A campanha de "deslançamento" da Kombi conseguiu contrariar paradigmas do mercado automotivo e emocionar milhões de pessoas. O papel do atendimento foi crucial para organizar as etapas da campanha, manter todas as áreas engajadas e deixar um legado para a Volkswagen como uma marca próxima e humana.
1. Meu Legado para a Kombi
FERNANDA PORTUGAL FERREIRA – CATEGORIA ATENDIMENTO
Participantes: Fernanda Ferreira, Ana Porto, Aline Macedo, José Lopes e Filipe Bartholomeu
Graças a uma mudança na lei, o modelo mais antigo da Volkswagen, e um
dos mais vendidos do país, teria que ser descontinuado. Após 63 anos, a
Kombi, deixaria de ser produzida.
Essa é a história de como a campanha inusitada de “deslançamento” de
um carro foi capaz de contrariar paradigmas do cliente e do mercado e de
atingir emocionalmente milhões de pessoas.
Acima de tudo, como o meu papel de Atendimento, através do poder da
argumentação, da capacidade de liderar cada etapa, de organizar um
cronograma e de manter todas as áreas engajadas ajudou a deixar um
legado precioso para a Volkswagen.
2. Um Golpe Fatal
Em dezembro de 2012, veio à tona a notícia: uma mudança na legislação
brasileira tornaria obrigatória, a partir de 2014, a venda de carros com ABS e
airbag de série. A Volkswagen seria obrigada a descontinuar a Kombi. O modelo
mais vendido e mais antigo da marca ainda em produção deixaria de ser
produzido. Seria, portanto, não a última Kombi do Brasil, mas a última Kombi do
mundo.
Com a ideia do fim em mente, a Volkswagen criou uma edição especial do
produto destinada a colecionadores – a Kombi Last Edition. Uma versão retrô da
Kombi, que custaria R$ 85 mil. O pedido do cliente era a produção de um
hotsite com abrangência internacional para vender as 600 unidades da versão
comemorativa. Um desafio um tanto quanto ingrato sem outros esforços de
comunicação: vender um carro pelo dobro do seu preço.
Não podíamos nos conformar com o pedido do cliente. Um carro com tantas
histórias e tantos admiradores não poderia simplesmente sair do mercado sem
uma despedida à sua altura. Mais que um carro, era um ícone, que transcendeu
o universo dos automóveis e conquistou uma legião de fãs. Mesmo com mais de
50 anos, ainda era líder em seu segmento. Sua saída certamente não passaria
despercebida pelas 25 mil pessoas que todos os anos apareciam para comprá-
la.
Analisando o impacto da saída da Kombi, percebemos que, mais do que nos
prendermos ao retorno em vendas, aquela era uma oportunidade para colocar
a Volkswagen em um patamar diferente do das outras fabricantes de carros - o
de "lovebrand": uma marca humana, próxima, preocupada não só em fabricar
carros, mas em fazer a diferença na vida das pessoas.
O intuito era, ao invés de uma despedida discreta para a venda de 600 edições
da Kombi Last Edition em um hotsite, “escancarar” a saída do modelo na mídia.
Nossa aposta era que, ao resgatar todas as ligações emocionais do carro com
seus admiradores, as vendas seriam consequência.
3. Um Novo Horizonte para a Volkswagen
Um briefing com a nova estratégia foi colocado na Criação. Uma pro-atividade
do Atendimento que brilhou os olhos de todos os criativos envolvidos.
Depois de algumas semanas, a Criação nos chamou com a ideia: criar uma
despedida para a Kombi. A Kombi deixaria um testamento homenageando as
pessoas que fizeram parte da sua história.
Estávamos diante de uma campanha inédita. A campanha de deslançamento de
um carro. Uma campanha que poderia se tornar tão icônica quanto o próprio
produto.
Mas ainda tínhamos um desafio pela frente. Uma campanha voltada para um
modelo que estava saindo de linha era a última prioridade do board naquele
momento. Foi aí que o Atendimento teve uma participação efetiva e definitiva:
convencer um cliente extremamente conservador de que aquela era a melhor
estratégia para a marca.
Na primeira reunião, conseguimos vender a nova ideia, mas tínhamos um
problema. A verba que já era pequena havia sido reduzida pela metade: de 1M
para 500 mil. Nesse momento, a criação já havia nos apresentado ideias
incríveis, mas que não poderiam ser executadas com o novo budget.
Nesse momento o papel do Atendimento foi extremamente importante. Uma
campanha grande, com tantas áreas envolvidas, precisava de uma liderança
que mediasse, filtrasse e viabilizasse as ideias. Além disso, precisávamos
quebrar as barreiras entre as áreas e integrar todos os departamentos
envolvidos para colocar a campanha de pé.
Depois de muitas idas e vindas, ficaram as grandes ideias. Mas, quando
apresentadas para o Cliente, nos deparamos com um novo obstáculo. O Cliente
para vender a estratégia para o board, havia se comprometido a fazer uma
série de entregas, como por exemplo um evento que os Komberios. Evento
esse que consumiria quase todo o budget da campanha. O Atendimento, se
mostrou fundamental nesse momento, ao contornar a situação, defendendo os
interesses da agência.
4. O Começo do Fim
O “Deslançamento da Kombi” aconteceu em etapas.
Primeiro, foi criado um anúncio impresso que comunicava a saída da Kombi do
mercado e convidava as pessoas a compartilhar suas histórias com o modelo
num hotsite. Ninguém imaginaria ver uma anuncio assim: uma foto da traseira
da Kombi num cenário branco. Logo no título “Vai aí a Kombi. Em breve, em
nenhuma concessionária perto de você.”
O anuncio ajudou a campanha a ganhar forças nas redes sociais e gerou uma
repercussão nacional e internacional.
Como esperávamos, o hotsite foi um sucesso. Centenas de pessoas, em todo o
mundo, estavam compartilhando as lembranças marcantes da relação de amor
deles com a Kombi e com a Volkswagen.
Estávamos conseguindo atingir os nossos objetivos: reunir experiências que as
pessoas tiveram com o modelo, como uma forma de colaborar com a história
do veículo no mercado brasileiro.
5. O Começo do Fim
Mas eu sabia que ainda haviam boas histórias que envolviam a Kombi e que
não podiam ficar de fora dessa campanha. Eu precisava ir atrás dessas pessoas
para contar um pouco sobre a campanha e convidá-las a compartilhar as suas
histórias no hotsite.
Algumas dessas pessoas foram até mesmo homenageadas pela Kombi, como o
Rolando Massinha, que transformou sua primeira Kombi numa cantina italiana
móvel e, com isso, mudou de vida. O Bob Hieronimus, artista que pintou e
tornou a Kombi famosa no festival de Woodstock. E a família Rehm, que há 4
anos viaja pelo mundo em uma Kombi vermelha.
6. O Começo do Fim
No segundo momento da campanha, a Kombi criou um testamento anunciando
como herdeiros os autores das melhores histórias publicadas no site. O
“Testamento da Kombi” anunciava o que seria deixado a cada uma daquelas
pessoas, como retribuição a todo carinho e companheirismo. Heranças, acima
de tudo, de valor sentimental.
Agora, mais do que nunca, tudo precisava ser muito bem planejado e cada
mínimo detalhe precisava ser levado em conta. Não podíamos perder o timing
da ação. Nada poderia andar fora do cronograma.
7. O Começo do Fim
Nesse momento o meu papel era crucial. O meu desafio era conseguir produzir
e entregar todas essas heranças no prazo prometido. Cada herança envolvia
fornecedores específicos para sua produção, como funileiros, desenhistas e até
escultores. E todos eles, precisavam realizar o trabalho com um prazo e uma
verba muito limitada.
Por isso, além de gerenciar os fornecedores, negociar os prazos de entregas e o
orçamento de produção, tive que pensar em toda a logística de entregas das
heranças no Brasil, EUA e França e garantir que todas os materiais fossem
enviados em perfeito estado.
8. O Começo do Fim
As lembranças foram entregues uma a uma e muitas delas eu pude
acompanhar de perto. Essa foi, sem dúvida, a parte mais gratificante da
campanha para mim. Eu já havia criado um vínculo e me apegado a cada uma
das pessoas e suas histórias. Ter o seu trabalho reconhecido e, de alguma
forma, fazer parte da lembrança que cada um iria levar da “Despedida da
Kombi” era um sentimento inexplicável.
9. O Começo do Fim
Mas a campanha ainda não havia chegado ao fim. Precisávamos ainda realizar o
último desejo da nossa querida Kombi: voltar para casa. E como promessa é
dívida, a Kombi se despediu das pessoas em um minidocumentário contando
seus últimos desejos e reencontrando seu “irmão”, Ben Pon Jr., filho do homem
que a desenhou.
A apresentação do off-line do filme para o cliente foi um sucesso. Afinal, não é
todo dia que vemos o cliente se emocionar e ir literalmente às lágrimas no
meio da reunião. Depois de meses brigando por cada etapa, por cada ideia, por
cada pedacinho dessa história, chegamos ao capítulo final com a aprovação do
filme e a realização do último desejo da Kombi.
10. Resultados
Além de deixar heranças para as pessoas, com a campanha de Deslançamento
da Kombi conseguimos também deixar heranças para a marca Volkswagen.
Pensando na comunicação de automóveis sob uma nova lógica, conseguimos
quebrar paradigmas do cliente, da publicidade e do mercado automobilístico:
No lugar de uma despedida discreta, escancaramos a saída do modelo mais
ultrapassado da Volkswagen na mídia;
Ao invés de priorizarmos inovações em produto, grandes investimentos em
mídia e resultados imediatos de vendas, a subvertemos. No final, a Kombi
Last Edition teve sua produção dobrada devido à grande procura.
Ao invés de nos guiarmos por um pensamento fabril e comercial, nos
voltamos para as pessoas e mostramos que relações construídas com uma
marca às vezes podem ter mais valor para os negócios do que novidades.
O que era para ser uma campanha tímida - com verba total de produção de R$
500 mil e investimento em mídia de apenas R$ 1 milhão – acabou se
transformando num grande movimento da Volkswagen, que impactou cerca de
35 milhões de pessoas e deixou, como “herança” para a marca, 14 milhões de
reais em mídia espontânea.
A campanha também fez a Volkswagen ser percebida como mais próxima e
simpática, colocando-a em evidência, reacendendo a paixão dos brasileiros
pela marca e ajudando a distinguir a Volkswagen das meras "montadoras de
carros".
Além disso, a ousadia do "Deslançamento da Kombi” foi reconhecida por
diversos festivais, ganhando mais de 50 prêmios, como, por exemplo, Ouro no
Effie Awards 2014, na categoria bens duráveis, e Bronze no Jay Chiat 2014, na
categoria estratégia.