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A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), LEI 8.742/07.12.1993, COMENTADA ARTIGO POR ARTIGO 
* Marcelo Garcia 
Com base em um estudo detalhado da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), contribuo aqui com comentários sobre todos os artigos dessa Lei, ressaltando que há muitas questões esquecidas e que precisam ser debatidas. 
Em 2011, a LOAS completa 18 anos. Já deixou de ser uma menina e prepara-se, ainda muita imatura, para entrar na sua fase adulta. É uma Lei citada inúmeras vezes, mas que já deixou de ser questionada. Falta debate; falta estudo; faltam, talvez até, algumas revisões. 
Após a aprovação do Projeto de Lei do Sistema Único da Assistência Social (PL SUAS), é importante revisitarmos a LOAS e realizar um debate hoje fundamental. É preciso situar a LOAS, compreender o contexto histórico em que foi construída e os desdobramentos de cada um de seus artigos, sua organização e, em alguns momentos, suas sutis contradições. 
COMENTANDO O ARTIGO 1º 
Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. 
Vale destacar que a Constituição de 1988 coloca a assistência social como dever do Estado e direito do cidadão. A partir desse ano, a lógica do “favor”, da filantropia e da caridade começa a ser superada num processo muito lento que, até agora, em 2011, ainda não terminou. 
O Artigo 1º definiu a assistência social como parte do conjunto de políticas do sistema de Seguridade Social brasileiro. Política que é não contributiva — não existe pagamento, de nenhuma espécie, para o acesso ao direito à proteção social. 
Um exemplo: o Programa Bolsa Família é uma segurança de renda. É um direito. Não vejo como é possível impor (ou “cobrar”) condições para que uma família tenha acesso a essa segurança. O conceito de condicionalidade, em minha opinião, contraria o
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Artigo 1º da LOAS, que define a assistência social como não contributiva. O Projeto Agenda da Família, na realidade, é uma resposta muito mais concreta ao direito do que o conceito de condicionalidade. 
No mesmo sentido, uma entidade assistencial não pode exigir que um usuário faça um curso de capacitação como condição para que tenha acesso a um serviço assistencial, que é, na grande maioria dos casos, financiado pelo Estado. Da mesma forma, não é possível exigir conversão a determinada fé ou participação em cultos religiosos para que uma família ou um indivíduo tenha acesso a um ativo ou serviço assistencial. 
O Artigo 1º diz que a assistência social deve prover os mínimos sociais. E aqui está o maior atraso da LOAS. Quais são esses mínimos sociais? O que podemos estabelecer como mínimos sociais para que uma família seja considerada socialmente incluída? Ao longo de sua trajetória, a assistência social acabou se preocupando muito mais em criar um cardápio de projetos e programas do que, de fato, estabelecer os mínimos sociais. 
Incluir uma família em um projeto ou programa social não significa garantir sua inclusão sustentável, principalmente se não foram identificadas suas necessidades reais para um processo de promoção. A pasteurização de projetos e programas acaba nos afastando do debate sobre mínimos sociais. 
Os mínimos sociais precisam constituir um conjunto de seguranças sociais nas áreas de educação, saúde, trabalho, habitação, cultura, renda e convivência. Uma família deve ser considerada incluída quando tiver acesso a um padrão mínimo de qualidade de vida e acesso a direitos básicos. Não conheço nenhuma cidade que tenha debatido essa questão e estabelecido os mínimos sociais da LOAS. 
Nosso curso tem este desafio: avançar no debate e na consolidação de mínimos sociais. 
A assistência social é realizada por meio de um conjunto de ações do poder público e também da sociedade civil organizada. Aqui temos um debate fundamental. A assistência social é dever do Estado, mas sua realização pode e deve ter a participação da sociedade. O Estado deve organizar a estratégia e deve ser a inteligência do processo, mas não está escrito na LOAS que somente o Estado deve intervir e agir na política de assistência social. 
A sociedade pode e deve se integrar às ações de assistência social. Não faz sentido o debate da “ficção ideológica” que rejeita iniciativas da sociedade. As entidades, ONG e OSCIP, não podem nem devem definir a agenda social da assistência, mas não faz sentido dizer que elas não devem atuar na assistência. 
O Artigo 1º da LOAS deixa isso bem claro. A garantia das necessidades básicas é o principal desdobramento da assistência social. Mas que necessidades são essas? Mais uma vez o texto da LOAS remete a um trabalho que não foi feito. A ausência dessa definição
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possibilita que a lógica de projetos e programas distantes da realidade de cada família provoque um enorme divórcio entre as intervenções e as verdadeiras privações/desproteções sociais vivenciadas. 
O Artigo 1º da LOAS é um ponto de partida para organizarmos a política de assistência social. Se estivermos dispostos, temos, a partir deste artigo, trabalho para mais de um ano. 
O grande desafio do Artigo 1º é definir os mínimos sociais. 
Um debate importante: condicionalidade combina com direito? 
COMENTANDO O ARTIGO 2º 
O Artigo 2º da LOAS organiza os objetivos da lei. O sentido da proteção fica explícito no texto. Como o texto original é de 1993, o leque de proteções parece reduzido e sinto necessidade de sua ampliação. As proteções ficam asseguradas, sobretudo, para crianças, idosos, deficientes e para a maternidade. Identificar esse público é um claro desdobramento da história da assistência social pública vinculada à Legião Brasileira de Assistência (LBA). 
Os primeiros debates sobre desproteções e privações sociais começam a ganhar corpo apenas a partir de 2006. Por isso, muitas desproteções não foram identificadas no texto da LOAS, e cito, por exemplo, as desproteções vividas pelas comunidades urbanas sem habitação, pela comunidade gay, pela população migrante e em situação de rua, entre outras. 
Debater o sentido da proteção é um exercício que deve começar pela identificação das desproteções/ privações. 
É importante apontar que o debate da LOAS surgiu com muita força na LBA. Não foi um debate feito no interior das universidades. Ele ganhou força na prática diária dos trabalhadores, sobretudo da LBA, e é natural que o texto traga como referência, em muitos momentos, um público característico dessa instituição. 
Para fins didáticos, vamos examinar cada parte do texto: 
Art. 2º A assistência social tem por objetivos: 
a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; 
Proteger é a marca da LOAS. Mas proteger por que e de quê? As respostas para essa pergunta só vão ficar mais claras a partir da Nova Política de Assistência Social, de 2004, e da NOB/SUAS, de 2005.
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Importante ressaltar a questão da proteção à maternidade. O texto não diz que é preciso proteger apenas a gestação e o parto. A maternidade é muito mais do que isso. Proteger a maternidade é, antes de tudo, defender o direito da mulher de exercer seu papel de mãe. 
A maternidade se traduz na real possibilidade de que a mãe organize e acesse uma rede que garanta o desenvolvimento e a proteção de seu filho — escola, serviços de saúde, esporte, cultura, lazer etc. A assistência social não pode ser um substituto da maternidade. É preciso trabalhar para que a mãe possa de fato ser mãe. Devemos atentar para que os projetos da assistência social não tomem o lugar da maternidade. 
Proteger a infância e a adolescência deve ser, antes de tudo, garantir o direito à convivência familiar e comunitária. Entender “proteção” fora do espaço familiar é um equívoco. É importante debater essa questão. 
Proteger a velhice é garantir aos idosos todas as condições para que a velhice não seja um problema para a família e para o indivíduo. A velhice não pode significar a espera do fim. Proteger a velhice é garantir condições reais de vida familiar e comunitária. 
b) o amparo às crianças e adolescentes carentes; 
A palavra “amparo” está no texto para ressaltar uma diferença em relação à “proteção”. Amparar é assumir e prover a proteção social que a família, em determinado momento, não está conseguindo garantir. Crianças e adolescentes em situação de rua ou envolvidos com uso abusivo de drogas são exemplos para esse caso. 
Neste texto, temos a base do debate sobre proteção social especial, que vem, no entanto, impregnado da ideia de que a instituição pode arcar com o “amparo” da criança carente. A pobreza (carência) não pode ser uma condição para que a criança ou o adolescente seja afastado de sua família. 
c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; 
Aqui, por um erro na concepção do Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF), confunde-se integração ao mercado de trabalho com inclusão produtiva, que os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) estão fazendo Brasil afora. 
Mercado de trabalho é muito mais do que curso de bordado ou pintura. A questão da escolaridade é fundamental para essa integração. Não existe emprego para quem tem baixa escolaridade. A assistência social deve garantir integração, e não fazer uma substituição por meio da lógica frágil da inclusão produtiva. É aqui que estamos mais
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estagnados em relação à lei, vivendo um enorme divórcio entre nossas ações e a realidade do mercado de trabalho. 
d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; 
Outro texto que aponta grandes desafios. Integrar e reabilitar pessoas com deficiência é muito mais do que garantir o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou o atendimento numa entidade de reabilitação. Integrar à vida comunitária é garantir escola plural, inclusiva, e participação em atividades de esporte, lazer e cultura. A vida comunitária é a expressão da vida inclusiva. 
As pessoas com deficiência ainda são tratadas de forma diferenciada e ainda existe quem defenda os “guetos”, como as escolas especiais e outras comunidades específicas. A integração à vida comunitária de pessoas com deficiência é uma agenda atrasada, em grande parte por causa do peso de entidades históricas, que não querem que todos convivam numa comunidade inclusiva, pois isso significaria seu fim. 
e) a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 
O BPC foi implantado em 1996 e, hoje, é o maior orçamento da assistência social. Ele cumpre um papel fundamental de proteção aos idosos, mas o debate em relação à proteção às pessoas com deficiência precisa ser aprofundado. O BPC não pode continuar significando uma aposentadoria precoce para crianças e adolescentes com deficiência. Famílias, com medo de perder o benefício, acabam construindo barreiras enormes em relação à escolaridade e empregabilidade de seus membros com deficiência. O BPC é uma estratégia de proteção social e não pode implicar, em momento algum, um afastamento da vida e das possibilidades de crescimento do indivíduo. 
II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos; 
A vigilância é um conceito que vai ganhando força na política da assistência. A realização da vigilância socioassistencial ainda engatinha, pois a tradição na área é muito
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mais a de responder às demandas e urgências sociais que chegam diariamente do que estruturar um sistema de monitoramento de privações, desproteções e inseguranças sociais. 
Vigiar é prevenir e, sobretudo, acompanhar contextos de vulnerabilidade no território. Para que isso de fato possa ocorrer, é preciso que os governos invistam em tecnologia e em recursos humanos. Sem esses investimentos os CRAS não conseguirão monitorar os movimentos que vão constituindo aos poucos as ameaças e danos sociais. 
III - a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. 
Esse é um ponto muito importante, pois, ao defender direitos e a garantia de pleno acesso a eles, o artigo restringe uma “vocação” histórica da assistência social, que é a de querer atuar no lugar de outras políticas. Não cabe à assistência social prestar atendimento de saúde para pobres, oferecer programas de educação para pobres, criar espaços de cultura para pobres. A superação dessas práticas leva tempo e encontra na solidariedade, na filantropia, na caridade e no tradicional “jeitinho” os seus maiores inimigos. 
O que é o “jeitinho”? Exemplifico: uma diretora do Centro de Referência da Assistência Social tem um amigo pediatra que atende aos sábados num dos centros de forma voluntária. O foco, aqui, está errado. Uma diretora de CRAS tem que garantir acesso ao pediatra da Unidade Básica de Saúde. A opção pelo seu amigo médico, carregado de boa vontade e solidariedade, é apenas um “jeitinho” que é preciso ser repudiado no fazer social. É preciso defender direitos e, sobretudo, construir caminhos de acesso aos direitos sociais. 
Parágrafo único Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais. 
O parágrafo é muito importante. A questão fundamental, aqui, é que a assistência social não pode estar desarticulada das demais políticas setoriais. A assistência social não se basta. Ela precisa estar integrada às outras políticas setoriais para que a pobreza seja enfrentada e os mínimos sociais sejam garantidos. A assistência social sozinha não vence a luta contra a pobreza, já que esses mínimos sociais estão nas várias políticas setoriais. Fica
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claro, no parágrafo, que sem integração não se avança em relação à universalização dos direitos sociais. A tradição isolacionista da assistência social é amplamente questionada aqui. 
O grande desafio do Artigo 2º é entender que proteger não é separar. 
Um debate importante: o isolamento histórico da assistência social. 
COMENTANDO O ARTIGO 3º 
Comentar os artigos da LOAS não é tarefa fácil, pois o texto eventualmente pode ser interpretado de maneiras distintas, deixando dúvidas sobre seus objetivos. 
A LOAS foi construída a partir da negociação entre setores conservadores, ligados às entidades históricas, trabalhadores da LBA, militantes por uma assistência social pública e setores de algumas universidades. O texto, em muitos momentos, reflete as imensas diferenças entre as concepções desses grupos. 
A LOAS foi construída num momento histórico em que a assistência social ainda era amplamente negada por intelectuais, sobretudo do serviço social. 
A depender das entidades históricas, a LOAS teria muito menos a presença e o comando do Estado. Mas a Constituição de 1988 definia a assistência social como dever do Estado e como seguridade social. Não havia possibilidade de uma LOAS da simplificação ou esvaziamento do Estado, mas também não era possível uma LOAS que ignorasse a trajetória e a hegemonia das entidades históricas. 
Debater a negação da assistência social no Brasil nos ajuda, e muito, a entender esse “conflito”, que às vezes fica menos evidente do que precisa estar. 
Na verdade, só foi possível definir as entidades de assistência social no Projeto de Lei do Certificado de Entidades Beneficiárias da Assistência Social (PL Cebas), que o governo federal encaminhou ao Congresso, em 2008, depois da mais grave crise pela qual passou o Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS) desde sua criação, em 1995. 
O que mais interessava as entidades, nos debates pré-LOAS (1990-93) e na construção do Artigo 3º, era a garantia de que o Cebas seria flexível e amplo o bastante para que qualquer entidade pudesse se declarar de assistência social. E essa luta pela definição do que, de fato, é uma entidade de assistência social durou pelo menos dezessete anos, a partir de 1993. Debate duro. Debate que, em muitos momentos, venceu o interesse da filantropia e da caridade, mas em que prevaleceu, sobretudo, o real interesse do Cebas. 
A partir de 2005 foram realizados vários seminários e encontros nacionais para que o Artigo 3º da LOAS pudesse ser regulado. Vale destacar que a presidente do CNAS
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daquele período, a assistente social Márcia Pinheiro, teve papel fundamental no debate. Veja o texto do artigo: 
Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. 
O texto é tão amplo e abrangente que não se sabe, ao certo, a que entidades ele se refere. Quase tudo poderia ser considerado atendimento, assessoramento ou defesa e garantia de direitos. O texto deixa uma enorme margem teórica para que se defina uma entidade de assistência social no Brasil. 
Entidades das áreas de educação, saúde, cultura, esportes e habitação buscavam uma identidade com a assistência social para que pudessem obter o Cebas, que garantia a isenção de uma série de impostos. Isso gerou enormes problemas e, sobretudo, impediu a construção de uma identidade sólida para as entidades verdadeiramente assistenciais. 
O PL Cebas, de 2010, resolveu o impasse, mas foram perdidos dezessete anos num mar de confusão e superposições. Vale destacar que a Tipificação da Assistência Social, aprovada em 2009, foi outro enorme passo na direção de esclarecer o Artigo 3º da LOAS, um artigo escrito de forma confusa para que, de alguma forma, fosse mantida a confusão que fazia muito bem a uma enorme quantidade de entidades sociais que nada tinham a ver com assistência social. 
O grande desafio do Artigo 3º é a real construção de uma rede com identidade assistencial. 
Um debate importante: temos entidades demais e Estado “de menos”? 
COMENTANDO O ARTIGO 4º 
O artigo vai regular o acesso ao direito, à informação e aos critérios de acesso aos direitos e serviços da assistência social. Esse artigo deve ser lido, discutido e, sobretudo, detalhado num cronograma de trabalho. O Artigo 4º da LOAS traz uma série de questões a serem resolvidas, gerando uma enorme agenda de trabalho. 
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: 
I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
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O inciso deixa claro que são as necessidades sociais que determinam a lógica da política da assistência, e não a questão econômica. Esse é um princípio forte na LOAS. Aqui se encontra a liberdade necessária em relação às exigências históricas, como “só pode participar do programa se estiver trabalhando” ou “a vaga da criança na creche é apenas para mães que trabalham”. 
A proteção social não pode ter “pedágio”. Muitos desses “pedágios” foram criados ainda com base no imaginário e na tradição de que a assistência social é uma troca: a pessoa cumpre uma condição para ganhar alguma coisa. Isso é um erro. E o texto da LOAS é claro sobre isso. 
É nesse inciso que se escancara, de fato, o direito independente de qualquer questão relacionada à economia. 
II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; 
Outro inciso importantíssimo. Primeiro, ele aponta que é dever da assistência social tornar o seu destinatário alcançável por todas as políticas públicas. Aqui, fica claro que a assistência social é uma política garantidora de direitos, e não uma política de substituição de outras políticas. A assistência social não faz saúde para pobre; habitação para pobre; educação para pobre; cultura para pobre. 
A assistência social garante o acesso ao direito social que se realiza por meio das diversas políticas setoriais. 
Este é um debate ainda problemático, mas que precisa ser superado. A assistência social não pode e não deve fazer substituições. O CRAS, por exemplo, não pode nem deve ter médico ou dentista mesmo que voluntários. O CRAS tem que garantir o acesso do usuário aos serviços públicos de saúde. Não é um equipamento cultural, nem um equipamento de qualificação profissional, nem mesmo um espaço para atividades das demais políticas. 
O CRAS precisa fazer a articulação com todas as políticas setoriais para que a população seja de fato alcançável por elas. 
O inciso deixa claro que voluntariado e solidariedade não são as práticas da política de assistência social. A política deve se esforçar para garantir direitos sociais universais. 
Aqui também chegamos ao momento de questionar a ideia de inclusão produtiva como objeto de trabalho da assistência social. Não é. O que a assistência social deve fazer é
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articular a rede social de formação e qualificação profissional para que ela inclua as famílias atendidas pelo CRAS. 
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; 
A ação assistencial não pode ser realizada de “qualquer maneira” e com baixa qualidade porque seus usuários são pobres. É preciso garantir o máximo de qualidade e eficiência nas ações de assistência. 
A assistência social não pode propor serviços, ações e programas que afastem as pessoas da convivência familiar e comunitária. É preciso investir cada vez mais no fortalecimento da família e das redes comunitárias. A ideia de colégios em regime de internação e de instituições totais deve ser definitivamente superada. Ainda existem, no Brasil, correntes que acham que o Estado, em alguns casos, pode cuidar melhor de uma criança do que a sua própria família. O que o Estado deve fazer é cuidar da família para que ela permaneça unida, capaz de proteger todos os seus membros. 
A LOAS explicita que as pessoas não precisam, não devem e não podem se humilhar para conseguir o acesso a um direito. Nos anos 1970, era comum entre os profissionais da esquerda a ideia de que os próprios usuários deveriam estabelecer entre eles quem deveria ter acesso a direitos não universais. Isso foi um erro que o texto da LOAS corrigiu. 
Não é possível delegar às pessoas, por exemplo, o poder de escolha, dentre elas, de quem tem mais privação/desproteção social para que tenha acesso a um ativo social restrito. Ninguém precisa justificar e legitimar sua privação/desproteção para acessar um direito. 
O direito é para todos e, se houver necessidade de recorte por causa de limitação, a decisão deve ser técnica e considerar o conjunto de privações/desproteções de uma família. 
A política de assistência social deve trabalhar na direção de garantir autonomia para as famílias. A assistência social tem um compromisso de superar a vida diária de pobreza das famílias, garantindo inclusão social sustentável. 
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
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Todos são iguais perante a lei. Não podemos fazer discriminações no atendimento social. Vale destacar que a entrada de rígidos valores religiosos no dia a dia dos técnicos da assistência social está fortalecendo vetores de discriminação e preconceito. 
Uma mulher que tem cinco filhos de cinco pais diferentes é ou não é discriminada no atendimento? 
Um pai desempregado que diz que não quer trabalhar é ou não é discriminado no atendimento? 
Gays e lésbicas são discriminados ou não no atendimento? 
A assistência social deve garantir acesso aos direitos sociais. Não cabe à equipe técnica interferir na forma de ser e de viver das pessoas com base em valores religiosos ou morais. E isso tem acontecido de forma sistemática, nos últimos tempos. 
Ainda em 2011, 23 anos depois da Constituição e dezoito anos depois da LOAS, não existe equivalência entre o atendimento das populações rurais e urbanas. Infelizmente, as áreas rurais no Brasil concentram mais pobreza e mais desproteções. E não existe um plano nacional para o fortalecimento da assistência social nas áreas rurais. 
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. 
Fornecer a informação para todos e, sobretudo, para os mais pobres e mais vulneráveis é outro ponto fundamental. Ainda hoje, temos uma restrição na comunicação e na divulgação de programas e serviços. E vale dizer que comunicação na área social não se faz com cartazes e panfletos. Faz-se com amplo apoio de mobilização social e negociação comunitária. Todos devem ser informados de seus direitos e de oportunidades de acesso. 
Avançamos muito pouco ou quase nada na forma de conversar, comunicar e divulgar os ativos sociais para a população. 
Essa letargia em cumprir o inciso favorece a politicagem e a construção do caminho do “favor” para a população. Os CRAS precisam debater esse texto e pensar em estratégias inovadoras de comunicação popular. 
Isso se expressa também no fato de que não estão publicizados os critérios de concessão de benefícios e acesso a programas e projetos. As pessoas que buscam um ativo social têm o direito de saber qual é o critério de seleção. Isso gera transparência e permite que todos possam ter o mesmo direito de participar. 
O grande desafio do Artigo 4º é garantir que os usuários da assistência social não sejam invisíveis para as demais políticas públicas.
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Um debate importante: por que a assistência social insiste em substituir as demais políticas? 
COMENTANDO O ARTIGO 5º 
O Artigo 5º e seus três incisos em seu texto original: 
Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: 
I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; 
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; 
III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 
Esse artigo tem o objetivo de estruturar a organização da assistência social. Antes da Constituição de 1988, a assistência social não era dever do Estado e tinha na caridade e na filantropia sua forma de atuar. O Artigo 5º tem a missão de definir e confirmar o papel e o dever do Estado na política de assistência social. Ele rompe com qualquer possibilidade de comando que não seja do Estado. 
Antes da LOAS, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) financiavam entidades sociais e mantinham uma extensa rede de atendimento direto. A LBA tinha uma força enorme. Mantinha creches e centros comunitários nas maiores cidades do Brasil. Nos estados pequenos, a superintendência da LBA era o cargo mais importante abaixo do governador. 
A LBA e a Funabem concentravam muito poder, e todas as decisões eram tomadas em suas diretorias centrais. Não havia participação dos Estados e dos municípios, e muito menos dos usuários. 
Vale destacar que o Estado financiava as entidades sociais e lhes delegava a responsabilidade da condução dos programas de proteção social. Assim surgiu e se consolidou a histórica rede de Serviços de Ação Continuada, a rede SAC. 
O Inciso I do artigo vai definir a descentralização da política de assistência social. Estados, Distrito Federal e municípios passam a fazer a gestão da assistência social a partir do que definiu a LOAS. Em 1996, inicia-se a chamada estadualização da assistência social, e somente a partir do fim de 1998 é que se efetiva o início da municipalização. Não foi fácil romper a tradição centralizadora da LBA.
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O fim da LBA, em 1995, vai forçar que o inciso seja cumprido, mesmo que de forma bastante atabalhoada. A NOB 2, aprovada pelo CNAS em 1998, e publicada em 1999, vai regular a gestão estadual e a gestão municipal. A NOB/SUAS, de 2005, vai aperfeiçoar a gestão municipal. 
Uma gestão que ficou “pendurada” por anos foi o comando único. A LOAS quis definir um único espaço institucional para a gestão política e administrativa da assistência social. Esse debate sempre foi intenso e, mesmo hoje, podemos dizer que persiste uma pluralização no comando da assistência social. Por exemplo, o Programa Bolsa Família não está na política de assistência social, nem o Programa Brasil Sem Miséria. No governo de Fernando Henrique Cardoso, sempre se discutiu o Programa Comunidade Solidária. No primeiro governo Lula, o debate era sobre o Fome Zero. 
A questão do comando único melhorou muito, mas ainda existem alguns passos a serem dados. Hoje, quem impede o comando único é o patrulhamento que impregna a assistência social e que chega por meio dos grupos ideológicos (“ficção ideológica”). Na verdade, para que a assistência social possa exercer, de fato, o comando único, ela terá de aprender a conversar e interagir com as demais políticas sem o aprisionamento e as regras rígidas que a impedem de dialogar. 
O Inciso II vai abrir amplo espaço para o debate sobre o controle social da política de assistência social, mas ainda estamos muito atrasados nessa questão. A participação dos usuários se concentra nas conferências de assistência e nos conselhos, de forma bastante pontual. A população participa da organização e da formulação de projetos, programas e políticas? Claro que não. A construção da política ainda é feita a partir do debate técnico e das decisões governamentais, e não das experiências de desproteções e privações sociais vividas pelos usuários. A Agenda da Família do Estado de São Paulo será uma resposta importante ao que a LOAS nos indica em seu texto. 
Existe uma lacuna em relação à capacitação dos usuários, que faz com que eles acabem sendo “engolidos” pelos ditames técnicos, normas orçamentárias, burocráticas e até mesmo regimentais. Não existe assessoramento permanente. Para que o inciso possa se concretizar, é preciso garantir formação e apoio de supervisão aos usuários. Outro problema histórico é a atuação de entidades que pretendem representar e falar pelos usuários. A falsa representação dificultou bastante o avanço do controle social e da participação real dos usuários. 
O Inciso III é uma resposta mais do que direta às entidades de caridade e filantrópicas, que, durante toda a história da assistência pré-LOAS, foram protagonistas das ações. A primeira tentativa de quebrar essa hegemonia aconteceu em 1999, mas o CNAS, fortemente dominado pelas entidades, impediu a quebra do que ficou conhecida como
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“série histórica”, o conjunto das entidades que executavam os serviços assistenciais. Somente na NOB/SUAS, de 2005, o inciso foi propriamente resgatado. Vale destacar que, ainda hoje, em 2011, as entidades disputam o comando da política da assistência social com o Estado. 
Mas a LOAS deixa mais do que claro que a responsabilidade de conduzir e gerir a política da assistência social é do Estado. Essa não é uma responsabilidade compartilhada com as entidades. É uma responsabilidade total do Estado. A professora Maria do Carmo Brant Carvalho me disse certa vez que “o Estado é a inteligência do processo”. 
O Artigo 5º da LOAS é muito importante. Ele vai ao encontro do Estado. Vale sempre ler e reler seu texto, pois ele decide politicamente a gestão da política da assistência social. 
O grande desafio do Artigo 5º é consolidar o papel do Estado como a inteligência da política de assistência social. 
Um debate importante: qual é de fato o papel do usuário na formulação de programas, serviços e benefícios assistenciais? 
COMENTANDO O ARTIGO 6º 
Minha intenção é debater o Artigo 6º no campo técnico, político e histórico. O artigo passou por uma total reestruturação, em 2010 e 2011. Ele ampliou e consolidou o papel do Estado na coordenação da política de assistência social e delimitou um espaço secundário para as entidades e as organizações sociais, que no texto de 1993 tinham muito mais força. Considero que, com o novo texto, o Artigo 6º passou a ser uma síntese da própria LOAS, bem como do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). 
O Artigo 6º ainda precisa ser debatido, compreendido e estruturado pela União, Estados e municípios, mas sem dúvida traz respostas muito mais concretas para o fortalecimento da política da assistência social: 
Art. 6º A gestão das ações na área de assistência social fica organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com os seguintes objetivos: 
I - consolidar a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os entes federativos que, de modo articulado, operam a proteção social não contributiva; 
II - integrar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, na forma do art. 6º-C;
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III - estabelecer as responsabilidades dos entes federativos na organização, regulação, manutenção e expansão das ações de assistência social; 
IV - definir os níveis de gestão, respeitadas as diversidades regionais e municipais; 
VI - estabelecer a gestão integrada de serviços e benefícios; e 
VII - afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos. 
A NOB/SUAS, sem dúvida, regulou, antes mesmo do texto revisado da LOAS, essas novas práticas. Ainda existem dificuldades na compreensão do nosso trabalho em forma de sistema. Em muitos momentos, procuramos “caixas” de atuação mais definidas. Trabalhar em sistema requer um movimento de intervenções sem etapas, mas com responsabilidades consolidadas por um conceito que agrega resultados, e não disputas ou “jogos de empurra”. 
Durante muito tempo, e ainda hoje, se debateu de forma pouco prática o papel real dos entes federados na assistência social. 
§ 1º As ações ofertadas no âmbito do SUAS têm por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e, como base de organização, o território. 
O parágrafo é importante, pois avança em direção à proteção à família, e não apenas a segmentos da família. Durante toda a história da assistência social a preocupação com segmentos sociais foi muito mais importante do que o foco na família. Outro avanço é a organização da ação com base no território, deixando para trás a prática das ações dispersas e desorganizadas. As respostas sociais podem estar mais próximas do que se imagina, mas para isso é importante que tenhamos um processo de coordenação e organização do território. 
§ 2º O SUAS é integrado pelos entes federativos, pelos respectivos conselhos de assistência social e pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas por esta Lei. 
§ 3º A instância coordenadora da Política Nacional de Assistência Social, PNAS, é o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 
Desde a LOAS, em 1993, já tivemos como coordenadores da PNAS o Ministério do Bem-Estar Social, o Ministério da Previdência e Assistência Social, o Ministério da Assistência e Promoção Social e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
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Fome. Nesse mesmo período, o Ministério da Saúde coordenou a Política Nacional de Saúde e o Ministério da Educação a Política Nacional de Educação. 
Importante destacar que o SUAS foi aprovado pelo CNAS em 2004 e a NOB/SUAS é de 2005, mas o PL SUAS só foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2011. Temos um enorme período de vazio legal. 
Na prática, implantou-se um sistema que não era lei. A crise política vivida pelo CNAS, em 2008, provocou a urgência no encaminhamento do PL SUAS para o Congresso. 
Art. 6º-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção: 
I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; 
II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos. 
Foi um enorme avanço a estruturação das Proteções Básica e Especial, mas ainda resta um longo caminho a ser percorrido até que as equipes estejam efetivamente integradas e capacitadas nas distintas proteções. Nas cidades pequenas, sobretudo, esses papéis se confundem e se misturam. Não considero adequado e não acredito em profissionais generalistas. Quando foram constituídos tipos e níveis diferentes de proteção, se afirmou que não existe uma “generalidade” na assistência social. 
Parágrafo único. A vigilância socioassistencial é um dos instrumentos das proteções da assistência social que identifica e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território. 
Art. 6º-B. As proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS, respeitadas as especificidades de cada ação. 
§ 1º A vinculação ao SUAS é o reconhecimento pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de que a entidade de assistência social integra a rede socioassistencial.
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§ 2º Para o reconhecimento referido no § 1º, a entidade deverá cumprir os seguintes requisitos: 
I - constituir-se em conformidade com o disposto no art. 3º; 
II - inscrever-se em Conselho Municipal ou do Distrito Federal, na forma do art. 9º; 
III - integrar o sistema de cadastro de entidades de que trata o inciso XI do art. 19º. 
§ 3º As entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS celebrarão convênios, contratos, acordos ou ajustes com o poder público para a execução, garantido financiamento integral, pelo Estado, de serviços, programas, projetos e ações de assistência social, nos limites da capacidade instalada, aos beneficiários abrangidos por esta Lei, observando-se as disponibilidades orçamentárias. 
§ 4º O cumprimento do disposto no § 3º será informado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome pelo órgão gestor local da assistência social. 
Art. 6º-C As proteções sociais, básica e especial, serão ofertadas precipuamente no Centro de Referência de Assistência Social, CRAS, e no Centro de Referência Especializado de Assistência Social, CREAS, respectivamente, e pelas entidades sem fins lucrativos de assistência social de que trata o art. 3º desta Lei. 
§ 1º O CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias. 
Fiz um resumo do que é um CREAS para poder deixar bem demarcadas suas diferenças em relação ao CRAS: 
 o CREAS deve ter supervisão técnica; 
 o CREAS deve fazer atendimento temporário; 
 o CREAS deve ter relação com os CRAS das famílias atendidas; 
 Se ele é especializado, precisa ser temático e sua equipe deve ter espaço continuado para capacitação e estudo de casos; 
 não pode haver CREAS generalista; 
 sempre que citarem um CREAS, vale perguntar: especializado em quê?; 
 podemos ter um CREAS especializado em várias desproteções/privações/vulnerabilidades: 
o população em situação de rua; 
o adolescentes em conflito com a lei; 
o marginalidade;
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o exploração sexual e abuso sexual de crianças; 
o ex-presidiários e famílias de presidiários; 
o população GLBT; 
o profissionais do sexo. 
§ 3º Os CRAS e os CREAS são unidades públicas estatais instituídas no âmbito do SUAS, que possuem interface com as demais políticas públicas e articulam, coordenam e ofertam os serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social. 
Art. 6º-D. As instalações dos CRAS e dos CREAS devem ser compatíveis com os serviços neles ofertados, com espaços para trabalhos em grupo e ambientes específicos para recepção e atendimento reservado das famílias e indivíduos, assegurada a acessibilidade às pessoas idosas e com deficiência. 
Art. 6º-E. Os recursos do cofinanciamento do SUAS, destinados à execução das ações continuadas de assistência social, poderão ser aplicados no pagamento dos profissionais que integrarem as equipes de referência, responsáveis pela organização e oferta daquelas ações, conforme percentual apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e aprovado pelo CNAS. 
Infelizmente, não ficou claro se os recursos podem ser aplicados no pagamento de servidores públicos. O texto ficou vago e muitas prefeituras não consideram que têm legitimidade para organizar concursos públicos. 
Parágrafo único. A formação das equipes de referência deverá considerar o número de famílias e indivíduos referenciados, os tipos e modalidades de atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários, conforme deliberações do CNAS. 
A NOB RH do SUAS continua engavetada. Avançamos muito pouco em equipes de referência. 
V - implementar a gestão do trabalho e a educação permanente na assistência social; 
A definição de que as ações da assistência devem ser desenvolvidas de forma descentralizada é uma resposta importante ao processo de centralização da LBA e da Funabem. A concentração de poder e de ações dessas duas instituições gigantes motivou a urgência nos debates pré-LOAS.
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O novo texto da LOAS, a partir do PL SUAS, estabelece um patamar mais adequado para as entidades sociais. No texto original, de 1993, elas tinham muito mais força. 
No texto de 1993, falava-se em descentralização, mas reafirmava-se o papel das entidades e organizações de assistência social no desenvolvimento das ações. Vale lembrar que sobretudo a LBA concentrava poder e recursos, mas fazia repasses para as entidades. Descentralizar sim, mas sem esquecer as entidades e as organizações assistenciais. O texto atual garante para as entidades um vínculo com o SUAS, mas com muito menos força, o que foi uma mudança muito importante. 
O texto original poderia ter sido muito mais ousado em reafirmar o papel, por exemplo, das prefeituras, mas, em 1993, não havia processo suficientemente estruturado, nas administrações locais, para cumprir a tarefa de organizar a execução da política de assistência. O artigo, por mais de dezessete anos, deixou uma enorme ambiguidade em relação à estatização da assistência social, pois não abriu o caminho para a constituição de uma rede pública e estatal, mas reafirmou o papel das entidades e das organizações. 
O texto da LOAS de 1993 foi todo negociado no campo político e, sem dúvida, a redação original foi uma defesa das entidades e organizações. 
A articulação de meios, esforços e recursos de que falava o artigo deixava folgas conceituais de grandes proporções. Quem articula? Quem se esforça? E os recursos? Até hoje, o governo federal concentra o poder total nessas questões. Ainda é ele que estrutura a agenda da assistência no Brasil. O esforço é realmente bastante coletivo, mas as ações acabam sendo dirigidas pela agenda nacional. O grande volume de recursos para a assistência social vem do governo federal e não há uma definição clara do financiamento por parte dos estados e dos municípios. Esse é um buraco que ainda não foi resolvido na prática. 
O artigo fala em participação e instâncias deliberativas. Em 1995, o CNAS foi instalado e, em todo Brasil, houve a implantação dos Conselhos Estaduais e Municipais. Em 1995, ocorreu também I Conferência Nacional de Assistência Social. Nesse ano acontece a VIII Conferência. Aos poucos vamos organizando instâncias de participação e de deliberação coletiva, mas as representações nos Conselhos de Assistência Social ainda concentram basicamente as entidades prestadoras de serviço. 
Vale destacar que a NOB 2, de 1998, instituiu, como espaços de pactuação, as Comissões Intergestoras Bipartite, nos estados, e a Comissão Intergestora Tripartite, no governo federal. 
Desde 1993, foram muitas as instâncias coordenadoras e muitos os ministros ou secretários. O Ministério do Bem-Estar Social foi extinto em 1995, sendo criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Em 1999 foi criada a Secretaria de Estado
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da Assistência Social. Em 2003 foi criado o Ministério da Assistência e Promoção Social e, em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 
Desde 1995, já tivemos onze secretários nacionais de assistência social. Uma média de 1,4 mês de atuação para cada secretário. 
O Artigo 6º é, em minha opinião, um dos mais frágeis da LOAS. Ele busca responder às exigências históricas da caridade e da filantropia, bem como acenar para a participação social e ainda definir uma porta de entrada estatal na política de assistência social. 
O grande desafio do Artigo 6º é organizar os papéis dos entes federados na política de assistência social. 
Um debate importante: o CREAS pode ser generalista ou ele deve ser, de fato, especializado em alguma desproteção? 
COMENTANDO O ARTIGO 7º 
O Artigo 7º da LOAS também responde diretamente a uma pauta e a uma agenda de defesa das entidades históricas. 
Como já foi mencionado, a LBA financiava de forma direta um enorme conjunto de entidades assistenciais em todo o Brasil, escolhidas, em geral, por indicação política. Essa imensa rede financiada com recursos públicos, mas marcada pelos símbolos da caridade e da filantropia, coordenou no momento da construção do texto da LOAS uma agenda pesada de reivindicações que buscava assegurar suas identidades e culturas institucionais. 
O Artigo 7º foi um grande gol que essas entidades fizeram para se reafirmar como parte fundamental da política de assistência social pós-LOAS. Veja o artigo: 
Art. 7º As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei. 
O CNAS definiria, por meio de normas, o cotidiano das entidades. E quem são os representantes das entidades no CNAS? Não é arriscado dizer que, até 2004, a representação da sociedade civil era 90% definida pelas entidades prestadoras de serviço conveniadas da antiga rede SAC, da LBA, que migrou para o Fundo Nacional da Assistência Social. 
O CNAS não debatia assistência social nos anos 1990. Posso afirmar que somente depois da IV Conferência Nacional, de 2003, o CNAS iniciou uma agenda de debates que foge
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da prisão do debate sobre Certificado de Entidades Beneficentes da Assistência Social (Cebas). O CNAS na verdade debateu prioritariamente o Cebas até 2004. 
Com a ausência de um debate no CNAS ocorreu mais uma vez a proliferação de ações de “assistência social”. O ajuste só vai começar a ser feito quando o CNAS resolve debater o Artigo 3º da LOAS, a partir de 2005. Mais tarde, o ajuste se consolida com o PL Cebas, aprovado em 2010 pelo Congresso Nacional. 
Sempre que leio o Artigo 7º da LOAS tenho absoluta certeza de que as entidades da rede SAC souberam mobilizar o Congresso na votação da LOAS. 
É importante dizer que o governo Fernando Henrique (1995-2002) e o primeiro ano do governo Lula (2003) trataram o CNAS sem a importância que ele deveria ter tido para a formulação da política de assistência social e para a construção de normas que tirassem a assistência social do vazio da regulação. O CNAS, sem uma agenda técnica, deixou de cumprir seu papel para que o Artigo 7º tivesse algum sentido. 
O PL Cebas e a Tipificação da Assistência Social, de 2009, acabaram com a inércia, mas os muitos anos de estagnação do debate criaram sérias indefinições, que vamos demorar a desconstruir. 
Uma última observação: o presidente Fernando Henrique extinguiu a LBA em 1º de janeiro de 1995, jogando fora toda a inteligência de trabalhadores militantes da área social que poderiam, num período de transição, ajudar a construir outro caminho para a assistência social. Acabar com a LBA era importante? Sim. Mas a extinção foi feita sem planejamento e organização e, mais uma vez, a agenda privada das entidades ganhou força em detrimento de uma agenda pública e com participação social. 
O grande desafio do Artigo 7º é não representar um retrocesso na consolidação do Estado como espaço de proteção. 
Um debate importante: o Estado pode oferecer proteção de forma indireta? 
COMENTANDO O ARTIGO 8º 
O Artigo 8º da LOAS surge para estabelecer o papel dos estados, Distrito Federal e municípios no novo período que a LOAS pretendia inaugurar. Até aqui, o texto reforçava o papel e a história das entidades. O Artigo 8º vai definir que políticas de assistência podem ser de caráter estadual e municipal: 
Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta lei, fixarão suas respectivas Políticas de Assistência Social.
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Insisto na tradição da LBA e da Funabem que mantinham grande concentração de decisão no governo federal. Estados e municípios não tinham um histórico de organização estatal na área social. 
A LOAS vem defender fortemente a participação de toda a federação na política de assistência social. A LOAS não diz nem afirma que a União é o principal ator na gestão da assistência social. 
A Primeira Política Nacional de Assistência Social foi aprovada em 1997, mas políticas estaduais e municipais até hoje, 2011, não são realidade. 
O debate nacional continua impondo uma agenda nacional. A Segunda Política de 1998 e a Nova Política, de 2004, orientaram os estados e os municípios na gestão da assistência. 
A experiência das NOB 1997, 1998, NOB/SUAS e NOB RH reforça a ideia de que a União continuou impondo a agenda da assistência, ao mesmo tempo que estados e municípios abriram mão de organizar uma agenda local, regional e contextualizada com suas realidades. 
Em 2006, apresentei uma proposta para que os estados organizassem NOB próprias, mas o projeto foi muito combatido pelo governo federal. Todo mundo que chega ao governo federal esquece que o Brasil é uma federação e acaba querendo que, do Amapá ao Rio Grande do Sul, tanto o debate como as regulações sejam os mesmos. 
Estados e municípios, em mais de 90% dos casos, não fixaram suas políticas de assistência social nem ações próprias e contextualizadas com sua realidade. Seguem diretamente a agenda federal. 
É importante destacar que as gestões estaduais, desde a LOAS, foram as que menos se consolidaram, e os estados, além de abrirem mão de construir uma Política Estadual de Assistência Social, foram se subordinando cada vez mais ao governo federal. Eu diria que os estados transformaram-se em “escritórios regionais” do governo federal pela força da agenda, dos projetos e dos programas federais. 
Sem recursos nem força política, nada sobrou aos Estados senão submeterem-se à agenda federal. Raros foram os estados que conseguiram transpor os altos muros do governo federal. Vale citar São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na região Sudeste. 
Gosto de citar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). De 1996 até agora, o Peti tem o mesmo formato e a mesma lógica. Como é que estados e municípios conseguiriam ter uma política própria, com programas como Peti ou o ProJovem Adolescente, invadindo e ocupando toda a agenda dos secretários estaduais e municipais? E o Bolsa Família? Quanto tempo os gestores gastam com esse programa federal?
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O Artigo 8º foi esvaziado pelo “trator” que se revelou o governo federal na política da assistência social. 
Pergunte a qualquer gestor; ele vai dizer que a maior parte do seu tempo é dedicada a cuidar da agenda do governo federal na sua cidade. Assim, a força local não prevaleceu para que se constituísse uma política municipal ou estadual. 
Dentro do gestor federal ainda mora muito da LBA e da Funabem. 
Mas não devemos desistir desse artigo. É hora de começar a debater a real descentralização e a participação de toda a federação na política de assistência social. 
O grande desafio do Artigo 8º é debater a importância de Políticas Estaduais e Municipais de Assistência Social. 
Um debate importante: como conseguir organizar uma Agenda Tripartite na assistência social sem que a agenda federal seja prioritária? 
COMENTANDO O ARTIGO 9º 
O Artigo 9º da LOAS trata do funcionamento das entidades e organizações da assistência social. É um retorno do texto à questão das entidades. Ao examinar e comentar a LOAS, artigo por artigo, fica cada vez mais claro que seu texto é uma costura entre os interesses históricos das entidades assistenciais e o expresso desejo político de construir uma estratégia de fortalecimento do Estado na assistência social. 
Em muitos momentos, o que percebemos são as inúmeras contradições no campo político e estratégico. Para o gestor da assistência social, o texto deixa problemas táticos, pois ele vai sempre ao encontro da entidade, garantindo-lhe um enorme espaço. 
Depois da LOAS, em 1993, apesar de se ter constituído uma rede estatal na assistência social, é possível afirmar que grande parte dos recursos do Fundo Nacional de Serviços Assistenciais saiu de Brasília, passou pelos Fundos Municipais e caminhou de forma segura para as entidades, que vem desenvolvendo as ações que o Estado não se preparou e não se organizou para executar. 
O Artigo 9º poderia ter sido compreendido de forma diferente, mas na prática ele apenas criou uma “zona de desconforto” para as entidades. Vejamos: 
Art. 9º O funcionamento das entidades e organizações de assistência social depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, conforme o caso.
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O CNAS foi criado em 1995. Os conselhos municipais foram criados na medida da descentralização dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social. As entidades precisam de registro e inscrição para receber recursos e manter o Cebas no CNAS. Os conselhos municipais já surgem viciados em sua lógica cartorial. 
§ 1º A regulamentação desta lei definirá os critérios de inscrição e funcionamento das entidades com atuação em mais de um município no mesmo estado, ou em mais de um estado ou Distrito Federal. 
Muitas entidades funcionam em mais de uma cidade e em mais de um estado. Uma lei própria regulou a questão. Vale destacar que, em 1993, havia um enorme número de entidades que tinham filiais espalhadas por vários locais do país. Esse parágrafo objetiva consolidar a força da grande entidade. Não haveria necessidade de que cada unidade pedisse sua inscrição ou registro local. 
§ 2º Cabe ao Conselho Municipal de Assistência Social e ao Conselho de Assistência Social do Distrito Federal a fiscalização das entidades referidas no caput na forma prevista em lei ou regulamento. 
Raras são as cidades que dão condições aos conselhos de assistência social e aos conselheiros para que cumpram o que determina esse parágrafo. A fiscalização das entidades foi e é feita muito mais no campo da avaliação dos documentos do que na avaliação de seus serviços e práticas sociais. 
A política de assistência social, de 2004, ao desenhar a questão do território, indica ao CRAS que faça essa supervisão e integração, pois a entidade registrada no conselho passa a fazer parte do vínculo SUAS. 
Hoje, os CRAS deveriam fazer a integração técnica das entidades com a PNAS, bem como organizar supervisões e capacitações para as entidades. Muitas entidades estão afastadas de regulações técnicas e operacionais. Os conselhos pouco podem avançar em direção ao que determina esse parágrafo, sem a ampla participação dos CRAS. 
Vale destacar que grande parte dos conselhos também não aceita manter uma unidade de trabalho com os órgãos gestores, alegando que são autônomos e independentes. Esse hiato nas relações atrapalha bastante a fiscalização das entidades. E acho a expressão “fiscalização” equivocada. O texto que defendo diria “supervisão”. 
A busca pelo Cebas gerou enormes distorções no desenvolvimento da identidade dos conselhos de assistência social. Hoje, as prefeituras ainda não estão prontas para dar
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conta do PL Cebas. Esse assunto ainda não avançou em direção às gestões municipais de assistência social e, de certa forma, os conselhos rejeitam a ideia do PL Cebas, pois se sentem esvaziados. Mas já não teria chegado a hora de debater a política de assistência? 
Importante, neste momento, é a construção de um modelo de supervisão das entidades. 
§ 4º As entidades e organizações de assistência social podem, para defesa de seus direitos referentes à inscrição e ao funcionamento, recorrer aos Conselhos Nacional, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal. 
Esse parágrafo defende que existem várias instâncias às quais as entidades podem recorrer caso se sintam prejudicadas pela decisão do gestor ou mesmo de um conselho. 
Com o PL Cebas talvez possamos avançar em direção a um novo caminho para as entidades, os conselhos e para a política de assistência social. Vamos acompanhar. 
O grande desafio do Artigo 9º é garantir que os conselhos possam, de fato, inscrever entidades de assistência social e não manter a pulverização que já foi debatida nos comentários do Artigo 3º da LOAS. 
Um debate importante: como articular a Resolução da Tipificação da Assistência Social com a inscrição nos conselhos? 
COMENTANDO O ARTIGO 10º 
Art. 10º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem celebrar convênios com entidades e organizações de assistência social, em conformidade com os Planos aprovados pelos respectivos Conselhos. 
O Artigo 10º é a mais perfeita tradução da força das entidades na construção do texto da LOAS. Não seriam a descentralização e a participação que deixariam brechas para que os entes federados não pudessem firmar convênios com entidades e organizações de assistência social. 
Uma saída foi garantir que esses convênios estivessem em conformidade com os planos aprovados pelos conselhos. 
Reconhecemos a fragilidade desses planos e, mais que isso, sabemos que os conselhos são paritários e que os planos são aprovados em grande parte pelas entidades. 
A Constituição de 1988 coloca a assistência social no campo da seguridade social. Dever do Estado e direito do cidadão. Direito universal, independente de contribuição
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previdenciária. Se falamos em dever do Estado, seria bastante plausível que a LOAS desse total ênfase a uma rede pública e estatal. 
As entidades demandaram enfaticamente que lhes fosse assegurada a continuidade dos seus convênios com a LBA. Estamos falando nos Serviços de Ação Continuada, ou seja, a rede SAC. Vale lembrar que a LBA, em dezembro de 1993, ainda era uma entidade oficial bem forte dentro do governo Itamar Franco. 
A LOAS fala em descentralização, mas o Artigo 10º buscava assegurar que a LBA mantivesse seus convênios com as entidades. A partir da estadualização dos recursos, em 1996, e do início da municipalização, em 1997, fica assegurado o direito conquistado, ao longo de décadas, de que as entidades continuariam a receber recursos públicos e federais. Nos debates sobre a nova partilha de recursos, realizados em 1999 pelo CNAS, a permanência da rede histórica foi assegurada em votação no plenário. 
Até a NOB/SUAS, e mesmo depois dela, os recursos saíam do Fundo Nacional de Assistência Social para os fundos estaduais ou municipais e, imediatamente, eram usados em convênios históricos com as entidades “clientes” da LBA. A sensação geral era a de que nada havia mudado. 
Em 1997, a Secretaria Nacional de Assistência Social propôs uma iniciativa para gerar uma nova rede de entidades por meio do Programa Brasil Criança Cidadã (BCC). Essa estratégia, coordenada pela secretária Lúcia Wania, atual senadora por Goiás, agregou novos saberes e novas entidades como parceiras da assistência. A crítica ao BCC focou-se no modo centralizador da seleção de projetos realizada em Brasília, sem a participação dos estados e municípios. O BCC fez avanços importantes, mas pecou por manter a velha prática de as decisões serem tomadas em Brasília. O BCC, de certa forma, constrange a LOAS em sua vocação de participação e descentralização. 
É possível afirmar que os primeiros recursos do Fundo Nacional de Assistência Social que surgem livres do caráter vinculante para entidades são os relativos ao Peti, de 1996, implantado na gestão da secretária Lúcia Wania; no Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, a partir do início de 1999, na gestão da secretária de Estado de Assistência Social Wanda Engel; e nos Núcleos de Apoio à Família, que ganham força em 2000, por conta do Plano Nacional de Segurança Pública. 
Os planos municipais eram e são, geralmente, construídos a partir das demandas ainda “congeladas” com as entidades. A NOB/SUAS, ao estabelecer pisos de proteção, deu um passo à frente ao não manter a tradicional rede SAC, mas muitas cidades (quase todas) recebiam os recursos em forma de piso e os transformavam em per capta da antiga rede SAC.
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De certa forma, o Artigo 10º da LOAS favoreceu as entidades e, um pouco mais tarde, foi a saída perfeita para resolver os problemas de precarização dos órgãos gestores da assistência social. 
O grande desafio do Artigo 10º é não permitir a compreensão de que o Estado pode ser substituído por entidades na assistência social. O fato de poder celebrar convênios não significa um estímulo à substituição de responsabilidades. 
Um debate importante: você conhece o Plano Municipal de Assistência Social de sua cidade ou o Plano Estadual de Assistência Social de seu estado? 
COMENTANDO O ARTIGO 11º 
Art. 11º As ações das três esferas de governo na área de assistência social realizam- se de forma articulada, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos programas, em suas respectivas esferas, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 
Esse artigo traz um novo fôlego para o Estado Brasileiro. Pode-se notar que até aqui a LOAS era como pingue-pongue: num momento estabelecendo um papel mais forte para o Estado e em outros assumindo uma força especial para as instituições e as entidades sociais. 
O Artigo 11º diz claramente que as ações se realizam de forma articulada pela esfera federal, pelos Estados e pelos municípios. 
Nesse Artigo, as normas gerais cabem à esfera federal. É muito comum se ouvir que essa decisão foi tomada por Brasília. Até 1998 as decisões eram de fato diretamente tomadas pela Secretaria Nacional de Assistência Social. A Segunda Política de Assistência Social de 1998 e a NOB 2 publicada em 1999 estabeleceram a Comissão Intergestora Tripartite para a pactuação nas decisões. A CIT até a NOB/ SUAS de 2005 era formada por três representantes da esfera federal, três Estados indicados pelo Fonseas e três municípios indicados pelo Congemas. Fiz parte da comissão que representava a Secretaria de Estado de Assistência Social em 1999 e fui seu coordenador-geral de 2000 a 2002. Depois voltei para representar os municípios de 2005 a 2010 como presidente do Congemas. 
Portanto, a coordenação cabe ao governo federal, que pactua através de resoluções conjuntas na CIT os caminhos que a assistência social deve encontrar para se fortalecer. É
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evidente que a força do governo federal ainda define a lógica da assistência social no Brasil. Em geral, os municípios caminham na direção do que Brasília de fato quer. 
Vale afirmar que a CIT é um instrumento muito importante para que as decisões ou propostas de Brasília sejam contextualizadas com a realidade do Brasil, mas as CIBs também são espaços muito importantes, embora ainda necessitem de um processo de consolidação, mesmo doze anos depois de a NOB de 1998 ter sido publicada em 1999. Muitos Estados não realizam CIBs com a devida regularidade. 
O Artigo 11º tira do governo federal a EXECUÇÃO dos programas. Em alguns momentos essa deliberação não foi respeitada. O Projeto Alvorada de 2001 foi execução direta do governo federal. O BPC via INSS é execução direta do governo federal desde 1997. O papel dos municípios é insignificante e durante muito tempo coube às cidades realizar a revisão do cadastro. Já o Bolsa Família pode ser considerado uma execução direta, mas seus recursos não estão no Fundo Nacional de Assistência Social. 
Desde a NOB 2 de 1999 ficou definido que os Estados fariam a coordenação da política de assistência social. De certa forma fracassaram, pois os municípios conversam diretamente com Brasília, que por sua vez gosta de conversar com os municípios. Outra questão a ser apontada é que os Estados gostam de executar de forma direta, e não conseguiram em sua maioria realizar um papel de coordenador, financiador e articulador da Política de Assistência Social. Seguiram o caminho fácil de programas diretos. A NOB/SUAS não ajustou essa questão de forma prática, e a força do Fonseas sempre impediu na CIT e no CNAS que os Estado de fato realizassem seu papel. 
A partir desse Artigo cabe aos municípios a coordenação e a execução da política de assistência social. Um único problema: como os municípios não fortaleceram suas secretarias, muito da execução da política é de fato realizado por entidades. Mesmo com recursos próprios as ações continuam a ser realizadas através das entidades. Vale destacar a ineficiência total da NOB-RH. 
Esse Artigo fornece todas as condições para que o Estado assuma de fato a gestão da Política de Assistência Social, mas esse mesmo Estado sempre procurou atalhar sua responsabilidade pela solidariedade, pelo voluntariado e pela participação ativa das entidades sociais fossem elas históricas ou mais modernas e com nova roupagem. 
O grande desafio do Artigo 11º é que de fato a assistência social não seja apenas uma agenda do governo federal. 
Um debate importante: as CIBs estão cumprindo seu papel ou fazem apenas os informes da CIT?
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COMENTANDO O ARTIGO 12º 
Art. 12º Compete à União: 
I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no art. 203 da Constituição Federal; 
II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito nacional. 
O Artigo 12º registra as competências da União, estabelecendo o que de fato Brasília pode ou não fazer. 
Em relação aos incisos, desde 1997 Brasília foi muito além do que o definido pela LOAS. Quando o BPC foi estruturado pela secretária Lucia Wania em 1996, a ideia era que os municípios realizassem o cadastro de idosos e deficientes que tivessem direito. É bem verdade que houve um conjunto de grandes fraudes e problemas, pois sem nenhum tipo de perícia médica havia farta distribuição do BPC. 
O governo federal decidiu então que o INSS seria responsável pelo controle de todo o processo. Vem daí a confusão de que o BPC seria um auxílio previdenciário e não assistencial. A partir de 1999 os municípios passaram a ser responsáveis pela revisão do BPC. Uma tarefa complicada de resolver: o INSS concede, mas cabe às prefeituras cortar. 
Desde 2007, a revisão está suspensa e todo o processo de revisão tem se mostrado absolutamente precário. 
A União Brasília controla o BPC com unhas e dentes por uma questão fiscal, e os municípios de forma errada se ausentam de qualquer participação nesse processo por entender que esse é um programa do governo federal. Nem mesmo o SUAS mudou essa cultura. 
Na questão do enfrentamento da pobreza, a assistência social mantém hoje distâncias sérias e preocupantes. O momento em que a assistência esteve mais envolvida com o tema foi durante a gestão da secretária Wanda Engel, que não tinha trajetória nem interesse no debate sobre assistência social. Seu foco era o combate à pobreza. Wanda soube tirar a assistência social do isolamento histórico e fez a SEAS coordenar o Programa Alvorada de combate à pobreza nas cidades com pior IDH no Brasil. 
Atualmente no Programa Brasil Sem Miséria, por exemplo, vemos o completo isolamento da Secretaria de Assistência Social no debate e na condução de suas estratégias. O velho isolamento da assistência social voltou com força total em 2011. O sentimento de que a assistência social se basta ganhou força e de certa forma seus atuais gestores pularam o Artigo 12º da LOAS em seus estudos diários.
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Importante salientar que nos Estados as Secretarias de Assistência são as grandes parceiras do Brasil Sem Miséria, mas isso não é verdade em relação à atual Secretaria Nacional de Assistência Social. 
O afastamento da política de assistência social de programas de combate à pobreza na verdade acontece por causa da formação ideológica que ainda persiste nos cursos de Serviço Social a partir do que chamo de “ficção ideológica”. 
III - atender, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência. 
As Secretarias de Assistência Social da União e dos Estados mesmo dezoito anos depois da LOAS não conseguiram definir seu papel nas questões emergenciais. 
Na verdade, nas cidades é mais fácil verificar a importância das Secretarias de Assistência Social em momentos de tragédia. Nos demais entes federados, não existe uma clareza de papéis. 
Lembro-me de que nas tragédias das chuvas de Santa Catarina em 2008 a Secretaria Nacional de Assistência Social, por mais solicitada que fosse, ficou inerte sobre o problema. Não estava preparada para tratar da questão. Foi uma equipe da Secretaria de Assistência Social da cidade do Rio de Janeiro que se deslocou para Blumenau para dar apoio e suporte. 
Mesmo depois de Blumenau, a Secretaria Nacional de Assistência Social continua sem uma ação estruturada para uma ação imediata em momentos de emergência. 
Em 2000, a Secretaria de Estado de Assistência Social por meio dos Estados criou um programa de bolsas para as famílias reconstruírem a vida depois de tragédias. Funcionou muito bem, mas foi abandonado em 2002. Nesse ponto, continuamos num profundo vazio de ações. 
IV - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social e assessorar Estados, Distrito Federal e municípios para seu desenvolvimento. 
A entrada desse inciso na LOAS é fundamental, pois monitorar e avaliar nunca fizeram parte da tradição da Política de Assistência Social no Brasil. Uma questão importante é sem dúvida a definição de que a União deve assessorar Estados e municípios, e o Direito Federal nessa questão sem dúvida é uma urgência.
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A criação em 2004 da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do MDS teve uma importância enorme, pois começamos de fato a caminhar para a criação da Cultura da Avaliação na assistência social. 
E se avaliamos é porque queremos de fato ter resultados. Esse inciso é uma resposta concreta para quem ainda está realizando apenas a gestão diária da pobreza. 
Art. 12-A. A União apoiará financeiramente o aprimoramento à gestão descentralizada dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, por meio do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), para a utilização no âmbito dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, destinado, sem prejuízo de outras ações a serem definidas em regulamento, a: 
I - medir os resultados da gestão descentralizada do SUAS, com base na atuação do gestor estadual, municipal e do Distrito Federal na implementação, execução e monitoramento dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, bem como na articulação intersetorial; 
II - incentivar a obtenção de resultados qualitativos na gestão estadual, municipal e do Distrito Federal do SUAS; e 
III - calcular o montante de recursos a serem repassados aos entes federados a título de apoio financeiro à gestão do SUAS. 
§ 1º Os resultados alcançados pelo ente federado na gestão do SUAS, aferidos na forma de regulamento, serão considerados como prestação de contas dos recursos a serem transferidos a título de apoio financeiro. 
§ 2º As transferências para apoio à gestão descentralizada do SUAS adotarão a sistemática do Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família, previsto no art. 8º da Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e serão efetivadas por meio de procedimento integrado àquele índice. 
§ 3º (VETADO). (Incluído pela Lei n. 12.435, de 2011) 
§ 4º Para fins de fortalecimento dos Conselhos de Assistência Social dos Estados, municípios e Distrito Federal, percentual dos recursos transferidos deverá ser gasto com atividades de apoio técnico e operacional àqueles colegiados, na forma fixada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sendo vedada a utilização dos recursos para pagamento de pessoal efetivo e de gratificações de qualquer natureza a servidor público estadual, municipal ou do Distrito Federal.
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O IGD foi criado em 2005 a partir de um debate entre o Congemas e a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania do MDS. A intenção era apoiar os municípios por causa do enorme trabalho que todos tinham com o Programa Bolsa Família. 
A costura política foi possível pela disposição da secretária Rosani Cunha que em permanente diálogo com o Congemas formulou o IGD. 
É fundamental dizer que o IGD nasceu agregado ao Bolsa Família, mas sua transferência foi definida no Fundo Nacional de Assistência Social. 
Com o tempo, o IGD passou a ser um recurso fundamental para a política de assistência social, pois como era repassado de forma descarimbada pôde ser usado de diferentes formas nas cidades. 
Esse novo texto reconhece a abrangência do IGD, mas mantém a metodologia do IGD Bolsa Família, que tinha como meta fundamental a qualidade do cadastro único e das condicionalidades de educação e saúde do Bolsa Família. O § 4º oferece uma insegurança sobre a tese de que os recursos do SUAS pagariam servidores. Essa fragilidade fica explícita neste momento. 
O novo texto possibilita garantir um percentual para os Conselhos, mas nega gasto com servidores efetivos e gratificações. 
O IGD não tem prestação de contas tradicional e é pago por resultado. Ganha-se mais quando o resultado é melhor. O IGD sem dúvida é o avanço mais importante no financiamento da assistência social. 
O grande desafio no Artigo 12º é estabelecer o papel real da União na política de assistência social. 
Um debate importante: a assistência social tem um papel de destaque nas estratégias de combate à pobreza? 
COMENTANDO O ARTIGO 13º 
O Artigo 13º da LOAS define as competências dos Estados. Desde a LOAS em 1993, das três políticas, das três NOBs, sem dúvida alguma foi onde menos se avançou na política de assistência social. 
O Fórum Nacional de Secretários de Estados de Assistência Social sempre reagiu de forma dura nos momentos em que se tentou de fato garantir o papel dos Estados. 
O momento da Estadualização dos Recursos em 1996 mostrou-se um fracasso. Outro aspecto tem sido a alta rotatividade de secretários estaduais. Entre 1999 e 2002 Alagoas, por exemplo, teve dez secretários diferentes. O Congemas em quinze anos teve
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quatro presidentes. O Fonseas teve dez presidentes. Apenas um governador eleito em 2006 e reeleito em 2010 manteve o mesmo secretário. 
Esta rotatividade mostra que a gestão estadual de assistência social é muito frágil e ainda marcada por negociações políticas. Isso pode explicar as enormes dificuldades para que o Artigo 13º seja de fato cumprido. 
Em muitos momentos as gestões estaduais são muito mais Secretarias Municipais ampliadas do que de fato Secretarias Estaduais. É muito comum por exemplo a superposição de ações da gestão estadual nas capitais. 
O Estado não atua de fato onde deveria atuar. 
Vamos ao artigo: 
Art. 13º Compete aos Estados: 
I - destinar recursos financeiros aos municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social; 
Isso não existe; é letra morta. Aliás, o auxílio natalidade e o funeral são apoios que nunca avançaram na política de assistência social, sobretudo com recursos provenientes dos Estados. Não existe uma única experiência exitosa nessa questão. 
É importante destacar que os conselhos estaduais não se mobilizaram para debater esse artigo e essa atribuição. As duas funções acabaram sendo assumidas pelos municípios que as cumprem de forma torta e sem regulação. 
II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito regional ou local; 
O apoio técnico existe muito mais por demandas do governo federal. Os Estados de certa forma são obrigados a dar apoio técnico para o cadastro do Bolsa Família, para o IDCRAS, IDCREAS, Peti... Não existe um apoio técnico construído com a identidade estadual voltada para atitutes que tenham vinculação com ações provocadas pelo Estado. Uma questão que deve ficar clara na nova redação desse inciso de 1993 é que se absorve a real necessidade de garantir o aprimoramento da gestão. A NOB/SUAS inova ao trazer para a Política de Assistência Social uma preocupação com a qualidade da gestão. 
Minas Gerais e São Paulo foram Estados que avançaram nessa questão com um programa de capacitação telepresencial; e São Paulo está criando uma Escola de Formação Continuada. São experiências que merecem nossa atenção.
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III - atender, em conjunto com os municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência; 
Isso os Estados fazem muito mais por meio da Defesa Civil do que pela assistência social. Dependendo do gestor a Secretaria de Assistência Social tem um papel mais ativo. 
IV - estimular e apoiar técnica e financeiramente as associações e consórcios municipais na prestação de serviços de assistência social; 
A LOAS já previa essa ação. A nova política definiu essa prioridade. A NOB/SUAS dá as condições, mas nada foi feito de concreto. Mesmo com o Sistema Único da Assistência Social temos um enorme isolamento de ações. Não existe trabalho continuado. 
V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado. 
Essa seria uma ação FUNDAMENTAL, mas os Estados preferem atuar de forma superposta, sobretudo com ações nas capitais. O ideal seria que os Estados atuassem onde não existe ação municipal; no entanto, a história e as práticas sociais mostram os Estados atuando onde é menos necessário. Existem favelas do Rio que têm ação da prefeitura e do governo estadual. 
No Brasil, não avançamos nada em redes regionais em que o Estado faz a coordenação. 
VI - realizar o monitoramento e a avaliação da política de assistência social e assessorar os municípios para seu desenvolvimento. 
A entrada desse inciso é muito importante. Como já disse quando comentei as competências da União não existe uma cultura de monitoramento e de avaliação na política de assistência social. Os Estados precisam organizar seus espaços de avaliação. Tudo está muito incipiente e é evidente que o governo federal vai precisar estimular ou mesmo organizar com os Estados essa nova prática.
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O grande desafio no Artigo 13º é a construção real da identidade dos Estados na Política de Assistência Social. 
COMENTANDO OS ARTIGOS 14º E 15º 
Os dois artigos serão comentados juntos, pois suas atribuições são as mesmas. O GDF tem na verdade funções de município, e não de Estado. Por isso, sempre defendi que o GDF estivesse no Congemas, e não no Fonseas. 
O Distrito Federal não tem municípios. A NOB 2 de 1999 definiu uma CIB para o GDF. Pactuar com quem? Chama a atenção em 2011 que a secretária do GDF está na presidência do Fonseas, e ela não vive nem experimenta as dificuldades das competências dos Estados previstas na LOAS. Como ela pode ser Estado se tem atribuição de município? 
Vejamos aos artigos: 
Art. 14º Compete ao Distrito Federal: 
I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos de Assistência Social do Distrito Federal; 
II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral; 
III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil; 
IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência; 
V - prestar os serviços assistenciais de que trata o Art. 23 desta lei. 
VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito local; 
VII - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social em seu âmbito. 
Art. 15º Compete aos municípios: 
I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social; 
II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral;
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III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil; 
IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência; 
V - prestar os serviços assistenciais de que trata o Art. 23 desta lei. 
VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito local; 
VII - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social em seu âmbito. 
Como se pode ver os textos são absolutamente iguais. Apenas muda o nome do conselho, que no GDF é o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal. 
É importante afirmar que com o fim da LBA em 1995 o papel dos municípios não parou de crescer. A implantação dos NAFs em 1999, que em 2004 passam a se chamar CRAS, e o debate focado em territórios fazem com que os municípios passem de fato a coordenar diretamente as ações assistenciais. 
Para as organizações assistenciais que gostariam de ter mais liberdade na assistência social, esse artigo é mais um passo importante para estabelecer papéis e sem dúvida o protagonismo da ação está nos municípios. 
Os benefícios eventuais (auxílio natalidade e funeral) não recebem apoio dos Estados como define a LOAS e nunca foram estruturados de fato, mas em cada cidade redes de apoio são formadas para as famílias pobres que têm crianças novas ou falecimentos. Falta regulação e método nesse trabalho, mas a ação em si ocorre por conta da cidade, da maneira mais diversa e mais improvisada possível. Não se efetua pagamento de auxílio natalidade e funeral. Esses acontecimentos são apoiados de alguma forma, mas são auxílios praticamente vinculados ainda a solidariedade e voluntariado. 
As Secretarias Municipais não incorporaram, ainda que sejam coordenadoras das ações de combate à pobreza. Já comentei aqui o divórcio marcante entre a assistência social e o debate urgente de combate à pobreza. No inciso III deste artigo é reforçada a importância de parceria com a sociedade civil. 
Durante muito tempo, no orçamento da União, havia uma unidade orçamentária para enfrentamento da pobreza. Quando perguntei do que tratava a ação, a resposta foi a seguinte: colocamos nessa unidade tudo o que não sabemos bem o que é. De fato, o tema pobreza ainda é muito distante da assistência social. 
Sem dúvida nenhuma, são as cidades que chegam primeiro nas urgências e emergências. Como já disse existe certa alienação histórica da Secretaria Nacional de Assistência Social sobre esse tema e praticamente nenhuma experiência, prática ou
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movimento para que essa determinação da LOAS possa ser cumprida de fato. Os intelectuais da “ficção ideológica” não gostam nada de debates que precisem ser concretos. 
O Artigo 23º passou por grandes modificações. Ele vai tratar sobre serviços assistenciais continuados que visem à melhoria da população brasileira. Sem dúvida alguma esta foi e é a atribuição que mais demanda tempo das cidades que em geral precisam ser conduzidas pela agenda do Governo Federal. 
Uma importante novidade no novo texto a partir do SUAS é o inciso VII, que indica a realização de uma política de avaliação e monitoramento da Política de Assistência Social. Se a questão da vigilância socioassistencial ganhou força na aprovação da nova Política Nacional de Assistência Social de 2004, é mais do que urgente que as cidades estruturem núcleos de avaliação, monitoramento e gestão de resultados. 
Importante destacar que o aprimoramento da gestão ganha força no novo texto da LOAS. O debate sobre gestão sempre foi atrasado em nossa área. O novo texto nos dá condições de revertermos essa cultura. 
O grande desafio do Artigo é avançarmos na regulação dos benefícios eventuais. 
Um debate importante: as Secretarias Municipais de pequeno e médio porte conseguem dar conta de tantas agendas impostas pelo governo federal? 
COMENTANDO O ARTIGO 16º 
Art. 16º As instâncias deliberativas do SUAS, de caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, são: (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) 
I - o Conselho Nacional de Assistência Social; 
II - os Conselhos Estaduais de Assistência Social; 
III - o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; 
IV - os Conselhos Municipais de Assistência Social. 
Parágrafo único. Os Conselhos de Assistência Social estão vinculados ao órgão gestor de assistência social, que deve prover a infraestrutura necessária ao seu funcionamento, garantindo recursos materiais, humanos e financeiros, inclusive com despesas referentes a passagens e diárias de conselheiros representantes do governo
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ou da sociedade civil, quando estiverem no exercício de suas atribuições. (Incluído pela Lei n. 12.435, de 2011) 
Esse Artigo introduz um tema importante: o espaço de deliberação e participação na Política de Assistência Social. Ele indica a instância dos conselhos. 
Com o novo texto referente à lei do SUAS, os conselhos são instâncias deliberativas do sistema. Desde a LOAS em 1993 já havia a decisão no texto de que os conselhos seriam deliberativos. Aqui aponto uma questão importante. Os conselhos não são deliberativos apenas em relação aos recursos federais. Os conselhos são deliberativos para o conjunto das ações previstas no SUAS e deve deliberar sobre todo o conjunto de ações. 
Posso afirmar que a imensa maioria dos conselhos acaba tratando apenas de recursos federais, e com alguma habilidade prefeituras e Estados não permitem que se trate de orçamentos estaduais e municipais. Isso vem sendo mudado aos poucos, mas um fator que deve ser debatido são os Fundos de Combate à Pobreza que financiam muitas ações, mas que estão fora do SUAS. 
Desde 2000, quando foram criados o Fundo Nacional de Combate à Pobreza e uma série de Fundos Estaduais, é prática comum que os Conselhos nos três níveis não debatam e não deliberem sobre essas questões, pois os recursos não estão no Fundo Nacional de Assistência Social. Sem dúvida é uma manobra para que o governo possa de forma independente tocar suas ações de combate à pobreza sem a interferência do controle social. 
Não haveria necessidade de Fundos de Combate à Pobreza. Essa atribuição poderia estar vinculada aos Fundos de Assistência, mas a história nos mostra outro caminho. 
A composição dos conselhos deve ser feita de forma paritária. Em geral, as representações governamentais que não são da assistência social atuam de forma fragmentada e pouco comprometida com o dia a dia do conselho. Estão lá muitas vezes para bater ponto ou dar quórum. Raros são os conselhos que têm uma bancada de governo com representação de diversas políticas que de fato estejam atentos às urgências da Política de Assistência Social. Vale destacar também a alta rotatividade dos conselheiros governamentais. 
Por outro lado, ainda temos problemas com as representações da sociedade civil. A mais grave, sem dúvida, é a ausência dos usuários. Uma prática comum, quem vem vendo mudada, é que os usuários sejam representados por alguém. A Conferência Nacional de Assistência Social em 2009 foi marcante, pois, de fato, estabeleceu uma participação real dos usuários.
39 
Durante muitos anos no CNAS, convivi com uma bancada de usuários que de usuário não tinham nada. Eram associações de representação. Essa ânsia de querer falar em nome dos usuários impediu um amadurecimento do controle social sobretudo dos resultados para a população. 
Outro problema ainda presente na representação da sociedade civil nos conselhos é o corporativismo de sua representação. Exemplo: uma associação de trabalhadores do CRAS não está no conselho para transformar as reuniões em debate sindical, e sim para debater a Política de Assistência Social. E posso falar em corporativismo e numa tentativa de direcionar a agenda do conselho para interesses particulares. 
O PL Cebas, que reorganizou essa questão, é sem dúvida uma resposta muito importante a uma crise que vinha se acumulando no CNAS desde 1995 e que explodiu em 2008. 
Os conselhos são vinculados aos órgãos gestores da assistência social. Mas vinculação não é subordinação. O conselho não recebe ordens do secretário. A secretaria deve garantir condições para que o conselho possa de fato funcionar. Uma questão que ainda segue pendente é em relação aos conselheiros e diárias. Muitos Estados não encontraram solução para pagar diárias para os conselheiros que não moram na capital. As secretarias devem garantir espaço, transporte e equipe técnica para os conselhos. Grande parte não faz isso. Ainda temos um longo caminho para a profissionalização dos conselhos. 
Fui conselheiro municipal do Rio de Janeiro (1997-98) e conselheiro nacional duas vezes (2000-02 e 2005-08). Nos três momentos, pude verificar de perto sérios problemas para que essas instâncias sejam de fato deliberativas, e a mais importante é que o governo concentra um volume de informação que a sociedade civil não entende. Ser conselheiro representando a sociedade não é uma tarefa nada fácil. 
Os programas de capacitação dos conselheiros são incipientes e com qualidade técnica e conceitual bastante precária. 
O grande desafio do Artigo 16º é garantir que os conselhos não existam apenas para definir questões referentes ao governo federal. 
COMENTANDO O ARTIGO 17º 
O Artigo 17º garante ao CNAS um espaço especial na Política Nacional de Assistência Social, principalmente depois do PL Cebas e do PL SUAS.
40 
O antigo CNSS existia para regular a filantropia; não era um espaço voltado para o debate da Política de Assistência Social. Sobreviveu sete anos, mesmo depois da Constituição, e ainda um ano e meio depois da LOAS. Sua força era enorme. 
O CNAS, que surgiu em 1995, evidentemente nasceu com um histórico de tradições presentes no CNSS. Demorou muito para que o CNAS ganhasse um novo rumo. 
O novo rumo do CNAS foi construído por muitas pessoas, mas por duas em especial: a assistente social Márcia Pinheiro, que presidiu o CNAS por duas vezes e em uma delas em sua maior crise; e a assistente social Simone Albuquerque, que lutou como uma leoa para que o CNAS fosse um espaço de debates e de construção da Política de Assistência Social. Há muitos atores importantes, mas sem dúvida ambas foram fundamentais para que em 2011 o CNAS pudesse se libertar de arranjos históricos. 
Acredito que dei minha colaboração no CNAS nos períodos em que lá estive (2000- 02, 2005 e 2008). Ser conselheiro foi um exercício que exigia de todos nós muitas estratégias políticas, pois setores da sociedade civil faziam de tudo para criar uma dicotomia entre governo e entidades. Além disso, era um enorme problema o dia a dia de votação de processos. Votar aquela enorme quantidade de processos de registro e de Cebas era um grande desafio. 
As quintas-feiras eram os piores dias da semana, pois o CNAS virava um cartório, e nos corredores havia advogados, lobistas, entidades e ex-conselheiros. Era um mar de gente pedindo pelos processos de filantropia. 
Foram votados muitos processos a toque de caixa. Houve um erro do MDS em 2004 ao lançar um projeto que era meritório, mas que acabou sendo um problema. Ele se chamava Estoque Zero. O MDS queria zerar o estoque de processos no CNAS. Nós, conselheiros, recebíamos mais de cinquenta processos por mês para relatar. Nas terças e quartas devíamos nos dedicar aos debates da Política de Assistência Social, e nas quintas tínhamos um dia de enorme pressão e tudo era votado a toque de caixa. Isso acabou levando à confusão ética de março de 2008. 
Conheça o Artigo: 
Art. 17º Fica instituído o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução por igual período. 
§ 1º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é composto por 18 (dezoito) membros e respectivos suplentes, cujos nomes são indicados ao órgão da
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Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, de acordo com os critérios seguintes: 
I - 9 (nove) representantes governamentais, incluindo 1 (um) representante dos Estados e 1 (um) dos municípios; 
II - 9 (nove) representantes da sociedade civil, dentre representantes dos usuários ou de organizações de usuários, das entidades e organizações de assistência social e dos trabalhadores do setor, escolhidos em foro próprio sob fiscalização do Ministério Público Federal. 
§ 2º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é presidido por um de seus integrantes, eleito dentre seus membros, para mandato de 1 (um) ano, permitida uma única recondução por igual período. 
§ 3º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) contará com uma Secretaria Executiva, a qual terá sua estrutura disciplinada em ato do Poder Executivo. 
§ 4º Os conselhos de que tratam os incisos II, III e IV do art. 16, com competência para acompanhar a execução da Política de Assistência Social, apreciar e aprovar a proposta orçamentária, em consonância com as diretrizes das conferências nacionais, estaduais, distrital e municipais, de acordo com seu âmbito de atuação, deverão ser instituídos, respectivamente, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, mediante lei específica. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) 
Desde sua criação, em 1995, o CNAS teve vários presidentes que se alternavam entre governo e sociedade civil. Essa pactuação sempre foi respeitada. Tivemos presidentes do governo como Gilson Dayrel, Marco Aurélio e Márcia Pinheiro, que exerceram por dois mandatos a presidência, e Silvio Yung, que por dois mandatos representou a sociedade civil. Desde 1995 o CNAS teve mais presidentes representando o governo do que a sociedade civil. 
A questão da Secretaria Executiva sempre foi um nó no CNAS. Sempre foi interpretada pelos conselheiros da sociedade civil como uma intervenção branca do governo nos rumos do conselho. Essa foi sem dúvida uma crise presente em todos os mandatos. 
Depois de dezesseis anos o CNAS chegou a seu melhor momento como órgão colegiado de deliberação, mas sem dúvida foi e tem sido um processo de muitos percalços políticos, técnicos e mesmo éticos. 
O Artigo 17º posiciona o CNAS em um novo patamar, o que é muito bom para a Política de Assistência Social.
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Loas comentada

  • 1. 1 A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), LEI 8.742/07.12.1993, COMENTADA ARTIGO POR ARTIGO * Marcelo Garcia Com base em um estudo detalhado da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), contribuo aqui com comentários sobre todos os artigos dessa Lei, ressaltando que há muitas questões esquecidas e que precisam ser debatidas. Em 2011, a LOAS completa 18 anos. Já deixou de ser uma menina e prepara-se, ainda muita imatura, para entrar na sua fase adulta. É uma Lei citada inúmeras vezes, mas que já deixou de ser questionada. Falta debate; falta estudo; faltam, talvez até, algumas revisões. Após a aprovação do Projeto de Lei do Sistema Único da Assistência Social (PL SUAS), é importante revisitarmos a LOAS e realizar um debate hoje fundamental. É preciso situar a LOAS, compreender o contexto histórico em que foi construída e os desdobramentos de cada um de seus artigos, sua organização e, em alguns momentos, suas sutis contradições. COMENTANDO O ARTIGO 1º Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. Vale destacar que a Constituição de 1988 coloca a assistência social como dever do Estado e direito do cidadão. A partir desse ano, a lógica do “favor”, da filantropia e da caridade começa a ser superada num processo muito lento que, até agora, em 2011, ainda não terminou. O Artigo 1º definiu a assistência social como parte do conjunto de políticas do sistema de Seguridade Social brasileiro. Política que é não contributiva — não existe pagamento, de nenhuma espécie, para o acesso ao direito à proteção social. Um exemplo: o Programa Bolsa Família é uma segurança de renda. É um direito. Não vejo como é possível impor (ou “cobrar”) condições para que uma família tenha acesso a essa segurança. O conceito de condicionalidade, em minha opinião, contraria o
  • 2. 2 Artigo 1º da LOAS, que define a assistência social como não contributiva. O Projeto Agenda da Família, na realidade, é uma resposta muito mais concreta ao direito do que o conceito de condicionalidade. No mesmo sentido, uma entidade assistencial não pode exigir que um usuário faça um curso de capacitação como condição para que tenha acesso a um serviço assistencial, que é, na grande maioria dos casos, financiado pelo Estado. Da mesma forma, não é possível exigir conversão a determinada fé ou participação em cultos religiosos para que uma família ou um indivíduo tenha acesso a um ativo ou serviço assistencial. O Artigo 1º diz que a assistência social deve prover os mínimos sociais. E aqui está o maior atraso da LOAS. Quais são esses mínimos sociais? O que podemos estabelecer como mínimos sociais para que uma família seja considerada socialmente incluída? Ao longo de sua trajetória, a assistência social acabou se preocupando muito mais em criar um cardápio de projetos e programas do que, de fato, estabelecer os mínimos sociais. Incluir uma família em um projeto ou programa social não significa garantir sua inclusão sustentável, principalmente se não foram identificadas suas necessidades reais para um processo de promoção. A pasteurização de projetos e programas acaba nos afastando do debate sobre mínimos sociais. Os mínimos sociais precisam constituir um conjunto de seguranças sociais nas áreas de educação, saúde, trabalho, habitação, cultura, renda e convivência. Uma família deve ser considerada incluída quando tiver acesso a um padrão mínimo de qualidade de vida e acesso a direitos básicos. Não conheço nenhuma cidade que tenha debatido essa questão e estabelecido os mínimos sociais da LOAS. Nosso curso tem este desafio: avançar no debate e na consolidação de mínimos sociais. A assistência social é realizada por meio de um conjunto de ações do poder público e também da sociedade civil organizada. Aqui temos um debate fundamental. A assistência social é dever do Estado, mas sua realização pode e deve ter a participação da sociedade. O Estado deve organizar a estratégia e deve ser a inteligência do processo, mas não está escrito na LOAS que somente o Estado deve intervir e agir na política de assistência social. A sociedade pode e deve se integrar às ações de assistência social. Não faz sentido o debate da “ficção ideológica” que rejeita iniciativas da sociedade. As entidades, ONG e OSCIP, não podem nem devem definir a agenda social da assistência, mas não faz sentido dizer que elas não devem atuar na assistência. O Artigo 1º da LOAS deixa isso bem claro. A garantia das necessidades básicas é o principal desdobramento da assistência social. Mas que necessidades são essas? Mais uma vez o texto da LOAS remete a um trabalho que não foi feito. A ausência dessa definição
  • 3. 3 possibilita que a lógica de projetos e programas distantes da realidade de cada família provoque um enorme divórcio entre as intervenções e as verdadeiras privações/desproteções sociais vivenciadas. O Artigo 1º da LOAS é um ponto de partida para organizarmos a política de assistência social. Se estivermos dispostos, temos, a partir deste artigo, trabalho para mais de um ano. O grande desafio do Artigo 1º é definir os mínimos sociais. Um debate importante: condicionalidade combina com direito? COMENTANDO O ARTIGO 2º O Artigo 2º da LOAS organiza os objetivos da lei. O sentido da proteção fica explícito no texto. Como o texto original é de 1993, o leque de proteções parece reduzido e sinto necessidade de sua ampliação. As proteções ficam asseguradas, sobretudo, para crianças, idosos, deficientes e para a maternidade. Identificar esse público é um claro desdobramento da história da assistência social pública vinculada à Legião Brasileira de Assistência (LBA). Os primeiros debates sobre desproteções e privações sociais começam a ganhar corpo apenas a partir de 2006. Por isso, muitas desproteções não foram identificadas no texto da LOAS, e cito, por exemplo, as desproteções vividas pelas comunidades urbanas sem habitação, pela comunidade gay, pela população migrante e em situação de rua, entre outras. Debater o sentido da proteção é um exercício que deve começar pela identificação das desproteções/ privações. É importante apontar que o debate da LOAS surgiu com muita força na LBA. Não foi um debate feito no interior das universidades. Ele ganhou força na prática diária dos trabalhadores, sobretudo da LBA, e é natural que o texto traga como referência, em muitos momentos, um público característico dessa instituição. Para fins didáticos, vamos examinar cada parte do texto: Art. 2º A assistência social tem por objetivos: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; Proteger é a marca da LOAS. Mas proteger por que e de quê? As respostas para essa pergunta só vão ficar mais claras a partir da Nova Política de Assistência Social, de 2004, e da NOB/SUAS, de 2005.
  • 4. 4 Importante ressaltar a questão da proteção à maternidade. O texto não diz que é preciso proteger apenas a gestação e o parto. A maternidade é muito mais do que isso. Proteger a maternidade é, antes de tudo, defender o direito da mulher de exercer seu papel de mãe. A maternidade se traduz na real possibilidade de que a mãe organize e acesse uma rede que garanta o desenvolvimento e a proteção de seu filho — escola, serviços de saúde, esporte, cultura, lazer etc. A assistência social não pode ser um substituto da maternidade. É preciso trabalhar para que a mãe possa de fato ser mãe. Devemos atentar para que os projetos da assistência social não tomem o lugar da maternidade. Proteger a infância e a adolescência deve ser, antes de tudo, garantir o direito à convivência familiar e comunitária. Entender “proteção” fora do espaço familiar é um equívoco. É importante debater essa questão. Proteger a velhice é garantir aos idosos todas as condições para que a velhice não seja um problema para a família e para o indivíduo. A velhice não pode significar a espera do fim. Proteger a velhice é garantir condições reais de vida familiar e comunitária. b) o amparo às crianças e adolescentes carentes; A palavra “amparo” está no texto para ressaltar uma diferença em relação à “proteção”. Amparar é assumir e prover a proteção social que a família, em determinado momento, não está conseguindo garantir. Crianças e adolescentes em situação de rua ou envolvidos com uso abusivo de drogas são exemplos para esse caso. Neste texto, temos a base do debate sobre proteção social especial, que vem, no entanto, impregnado da ideia de que a instituição pode arcar com o “amparo” da criança carente. A pobreza (carência) não pode ser uma condição para que a criança ou o adolescente seja afastado de sua família. c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; Aqui, por um erro na concepção do Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF), confunde-se integração ao mercado de trabalho com inclusão produtiva, que os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) estão fazendo Brasil afora. Mercado de trabalho é muito mais do que curso de bordado ou pintura. A questão da escolaridade é fundamental para essa integração. Não existe emprego para quem tem baixa escolaridade. A assistência social deve garantir integração, e não fazer uma substituição por meio da lógica frágil da inclusão produtiva. É aqui que estamos mais
  • 5. 5 estagnados em relação à lei, vivendo um enorme divórcio entre nossas ações e a realidade do mercado de trabalho. d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; Outro texto que aponta grandes desafios. Integrar e reabilitar pessoas com deficiência é muito mais do que garantir o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou o atendimento numa entidade de reabilitação. Integrar à vida comunitária é garantir escola plural, inclusiva, e participação em atividades de esporte, lazer e cultura. A vida comunitária é a expressão da vida inclusiva. As pessoas com deficiência ainda são tratadas de forma diferenciada e ainda existe quem defenda os “guetos”, como as escolas especiais e outras comunidades específicas. A integração à vida comunitária de pessoas com deficiência é uma agenda atrasada, em grande parte por causa do peso de entidades históricas, que não querem que todos convivam numa comunidade inclusiva, pois isso significaria seu fim. e) a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O BPC foi implantado em 1996 e, hoje, é o maior orçamento da assistência social. Ele cumpre um papel fundamental de proteção aos idosos, mas o debate em relação à proteção às pessoas com deficiência precisa ser aprofundado. O BPC não pode continuar significando uma aposentadoria precoce para crianças e adolescentes com deficiência. Famílias, com medo de perder o benefício, acabam construindo barreiras enormes em relação à escolaridade e empregabilidade de seus membros com deficiência. O BPC é uma estratégia de proteção social e não pode implicar, em momento algum, um afastamento da vida e das possibilidades de crescimento do indivíduo. II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos; A vigilância é um conceito que vai ganhando força na política da assistência. A realização da vigilância socioassistencial ainda engatinha, pois a tradição na área é muito
  • 6. 6 mais a de responder às demandas e urgências sociais que chegam diariamente do que estruturar um sistema de monitoramento de privações, desproteções e inseguranças sociais. Vigiar é prevenir e, sobretudo, acompanhar contextos de vulnerabilidade no território. Para que isso de fato possa ocorrer, é preciso que os governos invistam em tecnologia e em recursos humanos. Sem esses investimentos os CRAS não conseguirão monitorar os movimentos que vão constituindo aos poucos as ameaças e danos sociais. III - a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. Esse é um ponto muito importante, pois, ao defender direitos e a garantia de pleno acesso a eles, o artigo restringe uma “vocação” histórica da assistência social, que é a de querer atuar no lugar de outras políticas. Não cabe à assistência social prestar atendimento de saúde para pobres, oferecer programas de educação para pobres, criar espaços de cultura para pobres. A superação dessas práticas leva tempo e encontra na solidariedade, na filantropia, na caridade e no tradicional “jeitinho” os seus maiores inimigos. O que é o “jeitinho”? Exemplifico: uma diretora do Centro de Referência da Assistência Social tem um amigo pediatra que atende aos sábados num dos centros de forma voluntária. O foco, aqui, está errado. Uma diretora de CRAS tem que garantir acesso ao pediatra da Unidade Básica de Saúde. A opção pelo seu amigo médico, carregado de boa vontade e solidariedade, é apenas um “jeitinho” que é preciso ser repudiado no fazer social. É preciso defender direitos e, sobretudo, construir caminhos de acesso aos direitos sociais. Parágrafo único Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais. O parágrafo é muito importante. A questão fundamental, aqui, é que a assistência social não pode estar desarticulada das demais políticas setoriais. A assistência social não se basta. Ela precisa estar integrada às outras políticas setoriais para que a pobreza seja enfrentada e os mínimos sociais sejam garantidos. A assistência social sozinha não vence a luta contra a pobreza, já que esses mínimos sociais estão nas várias políticas setoriais. Fica
  • 7. 7 claro, no parágrafo, que sem integração não se avança em relação à universalização dos direitos sociais. A tradição isolacionista da assistência social é amplamente questionada aqui. O grande desafio do Artigo 2º é entender que proteger não é separar. Um debate importante: o isolamento histórico da assistência social. COMENTANDO O ARTIGO 3º Comentar os artigos da LOAS não é tarefa fácil, pois o texto eventualmente pode ser interpretado de maneiras distintas, deixando dúvidas sobre seus objetivos. A LOAS foi construída a partir da negociação entre setores conservadores, ligados às entidades históricas, trabalhadores da LBA, militantes por uma assistência social pública e setores de algumas universidades. O texto, em muitos momentos, reflete as imensas diferenças entre as concepções desses grupos. A LOAS foi construída num momento histórico em que a assistência social ainda era amplamente negada por intelectuais, sobretudo do serviço social. A depender das entidades históricas, a LOAS teria muito menos a presença e o comando do Estado. Mas a Constituição de 1988 definia a assistência social como dever do Estado e como seguridade social. Não havia possibilidade de uma LOAS da simplificação ou esvaziamento do Estado, mas também não era possível uma LOAS que ignorasse a trajetória e a hegemonia das entidades históricas. Debater a negação da assistência social no Brasil nos ajuda, e muito, a entender esse “conflito”, que às vezes fica menos evidente do que precisa estar. Na verdade, só foi possível definir as entidades de assistência social no Projeto de Lei do Certificado de Entidades Beneficiárias da Assistência Social (PL Cebas), que o governo federal encaminhou ao Congresso, em 2008, depois da mais grave crise pela qual passou o Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS) desde sua criação, em 1995. O que mais interessava as entidades, nos debates pré-LOAS (1990-93) e na construção do Artigo 3º, era a garantia de que o Cebas seria flexível e amplo o bastante para que qualquer entidade pudesse se declarar de assistência social. E essa luta pela definição do que, de fato, é uma entidade de assistência social durou pelo menos dezessete anos, a partir de 1993. Debate duro. Debate que, em muitos momentos, venceu o interesse da filantropia e da caridade, mas em que prevaleceu, sobretudo, o real interesse do Cebas. A partir de 2005 foram realizados vários seminários e encontros nacionais para que o Artigo 3º da LOAS pudesse ser regulado. Vale destacar que a presidente do CNAS
  • 8. 8 daquele período, a assistente social Márcia Pinheiro, teve papel fundamental no debate. Veja o texto do artigo: Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. O texto é tão amplo e abrangente que não se sabe, ao certo, a que entidades ele se refere. Quase tudo poderia ser considerado atendimento, assessoramento ou defesa e garantia de direitos. O texto deixa uma enorme margem teórica para que se defina uma entidade de assistência social no Brasil. Entidades das áreas de educação, saúde, cultura, esportes e habitação buscavam uma identidade com a assistência social para que pudessem obter o Cebas, que garantia a isenção de uma série de impostos. Isso gerou enormes problemas e, sobretudo, impediu a construção de uma identidade sólida para as entidades verdadeiramente assistenciais. O PL Cebas, de 2010, resolveu o impasse, mas foram perdidos dezessete anos num mar de confusão e superposições. Vale destacar que a Tipificação da Assistência Social, aprovada em 2009, foi outro enorme passo na direção de esclarecer o Artigo 3º da LOAS, um artigo escrito de forma confusa para que, de alguma forma, fosse mantida a confusão que fazia muito bem a uma enorme quantidade de entidades sociais que nada tinham a ver com assistência social. O grande desafio do Artigo 3º é a real construção de uma rede com identidade assistencial. Um debate importante: temos entidades demais e Estado “de menos”? COMENTANDO O ARTIGO 4º O artigo vai regular o acesso ao direito, à informação e aos critérios de acesso aos direitos e serviços da assistência social. Esse artigo deve ser lido, discutido e, sobretudo, detalhado num cronograma de trabalho. O Artigo 4º da LOAS traz uma série de questões a serem resolvidas, gerando uma enorme agenda de trabalho. Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
  • 9. 9 O inciso deixa claro que são as necessidades sociais que determinam a lógica da política da assistência, e não a questão econômica. Esse é um princípio forte na LOAS. Aqui se encontra a liberdade necessária em relação às exigências históricas, como “só pode participar do programa se estiver trabalhando” ou “a vaga da criança na creche é apenas para mães que trabalham”. A proteção social não pode ter “pedágio”. Muitos desses “pedágios” foram criados ainda com base no imaginário e na tradição de que a assistência social é uma troca: a pessoa cumpre uma condição para ganhar alguma coisa. Isso é um erro. E o texto da LOAS é claro sobre isso. É nesse inciso que se escancara, de fato, o direito independente de qualquer questão relacionada à economia. II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; Outro inciso importantíssimo. Primeiro, ele aponta que é dever da assistência social tornar o seu destinatário alcançável por todas as políticas públicas. Aqui, fica claro que a assistência social é uma política garantidora de direitos, e não uma política de substituição de outras políticas. A assistência social não faz saúde para pobre; habitação para pobre; educação para pobre; cultura para pobre. A assistência social garante o acesso ao direito social que se realiza por meio das diversas políticas setoriais. Este é um debate ainda problemático, mas que precisa ser superado. A assistência social não pode e não deve fazer substituições. O CRAS, por exemplo, não pode nem deve ter médico ou dentista mesmo que voluntários. O CRAS tem que garantir o acesso do usuário aos serviços públicos de saúde. Não é um equipamento cultural, nem um equipamento de qualificação profissional, nem mesmo um espaço para atividades das demais políticas. O CRAS precisa fazer a articulação com todas as políticas setoriais para que a população seja de fato alcançável por elas. O inciso deixa claro que voluntariado e solidariedade não são as práticas da política de assistência social. A política deve se esforçar para garantir direitos sociais universais. Aqui também chegamos ao momento de questionar a ideia de inclusão produtiva como objeto de trabalho da assistência social. Não é. O que a assistência social deve fazer é
  • 10. 10 articular a rede social de formação e qualificação profissional para que ela inclua as famílias atendidas pelo CRAS. III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; A ação assistencial não pode ser realizada de “qualquer maneira” e com baixa qualidade porque seus usuários são pobres. É preciso garantir o máximo de qualidade e eficiência nas ações de assistência. A assistência social não pode propor serviços, ações e programas que afastem as pessoas da convivência familiar e comunitária. É preciso investir cada vez mais no fortalecimento da família e das redes comunitárias. A ideia de colégios em regime de internação e de instituições totais deve ser definitivamente superada. Ainda existem, no Brasil, correntes que acham que o Estado, em alguns casos, pode cuidar melhor de uma criança do que a sua própria família. O que o Estado deve fazer é cuidar da família para que ela permaneça unida, capaz de proteger todos os seus membros. A LOAS explicita que as pessoas não precisam, não devem e não podem se humilhar para conseguir o acesso a um direito. Nos anos 1970, era comum entre os profissionais da esquerda a ideia de que os próprios usuários deveriam estabelecer entre eles quem deveria ter acesso a direitos não universais. Isso foi um erro que o texto da LOAS corrigiu. Não é possível delegar às pessoas, por exemplo, o poder de escolha, dentre elas, de quem tem mais privação/desproteção social para que tenha acesso a um ativo social restrito. Ninguém precisa justificar e legitimar sua privação/desproteção para acessar um direito. O direito é para todos e, se houver necessidade de recorte por causa de limitação, a decisão deve ser técnica e considerar o conjunto de privações/desproteções de uma família. A política de assistência social deve trabalhar na direção de garantir autonomia para as famílias. A assistência social tem um compromisso de superar a vida diária de pobreza das famílias, garantindo inclusão social sustentável. IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
  • 11. 11 Todos são iguais perante a lei. Não podemos fazer discriminações no atendimento social. Vale destacar que a entrada de rígidos valores religiosos no dia a dia dos técnicos da assistência social está fortalecendo vetores de discriminação e preconceito. Uma mulher que tem cinco filhos de cinco pais diferentes é ou não é discriminada no atendimento? Um pai desempregado que diz que não quer trabalhar é ou não é discriminado no atendimento? Gays e lésbicas são discriminados ou não no atendimento? A assistência social deve garantir acesso aos direitos sociais. Não cabe à equipe técnica interferir na forma de ser e de viver das pessoas com base em valores religiosos ou morais. E isso tem acontecido de forma sistemática, nos últimos tempos. Ainda em 2011, 23 anos depois da Constituição e dezoito anos depois da LOAS, não existe equivalência entre o atendimento das populações rurais e urbanas. Infelizmente, as áreas rurais no Brasil concentram mais pobreza e mais desproteções. E não existe um plano nacional para o fortalecimento da assistência social nas áreas rurais. V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. Fornecer a informação para todos e, sobretudo, para os mais pobres e mais vulneráveis é outro ponto fundamental. Ainda hoje, temos uma restrição na comunicação e na divulgação de programas e serviços. E vale dizer que comunicação na área social não se faz com cartazes e panfletos. Faz-se com amplo apoio de mobilização social e negociação comunitária. Todos devem ser informados de seus direitos e de oportunidades de acesso. Avançamos muito pouco ou quase nada na forma de conversar, comunicar e divulgar os ativos sociais para a população. Essa letargia em cumprir o inciso favorece a politicagem e a construção do caminho do “favor” para a população. Os CRAS precisam debater esse texto e pensar em estratégias inovadoras de comunicação popular. Isso se expressa também no fato de que não estão publicizados os critérios de concessão de benefícios e acesso a programas e projetos. As pessoas que buscam um ativo social têm o direito de saber qual é o critério de seleção. Isso gera transparência e permite que todos possam ter o mesmo direito de participar. O grande desafio do Artigo 4º é garantir que os usuários da assistência social não sejam invisíveis para as demais políticas públicas.
  • 12. 12 Um debate importante: por que a assistência social insiste em substituir as demais políticas? COMENTANDO O ARTIGO 5º O Artigo 5º e seus três incisos em seu texto original: Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. Esse artigo tem o objetivo de estruturar a organização da assistência social. Antes da Constituição de 1988, a assistência social não era dever do Estado e tinha na caridade e na filantropia sua forma de atuar. O Artigo 5º tem a missão de definir e confirmar o papel e o dever do Estado na política de assistência social. Ele rompe com qualquer possibilidade de comando que não seja do Estado. Antes da LOAS, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) financiavam entidades sociais e mantinham uma extensa rede de atendimento direto. A LBA tinha uma força enorme. Mantinha creches e centros comunitários nas maiores cidades do Brasil. Nos estados pequenos, a superintendência da LBA era o cargo mais importante abaixo do governador. A LBA e a Funabem concentravam muito poder, e todas as decisões eram tomadas em suas diretorias centrais. Não havia participação dos Estados e dos municípios, e muito menos dos usuários. Vale destacar que o Estado financiava as entidades sociais e lhes delegava a responsabilidade da condução dos programas de proteção social. Assim surgiu e se consolidou a histórica rede de Serviços de Ação Continuada, a rede SAC. O Inciso I do artigo vai definir a descentralização da política de assistência social. Estados, Distrito Federal e municípios passam a fazer a gestão da assistência social a partir do que definiu a LOAS. Em 1996, inicia-se a chamada estadualização da assistência social, e somente a partir do fim de 1998 é que se efetiva o início da municipalização. Não foi fácil romper a tradição centralizadora da LBA.
  • 13. 13 O fim da LBA, em 1995, vai forçar que o inciso seja cumprido, mesmo que de forma bastante atabalhoada. A NOB 2, aprovada pelo CNAS em 1998, e publicada em 1999, vai regular a gestão estadual e a gestão municipal. A NOB/SUAS, de 2005, vai aperfeiçoar a gestão municipal. Uma gestão que ficou “pendurada” por anos foi o comando único. A LOAS quis definir um único espaço institucional para a gestão política e administrativa da assistência social. Esse debate sempre foi intenso e, mesmo hoje, podemos dizer que persiste uma pluralização no comando da assistência social. Por exemplo, o Programa Bolsa Família não está na política de assistência social, nem o Programa Brasil Sem Miséria. No governo de Fernando Henrique Cardoso, sempre se discutiu o Programa Comunidade Solidária. No primeiro governo Lula, o debate era sobre o Fome Zero. A questão do comando único melhorou muito, mas ainda existem alguns passos a serem dados. Hoje, quem impede o comando único é o patrulhamento que impregna a assistência social e que chega por meio dos grupos ideológicos (“ficção ideológica”). Na verdade, para que a assistência social possa exercer, de fato, o comando único, ela terá de aprender a conversar e interagir com as demais políticas sem o aprisionamento e as regras rígidas que a impedem de dialogar. O Inciso II vai abrir amplo espaço para o debate sobre o controle social da política de assistência social, mas ainda estamos muito atrasados nessa questão. A participação dos usuários se concentra nas conferências de assistência e nos conselhos, de forma bastante pontual. A população participa da organização e da formulação de projetos, programas e políticas? Claro que não. A construção da política ainda é feita a partir do debate técnico e das decisões governamentais, e não das experiências de desproteções e privações sociais vividas pelos usuários. A Agenda da Família do Estado de São Paulo será uma resposta importante ao que a LOAS nos indica em seu texto. Existe uma lacuna em relação à capacitação dos usuários, que faz com que eles acabem sendo “engolidos” pelos ditames técnicos, normas orçamentárias, burocráticas e até mesmo regimentais. Não existe assessoramento permanente. Para que o inciso possa se concretizar, é preciso garantir formação e apoio de supervisão aos usuários. Outro problema histórico é a atuação de entidades que pretendem representar e falar pelos usuários. A falsa representação dificultou bastante o avanço do controle social e da participação real dos usuários. O Inciso III é uma resposta mais do que direta às entidades de caridade e filantrópicas, que, durante toda a história da assistência pré-LOAS, foram protagonistas das ações. A primeira tentativa de quebrar essa hegemonia aconteceu em 1999, mas o CNAS, fortemente dominado pelas entidades, impediu a quebra do que ficou conhecida como
  • 14. 14 “série histórica”, o conjunto das entidades que executavam os serviços assistenciais. Somente na NOB/SUAS, de 2005, o inciso foi propriamente resgatado. Vale destacar que, ainda hoje, em 2011, as entidades disputam o comando da política da assistência social com o Estado. Mas a LOAS deixa mais do que claro que a responsabilidade de conduzir e gerir a política da assistência social é do Estado. Essa não é uma responsabilidade compartilhada com as entidades. É uma responsabilidade total do Estado. A professora Maria do Carmo Brant Carvalho me disse certa vez que “o Estado é a inteligência do processo”. O Artigo 5º da LOAS é muito importante. Ele vai ao encontro do Estado. Vale sempre ler e reler seu texto, pois ele decide politicamente a gestão da política da assistência social. O grande desafio do Artigo 5º é consolidar o papel do Estado como a inteligência da política de assistência social. Um debate importante: qual é de fato o papel do usuário na formulação de programas, serviços e benefícios assistenciais? COMENTANDO O ARTIGO 6º Minha intenção é debater o Artigo 6º no campo técnico, político e histórico. O artigo passou por uma total reestruturação, em 2010 e 2011. Ele ampliou e consolidou o papel do Estado na coordenação da política de assistência social e delimitou um espaço secundário para as entidades e as organizações sociais, que no texto de 1993 tinham muito mais força. Considero que, com o novo texto, o Artigo 6º passou a ser uma síntese da própria LOAS, bem como do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). O Artigo 6º ainda precisa ser debatido, compreendido e estruturado pela União, Estados e municípios, mas sem dúvida traz respostas muito mais concretas para o fortalecimento da política da assistência social: Art. 6º A gestão das ações na área de assistência social fica organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com os seguintes objetivos: I - consolidar a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os entes federativos que, de modo articulado, operam a proteção social não contributiva; II - integrar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, na forma do art. 6º-C;
  • 15. 15 III - estabelecer as responsabilidades dos entes federativos na organização, regulação, manutenção e expansão das ações de assistência social; IV - definir os níveis de gestão, respeitadas as diversidades regionais e municipais; VI - estabelecer a gestão integrada de serviços e benefícios; e VII - afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos. A NOB/SUAS, sem dúvida, regulou, antes mesmo do texto revisado da LOAS, essas novas práticas. Ainda existem dificuldades na compreensão do nosso trabalho em forma de sistema. Em muitos momentos, procuramos “caixas” de atuação mais definidas. Trabalhar em sistema requer um movimento de intervenções sem etapas, mas com responsabilidades consolidadas por um conceito que agrega resultados, e não disputas ou “jogos de empurra”. Durante muito tempo, e ainda hoje, se debateu de forma pouco prática o papel real dos entes federados na assistência social. § 1º As ações ofertadas no âmbito do SUAS têm por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e, como base de organização, o território. O parágrafo é importante, pois avança em direção à proteção à família, e não apenas a segmentos da família. Durante toda a história da assistência social a preocupação com segmentos sociais foi muito mais importante do que o foco na família. Outro avanço é a organização da ação com base no território, deixando para trás a prática das ações dispersas e desorganizadas. As respostas sociais podem estar mais próximas do que se imagina, mas para isso é importante que tenhamos um processo de coordenação e organização do território. § 2º O SUAS é integrado pelos entes federativos, pelos respectivos conselhos de assistência social e pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas por esta Lei. § 3º A instância coordenadora da Política Nacional de Assistência Social, PNAS, é o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Desde a LOAS, em 1993, já tivemos como coordenadores da PNAS o Ministério do Bem-Estar Social, o Ministério da Previdência e Assistência Social, o Ministério da Assistência e Promoção Social e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
  • 16. 16 Fome. Nesse mesmo período, o Ministério da Saúde coordenou a Política Nacional de Saúde e o Ministério da Educação a Política Nacional de Educação. Importante destacar que o SUAS foi aprovado pelo CNAS em 2004 e a NOB/SUAS é de 2005, mas o PL SUAS só foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2011. Temos um enorme período de vazio legal. Na prática, implantou-se um sistema que não era lei. A crise política vivida pelo CNAS, em 2008, provocou a urgência no encaminhamento do PL SUAS para o Congresso. Art. 6º-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção: I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos. Foi um enorme avanço a estruturação das Proteções Básica e Especial, mas ainda resta um longo caminho a ser percorrido até que as equipes estejam efetivamente integradas e capacitadas nas distintas proteções. Nas cidades pequenas, sobretudo, esses papéis se confundem e se misturam. Não considero adequado e não acredito em profissionais generalistas. Quando foram constituídos tipos e níveis diferentes de proteção, se afirmou que não existe uma “generalidade” na assistência social. Parágrafo único. A vigilância socioassistencial é um dos instrumentos das proteções da assistência social que identifica e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território. Art. 6º-B. As proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS, respeitadas as especificidades de cada ação. § 1º A vinculação ao SUAS é o reconhecimento pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de que a entidade de assistência social integra a rede socioassistencial.
  • 17. 17 § 2º Para o reconhecimento referido no § 1º, a entidade deverá cumprir os seguintes requisitos: I - constituir-se em conformidade com o disposto no art. 3º; II - inscrever-se em Conselho Municipal ou do Distrito Federal, na forma do art. 9º; III - integrar o sistema de cadastro de entidades de que trata o inciso XI do art. 19º. § 3º As entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS celebrarão convênios, contratos, acordos ou ajustes com o poder público para a execução, garantido financiamento integral, pelo Estado, de serviços, programas, projetos e ações de assistência social, nos limites da capacidade instalada, aos beneficiários abrangidos por esta Lei, observando-se as disponibilidades orçamentárias. § 4º O cumprimento do disposto no § 3º será informado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome pelo órgão gestor local da assistência social. Art. 6º-C As proteções sociais, básica e especial, serão ofertadas precipuamente no Centro de Referência de Assistência Social, CRAS, e no Centro de Referência Especializado de Assistência Social, CREAS, respectivamente, e pelas entidades sem fins lucrativos de assistência social de que trata o art. 3º desta Lei. § 1º O CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias. Fiz um resumo do que é um CREAS para poder deixar bem demarcadas suas diferenças em relação ao CRAS:  o CREAS deve ter supervisão técnica;  o CREAS deve fazer atendimento temporário;  o CREAS deve ter relação com os CRAS das famílias atendidas;  Se ele é especializado, precisa ser temático e sua equipe deve ter espaço continuado para capacitação e estudo de casos;  não pode haver CREAS generalista;  sempre que citarem um CREAS, vale perguntar: especializado em quê?;  podemos ter um CREAS especializado em várias desproteções/privações/vulnerabilidades: o população em situação de rua; o adolescentes em conflito com a lei; o marginalidade;
  • 18. 18 o exploração sexual e abuso sexual de crianças; o ex-presidiários e famílias de presidiários; o população GLBT; o profissionais do sexo. § 3º Os CRAS e os CREAS são unidades públicas estatais instituídas no âmbito do SUAS, que possuem interface com as demais políticas públicas e articulam, coordenam e ofertam os serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social. Art. 6º-D. As instalações dos CRAS e dos CREAS devem ser compatíveis com os serviços neles ofertados, com espaços para trabalhos em grupo e ambientes específicos para recepção e atendimento reservado das famílias e indivíduos, assegurada a acessibilidade às pessoas idosas e com deficiência. Art. 6º-E. Os recursos do cofinanciamento do SUAS, destinados à execução das ações continuadas de assistência social, poderão ser aplicados no pagamento dos profissionais que integrarem as equipes de referência, responsáveis pela organização e oferta daquelas ações, conforme percentual apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e aprovado pelo CNAS. Infelizmente, não ficou claro se os recursos podem ser aplicados no pagamento de servidores públicos. O texto ficou vago e muitas prefeituras não consideram que têm legitimidade para organizar concursos públicos. Parágrafo único. A formação das equipes de referência deverá considerar o número de famílias e indivíduos referenciados, os tipos e modalidades de atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários, conforme deliberações do CNAS. A NOB RH do SUAS continua engavetada. Avançamos muito pouco em equipes de referência. V - implementar a gestão do trabalho e a educação permanente na assistência social; A definição de que as ações da assistência devem ser desenvolvidas de forma descentralizada é uma resposta importante ao processo de centralização da LBA e da Funabem. A concentração de poder e de ações dessas duas instituições gigantes motivou a urgência nos debates pré-LOAS.
  • 19. 19 O novo texto da LOAS, a partir do PL SUAS, estabelece um patamar mais adequado para as entidades sociais. No texto original, de 1993, elas tinham muito mais força. No texto de 1993, falava-se em descentralização, mas reafirmava-se o papel das entidades e organizações de assistência social no desenvolvimento das ações. Vale lembrar que sobretudo a LBA concentrava poder e recursos, mas fazia repasses para as entidades. Descentralizar sim, mas sem esquecer as entidades e as organizações assistenciais. O texto atual garante para as entidades um vínculo com o SUAS, mas com muito menos força, o que foi uma mudança muito importante. O texto original poderia ter sido muito mais ousado em reafirmar o papel, por exemplo, das prefeituras, mas, em 1993, não havia processo suficientemente estruturado, nas administrações locais, para cumprir a tarefa de organizar a execução da política de assistência. O artigo, por mais de dezessete anos, deixou uma enorme ambiguidade em relação à estatização da assistência social, pois não abriu o caminho para a constituição de uma rede pública e estatal, mas reafirmou o papel das entidades e das organizações. O texto da LOAS de 1993 foi todo negociado no campo político e, sem dúvida, a redação original foi uma defesa das entidades e organizações. A articulação de meios, esforços e recursos de que falava o artigo deixava folgas conceituais de grandes proporções. Quem articula? Quem se esforça? E os recursos? Até hoje, o governo federal concentra o poder total nessas questões. Ainda é ele que estrutura a agenda da assistência no Brasil. O esforço é realmente bastante coletivo, mas as ações acabam sendo dirigidas pela agenda nacional. O grande volume de recursos para a assistência social vem do governo federal e não há uma definição clara do financiamento por parte dos estados e dos municípios. Esse é um buraco que ainda não foi resolvido na prática. O artigo fala em participação e instâncias deliberativas. Em 1995, o CNAS foi instalado e, em todo Brasil, houve a implantação dos Conselhos Estaduais e Municipais. Em 1995, ocorreu também I Conferência Nacional de Assistência Social. Nesse ano acontece a VIII Conferência. Aos poucos vamos organizando instâncias de participação e de deliberação coletiva, mas as representações nos Conselhos de Assistência Social ainda concentram basicamente as entidades prestadoras de serviço. Vale destacar que a NOB 2, de 1998, instituiu, como espaços de pactuação, as Comissões Intergestoras Bipartite, nos estados, e a Comissão Intergestora Tripartite, no governo federal. Desde 1993, foram muitas as instâncias coordenadoras e muitos os ministros ou secretários. O Ministério do Bem-Estar Social foi extinto em 1995, sendo criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Em 1999 foi criada a Secretaria de Estado
  • 20. 20 da Assistência Social. Em 2003 foi criado o Ministério da Assistência e Promoção Social e, em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Desde 1995, já tivemos onze secretários nacionais de assistência social. Uma média de 1,4 mês de atuação para cada secretário. O Artigo 6º é, em minha opinião, um dos mais frágeis da LOAS. Ele busca responder às exigências históricas da caridade e da filantropia, bem como acenar para a participação social e ainda definir uma porta de entrada estatal na política de assistência social. O grande desafio do Artigo 6º é organizar os papéis dos entes federados na política de assistência social. Um debate importante: o CREAS pode ser generalista ou ele deve ser, de fato, especializado em alguma desproteção? COMENTANDO O ARTIGO 7º O Artigo 7º da LOAS também responde diretamente a uma pauta e a uma agenda de defesa das entidades históricas. Como já foi mencionado, a LBA financiava de forma direta um enorme conjunto de entidades assistenciais em todo o Brasil, escolhidas, em geral, por indicação política. Essa imensa rede financiada com recursos públicos, mas marcada pelos símbolos da caridade e da filantropia, coordenou no momento da construção do texto da LOAS uma agenda pesada de reivindicações que buscava assegurar suas identidades e culturas institucionais. O Artigo 7º foi um grande gol que essas entidades fizeram para se reafirmar como parte fundamental da política de assistência social pós-LOAS. Veja o artigo: Art. 7º As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei. O CNAS definiria, por meio de normas, o cotidiano das entidades. E quem são os representantes das entidades no CNAS? Não é arriscado dizer que, até 2004, a representação da sociedade civil era 90% definida pelas entidades prestadoras de serviço conveniadas da antiga rede SAC, da LBA, que migrou para o Fundo Nacional da Assistência Social. O CNAS não debatia assistência social nos anos 1990. Posso afirmar que somente depois da IV Conferência Nacional, de 2003, o CNAS iniciou uma agenda de debates que foge
  • 21. 21 da prisão do debate sobre Certificado de Entidades Beneficentes da Assistência Social (Cebas). O CNAS na verdade debateu prioritariamente o Cebas até 2004. Com a ausência de um debate no CNAS ocorreu mais uma vez a proliferação de ações de “assistência social”. O ajuste só vai começar a ser feito quando o CNAS resolve debater o Artigo 3º da LOAS, a partir de 2005. Mais tarde, o ajuste se consolida com o PL Cebas, aprovado em 2010 pelo Congresso Nacional. Sempre que leio o Artigo 7º da LOAS tenho absoluta certeza de que as entidades da rede SAC souberam mobilizar o Congresso na votação da LOAS. É importante dizer que o governo Fernando Henrique (1995-2002) e o primeiro ano do governo Lula (2003) trataram o CNAS sem a importância que ele deveria ter tido para a formulação da política de assistência social e para a construção de normas que tirassem a assistência social do vazio da regulação. O CNAS, sem uma agenda técnica, deixou de cumprir seu papel para que o Artigo 7º tivesse algum sentido. O PL Cebas e a Tipificação da Assistência Social, de 2009, acabaram com a inércia, mas os muitos anos de estagnação do debate criaram sérias indefinições, que vamos demorar a desconstruir. Uma última observação: o presidente Fernando Henrique extinguiu a LBA em 1º de janeiro de 1995, jogando fora toda a inteligência de trabalhadores militantes da área social que poderiam, num período de transição, ajudar a construir outro caminho para a assistência social. Acabar com a LBA era importante? Sim. Mas a extinção foi feita sem planejamento e organização e, mais uma vez, a agenda privada das entidades ganhou força em detrimento de uma agenda pública e com participação social. O grande desafio do Artigo 7º é não representar um retrocesso na consolidação do Estado como espaço de proteção. Um debate importante: o Estado pode oferecer proteção de forma indireta? COMENTANDO O ARTIGO 8º O Artigo 8º da LOAS surge para estabelecer o papel dos estados, Distrito Federal e municípios no novo período que a LOAS pretendia inaugurar. Até aqui, o texto reforçava o papel e a história das entidades. O Artigo 8º vai definir que políticas de assistência podem ser de caráter estadual e municipal: Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta lei, fixarão suas respectivas Políticas de Assistência Social.
  • 22. 22 Insisto na tradição da LBA e da Funabem que mantinham grande concentração de decisão no governo federal. Estados e municípios não tinham um histórico de organização estatal na área social. A LOAS vem defender fortemente a participação de toda a federação na política de assistência social. A LOAS não diz nem afirma que a União é o principal ator na gestão da assistência social. A Primeira Política Nacional de Assistência Social foi aprovada em 1997, mas políticas estaduais e municipais até hoje, 2011, não são realidade. O debate nacional continua impondo uma agenda nacional. A Segunda Política de 1998 e a Nova Política, de 2004, orientaram os estados e os municípios na gestão da assistência. A experiência das NOB 1997, 1998, NOB/SUAS e NOB RH reforça a ideia de que a União continuou impondo a agenda da assistência, ao mesmo tempo que estados e municípios abriram mão de organizar uma agenda local, regional e contextualizada com suas realidades. Em 2006, apresentei uma proposta para que os estados organizassem NOB próprias, mas o projeto foi muito combatido pelo governo federal. Todo mundo que chega ao governo federal esquece que o Brasil é uma federação e acaba querendo que, do Amapá ao Rio Grande do Sul, tanto o debate como as regulações sejam os mesmos. Estados e municípios, em mais de 90% dos casos, não fixaram suas políticas de assistência social nem ações próprias e contextualizadas com sua realidade. Seguem diretamente a agenda federal. É importante destacar que as gestões estaduais, desde a LOAS, foram as que menos se consolidaram, e os estados, além de abrirem mão de construir uma Política Estadual de Assistência Social, foram se subordinando cada vez mais ao governo federal. Eu diria que os estados transformaram-se em “escritórios regionais” do governo federal pela força da agenda, dos projetos e dos programas federais. Sem recursos nem força política, nada sobrou aos Estados senão submeterem-se à agenda federal. Raros foram os estados que conseguiram transpor os altos muros do governo federal. Vale citar São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na região Sudeste. Gosto de citar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). De 1996 até agora, o Peti tem o mesmo formato e a mesma lógica. Como é que estados e municípios conseguiriam ter uma política própria, com programas como Peti ou o ProJovem Adolescente, invadindo e ocupando toda a agenda dos secretários estaduais e municipais? E o Bolsa Família? Quanto tempo os gestores gastam com esse programa federal?
  • 23. 23 O Artigo 8º foi esvaziado pelo “trator” que se revelou o governo federal na política da assistência social. Pergunte a qualquer gestor; ele vai dizer que a maior parte do seu tempo é dedicada a cuidar da agenda do governo federal na sua cidade. Assim, a força local não prevaleceu para que se constituísse uma política municipal ou estadual. Dentro do gestor federal ainda mora muito da LBA e da Funabem. Mas não devemos desistir desse artigo. É hora de começar a debater a real descentralização e a participação de toda a federação na política de assistência social. O grande desafio do Artigo 8º é debater a importância de Políticas Estaduais e Municipais de Assistência Social. Um debate importante: como conseguir organizar uma Agenda Tripartite na assistência social sem que a agenda federal seja prioritária? COMENTANDO O ARTIGO 9º O Artigo 9º da LOAS trata do funcionamento das entidades e organizações da assistência social. É um retorno do texto à questão das entidades. Ao examinar e comentar a LOAS, artigo por artigo, fica cada vez mais claro que seu texto é uma costura entre os interesses históricos das entidades assistenciais e o expresso desejo político de construir uma estratégia de fortalecimento do Estado na assistência social. Em muitos momentos, o que percebemos são as inúmeras contradições no campo político e estratégico. Para o gestor da assistência social, o texto deixa problemas táticos, pois ele vai sempre ao encontro da entidade, garantindo-lhe um enorme espaço. Depois da LOAS, em 1993, apesar de se ter constituído uma rede estatal na assistência social, é possível afirmar que grande parte dos recursos do Fundo Nacional de Serviços Assistenciais saiu de Brasília, passou pelos Fundos Municipais e caminhou de forma segura para as entidades, que vem desenvolvendo as ações que o Estado não se preparou e não se organizou para executar. O Artigo 9º poderia ter sido compreendido de forma diferente, mas na prática ele apenas criou uma “zona de desconforto” para as entidades. Vejamos: Art. 9º O funcionamento das entidades e organizações de assistência social depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, conforme o caso.
  • 24. 24 O CNAS foi criado em 1995. Os conselhos municipais foram criados na medida da descentralização dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social. As entidades precisam de registro e inscrição para receber recursos e manter o Cebas no CNAS. Os conselhos municipais já surgem viciados em sua lógica cartorial. § 1º A regulamentação desta lei definirá os critérios de inscrição e funcionamento das entidades com atuação em mais de um município no mesmo estado, ou em mais de um estado ou Distrito Federal. Muitas entidades funcionam em mais de uma cidade e em mais de um estado. Uma lei própria regulou a questão. Vale destacar que, em 1993, havia um enorme número de entidades que tinham filiais espalhadas por vários locais do país. Esse parágrafo objetiva consolidar a força da grande entidade. Não haveria necessidade de que cada unidade pedisse sua inscrição ou registro local. § 2º Cabe ao Conselho Municipal de Assistência Social e ao Conselho de Assistência Social do Distrito Federal a fiscalização das entidades referidas no caput na forma prevista em lei ou regulamento. Raras são as cidades que dão condições aos conselhos de assistência social e aos conselheiros para que cumpram o que determina esse parágrafo. A fiscalização das entidades foi e é feita muito mais no campo da avaliação dos documentos do que na avaliação de seus serviços e práticas sociais. A política de assistência social, de 2004, ao desenhar a questão do território, indica ao CRAS que faça essa supervisão e integração, pois a entidade registrada no conselho passa a fazer parte do vínculo SUAS. Hoje, os CRAS deveriam fazer a integração técnica das entidades com a PNAS, bem como organizar supervisões e capacitações para as entidades. Muitas entidades estão afastadas de regulações técnicas e operacionais. Os conselhos pouco podem avançar em direção ao que determina esse parágrafo, sem a ampla participação dos CRAS. Vale destacar que grande parte dos conselhos também não aceita manter uma unidade de trabalho com os órgãos gestores, alegando que são autônomos e independentes. Esse hiato nas relações atrapalha bastante a fiscalização das entidades. E acho a expressão “fiscalização” equivocada. O texto que defendo diria “supervisão”. A busca pelo Cebas gerou enormes distorções no desenvolvimento da identidade dos conselhos de assistência social. Hoje, as prefeituras ainda não estão prontas para dar
  • 25. 25 conta do PL Cebas. Esse assunto ainda não avançou em direção às gestões municipais de assistência social e, de certa forma, os conselhos rejeitam a ideia do PL Cebas, pois se sentem esvaziados. Mas já não teria chegado a hora de debater a política de assistência? Importante, neste momento, é a construção de um modelo de supervisão das entidades. § 4º As entidades e organizações de assistência social podem, para defesa de seus direitos referentes à inscrição e ao funcionamento, recorrer aos Conselhos Nacional, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal. Esse parágrafo defende que existem várias instâncias às quais as entidades podem recorrer caso se sintam prejudicadas pela decisão do gestor ou mesmo de um conselho. Com o PL Cebas talvez possamos avançar em direção a um novo caminho para as entidades, os conselhos e para a política de assistência social. Vamos acompanhar. O grande desafio do Artigo 9º é garantir que os conselhos possam, de fato, inscrever entidades de assistência social e não manter a pulverização que já foi debatida nos comentários do Artigo 3º da LOAS. Um debate importante: como articular a Resolução da Tipificação da Assistência Social com a inscrição nos conselhos? COMENTANDO O ARTIGO 10º Art. 10º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem celebrar convênios com entidades e organizações de assistência social, em conformidade com os Planos aprovados pelos respectivos Conselhos. O Artigo 10º é a mais perfeita tradução da força das entidades na construção do texto da LOAS. Não seriam a descentralização e a participação que deixariam brechas para que os entes federados não pudessem firmar convênios com entidades e organizações de assistência social. Uma saída foi garantir que esses convênios estivessem em conformidade com os planos aprovados pelos conselhos. Reconhecemos a fragilidade desses planos e, mais que isso, sabemos que os conselhos são paritários e que os planos são aprovados em grande parte pelas entidades. A Constituição de 1988 coloca a assistência social no campo da seguridade social. Dever do Estado e direito do cidadão. Direito universal, independente de contribuição
  • 26. 26 previdenciária. Se falamos em dever do Estado, seria bastante plausível que a LOAS desse total ênfase a uma rede pública e estatal. As entidades demandaram enfaticamente que lhes fosse assegurada a continuidade dos seus convênios com a LBA. Estamos falando nos Serviços de Ação Continuada, ou seja, a rede SAC. Vale lembrar que a LBA, em dezembro de 1993, ainda era uma entidade oficial bem forte dentro do governo Itamar Franco. A LOAS fala em descentralização, mas o Artigo 10º buscava assegurar que a LBA mantivesse seus convênios com as entidades. A partir da estadualização dos recursos, em 1996, e do início da municipalização, em 1997, fica assegurado o direito conquistado, ao longo de décadas, de que as entidades continuariam a receber recursos públicos e federais. Nos debates sobre a nova partilha de recursos, realizados em 1999 pelo CNAS, a permanência da rede histórica foi assegurada em votação no plenário. Até a NOB/SUAS, e mesmo depois dela, os recursos saíam do Fundo Nacional de Assistência Social para os fundos estaduais ou municipais e, imediatamente, eram usados em convênios históricos com as entidades “clientes” da LBA. A sensação geral era a de que nada havia mudado. Em 1997, a Secretaria Nacional de Assistência Social propôs uma iniciativa para gerar uma nova rede de entidades por meio do Programa Brasil Criança Cidadã (BCC). Essa estratégia, coordenada pela secretária Lúcia Wania, atual senadora por Goiás, agregou novos saberes e novas entidades como parceiras da assistência. A crítica ao BCC focou-se no modo centralizador da seleção de projetos realizada em Brasília, sem a participação dos estados e municípios. O BCC fez avanços importantes, mas pecou por manter a velha prática de as decisões serem tomadas em Brasília. O BCC, de certa forma, constrange a LOAS em sua vocação de participação e descentralização. É possível afirmar que os primeiros recursos do Fundo Nacional de Assistência Social que surgem livres do caráter vinculante para entidades são os relativos ao Peti, de 1996, implantado na gestão da secretária Lúcia Wania; no Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, a partir do início de 1999, na gestão da secretária de Estado de Assistência Social Wanda Engel; e nos Núcleos de Apoio à Família, que ganham força em 2000, por conta do Plano Nacional de Segurança Pública. Os planos municipais eram e são, geralmente, construídos a partir das demandas ainda “congeladas” com as entidades. A NOB/SUAS, ao estabelecer pisos de proteção, deu um passo à frente ao não manter a tradicional rede SAC, mas muitas cidades (quase todas) recebiam os recursos em forma de piso e os transformavam em per capta da antiga rede SAC.
  • 27. 27 De certa forma, o Artigo 10º da LOAS favoreceu as entidades e, um pouco mais tarde, foi a saída perfeita para resolver os problemas de precarização dos órgãos gestores da assistência social. O grande desafio do Artigo 10º é não permitir a compreensão de que o Estado pode ser substituído por entidades na assistência social. O fato de poder celebrar convênios não significa um estímulo à substituição de responsabilidades. Um debate importante: você conhece o Plano Municipal de Assistência Social de sua cidade ou o Plano Estadual de Assistência Social de seu estado? COMENTANDO O ARTIGO 11º Art. 11º As ações das três esferas de governo na área de assistência social realizam- se de forma articulada, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos programas, em suas respectivas esferas, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Esse artigo traz um novo fôlego para o Estado Brasileiro. Pode-se notar que até aqui a LOAS era como pingue-pongue: num momento estabelecendo um papel mais forte para o Estado e em outros assumindo uma força especial para as instituições e as entidades sociais. O Artigo 11º diz claramente que as ações se realizam de forma articulada pela esfera federal, pelos Estados e pelos municípios. Nesse Artigo, as normas gerais cabem à esfera federal. É muito comum se ouvir que essa decisão foi tomada por Brasília. Até 1998 as decisões eram de fato diretamente tomadas pela Secretaria Nacional de Assistência Social. A Segunda Política de Assistência Social de 1998 e a NOB 2 publicada em 1999 estabeleceram a Comissão Intergestora Tripartite para a pactuação nas decisões. A CIT até a NOB/ SUAS de 2005 era formada por três representantes da esfera federal, três Estados indicados pelo Fonseas e três municípios indicados pelo Congemas. Fiz parte da comissão que representava a Secretaria de Estado de Assistência Social em 1999 e fui seu coordenador-geral de 2000 a 2002. Depois voltei para representar os municípios de 2005 a 2010 como presidente do Congemas. Portanto, a coordenação cabe ao governo federal, que pactua através de resoluções conjuntas na CIT os caminhos que a assistência social deve encontrar para se fortalecer. É
  • 28. 28 evidente que a força do governo federal ainda define a lógica da assistência social no Brasil. Em geral, os municípios caminham na direção do que Brasília de fato quer. Vale afirmar que a CIT é um instrumento muito importante para que as decisões ou propostas de Brasília sejam contextualizadas com a realidade do Brasil, mas as CIBs também são espaços muito importantes, embora ainda necessitem de um processo de consolidação, mesmo doze anos depois de a NOB de 1998 ter sido publicada em 1999. Muitos Estados não realizam CIBs com a devida regularidade. O Artigo 11º tira do governo federal a EXECUÇÃO dos programas. Em alguns momentos essa deliberação não foi respeitada. O Projeto Alvorada de 2001 foi execução direta do governo federal. O BPC via INSS é execução direta do governo federal desde 1997. O papel dos municípios é insignificante e durante muito tempo coube às cidades realizar a revisão do cadastro. Já o Bolsa Família pode ser considerado uma execução direta, mas seus recursos não estão no Fundo Nacional de Assistência Social. Desde a NOB 2 de 1999 ficou definido que os Estados fariam a coordenação da política de assistência social. De certa forma fracassaram, pois os municípios conversam diretamente com Brasília, que por sua vez gosta de conversar com os municípios. Outra questão a ser apontada é que os Estados gostam de executar de forma direta, e não conseguiram em sua maioria realizar um papel de coordenador, financiador e articulador da Política de Assistência Social. Seguiram o caminho fácil de programas diretos. A NOB/SUAS não ajustou essa questão de forma prática, e a força do Fonseas sempre impediu na CIT e no CNAS que os Estado de fato realizassem seu papel. A partir desse Artigo cabe aos municípios a coordenação e a execução da política de assistência social. Um único problema: como os municípios não fortaleceram suas secretarias, muito da execução da política é de fato realizado por entidades. Mesmo com recursos próprios as ações continuam a ser realizadas através das entidades. Vale destacar a ineficiência total da NOB-RH. Esse Artigo fornece todas as condições para que o Estado assuma de fato a gestão da Política de Assistência Social, mas esse mesmo Estado sempre procurou atalhar sua responsabilidade pela solidariedade, pelo voluntariado e pela participação ativa das entidades sociais fossem elas históricas ou mais modernas e com nova roupagem. O grande desafio do Artigo 11º é que de fato a assistência social não seja apenas uma agenda do governo federal. Um debate importante: as CIBs estão cumprindo seu papel ou fazem apenas os informes da CIT?
  • 29. 29 COMENTANDO O ARTIGO 12º Art. 12º Compete à União: I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no art. 203 da Constituição Federal; II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito nacional. O Artigo 12º registra as competências da União, estabelecendo o que de fato Brasília pode ou não fazer. Em relação aos incisos, desde 1997 Brasília foi muito além do que o definido pela LOAS. Quando o BPC foi estruturado pela secretária Lucia Wania em 1996, a ideia era que os municípios realizassem o cadastro de idosos e deficientes que tivessem direito. É bem verdade que houve um conjunto de grandes fraudes e problemas, pois sem nenhum tipo de perícia médica havia farta distribuição do BPC. O governo federal decidiu então que o INSS seria responsável pelo controle de todo o processo. Vem daí a confusão de que o BPC seria um auxílio previdenciário e não assistencial. A partir de 1999 os municípios passaram a ser responsáveis pela revisão do BPC. Uma tarefa complicada de resolver: o INSS concede, mas cabe às prefeituras cortar. Desde 2007, a revisão está suspensa e todo o processo de revisão tem se mostrado absolutamente precário. A União Brasília controla o BPC com unhas e dentes por uma questão fiscal, e os municípios de forma errada se ausentam de qualquer participação nesse processo por entender que esse é um programa do governo federal. Nem mesmo o SUAS mudou essa cultura. Na questão do enfrentamento da pobreza, a assistência social mantém hoje distâncias sérias e preocupantes. O momento em que a assistência esteve mais envolvida com o tema foi durante a gestão da secretária Wanda Engel, que não tinha trajetória nem interesse no debate sobre assistência social. Seu foco era o combate à pobreza. Wanda soube tirar a assistência social do isolamento histórico e fez a SEAS coordenar o Programa Alvorada de combate à pobreza nas cidades com pior IDH no Brasil. Atualmente no Programa Brasil Sem Miséria, por exemplo, vemos o completo isolamento da Secretaria de Assistência Social no debate e na condução de suas estratégias. O velho isolamento da assistência social voltou com força total em 2011. O sentimento de que a assistência social se basta ganhou força e de certa forma seus atuais gestores pularam o Artigo 12º da LOAS em seus estudos diários.
  • 30. 30 Importante salientar que nos Estados as Secretarias de Assistência são as grandes parceiras do Brasil Sem Miséria, mas isso não é verdade em relação à atual Secretaria Nacional de Assistência Social. O afastamento da política de assistência social de programas de combate à pobreza na verdade acontece por causa da formação ideológica que ainda persiste nos cursos de Serviço Social a partir do que chamo de “ficção ideológica”. III - atender, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência. As Secretarias de Assistência Social da União e dos Estados mesmo dezoito anos depois da LOAS não conseguiram definir seu papel nas questões emergenciais. Na verdade, nas cidades é mais fácil verificar a importância das Secretarias de Assistência Social em momentos de tragédia. Nos demais entes federados, não existe uma clareza de papéis. Lembro-me de que nas tragédias das chuvas de Santa Catarina em 2008 a Secretaria Nacional de Assistência Social, por mais solicitada que fosse, ficou inerte sobre o problema. Não estava preparada para tratar da questão. Foi uma equipe da Secretaria de Assistência Social da cidade do Rio de Janeiro que se deslocou para Blumenau para dar apoio e suporte. Mesmo depois de Blumenau, a Secretaria Nacional de Assistência Social continua sem uma ação estruturada para uma ação imediata em momentos de emergência. Em 2000, a Secretaria de Estado de Assistência Social por meio dos Estados criou um programa de bolsas para as famílias reconstruírem a vida depois de tragédias. Funcionou muito bem, mas foi abandonado em 2002. Nesse ponto, continuamos num profundo vazio de ações. IV - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social e assessorar Estados, Distrito Federal e municípios para seu desenvolvimento. A entrada desse inciso na LOAS é fundamental, pois monitorar e avaliar nunca fizeram parte da tradição da Política de Assistência Social no Brasil. Uma questão importante é sem dúvida a definição de que a União deve assessorar Estados e municípios, e o Direito Federal nessa questão sem dúvida é uma urgência.
  • 31. 31 A criação em 2004 da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do MDS teve uma importância enorme, pois começamos de fato a caminhar para a criação da Cultura da Avaliação na assistência social. E se avaliamos é porque queremos de fato ter resultados. Esse inciso é uma resposta concreta para quem ainda está realizando apenas a gestão diária da pobreza. Art. 12-A. A União apoiará financeiramente o aprimoramento à gestão descentralizada dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, por meio do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), para a utilização no âmbito dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, destinado, sem prejuízo de outras ações a serem definidas em regulamento, a: I - medir os resultados da gestão descentralizada do SUAS, com base na atuação do gestor estadual, municipal e do Distrito Federal na implementação, execução e monitoramento dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, bem como na articulação intersetorial; II - incentivar a obtenção de resultados qualitativos na gestão estadual, municipal e do Distrito Federal do SUAS; e III - calcular o montante de recursos a serem repassados aos entes federados a título de apoio financeiro à gestão do SUAS. § 1º Os resultados alcançados pelo ente federado na gestão do SUAS, aferidos na forma de regulamento, serão considerados como prestação de contas dos recursos a serem transferidos a título de apoio financeiro. § 2º As transferências para apoio à gestão descentralizada do SUAS adotarão a sistemática do Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família, previsto no art. 8º da Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e serão efetivadas por meio de procedimento integrado àquele índice. § 3º (VETADO). (Incluído pela Lei n. 12.435, de 2011) § 4º Para fins de fortalecimento dos Conselhos de Assistência Social dos Estados, municípios e Distrito Federal, percentual dos recursos transferidos deverá ser gasto com atividades de apoio técnico e operacional àqueles colegiados, na forma fixada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sendo vedada a utilização dos recursos para pagamento de pessoal efetivo e de gratificações de qualquer natureza a servidor público estadual, municipal ou do Distrito Federal.
  • 32. 32 O IGD foi criado em 2005 a partir de um debate entre o Congemas e a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania do MDS. A intenção era apoiar os municípios por causa do enorme trabalho que todos tinham com o Programa Bolsa Família. A costura política foi possível pela disposição da secretária Rosani Cunha que em permanente diálogo com o Congemas formulou o IGD. É fundamental dizer que o IGD nasceu agregado ao Bolsa Família, mas sua transferência foi definida no Fundo Nacional de Assistência Social. Com o tempo, o IGD passou a ser um recurso fundamental para a política de assistência social, pois como era repassado de forma descarimbada pôde ser usado de diferentes formas nas cidades. Esse novo texto reconhece a abrangência do IGD, mas mantém a metodologia do IGD Bolsa Família, que tinha como meta fundamental a qualidade do cadastro único e das condicionalidades de educação e saúde do Bolsa Família. O § 4º oferece uma insegurança sobre a tese de que os recursos do SUAS pagariam servidores. Essa fragilidade fica explícita neste momento. O novo texto possibilita garantir um percentual para os Conselhos, mas nega gasto com servidores efetivos e gratificações. O IGD não tem prestação de contas tradicional e é pago por resultado. Ganha-se mais quando o resultado é melhor. O IGD sem dúvida é o avanço mais importante no financiamento da assistência social. O grande desafio no Artigo 12º é estabelecer o papel real da União na política de assistência social. Um debate importante: a assistência social tem um papel de destaque nas estratégias de combate à pobreza? COMENTANDO O ARTIGO 13º O Artigo 13º da LOAS define as competências dos Estados. Desde a LOAS em 1993, das três políticas, das três NOBs, sem dúvida alguma foi onde menos se avançou na política de assistência social. O Fórum Nacional de Secretários de Estados de Assistência Social sempre reagiu de forma dura nos momentos em que se tentou de fato garantir o papel dos Estados. O momento da Estadualização dos Recursos em 1996 mostrou-se um fracasso. Outro aspecto tem sido a alta rotatividade de secretários estaduais. Entre 1999 e 2002 Alagoas, por exemplo, teve dez secretários diferentes. O Congemas em quinze anos teve
  • 33. 33 quatro presidentes. O Fonseas teve dez presidentes. Apenas um governador eleito em 2006 e reeleito em 2010 manteve o mesmo secretário. Esta rotatividade mostra que a gestão estadual de assistência social é muito frágil e ainda marcada por negociações políticas. Isso pode explicar as enormes dificuldades para que o Artigo 13º seja de fato cumprido. Em muitos momentos as gestões estaduais são muito mais Secretarias Municipais ampliadas do que de fato Secretarias Estaduais. É muito comum por exemplo a superposição de ações da gestão estadual nas capitais. O Estado não atua de fato onde deveria atuar. Vamos ao artigo: Art. 13º Compete aos Estados: I - destinar recursos financeiros aos municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social; Isso não existe; é letra morta. Aliás, o auxílio natalidade e o funeral são apoios que nunca avançaram na política de assistência social, sobretudo com recursos provenientes dos Estados. Não existe uma única experiência exitosa nessa questão. É importante destacar que os conselhos estaduais não se mobilizaram para debater esse artigo e essa atribuição. As duas funções acabaram sendo assumidas pelos municípios que as cumprem de forma torta e sem regulação. II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito regional ou local; O apoio técnico existe muito mais por demandas do governo federal. Os Estados de certa forma são obrigados a dar apoio técnico para o cadastro do Bolsa Família, para o IDCRAS, IDCREAS, Peti... Não existe um apoio técnico construído com a identidade estadual voltada para atitutes que tenham vinculação com ações provocadas pelo Estado. Uma questão que deve ficar clara na nova redação desse inciso de 1993 é que se absorve a real necessidade de garantir o aprimoramento da gestão. A NOB/SUAS inova ao trazer para a Política de Assistência Social uma preocupação com a qualidade da gestão. Minas Gerais e São Paulo foram Estados que avançaram nessa questão com um programa de capacitação telepresencial; e São Paulo está criando uma Escola de Formação Continuada. São experiências que merecem nossa atenção.
  • 34. 34 III - atender, em conjunto com os municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência; Isso os Estados fazem muito mais por meio da Defesa Civil do que pela assistência social. Dependendo do gestor a Secretaria de Assistência Social tem um papel mais ativo. IV - estimular e apoiar técnica e financeiramente as associações e consórcios municipais na prestação de serviços de assistência social; A LOAS já previa essa ação. A nova política definiu essa prioridade. A NOB/SUAS dá as condições, mas nada foi feito de concreto. Mesmo com o Sistema Único da Assistência Social temos um enorme isolamento de ações. Não existe trabalho continuado. V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado. Essa seria uma ação FUNDAMENTAL, mas os Estados preferem atuar de forma superposta, sobretudo com ações nas capitais. O ideal seria que os Estados atuassem onde não existe ação municipal; no entanto, a história e as práticas sociais mostram os Estados atuando onde é menos necessário. Existem favelas do Rio que têm ação da prefeitura e do governo estadual. No Brasil, não avançamos nada em redes regionais em que o Estado faz a coordenação. VI - realizar o monitoramento e a avaliação da política de assistência social e assessorar os municípios para seu desenvolvimento. A entrada desse inciso é muito importante. Como já disse quando comentei as competências da União não existe uma cultura de monitoramento e de avaliação na política de assistência social. Os Estados precisam organizar seus espaços de avaliação. Tudo está muito incipiente e é evidente que o governo federal vai precisar estimular ou mesmo organizar com os Estados essa nova prática.
  • 35. 35 O grande desafio no Artigo 13º é a construção real da identidade dos Estados na Política de Assistência Social. COMENTANDO OS ARTIGOS 14º E 15º Os dois artigos serão comentados juntos, pois suas atribuições são as mesmas. O GDF tem na verdade funções de município, e não de Estado. Por isso, sempre defendi que o GDF estivesse no Congemas, e não no Fonseas. O Distrito Federal não tem municípios. A NOB 2 de 1999 definiu uma CIB para o GDF. Pactuar com quem? Chama a atenção em 2011 que a secretária do GDF está na presidência do Fonseas, e ela não vive nem experimenta as dificuldades das competências dos Estados previstas na LOAS. Como ela pode ser Estado se tem atribuição de município? Vejamos aos artigos: Art. 14º Compete ao Distrito Federal: I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos de Assistência Social do Distrito Federal; II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral; III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil; IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência; V - prestar os serviços assistenciais de que trata o Art. 23 desta lei. VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito local; VII - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social em seu âmbito. Art. 15º Compete aos municípios: I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o Art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social; II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral;
  • 36. 36 III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil; IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência; V - prestar os serviços assistenciais de que trata o Art. 23 desta lei. VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito local; VII - realizar o monitoramento e a avaliação da Política de Assistência Social em seu âmbito. Como se pode ver os textos são absolutamente iguais. Apenas muda o nome do conselho, que no GDF é o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal. É importante afirmar que com o fim da LBA em 1995 o papel dos municípios não parou de crescer. A implantação dos NAFs em 1999, que em 2004 passam a se chamar CRAS, e o debate focado em territórios fazem com que os municípios passem de fato a coordenar diretamente as ações assistenciais. Para as organizações assistenciais que gostariam de ter mais liberdade na assistência social, esse artigo é mais um passo importante para estabelecer papéis e sem dúvida o protagonismo da ação está nos municípios. Os benefícios eventuais (auxílio natalidade e funeral) não recebem apoio dos Estados como define a LOAS e nunca foram estruturados de fato, mas em cada cidade redes de apoio são formadas para as famílias pobres que têm crianças novas ou falecimentos. Falta regulação e método nesse trabalho, mas a ação em si ocorre por conta da cidade, da maneira mais diversa e mais improvisada possível. Não se efetua pagamento de auxílio natalidade e funeral. Esses acontecimentos são apoiados de alguma forma, mas são auxílios praticamente vinculados ainda a solidariedade e voluntariado. As Secretarias Municipais não incorporaram, ainda que sejam coordenadoras das ações de combate à pobreza. Já comentei aqui o divórcio marcante entre a assistência social e o debate urgente de combate à pobreza. No inciso III deste artigo é reforçada a importância de parceria com a sociedade civil. Durante muito tempo, no orçamento da União, havia uma unidade orçamentária para enfrentamento da pobreza. Quando perguntei do que tratava a ação, a resposta foi a seguinte: colocamos nessa unidade tudo o que não sabemos bem o que é. De fato, o tema pobreza ainda é muito distante da assistência social. Sem dúvida nenhuma, são as cidades que chegam primeiro nas urgências e emergências. Como já disse existe certa alienação histórica da Secretaria Nacional de Assistência Social sobre esse tema e praticamente nenhuma experiência, prática ou
  • 37. 37 movimento para que essa determinação da LOAS possa ser cumprida de fato. Os intelectuais da “ficção ideológica” não gostam nada de debates que precisem ser concretos. O Artigo 23º passou por grandes modificações. Ele vai tratar sobre serviços assistenciais continuados que visem à melhoria da população brasileira. Sem dúvida alguma esta foi e é a atribuição que mais demanda tempo das cidades que em geral precisam ser conduzidas pela agenda do Governo Federal. Uma importante novidade no novo texto a partir do SUAS é o inciso VII, que indica a realização de uma política de avaliação e monitoramento da Política de Assistência Social. Se a questão da vigilância socioassistencial ganhou força na aprovação da nova Política Nacional de Assistência Social de 2004, é mais do que urgente que as cidades estruturem núcleos de avaliação, monitoramento e gestão de resultados. Importante destacar que o aprimoramento da gestão ganha força no novo texto da LOAS. O debate sobre gestão sempre foi atrasado em nossa área. O novo texto nos dá condições de revertermos essa cultura. O grande desafio do Artigo é avançarmos na regulação dos benefícios eventuais. Um debate importante: as Secretarias Municipais de pequeno e médio porte conseguem dar conta de tantas agendas impostas pelo governo federal? COMENTANDO O ARTIGO 16º Art. 16º As instâncias deliberativas do SUAS, de caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, são: (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) I - o Conselho Nacional de Assistência Social; II - os Conselhos Estaduais de Assistência Social; III - o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; IV - os Conselhos Municipais de Assistência Social. Parágrafo único. Os Conselhos de Assistência Social estão vinculados ao órgão gestor de assistência social, que deve prover a infraestrutura necessária ao seu funcionamento, garantindo recursos materiais, humanos e financeiros, inclusive com despesas referentes a passagens e diárias de conselheiros representantes do governo
  • 38. 38 ou da sociedade civil, quando estiverem no exercício de suas atribuições. (Incluído pela Lei n. 12.435, de 2011) Esse Artigo introduz um tema importante: o espaço de deliberação e participação na Política de Assistência Social. Ele indica a instância dos conselhos. Com o novo texto referente à lei do SUAS, os conselhos são instâncias deliberativas do sistema. Desde a LOAS em 1993 já havia a decisão no texto de que os conselhos seriam deliberativos. Aqui aponto uma questão importante. Os conselhos não são deliberativos apenas em relação aos recursos federais. Os conselhos são deliberativos para o conjunto das ações previstas no SUAS e deve deliberar sobre todo o conjunto de ações. Posso afirmar que a imensa maioria dos conselhos acaba tratando apenas de recursos federais, e com alguma habilidade prefeituras e Estados não permitem que se trate de orçamentos estaduais e municipais. Isso vem sendo mudado aos poucos, mas um fator que deve ser debatido são os Fundos de Combate à Pobreza que financiam muitas ações, mas que estão fora do SUAS. Desde 2000, quando foram criados o Fundo Nacional de Combate à Pobreza e uma série de Fundos Estaduais, é prática comum que os Conselhos nos três níveis não debatam e não deliberem sobre essas questões, pois os recursos não estão no Fundo Nacional de Assistência Social. Sem dúvida é uma manobra para que o governo possa de forma independente tocar suas ações de combate à pobreza sem a interferência do controle social. Não haveria necessidade de Fundos de Combate à Pobreza. Essa atribuição poderia estar vinculada aos Fundos de Assistência, mas a história nos mostra outro caminho. A composição dos conselhos deve ser feita de forma paritária. Em geral, as representações governamentais que não são da assistência social atuam de forma fragmentada e pouco comprometida com o dia a dia do conselho. Estão lá muitas vezes para bater ponto ou dar quórum. Raros são os conselhos que têm uma bancada de governo com representação de diversas políticas que de fato estejam atentos às urgências da Política de Assistência Social. Vale destacar também a alta rotatividade dos conselheiros governamentais. Por outro lado, ainda temos problemas com as representações da sociedade civil. A mais grave, sem dúvida, é a ausência dos usuários. Uma prática comum, quem vem vendo mudada, é que os usuários sejam representados por alguém. A Conferência Nacional de Assistência Social em 2009 foi marcante, pois, de fato, estabeleceu uma participação real dos usuários.
  • 39. 39 Durante muitos anos no CNAS, convivi com uma bancada de usuários que de usuário não tinham nada. Eram associações de representação. Essa ânsia de querer falar em nome dos usuários impediu um amadurecimento do controle social sobretudo dos resultados para a população. Outro problema ainda presente na representação da sociedade civil nos conselhos é o corporativismo de sua representação. Exemplo: uma associação de trabalhadores do CRAS não está no conselho para transformar as reuniões em debate sindical, e sim para debater a Política de Assistência Social. E posso falar em corporativismo e numa tentativa de direcionar a agenda do conselho para interesses particulares. O PL Cebas, que reorganizou essa questão, é sem dúvida uma resposta muito importante a uma crise que vinha se acumulando no CNAS desde 1995 e que explodiu em 2008. Os conselhos são vinculados aos órgãos gestores da assistência social. Mas vinculação não é subordinação. O conselho não recebe ordens do secretário. A secretaria deve garantir condições para que o conselho possa de fato funcionar. Uma questão que ainda segue pendente é em relação aos conselheiros e diárias. Muitos Estados não encontraram solução para pagar diárias para os conselheiros que não moram na capital. As secretarias devem garantir espaço, transporte e equipe técnica para os conselhos. Grande parte não faz isso. Ainda temos um longo caminho para a profissionalização dos conselhos. Fui conselheiro municipal do Rio de Janeiro (1997-98) e conselheiro nacional duas vezes (2000-02 e 2005-08). Nos três momentos, pude verificar de perto sérios problemas para que essas instâncias sejam de fato deliberativas, e a mais importante é que o governo concentra um volume de informação que a sociedade civil não entende. Ser conselheiro representando a sociedade não é uma tarefa nada fácil. Os programas de capacitação dos conselheiros são incipientes e com qualidade técnica e conceitual bastante precária. O grande desafio do Artigo 16º é garantir que os conselhos não existam apenas para definir questões referentes ao governo federal. COMENTANDO O ARTIGO 17º O Artigo 17º garante ao CNAS um espaço especial na Política Nacional de Assistência Social, principalmente depois do PL Cebas e do PL SUAS.
  • 40. 40 O antigo CNSS existia para regular a filantropia; não era um espaço voltado para o debate da Política de Assistência Social. Sobreviveu sete anos, mesmo depois da Constituição, e ainda um ano e meio depois da LOAS. Sua força era enorme. O CNAS, que surgiu em 1995, evidentemente nasceu com um histórico de tradições presentes no CNSS. Demorou muito para que o CNAS ganhasse um novo rumo. O novo rumo do CNAS foi construído por muitas pessoas, mas por duas em especial: a assistente social Márcia Pinheiro, que presidiu o CNAS por duas vezes e em uma delas em sua maior crise; e a assistente social Simone Albuquerque, que lutou como uma leoa para que o CNAS fosse um espaço de debates e de construção da Política de Assistência Social. Há muitos atores importantes, mas sem dúvida ambas foram fundamentais para que em 2011 o CNAS pudesse se libertar de arranjos históricos. Acredito que dei minha colaboração no CNAS nos períodos em que lá estive (2000- 02, 2005 e 2008). Ser conselheiro foi um exercício que exigia de todos nós muitas estratégias políticas, pois setores da sociedade civil faziam de tudo para criar uma dicotomia entre governo e entidades. Além disso, era um enorme problema o dia a dia de votação de processos. Votar aquela enorme quantidade de processos de registro e de Cebas era um grande desafio. As quintas-feiras eram os piores dias da semana, pois o CNAS virava um cartório, e nos corredores havia advogados, lobistas, entidades e ex-conselheiros. Era um mar de gente pedindo pelos processos de filantropia. Foram votados muitos processos a toque de caixa. Houve um erro do MDS em 2004 ao lançar um projeto que era meritório, mas que acabou sendo um problema. Ele se chamava Estoque Zero. O MDS queria zerar o estoque de processos no CNAS. Nós, conselheiros, recebíamos mais de cinquenta processos por mês para relatar. Nas terças e quartas devíamos nos dedicar aos debates da Política de Assistência Social, e nas quintas tínhamos um dia de enorme pressão e tudo era votado a toque de caixa. Isso acabou levando à confusão ética de março de 2008. Conheça o Artigo: Art. 17º Fica instituído o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução por igual período. § 1º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é composto por 18 (dezoito) membros e respectivos suplentes, cujos nomes são indicados ao órgão da
  • 41. 41 Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, de acordo com os critérios seguintes: I - 9 (nove) representantes governamentais, incluindo 1 (um) representante dos Estados e 1 (um) dos municípios; II - 9 (nove) representantes da sociedade civil, dentre representantes dos usuários ou de organizações de usuários, das entidades e organizações de assistência social e dos trabalhadores do setor, escolhidos em foro próprio sob fiscalização do Ministério Público Federal. § 2º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é presidido por um de seus integrantes, eleito dentre seus membros, para mandato de 1 (um) ano, permitida uma única recondução por igual período. § 3º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) contará com uma Secretaria Executiva, a qual terá sua estrutura disciplinada em ato do Poder Executivo. § 4º Os conselhos de que tratam os incisos II, III e IV do art. 16, com competência para acompanhar a execução da Política de Assistência Social, apreciar e aprovar a proposta orçamentária, em consonância com as diretrizes das conferências nacionais, estaduais, distrital e municipais, de acordo com seu âmbito de atuação, deverão ser instituídos, respectivamente, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, mediante lei específica. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) Desde sua criação, em 1995, o CNAS teve vários presidentes que se alternavam entre governo e sociedade civil. Essa pactuação sempre foi respeitada. Tivemos presidentes do governo como Gilson Dayrel, Marco Aurélio e Márcia Pinheiro, que exerceram por dois mandatos a presidência, e Silvio Yung, que por dois mandatos representou a sociedade civil. Desde 1995 o CNAS teve mais presidentes representando o governo do que a sociedade civil. A questão da Secretaria Executiva sempre foi um nó no CNAS. Sempre foi interpretada pelos conselheiros da sociedade civil como uma intervenção branca do governo nos rumos do conselho. Essa foi sem dúvida uma crise presente em todos os mandatos. Depois de dezesseis anos o CNAS chegou a seu melhor momento como órgão colegiado de deliberação, mas sem dúvida foi e tem sido um processo de muitos percalços políticos, técnicos e mesmo éticos. O Artigo 17º posiciona o CNAS em um novo patamar, o que é muito bom para a Política de Assistência Social.