumas condições crônicas11. Es-
tais como médico, psicólogo, terapeuta, as-                    ses core sets representam as principais cate-
sistente social etc.                                           gorias da classificação para determinadas
    Uma das vantagens apontadas para a ado-                    doenças. Atualmente, um projeto multicên-
ção do modelo é a possibilidade de uniformi-                   trico internacional, coordenado pela Univer-
zação de conceitos e, portanto, da utilização                  sidade de Munique, em fase de coleta de
de uma linguagem padrão que permita a co-                      dados, tem o objetivo de validar os core sets
municação entre pesquisadores, gestores,                       elaborados para doze condições crônicas
profissionais de saúde, organizações da soci-                  sendo o Brasil um dos centros participantes.
edade civil e usuários em geral6,9.                                Um dos campos de estudo mais explora-
    A diversidade de recursos se traduz na                     dos para a aplicação da CIF tem sido a área
dificuldade de uso completo da mesma. As-                      de Medicina Física e Reabilitação, no que
sim, como proposta de solução para facili-                     concerne ao acompanhamento do estado de


                                                    A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde            Rev Bras Epidemiol
                                                                                                 Farias, N. & Buchalla, C.M.
                                                                                                                               191 2005; 8(2): 187-93
saúde dos pacientes em tratamento12-15.                          biopsicossocial e do significado e implica-
                              O uso da CIF tem sido considerado tam-                       ções da universalização como um princípio
                          bém na avaliação após transtornos agudos,                        para orientar o desenvolvimento de políti-
                          condições traumáticas, condições crônicas                        cas em relação às pessoas com deficiências.
                          e na geriatria16,17.                                                 Outra questão apontada concerne à
                              Alguns autores argumentam que a CIF                          classificação de atividades e participação. Se
                          deve ser explorada como uma base de in-                          diferentes estratégias de códigos são utiliza-
                          formações padronizadas em estudos sobre                          das, uma vez que existe uma variabilidade de
                          incapacidade profissional, quando há neces-                      apreciação dependente do contexto socio-
                          sidade de relacionar dados de saúde ocupa-                       cultural, isso coloca dificuldades para a com-
                          cional com os de previdência social18,19.                        paração de dados entre os países; assim, al-
                              Na Saúde Pública, tradicionalmente pou-                      guns países têm desenvolvido distinções pró-
                          ca atenção tem sido dada às pessoas com                          prias de atividade e de participação22,23.
                          deficiência. No entanto, ao lado de recentes                         O reconhecimento do papel central do
                          engajamentos por parte de organizações e                         meio ambiente no estado funcional dos indi-
                          de alguns governos, a publicação do modelo                       víduos, agindo como barreiras ou faci-
                          da CIF fornece as bases para as políticas e                      litadores no desempenho de suas atividades
                          disciplinas da Saúde Pública em relação à                        e na participação social, mudou o foco do
                          população que apresenta deficiências20. As-                      problema da natureza biológica individual da
                          sim, uma das possibilidades de usos da CIF                       redução ou perda de uma função e/ou estru-
                          pode ser a contribuição para responder a                         tura do corpo para a interação entre a
                          importantes questões de Saúde Pública,tais                       disfunção apresentada e o contexto ambiental
                          como: qual é o estado de saúde das pessoas                       onde as pessoas estão inseridas. Dessa forma,
                          com deficiência comparadas às demais; que                        o modelo da CIF deverá ser investigado nas
                          necessidades e que tipos de intervenções são                     suas dimensões sociais, políticas e culturais, o
                          mais adequadas para reduzir condições se-                        que constitui um desafio para os Sistemas.
                          cundárias e promover a saúde das pessoas                         No entanto, será mais adequado à medida
                          com deficiências, entre outras.                                  que for utilizado por um número maior de
                                                                                           profissionais, em locais diversos e a partir de
                          Alguns dilemas colocados para a                                  pessoas e realidades diferentes.
                          incorporação do modelo da CIF                                         A incorporação do uso da CIF nas práti-
                                                                                           cas de atenção à saúde, tendo em vista que
                              Até o presente, apesar do interesse pela                     se trata da incorporação de uma nova
                          adoção do modelo da CIF, existem poucos                          tecnologia, embora já venha sendo adotada
                          estudos em curso sobre a avaliação do seu                        por diversos setores e equipes multidis-
                          impacto na atenção à saúde. Isso decorre de                      ciplinares, deve ser ainda amplamente ex-
                          ser uma classificação recente, complexa e                        plorada em relação à sua aceitabilidade e
                          que apresenta certo grau de dificuldade em                       validade em diferentes áreas; seu impacto
                          sua utilização. Do ponto de vista prático, sua                   nos cuidados de saúde; seu potencial em
                          aplicação requer um tempo muitas vezes                           medir o estado funcional dos pacientes e seu
                          maior do que a própria consulta, além dos                        uso pelos sistemas de informação para ela-
                          aspectos inerentes à mudanças de conduta                         boração de estatísticas de saúde24. Outro
                          por parte dos profissionais da área da saúde.                    campo diz respeito às legislações pertinen-
                              Mesmo contribuindo para o processo de                        tes e à implementação de políticas públicas
                          integração entre diversos setores da saúde,                      para as pessoas com deficiência.
                          social e da pedagogia, sua compreensão te-                           Recomenda-se que estudos adicionais
                          órica, incorporação e aplicabilidade prática                     sejam realizados por profissionais e pesqui-
                          têm refletido essas dificuldades. Um dos di-                     sadores de diversas disciplinas e setores da
                          lemas apresentados, segundo IMRIE (2004),                        saúde, incluindo também a participação das
                          diz respeito ao esclarecimento do seu papel                      organizações da sociedade civil.


Rev Bras Epidemiol           A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
 2005; 8(2): 187-93
                      192 Farias, N. & Buchalla, C.M.
Referências

1. [WHO] World Health Organization. The WHO Family of                  14. Arthanat S, Nochajski SM, Stone J. The international
   International Classifications. Disponível em: URL <                     classification of functioning, disability and health and
   http://www.who.int/classifications/en> [2005 May 27].                   its application to cognitive disorders. Disabil Rehabil
                                                                           2004; 26(4): 235-45.
2. Organização Mundial de Saúde. CID –10, tradução do
   Centro Colaborador da OMS para a Classificação de                   15. Rentsch HP, Bucher P, ommen NI, Wolf C, Hefti H, Fluri E
   Doenças em Português. 9 ed. Rev –São Paulo: EDUSP,                      et al. The implementation of the International
   2003.                                                                   Classification of Functioning, Disability and Health (ICF)
                                                                           in daily practice of neurorehabilitation: an
3. Secretariado Nacional de Reabilitação, Ministério do                    interdisciplinary project at the Kantonsspital of Lucerne,
   Emprego e da Segurança Social. Classificação                            Switzerland. Disabil Rehabil 2003 ; 25(8): 411-21.
   Internacional das Deficiências, Incapacidades e
   Desvantagens (handicaps). Lisboa; 1989.                             16. Stucki G, Ewert T, Cieza A. Value and application of the
                                                                           ICF in rehabilitation medicine. Disabil Rehabil 2002:
4. Buñuales MTJ, Diego PG, Moreno JMM. La                                  24(17): 932-8.
   Clasificación Internacional del Funcionamento de la
   Discapacidad y de la Salud (CIF) 2001. Rev Esp Salud                17. Cieza A, Brockow T, Ewert T, Amman E, Kollerits B,
   Publica 2002; 76: 271-9.                                                Chatterji S. Üstun TB, Stucki G. Linking Health-status
                                                                           measurements to the international classification of
5. [WHO] World Health Organization. International                          international classification of functioning, disability
    Classification of functioning, disability and health:                  and health. J Rehabil Med 2002; 34: 205-10.
    ICF. World Health Organization; 2001.
                                                                       18. Willems H, De Kleijn-De Vrankrijker M. Work disability
6. [OMS] Organização Mundoal da Saúde, CIF:                                in the Netherlands: data, conceptual aspects, and
    Classificação Internacional de Funcionalidade,                         perspectives. J Occup Environ Med 2002; 44(6): 510-5.
                                                                                       .
    Incapacidade e Saúde [Centro Colaborador da
    Organização Mundial da Saúde para a Família de                     19. Sjögren-Rönka T, Ojanen MT, Leskinen EK,
    Classificações Internacionais, org.; coordenação da                    Tmustalampi S, Mälkiä, EA. Physical and Psychosocial
    tradução Cassia Maria Buchalla]. São Paulo: Editora da                 prerequisites of functioning in relation to work ability
    Universidade de São Paulo – EDUSP; 2003.                               and general subjective well-being among office
                                                                           workers Jogren-Ronka T, Ojanen MT, Leskinen E*,
7. Battistella LR, Brito CMM. Tendência e Reflexões:                       Leskinen EK. Jõgren-Rönka T, Ojanem MT, Leskinen
   Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).                    EK, Tmustalampis.
   Acta Fisiátrica 2002; 9(2): 98-101
                                                                       20. MÄLKIÄ EA. Physical and psychosocial prerequisites of
8. Halbertsma, J. The ICIDH: health problems in a                          functioning in relation to work ability and general
   medical and social perspective. Disability and                          subjective well-stair among office par to work ability
   Rehabilitation 1995; 17(3/4): 128-34 (8).                               and general subjective well-being among office
                                                                           workers. Scand J Work Environ Health 2002; 28(3): 184-
9. [WHO]World Health Organization.Towards a Common                         90.
   Language for Functioning, Disability and Health – ICF.
   [WHO/EIP/GPE/CAS/01.3] Genebra; 2002.                               20. LOLLAR, DJ. Public Health and Disability: Emerging
                                                                           Opportunities. Public Health Reports, March-April
10. Gray DB, Hendershot GE. The ICIDH-2:                                   2002; 117: 131-6.
    Developments for a new era of outcomes research.
    Arch Phys Rehabil 2000; 81(2): S10 – S14 (9).                      21. Imrie R. Demystifying disability: a review of the
                                                                           International Classification of Functioning, Disability
11. Weigl M, Cieza A, Andersen C, Kollerits B, Amann E,                    and Health. Social Health IIIn 2004; 26(3): 287 –305.
    Stucki G Identification of relevant ICF categories in
    patients with chronic health conditions: a delphi                  22. Peremboom RJ, Chorus Erembooom RJ, Chorus
    exercise. J Rehabil Med 2004; Suppl 44: 12-21.                         A.Erenboom RJ, Chorus Ameremboom RJ, Chorus,
                                                                           AMR: mediar a ersidERENBOOM RJ, CHORUS AM.
12. Stamm TA, Cieza A, Machold KP, Smolen JS, Stucki G.                    Measuring participation according to the International
    Content comparison of occupation-based instruments                     Classification of Functioning, Disability and Health
    in adult rheumatology and musculoskeletal                              (ICF). Disabil Rehabil 2003; ST 2003; 25(11-12): 577-87.
    rehabilitation based on the International
    Classification of Functioning, Disability and Health.              23. Dahl TH. International classification of functioning,
    Arthritis Rheum 2004; 51(6): 917- 24.                                  disability and health: an introduction and discussion
                                                                           of its potential impact on rehabilitation services and
13. Mayo NE, Poissant L, Ahmed S, Finch L, Higgins J,                      research. v 2002; 34 (5): 201-4.
    Salbach NM et al. Incorporating the International
    Classification of Functioning, Disability and Health               24. Buchalla CM. A Classificação Internacional de
    (ICF) into an electronic health record to crate indicators             Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Acta Fisiátrica,
    of function: proof of concept using the SF-12. J Am Med                2003; 10 (1): 29-31.
    Inform Assoc 2004; 11(6): 514-22.
                                                                                                                  recebido em: 04/04/05
                                                                                                versão final reapresentada em: 31/05/05
                                                                                                                 aprovado em: 13/06/05


                                           A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde            Rev Bras Epidemiol
                                                                                        Farias, N. & Buchalla, C.M.
                                                                                                                      193 2005; 8(2): 187-93

More Related Content

What's hot

Apres.cif cj [modo de compatibilidade]
Apres.cif cj [modo de compatibilidade]Apres.cif cj [modo de compatibilidade]
Apres.cif cj [modo de compatibilidade]guardaoteresa
 
VirgíLio Garcia AvaliaçãO Funcional Aula VersãO Do Editor 02 02 2008
VirgíLio Garcia   AvaliaçãO Funcional   Aula   VersãO Do Editor   02 02 2008VirgíLio Garcia   AvaliaçãO Funcional   Aula   VersãO Do Editor   02 02 2008
VirgíLio Garcia AvaliaçãO Funcional Aula VersãO Do Editor 02 02 2008agemais
 
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...João Luís Santana
 
A CIF e a Funcionalidade
A CIF e a FuncionalidadeA CIF e a Funcionalidade
A CIF e a FuncionalidadeCassia Buchalla
 
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDECLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDESISTEMA WALLACE CONSULTORIA LTDA
 
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta otimo exemplo pratico
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta    otimo exemplo praticoAplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta    otimo exemplo pratico
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta otimo exemplo praticoMarcia Orlando
 
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e SaúdeCIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e SaúdeCarlos Junior
 
A CIF na atenção básica
A CIF na atenção básicaA CIF na atenção básica
A CIF na atenção básicaCassia Buchalla
 

What's hot (15)

Core sets da CIF
Core sets da CIFCore sets da CIF
Core sets da CIF
 
Cif cj
Cif   cjCif   cj
Cif cj
 
Apres.cif cj [modo de compatibilidade]
Apres.cif cj [modo de compatibilidade]Apres.cif cj [modo de compatibilidade]
Apres.cif cj [modo de compatibilidade]
 
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
 
VirgíLio Garcia AvaliaçãO Funcional Aula VersãO Do Editor 02 02 2008
VirgíLio Garcia   AvaliaçãO Funcional   Aula   VersãO Do Editor   02 02 2008VirgíLio Garcia   AvaliaçãO Funcional   Aula   VersãO Do Editor   02 02 2008
VirgíLio Garcia AvaliaçãO Funcional Aula VersãO Do Editor 02 02 2008
 
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde em inquér...
 
CIF I Encontro Científico
CIF I Encontro CientíficoCIF I Encontro Científico
CIF I Encontro Científico
 
A CIF e a Funcionalidade
A CIF e a FuncionalidadeA CIF e a Funcionalidade
A CIF e a Funcionalidade
 
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDECLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE
 
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta otimo exemplo pratico
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta    otimo exemplo praticoAplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta    otimo exemplo pratico
Aplicaçao da cif na pratica clinica do fisioterapeuta otimo exemplo pratico
 
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e SaúdeCIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
 
T8 0156 0676
T8 0156 0676T8 0156 0676
T8 0156 0676
 
10
1010
10
 
cif em fisioterapia
cif em fisioterapiacif em fisioterapia
cif em fisioterapia
 
A CIF na atenção básica
A CIF na atenção básicaA CIF na atenção básica
A CIF na atenção básica
 

Similar to Cif conceitos, usos e perspectivas

Cif guia do principiante
Cif   guia do principianteCif   guia do principiante
Cif guia do principianteJUSCELIO SILVA
 
Cif módulo ii resumo didático
Cif módulo ii   resumo didáticoCif módulo ii   resumo didático
Cif módulo ii resumo didáticoADEMIR CARLOS LOPES
 
Guia para principiantes
Guia para principiantesGuia para principiantes
Guia para principiantesSusana Pereira
 
Guia para principiantes da CIF
Guia para principiantes da CIFGuia para principiantes da CIF
Guia para principiantes da CIFSusana Pereira
 
Oficina da CIF em sistemas de informação em Curitiba
Oficina da CIF em sistemas de informação em CuritibaOficina da CIF em sistemas de informação em Curitiba
Oficina da CIF em sistemas de informação em CuritibaEduardo Santana Cordeiro
 
Avaliação de saúde e deficiência manual do who disability assessment schedul...
Avaliação de saúde e deficiência  manual do who disability assessment schedul...Avaliação de saúde e deficiência  manual do who disability assessment schedul...
Avaliação de saúde e deficiência manual do who disability assessment schedul...Cristiane Dactes
 
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115fernando sales
 
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-oms
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-omsClassificacao internacional-de-funcionalidade-cif-oms
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-omsAndré Vaz
 
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizar
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizarClassificação Internacional de funcionalidade: como utilizar
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizarfriasmarilia
 
Cif portugues 2004
Cif portugues 2004Cif portugues 2004
Cif portugues 2004tozefonseca
 

Similar to Cif conceitos, usos e perspectivas (20)

Guia para principiantes cif
Guia para principiantes cifGuia para principiantes cif
Guia para principiantes cif
 
Cif guia do principiante
Cif   guia do principianteCif   guia do principiante
Cif guia do principiante
 
Cif portugues
Cif portuguesCif portugues
Cif portugues
 
Cif módulo ii resumo didático
Cif módulo ii   resumo didáticoCif módulo ii   resumo didático
Cif módulo ii resumo didático
 
Guia para principiantes
Guia para principiantesGuia para principiantes
Guia para principiantes
 
Guia para principiantes da CIF
Guia para principiantes da CIFGuia para principiantes da CIF
Guia para principiantes da CIF
 
Oficina da CIF em Goiânia
Oficina da CIF em GoiâniaOficina da CIF em Goiânia
Oficina da CIF em Goiânia
 
PMAQ e CIF
PMAQ e CIFPMAQ e CIF
PMAQ e CIF
 
O Paciente como Agente
O Paciente como AgenteO Paciente como Agente
O Paciente como Agente
 
Oficina da CIF em sistemas de informação em Curitiba
Oficina da CIF em sistemas de informação em CuritibaOficina da CIF em sistemas de informação em Curitiba
Oficina da CIF em sistemas de informação em Curitiba
 
Cif 2004
Cif 2004Cif 2004
Cif 2004
 
Avaliação de saúde e deficiência manual do who disability assessment schedul...
Avaliação de saúde e deficiência  manual do who disability assessment schedul...Avaliação de saúde e deficiência  manual do who disability assessment schedul...
Avaliação de saúde e deficiência manual do who disability assessment schedul...
 
Cif
CifCif
Cif
 
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115
Ab3494d4c3e4c948d29180648d2e2115
 
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-oms
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-omsClassificacao internacional-de-funcionalidade-cif-oms
Classificacao internacional-de-funcionalidade-cif-oms
 
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizar
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizarClassificação Internacional de funcionalidade: como utilizar
Classificação Internacional de funcionalidade: como utilizar
 
Cif
CifCif
Cif
 
Cif portugues 2004
Cif portugues 2004Cif portugues 2004
Cif portugues 2004
 
Anexo perfil competencias_acs
Anexo perfil competencias_acsAnexo perfil competencias_acs
Anexo perfil competencias_acs
 
2011 cif específica para fisioterapeutas
2011   cif específica para fisioterapeutas2011   cif específica para fisioterapeutas
2011 cif específica para fisioterapeutas
 

More from fernando

Plano de aula p alunos
Plano de aula p alunosPlano de aula p alunos
Plano de aula p alunosfernando
 
Grupos visitas
Grupos visitasGrupos visitas
Grupos visitasfernando
 
Cronograma 2010 2
Cronograma 2010 2Cronograma 2010 2
Cronograma 2010 2fernando
 
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmg
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmgAula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmg
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmgfernando
 
Aula xi abdome
Aula xi  abdomeAula xi  abdome
Aula xi abdomefernando
 
Aula x mecânica respiratória
Aula x  mecânica respiratóriaAula x  mecânica respiratória
Aula x mecânica respiratóriafernando
 
Aula ix musculos cabeça e pescoço
Aula ix musculos cabeça e pescoçoAula ix musculos cabeça e pescoço
Aula ix musculos cabeça e pescoçofernando
 
Aula viii. musculos do dorso
Aula viii. musculos do dorsoAula viii. musculos do dorso
Aula viii. musculos do dorsofernando
 
Aula vii. coluna vertebral. part.ii
Aula vii. coluna vertebral. part.iiAula vii. coluna vertebral. part.ii
Aula vii. coluna vertebral. part.iifernando
 
Aula vi.coluna vertebral . part. i
Aula vi.coluna vertebral . part. iAula vi.coluna vertebral . part. i
Aula vi.coluna vertebral . part. ifernando
 
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...fernando
 
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...fernando
 
Aula iv. musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. ii
Aula iv.  musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. iiAula iv.  musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. ii
Aula iv. musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. iifernando
 
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte i
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte iAula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte i
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte ifernando
 
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)fernando
 
Gd iii fto
Gd iii ftoGd iii fto
Gd iii ftofernando
 
Eletromicrografias chg
Eletromicrografias chgEletromicrografias chg
Eletromicrografias chgfernando
 
Aula xiv.vascularização do mmii
Aula xiv.vascularização  do mmiiAula xiv.vascularização  do mmii
Aula xiv.vascularização do mmiifernando
 

More from fernando (20)

O 1
 O 1 O 1
O 1
 
Plano de aula p alunos
Plano de aula p alunosPlano de aula p alunos
Plano de aula p alunos
 
Grupos visitas
Grupos visitasGrupos visitas
Grupos visitas
 
Cronograma 2010 2
Cronograma 2010 2Cronograma 2010 2
Cronograma 2010 2
 
Grupos
 Grupos Grupos
Grupos
 
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmg
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmgAula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmg
Aula x ii. vascularização da cabeça, pesco4o e tronco.ufmg
 
Aula xi abdome
Aula xi  abdomeAula xi  abdome
Aula xi abdome
 
Aula x mecânica respiratória
Aula x  mecânica respiratóriaAula x  mecânica respiratória
Aula x mecânica respiratória
 
Aula ix musculos cabeça e pescoço
Aula ix musculos cabeça e pescoçoAula ix musculos cabeça e pescoço
Aula ix musculos cabeça e pescoço
 
Aula viii. musculos do dorso
Aula viii. musculos do dorsoAula viii. musculos do dorso
Aula viii. musculos do dorso
 
Aula vii. coluna vertebral. part.ii
Aula vii. coluna vertebral. part.iiAula vii. coluna vertebral. part.ii
Aula vii. coluna vertebral. part.ii
 
Aula vi.coluna vertebral . part. i
Aula vi.coluna vertebral . part. iAula vi.coluna vertebral . part. i
Aula vi.coluna vertebral . part. i
 
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
 
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
Aula v. inervação e vascularização do membro superior.ufmg apresentação. part...
 
Aula iv. musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. ii
Aula iv.  musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. iiAula iv.  musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. ii
Aula iv. musculos do membro superior.ufmg apresentação. part. ii
 
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte i
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte iAula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte i
Aula iii. musculos do membro superior. ufmg .apresentação, parte i
 
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)
Biq041 fisioterapia 2010a v2(4)
 
Gd iii fto
Gd iii ftoGd iii fto
Gd iii fto
 
Eletromicrografias chg
Eletromicrografias chgEletromicrografias chg
Eletromicrografias chg
 
Aula xiv.vascularização do mmii
Aula xiv.vascularização  do mmiiAula xiv.vascularização  do mmii
Aula xiv.vascularização do mmii
 

Cif conceitos, usos e perspectivas

  • 1. Resumo A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e O objetivo do presente artigo é apresentar a Classificação Internacional de Funcionalida- Saúde da Organização Mundial da de, Incapacidade e Saúde (CIF), que faz par- te da “família” de classificações desenvolvi- Saúde: Conceitos, Usos e da pela Organização Mundial da Saúde Perspectivas (OMS). São apresentados o histórico e o pro- cesso de revisão da classificação anterior - Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID)- que The International Classification of deram origem à atual classificação - CIF. O modelo da CIF substitui o enfoque negativo Functioning, Disability and Health: da deficiência e da incapacidade por uma perspectiva positiva, considerando as ativi- Concepts, Uses and Perspectives dades que um indivíduo que apresenta alte- rações de função e/ou da estrutura do cor- po pode desempenhar, assim como sua par- ticipação social. A funcionalidade e a inca- pacidade dos indivíduos são determinadas pelo contexto ambiental onde as pessoas vi- vem. A CIF representa uma mudança de paradigma para se pensar e trabalhar a defi- ciência e a incapacidade, constituindo um instrumento importante para avaliação das condições de vida e para a promoção de políticas de inclusão social. A classificação vem sendo incorporada e utilizada em di- versos setores da saúde e equipes multidis- ciplinares. No entanto, será mais adequada à medida que for utilizada por um número maior de profissionais, em locais diversos e a partir de pessoas e realidades diferentes. Palavras–chave: Classificação Internacio- nal de Funcionalidade, Incapacidade e Saú- de. Organização Mundial da Saúde. Pessoas com deficiência. Norma Farias1* Cassia Maria Buchalla2 1 Instituto de Saúde - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. 2 Departamento de Epidemiologia- Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil *Correspondência: Norma Farias. Instituto de Saúde, Rua Santo Antônio, 590, 01314-000 São Paulo, SP, Brasil. E-mail: norma@isaude.sp.gov.br Rev Bras Epidemiol 187 2005; 8(2): 187-93
  • 2. Abstract Uma das missões da Organização Mun- dial da Saúde - OMS consiste na produção The aim of this article is to present the Inter- de Classificações Internacionais de Saúde national Classification of Functioning, Disabil- que representam modelos consensuais a ity and Health (ICF), which comprises the serem incorporados pelos Sistemas de Saú- “family” of classifications of the World Health de, gestores e usuários, visando a utiliza- Organization (WHO). This study presents the ção de uma linguagem comum para a des- background and the process of reviewing the crição de problemas ou intervenções em previous classification, the International Clas- saúde1. sification of Impairments, Disabilities, and O propósito de “A Família de Classifica- Handicaps (ICIDH), on which the current ções Internacionais” da OMS (WHO Family classification was based. The framework of of International Classifications - WHO-FIC) ICF replaces the negative perspective of im- consiste em promover a seleção apropria- pairment and disability with a positive stand- da de classificações em vários campos da point, considering the activities that a person saúde em todo o mundo. Estas facilitam o with alterations in body functions and/or levantamento, consolidação, análise e in- structures can perform, and also their social terpretação de dados; a formação de bases participation. The functioning and impairment de dados nacionais consistentes, e permi- are determined by the environmental con- tem a comparação de informações sobre text where people live. The ICF represents a populações ao longo do tempo entre re- change on the paradigm for thinking and giões e países1. working impairment and disability, establish- As condições de saúde relacionadas às ing an important instrument to evaluate the doenças, transtornos ou lesões são classifi- living conditions and to improve social inclu- cadas na CID-10 (Classificação Estatística In- sion policies. The classification has been in- ternacional de Doenças e Problemas Relaci- corporated and is being used by different pro- onados à Saúde, 10a Revisão) que fornece um fessionals in several healthcare sectors. Nev- modelo baseado na etiologia, anatomia e ertheless, it will become more adequate as it causas externas das lesões2. Dessa forma, a is used by a greater number of professionals CID-10 constitui um instrumento útil para working in different contexts and with a wider as estatísticas de saúde, tornando possível range of patients. monitorar as diferentes causas de morbi- dade e de mortalidade em indivíduos e po- Key Words: International Classification of pulações. Functioning. Disability and Health. World A necessidade de se conhecer o que Health Organization. Persons with impair- acontece com os pacientes após o diag- ment. nóstico, com o decorrer do tempo, princi- palmente em relação às doenças crônicas e aos acidentes, torna-se cada vez mais im- portante para a área da saúde. Conhecer as causas de morte e as doenças mais fre- qüentes, em época que a expectativa de vida aumenta e a tecnologia ajuda a medi- cina a prolongar a vida humana, pode não ser suficiente para o planejamento de ações de saúde. Esta comunicação tem como objetivo apresentar os pontos fundamentais desse novo modelo da Organização Mundial da Saúde, a Classificação Internacional de Fun- cionalidade, Incapacidade e Saúde, CIF. Rev Bras Epidemiol A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 2005; 8(2): 187-93 188 Farias, N. & Buchalla, C.M.
  • 3. Histórico da CIF capacidade relacionadas às condições de saúde, identificando o que uma pessoa “pode Visando responder às necessidades de se ou não pode fazer na sua vida diária”, tendo conhecer mais sobre as conseqüências das em vista as funções dos órgãos ou sistemas e doenças, em 1976 a OMS publicou a estruturas do corpo, assim como as limita- International Classification of Impairment, ções de atividades e da participação social Disabilities and Handicaps (ICIDH), em ca- no meio ambiente onde a pessoa vive7,8. ráter experimental. Esta foi traduzida para o Segundo a OMS, a CID-10 e a CIF são Português como Classificação Internacional complementares: a informação sobre o di- das Deficiências, Incapacidades e Desvanta- agnóstico acrescido da funcionalidade for- gens (handicaps), a CIDID3. nece um quadro mais amplo sobre a saúde De acordo com esse marco conceitual, do indivíduo ou populações. Por exemplo, impairment (deficiência) é descrita como as duas pessoas com a mesma doença podem anormalidades nos órgãos e sistemas e nas ter diferentes níveis de funcionalidade, e duas estruturas do corpo; disability (incapacida- pessoas com o mesmo nível de funcionali- de) é caracterizada como as conseqüências dade não têm necessariamente a mesma da deficiência do ponto de vista do rendi- condição de saúde9. mento funcional, ou seja, no desempenho O termo do modelo da CIF é a funciona- das atividades; handicap (desvantagem) re- lidade, que cobre os componentes de fun- flete a adaptação do indivíduo ao meio am- ções e estruturas do corpo, atividade e par- biente resultante da deficiência e incapa- ticipação social. A funcionalidade é usada no cidade4. aspecto positivo e o aspecto negativo O modelo da CIDID descreve, como uma corresponde à incapacidade. Segundo esse seqüência linear, as condições decorrentes modelo, a incapacidade é resultante da da doença: interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica e/ou da estrutura Doença ⇒ Deficiência ⇒ Incapacidade ⇒ do corpo), a limitação de suas atividades e a Desvantagem restrição na participação social, e dos fato- res ambientais que podem atuar como O processo de revisão da ICIDH apon- facilitadores ou barreiras para o desempe- tou suas principais fragilidades, como a falta nho dessas atividades e da participação 6,9. de relação entre as dimensões que a com- A CIF é baseada, portanto, numa abor- põe, a não abordagem de aspectos sociais e dagem biopsicossocial que incorpora os ambientais, entre outras. Após várias ver- componentes de saúde nos níveis corporais sões e numerosos testes, em maio de 2001 a e sociais 6,9. Assim, na avaliação de uma pes- Assembléia Mundial da Saúde aprovou a soa com deficiência, esse modelo destaca- International Classification of Functioning, se do biomédico, baseado no diagnóstico Disability and Health (ICF)5 . etiológico da disfunção, evoluindo para um A versão em língua portuguesa foi modelo que incorpora as três dimensões: a traduzida pelo Centro Colaborador da Or- biomédica, a psicológica (dimensão indivi- ganização Mundial da Saúde para a Família dual) e a social. Nesse modelo cada nível age de Classificações Internacionais em Língua sobre e sofre a ação dos demais, sendo to- Portuguesa com o título de Classificação In- dos influenciados pelos fatores ambientais ternacional de Funcionalidade, Incapacida- (Figura 1). A OMS pretende incorporar tam- de e Saúde, CIF6. bém, no futuro, os fatores pessoais, impor- tantes na forma de lidar com as condições Conceituações, objetivos e limitantes. componentes da CIF O objetivo pragmático da CIF é fornecer uma linguagem padronizada e um modelo A CIF descreve a funcionalidade e a in- para a descrição da saúde e dos estados rela- A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Rev Bras Epidemiol Farias, N. & Buchalla, C.M. 189 2005; 8(2): 187-93
  • 4. Figura 1 - Interação entre os componentes da CIF. Adaptação: OMS (2003) . Figure 1 – Interaction between the components of ICF. Adapted from WHO (2003). cionados à saúde, permitindo a comparação crevem como o indivíduo exerce suas ativi- de dados referentes a essas condições entre dades diárias e se engaja na vida social, con- países, serviços, setores de atenção à saúde, siderando as funções e estruturas do seu bem como o acompanhamento da sua evo- corpo. O conteúdo desses componentes (A lução no tempo 6. & P) é organizado desde simples tarefas e No entanto, os conceitos apresentados na ações até áreas mais complexas da vida, sen- classificação introduzem um novo paradigma do incluídos itens referentes à aprendizagem para pensar e trabalhar a deficiência e a in- e aplicação do conhecimento; tarefas e de- capacidade: elas não são apenas uma conse- mandas gerais; comunicação, mobilidade, qüência das condições de saúde/doença, mas cuidados pessoais, atividades e situações da são determinadas também pelo contexto do vida doméstica; relações e interações meio ambiente físico e social, pelas diferentes interpessoais; educação e trabalho; auto-su- percepções culturais e atitudes em relação à ficiência econômica; vida comunitária6.9. deficiência, pela disponibilidade de serviços As limitações de atividade são as dificul- e de legislação. Dessa forma, a classificação dades que o indivíduo pode ter para execu- não constitui apenas um instrumento para tar uma determinada atividade. As restrições medir o estado funcional dos indivíduos. à participação social são os problemas que Além disso, ela permite avaliar as condições um indivíduo pode enfrentar ao se envolver de vida e fornecer subsídios para políticas de em situações de vida6,9. inclusão social. Os fatores ambientais constituem o “am- biente físico, social e de atitudes” em que as Terminologias utilizadas na CIF pessoas vivem e conduzem suas vidas. Esse componente inclui itens referentes a produ- Os conceitos e terminologias utilizados tos e tecnologia; ambiente natural como cli- na CIF são apresentados no Quadro 1. ma, luz, som; apoios e relacionamentos As funções do corpo são definidas como como a família imediata, “cuidadores” e as- as funções fisiológicas e psicológicas dos sis- sistentes sociais; atitudes individuais e soci- temas do corpo. As estruturas são definidas ais; normas e ideologias; serviços, sistemas e como as partes anatômicas do corpo, como políticas de previdência social, saúde, edu- os órgãos e seus componentes 6,9. cação, trabalho, emprego, transportes, den- As atividades e participação (A & P) des- tre outros6,9. Rev Bras Epidemiol A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 2005; 8(2): 187-93 190 Farias, N. & Buchalla, C.M.
  • 5. Quadro 1 - Conceituações e terminologias dos componentes relatados na CIF. Picture 1 – Concepts and terminology of the components listed in the ICF. Componente Funções do Corpo Atividade Participação Fatores Ambientais Estruturas do Corpo Definição Funções do corpo são Atividade é a execução Participação é Compreende os as funções fisiológicas de tarefas realizadas no o envolvimento fatores externos dos sistemas do corpo dia a dia de um numa situação do meio ambiente ( incluindo as funções indivíduo. da vida social. onde a pessoa mentais) . vive. Estruturas do corpo são as partes anatômicas do corpo. Aspecto Integridade Atividade Participação Facilitadores Positivo Funcional e Estrutural FUNCIONALIDADE Aspecto Deficiência Limitação da Restrição da Barreiras/ Negativo Atividade Participação Obstáculos INCAPACIDADE Fonte: adaptada de: (1) WHO.Towards a Common Language for Functioning, Disability and Health– ICF. Geneva, 2002 e (2) OMS: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; coordenação da tradução: Cassia Maria Buchalla. São Paulo: EDUSP; 2003. Os Usos da CIF tar sua aplicação, têm sido criados instru- mentos que resumem a classificação. Nessa A CIF tem sido apontada como uma espé- perspectiva, a OMS propôs uma lista genéri- cie de “canivete suíço”: contém uma série de ca criada a partir da CIF, contendo as condi- ferramentas e permite várias abordagens. Ela ções mais importantes a serem levantadas pode ser usada em muitos setores que inclu- durante a atenção ao paciente. Essa checklist em a saúde, educação, previdência social, é composta por 152 categorias que repre- medicina do trabalho, estatísticas, políticas sentam os domínios mais relevantes da CIF públicas. Sua importância pode ser colocada e classifica 38 códigos de funções do corpo, para as práticas clínicas, ensino e pesquisa6,10. 20 códigos de estrutura do corpo, 57 de ati- Na área clínica, ela se propõe a servir de vidade e participação e 37 códigos de fatores modelo de atendimento multidisciplinar, ambientais.9 Além desse instrumento, des- devendo servir para as várias equipes e os taca-se o projeto de elaboração dos Core vários recursos de que dispõem os serviços, sets para algumas condições crônicas11. Es- tais como médico, psicólogo, terapeuta, as- ses core sets representam as principais cate- sistente social etc. gorias da classificação para determinadas Uma das vantagens apontadas para a ado- doenças. Atualmente, um projeto multicên- ção do modelo é a possibilidade de uniformi- trico internacional, coordenado pela Univer- zação de conceitos e, portanto, da utilização sidade de Munique, em fase de coleta de de uma linguagem padrão que permita a co- dados, tem o objetivo de validar os core sets municação entre pesquisadores, gestores, elaborados para doze condições crônicas profissionais de saúde, organizações da soci- sendo o Brasil um dos centros participantes. edade civil e usuários em geral6,9. Um dos campos de estudo mais explora- A diversidade de recursos se traduz na dos para a aplicação da CIF tem sido a área dificuldade de uso completo da mesma. As- de Medicina Física e Reabilitação, no que sim, como proposta de solução para facili- concerne ao acompanhamento do estado de A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Rev Bras Epidemiol Farias, N. & Buchalla, C.M. 191 2005; 8(2): 187-93
  • 6. saúde dos pacientes em tratamento12-15. biopsicossocial e do significado e implica- O uso da CIF tem sido considerado tam- ções da universalização como um princípio bém na avaliação após transtornos agudos, para orientar o desenvolvimento de políti- condições traumáticas, condições crônicas cas em relação às pessoas com deficiências. e na geriatria16,17. Outra questão apontada concerne à Alguns autores argumentam que a CIF classificação de atividades e participação. Se deve ser explorada como uma base de in- diferentes estratégias de códigos são utiliza- formações padronizadas em estudos sobre das, uma vez que existe uma variabilidade de incapacidade profissional, quando há neces- apreciação dependente do contexto socio- sidade de relacionar dados de saúde ocupa- cultural, isso coloca dificuldades para a com- cional com os de previdência social18,19. paração de dados entre os países; assim, al- Na Saúde Pública, tradicionalmente pou- guns países têm desenvolvido distinções pró- ca atenção tem sido dada às pessoas com prias de atividade e de participação22,23. deficiência. No entanto, ao lado de recentes O reconhecimento do papel central do engajamentos por parte de organizações e meio ambiente no estado funcional dos indi- de alguns governos, a publicação do modelo víduos, agindo como barreiras ou faci- da CIF fornece as bases para as políticas e litadores no desempenho de suas atividades disciplinas da Saúde Pública em relação à e na participação social, mudou o foco do população que apresenta deficiências20. As- problema da natureza biológica individual da sim, uma das possibilidades de usos da CIF redução ou perda de uma função e/ou estru- pode ser a contribuição para responder a tura do corpo para a interação entre a importantes questões de Saúde Pública,tais disfunção apresentada e o contexto ambiental como: qual é o estado de saúde das pessoas onde as pessoas estão inseridas. Dessa forma, com deficiência comparadas às demais; que o modelo da CIF deverá ser investigado nas necessidades e que tipos de intervenções são suas dimensões sociais, políticas e culturais, o mais adequadas para reduzir condições se- que constitui um desafio para os Sistemas. cundárias e promover a saúde das pessoas No entanto, será mais adequado à medida com deficiências, entre outras. que for utilizado por um número maior de profissionais, em locais diversos e a partir de Alguns dilemas colocados para a pessoas e realidades diferentes. incorporação do modelo da CIF A incorporação do uso da CIF nas práti- cas de atenção à saúde, tendo em vista que Até o presente, apesar do interesse pela se trata da incorporação de uma nova adoção do modelo da CIF, existem poucos tecnologia, embora já venha sendo adotada estudos em curso sobre a avaliação do seu por diversos setores e equipes multidis- impacto na atenção à saúde. Isso decorre de ciplinares, deve ser ainda amplamente ex- ser uma classificação recente, complexa e plorada em relação à sua aceitabilidade e que apresenta certo grau de dificuldade em validade em diferentes áreas; seu impacto sua utilização. Do ponto de vista prático, sua nos cuidados de saúde; seu potencial em aplicação requer um tempo muitas vezes medir o estado funcional dos pacientes e seu maior do que a própria consulta, além dos uso pelos sistemas de informação para ela- aspectos inerentes à mudanças de conduta boração de estatísticas de saúde24. Outro por parte dos profissionais da área da saúde. campo diz respeito às legislações pertinen- Mesmo contribuindo para o processo de tes e à implementação de políticas públicas integração entre diversos setores da saúde, para as pessoas com deficiência. social e da pedagogia, sua compreensão te- Recomenda-se que estudos adicionais órica, incorporação e aplicabilidade prática sejam realizados por profissionais e pesqui- têm refletido essas dificuldades. Um dos di- sadores de diversas disciplinas e setores da lemas apresentados, segundo IMRIE (2004), saúde, incluindo também a participação das diz respeito ao esclarecimento do seu papel organizações da sociedade civil. Rev Bras Epidemiol A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 2005; 8(2): 187-93 192 Farias, N. & Buchalla, C.M.
  • 7. Referências 1. [WHO] World Health Organization. The WHO Family of 14. Arthanat S, Nochajski SM, Stone J. The international International Classifications. Disponível em: URL < classification of functioning, disability and health and http://www.who.int/classifications/en> [2005 May 27]. its application to cognitive disorders. Disabil Rehabil 2004; 26(4): 235-45. 2. Organização Mundial de Saúde. CID –10, tradução do Centro Colaborador da OMS para a Classificação de 15. Rentsch HP, Bucher P, ommen NI, Wolf C, Hefti H, Fluri E Doenças em Português. 9 ed. Rev –São Paulo: EDUSP, et al. The implementation of the International 2003. Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) in daily practice of neurorehabilitation: an 3. Secretariado Nacional de Reabilitação, Ministério do interdisciplinary project at the Kantonsspital of Lucerne, Emprego e da Segurança Social. Classificação Switzerland. Disabil Rehabil 2003 ; 25(8): 411-21. Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (handicaps). Lisboa; 1989. 16. Stucki G, Ewert T, Cieza A. Value and application of the ICF in rehabilitation medicine. Disabil Rehabil 2002: 4. Buñuales MTJ, Diego PG, Moreno JMM. La 24(17): 932-8. Clasificación Internacional del Funcionamento de la Discapacidad y de la Salud (CIF) 2001. Rev Esp Salud 17. Cieza A, Brockow T, Ewert T, Amman E, Kollerits B, Publica 2002; 76: 271-9. Chatterji S. Üstun TB, Stucki G. Linking Health-status measurements to the international classification of 5. [WHO] World Health Organization. International international classification of functioning, disability Classification of functioning, disability and health: and health. J Rehabil Med 2002; 34: 205-10. ICF. World Health Organization; 2001. 18. Willems H, De Kleijn-De Vrankrijker M. Work disability 6. [OMS] Organização Mundoal da Saúde, CIF: in the Netherlands: data, conceptual aspects, and Classificação Internacional de Funcionalidade, perspectives. J Occup Environ Med 2002; 44(6): 510-5. . Incapacidade e Saúde [Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Família de 19. Sjögren-Rönka T, Ojanen MT, Leskinen EK, Classificações Internacionais, org.; coordenação da Tmustalampi S, Mälkiä, EA. Physical and Psychosocial tradução Cassia Maria Buchalla]. São Paulo: Editora da prerequisites of functioning in relation to work ability Universidade de São Paulo – EDUSP; 2003. and general subjective well-being among office workers Jogren-Ronka T, Ojanen MT, Leskinen E*, 7. Battistella LR, Brito CMM. Tendência e Reflexões: Leskinen EK. Jõgren-Rönka T, Ojanem MT, Leskinen Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF). EK, Tmustalampis. Acta Fisiátrica 2002; 9(2): 98-101 20. MÄLKIÄ EA. Physical and psychosocial prerequisites of 8. Halbertsma, J. The ICIDH: health problems in a functioning in relation to work ability and general medical and social perspective. Disability and subjective well-stair among office par to work ability Rehabilitation 1995; 17(3/4): 128-34 (8). and general subjective well-being among office workers. Scand J Work Environ Health 2002; 28(3): 184- 9. [WHO]World Health Organization.Towards a Common 90. Language for Functioning, Disability and Health – ICF. [WHO/EIP/GPE/CAS/01.3] Genebra; 2002. 20. LOLLAR, DJ. Public Health and Disability: Emerging Opportunities. Public Health Reports, March-April 10. Gray DB, Hendershot GE. The ICIDH-2: 2002; 117: 131-6. Developments for a new era of outcomes research. Arch Phys Rehabil 2000; 81(2): S10 – S14 (9). 21. Imrie R. Demystifying disability: a review of the International Classification of Functioning, Disability 11. Weigl M, Cieza A, Andersen C, Kollerits B, Amann E, and Health. Social Health IIIn 2004; 26(3): 287 –305. Stucki G Identification of relevant ICF categories in patients with chronic health conditions: a delphi 22. Peremboom RJ, Chorus Erembooom RJ, Chorus exercise. J Rehabil Med 2004; Suppl 44: 12-21. A.Erenboom RJ, Chorus Ameremboom RJ, Chorus, AMR: mediar a ersidERENBOOM RJ, CHORUS AM. 12. Stamm TA, Cieza A, Machold KP, Smolen JS, Stucki G. Measuring participation according to the International Content comparison of occupation-based instruments Classification of Functioning, Disability and Health in adult rheumatology and musculoskeletal (ICF). Disabil Rehabil 2003; ST 2003; 25(11-12): 577-87. rehabilitation based on the International Classification of Functioning, Disability and Health. 23. Dahl TH. International classification of functioning, Arthritis Rheum 2004; 51(6): 917- 24. disability and health: an introduction and discussion of its potential impact on rehabilitation services and 13. Mayo NE, Poissant L, Ahmed S, Finch L, Higgins J, research. v 2002; 34 (5): 201-4. Salbach NM et al. Incorporating the International Classification of Functioning, Disability and Health 24. Buchalla CM. A Classificação Internacional de (ICF) into an electronic health record to crate indicators Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Acta Fisiátrica, of function: proof of concept using the SF-12. J Am Med 2003; 10 (1): 29-31. Inform Assoc 2004; 11(6): 514-22. recebido em: 04/04/05 versão final reapresentada em: 31/05/05 aprovado em: 13/06/05 A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Rev Bras Epidemiol Farias, N. & Buchalla, C.M. 193 2005; 8(2): 187-93