1. A dívida pública portuguesa e os juros continuam a aumentar apesar da redução do défice, levantando questões sobre os limites dos cortes nos serviços públicos e aumentos de impostos.
2. Na UE, a situação é semelhante, embora atenuada na região central da Europa, revelando-se problemas políticos como a falta de democracia e aproximação dos limites do capitalismo.
3. A redução do défice em Portugal não tem nada de virtuosa, baseando-se na perda de direitos e cort
1. Dívida & Deficit – estratégia de empobrecimento
Resumo
A dívida pública portuguesa tem vindo a aumentar, tal como o volume dos juros, a
despeito da redução do deficit e isso leva a que se pergunte quais os limites para o
desmantelamento dos serviços públicos e para o aumento das receitas. Esta situação,
há muito deixou de ser um problema financeiro e o afundamento do BES, da empresa
de regime PT e os casos judiciais de corrupção revelam que há um problema político,
de regime.
Na UE o panorama é semelhante ainda que atenuado pela maior pujança económica
dos países do Centro; porém, a falta de democracia, a aceitação do TTIP e o caso
LuxLeaks revelam também uma aproximação dos limites físicos do capitalismo.
A redução dos deficits, mormente em Portugal, nada tem de virtuosa; baseia-se na
redução dos saldos primários negativos que mais não representam que a expressão da
perda de direitos e cortes em serviços públicos à população. E fazem o deficit quase
coincidir com os crescentes pagamentos de juros, como manda o BCE, a UE e o sistema
financeiro que os guia.
Sumário
1 - O drama caseiro é político
2 - Um plano europeu
3 – Evolução de receitas e despesas
4 - Composição do deficit: o saldo primário
5 – As taxas de juro implícitas
6 - A mobilização de receitas para pagamento de juros
++++++++++ / ++++++++++
1 - O drama caseiro é político
Todos sabemos a ladainha com que nos querem embalar; gastámos mais que as
nossas possibilidades, engordámos o Estado, construímos o deficit, tivemos de pedir
dinheiro emprestado e temos de o pagar arcando com sacrifícios que terminam
sempre no ano que vem. É a conversa com que adormeceram o Ti Alves que há dentro
de nós, com esperanças de concretização sempre adiadas, pelo comodismo ou o medo
de mandar a resignação pelo cano abaixo.
Ó Ti Alves
São poucas ou muntas
São poucas me menino
Mas prò ano
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 1
2. Já são mai muntas (Zeca Afonso – Ti Alves)
Observam-se várias formas de abordar a dívida e o deficit sendo mediáticas três
posições muito semelhantes no seio da classe política. Uns consideram que a
dualização da sociedade é virtuosa, redime todos os pecados; outros, sublinham a
evidência do desastre económico e social mas, acreditam que um passe de mágica
trará a felicidade.
a) Na área do actual governo há um discurso de continuidade da promessa de
regeneração, na base da austeridade e do despejo de crescente parte da população
para o lado de baixo do limiar da pobreza, para a emigração, para a inanição, para a
morte;
b) No âmbito da outra parte do partido-estado (PS), Costa ressuscitou a ideia da
mutualização da dívida apresentada por Seguro antes das eleições alemãs de 2013,
na esperança de que os camaradas do SPD ganhassem o escrutínio. Talvez Draghi o
consiga se… isso convier aos bancos;
c) Do lado mais à esquerda do parlatório de S. Bento, defende-se a reestruturação da
dívida que significa uma austeridade mais suave, havendo também quem defenda
uma delirante saída do euro e, concomitantemente, da UE.
Parodiando, o governo entoa a canção do Ti Alves (prò ano já são mai muntas); no PS
trauteia-se Chico Buarque (esperando o aumento do ano passado prò ano que vem); e
no pensamento fecundo da “esquerda” do sistema celebra-se D. Sebastião gritando
“morrer sim, mas devagar”.
Anos atrás a Irlanda opôs-se a algumas medidas da troika; e a Itália ou a França, têm
dívidas ou deficits enormes e não passaram pelo vexame de ver a sua economia
devassada e dirigida por funcionários que, trimestralmente, desembarcavam no
aeroporto. A Espanha recusou a troika mas, incluiu na sua Constituição a prioridade do
combate ao deficit oferecendo como contrapartida a imolação de milhões para o
desemprego, a salvação de bancos com práticas criminosas e o despejo de centenas de
milhar de pessoas. Em Portugal temos visto uma estrita obediência governamental, a
aceitação tácita do statu quo por parte da oposição, perante uma passividade
exasperante da população.
A situação em Portugal nada apresenta de virtuoso nem gerador de esperanças; todos
parecem resignados a esperar um ano por eleições que, tudo o indica, trarão a
continuidade da mesma má peça com novos figurantes (ou figurões), da mesma escola,
no palco.
No gráfico que se segue observa-se que os crónicos deficits oscilaram entre 3,1% e
6,4% do PIB até 2008 com um lento aumento da dívida e sem que daí resultassem
preocupações para a UE, para a classe política nativa e, muito menos para os barões da
banca; o financiamento da economia em geral1 (o deficit externo) estava por conta do
sistema financeiro que injetava crédito na economia – particularmente no imobiliário -
e nas famílias que o compravam - como nas infraestruturas públicas inseridas em
1 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 2
3. parcerias público-privadas – tudo, com o recurso a crédito obtido junto dos grandes
bancos dos países ricos da Europa, com fortes excedentes comerciais 2.
Fontes primárias: IGCP e Eurostat
A história mais recente é conhecida. Os bancos portugueses viram os seus
financiadores arredios depois da crise do subprime; a economia nunca mais apresentou
uma evolução satisfatória, o desemprego aumentou e os impostos caíram € 3300 M
entre 2008 e 2010. Momentaneamente, os bancos portugueses encontraram uma
solução; recorriam ao financiamento do BCE para comprar dívida soberana no mercado
(com grande diferencial entre as taxas de juro). Porém, já em 2011, o BCE fechou a
torneira aos bancos portugueses e estes, que até então se mostravam avessos a um
resgate, forçaram Sócrates a avançar nessa via, devidamente aconselhados pela triste
figura de um tal Carlos Costa, governador do Banco de Portugal 3.
Sublinhamos que mesmo não se tendo verificado a crise financeira global, a
estagnação do investimento em Portugal desde o início do século com o avolumar
assombroso, desde 1997, do crédito fornecido a empresas e particulares, constituíam
indicadores que anunciavam nuvens negras. O recurso a crédito externo aplicado
intramuros em algo pouco susceptível de gerar exportação, como o imobiliário, teria
de dar mau resultado; a centralização desses resultados no Estado foi a salvação
(provisória) do sistema bancário português, conforme expresso pelo já referido Carlos
Costa. Quanto ao sistema bancário português, o seu desabar tem-se vindo a observar
gradualmente – BPN, BPP, BCP, BES – até atingir em breve o topo, a estatal CGD que,
por enquanto, tem vindo a vender algumas pratas – área da saúde e dos seguros.
No gráfico acima, observa-se a grande subida da dívida, em paralelo com o deficit em
2008/10; a partir daí, com a entrada em cena da troika e da fidelidade canina do
governo Passos ao programa de resgate, o deficit cai claramente, em contrapartida de
cortes, congelamentos, aumentos de impostos taxas e criação de sobretaxas. Presumia-se
que a queda do deficit viesse a conter o crescimento da dívida ou até reduzi-la,
assim como diminuir o volume anual dos juros pagos; porém, isso não vem
acontecendo, como se não vê o fortalecimento do sistema bancário. Tem vindo a ser
decretada uma austeridade danosa e cabe perguntar até onde terá de baixar o deficit
ou melhor, qual a dimensão que deverá ter um superavit para que a dívida e os juros
anuais se reduzam. Pior, que redução terá de sofrer o conjunto dos serviços públicos
2 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/05/quando-divida-aumenta-democracia.html
3 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-2.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 3
4. através de encerramentos ou privatizações, em paralelo com acréscimos na punção
fiscal, para que a situação se altere? A troika arrumou as malas há seis meses e
aparentemente terminou o período do resgate; como chamar ao período subsequente
se, de facto, o desequilíbrio global das contas públicas se vem acentuando, como era
previsto por todos, excepto pelos sacerdotes do neoliberalismo e seus acólitos Passos
e Portas. Se o fim do programa de resgate deveria ter deixado uma economia mais
sustentada, a realidade revela um total fracasso desse desiderato. Quando se propunha
à plebe que, cumpridos com paciência de Job, três anos de sacrifícios, tudo estaria de
novo a funcionar a contento, o que se verifica é que os sacrifícios se revelaram inúteis
ou mesmo contraproducentes; na sua globalidade, as contas públicas não evidenciam
maior saúde do que em 2010.
No contexto que o gráfico revela, confirma-se o que demonstrámos meses atrás4; é
impossível o pagamento da dívida, de acordo com os planos governamentais de
gestão da dívida, pois seria necessário um crescimento de 8.8% a 12.6% no período
2014/2021 para honrar o exposto nesses planos… entretanto alterados em setembro.
Uma dívida de 20% do PIB, por hipótese, exige uma planificação da tesouraria e uma
dívida de 60% exige um cuidadoso planeamento financeiro; se uma dívida pública –
para mais em curto espaço de tempo – atinge 130% do PIB há um problema político,
de caráter sistémico. Exige-se uma mudança radical do sistema político e do modelo
de representação que torne insusceptível a um punhado de políticos e de banqueiros,
atingir duramente a vida da maioria da população e ainda comprometer a vida e o
bem-estar de quem resida em Portugal durante, pelo menos, os próximos trinta anos.
2 - Um plano europeu5
Iniciaremos em seguida a análise das relações atrás evidenciadas para Portugal com as
observadas para os países da UE, distribuídos pelas suas três áreas geopolíticas –
Centro, Periferia Leste e Periferia Sul (incluindo nesta a Irlanda, por comodidade). Essa
segmentação é uma forma de espelhar as grandes desigualdades que caraterizam o
projeto comunitário e vem sendo por nós utilizada com alguma frequência6 porque
clarifica territorialmente a ação do capital na hierarquização de territórios e povos. A
falta de dados relativos a muitos países da periferia, obriga a que estas sínteses se
reduzam apenas aos quatro anos mais recentes.
O observável acima para o caso português replica o que se passa nos grandes
conjuntos de países da UE ainda que matizado pela dimensão dos números ou pela
sua evolução. O aumento do volume da dívida pública no Sul, aumentou
substancialmente, enquanto no Leste se regista o menor peso no PIB, entre as várias
regiões, no período 2010/13. Quanto ao deficit, as reduções apresentam valores muito
4 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
5 Todos os dados de base têm origem no Eurostat e referem-se às administrações públicas, onde se incluem as administrações
central, regionais e locais e ainda a Segurança Social
6 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/09/a-nao-solucao-com-um-novo-escudo-1.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-2.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/06/o-projeto-ue-e-democracia-de-plastico_25.htmlplastico_25.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/02/soberania-soberania-nacional-e.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 4
5. próximos, ainda que em 2013 no Sul tenham aumentado as diferenças face aos outros
agregados.
As ações de redução dos deficits e de aumento da dívida reflete uma política comum,
de aumento da dependência face ao sistema financeiro. No processo de
estabelecimento de desigualdades destaca-se o Sul, podendo o Leste, mais
recentemente integrado na UE, vir a ser a vítima seguinte dentro de poucos anos.
Tomando a situação individual de alguns dos países da UE, mormente das vítimas
expressas ou implícitas da troika, nota-se um aumento generalizado do peso da divida
no PIB, entre 2010 e 2013, com uma única excepção, a Alemanha, a principal
beneficiária dos desequilíbrios externos no seio da UE e que, ocasionalmente coloca
dívida a taxas… negativas. A Irlanda, a Itália e Portugal chegam a 2013 num mesmo
patamar, após fortes crescimentos de que se exclui a Itália, com um aumento mais
moderado. O aumento do volume da dívida é potenciado pela concomitância com a
queda ou estagnação do PIB.
Na generalidade dos países destacados o deficit reduziu-se com excepção da Grécia
cujo valor se degradou em 2013. Isto denota que a redução do deficit se mostra
francamente ineficaz para produzir efeitos positivos significativos no volume da dívida
e que este, ao aumentar, revela as insuficiências da política orçamental. Para que os
deficits possam ser eficazes na redução das dívidas públicas, o seu nível teria de ser
muito mais alto e, como isso não seria socialmente aceite, os regimes atualmente
vigentes na UE teriam de assumir um nível repressivo e de redução de direitos que os
colocaria no dealbar do fascismo7. As políticas orçamentais atuais, com o seu
7 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/11/machete-e-suspensao-de-direitos.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/05/quando-divida-aumenta-democracia.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/01/v-behaviorurldefaultvmlo_5092.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 5
6. gradualismo, visam a habituação da população, por um longo período, à presença de
cortes, restrições e de aumentos de impostos, como algo de inelutável para que daí
não resultem prejuízos para o sistema financeiro global; esse gradualismo, por seu
turno, alimenta a ausência de uma real esquerda política e social na Europa.
Com o acréscimo do comprometimento dos Estados com a viabilização do sistema
financeiro, através do aumento dos juros pagos resultantes de um crescente recurso ao
crédito cria-se, em paralelo, a habituação da dependência face ao sistema financeiro, à
procura de financiamento exterior, por parte dos Estados, aliás, como imposto pelo
BCE. Isto é, confirma-se a integração dos Estados na órbita do sistema financeiro ou a
colonização daqueles pelo último, que se encarrega de nomear os governos com um
recheio onde dominam os seus homens de mão.
Se estão atingidos os limites da redução dos deficits e a dívida não para de crescer, o
natural aumento dos juros anuncia para breve situações de declarada impossibilidade
de pagamento, com impacto nos balanços dos bancos detentores de dívida, avaliada
então, como lixo pelas célebres agências de rating; o que não prenuncia momentos
felizes para o sistema financeiro.
Há dois caminhos possíveis;
• Contenção dos deficits e agravamento da fatura dos juros, derivado do
aumento da dívida, o que levará a prazo à insustentabilidade financeira dos
Estados devedores, com problemas graves para o sistema financeiro;
• Ou, o aumento dos deficits para acompanhar o crescimento dos juros até a
dívida estabilizar o que exigirá crescimento de cortes e restrições à população,
cuja imobilidade terá, certamente, um limite.
E a conclusão surge de imediato: se a dívida se torna impagável, os danos daí
resultantes são exportados para o sistema financeiro ou ficam como encargos para
uma população empobrecida?
Esta dicotomia é eminentemente política e levanta a questão do poder. A continuidade
no poder dos atuais partidos das constelações europeias do PPE e dos SDE, no poder
na generalidade dos países, tem os efeitos que se conhecem, em que a maior
preocupação é a manutenção do sistema financeiro nos cuidados intensivos,
alimentado com sucessivas transfusões provenientes dos europeus convertidos em
dadores forçados de sangue. Nada há a esperar daqueles gangs que em Portugal são
designados pelo revelador epíteto de “arco da governação”.
Dirão os mais ingénuos ou os mandarins dos partidos ditos de esquerda, com relevo
para os inscritos na constelação GUE/NGL do Parlamento Europeu – PC e BE em
Portugal, Syriza e KKE na Grécia e, desde Maio, IU e Podemos em Espanha - que estes
devem ter a sua oportunidade de governação. Não acreditamos minimamente;
primeiro porque não há uma séria concertação europeia entre essa esquerda onde
pairam chefias trotsko-estalinistas ou populistas, resumindo-se a espetáculos
mediáticos por onde circulam as estrelas de cada um e que não produzem quaisquer
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 6
7. efeitos de contágio ou entusiasmo nas populações. Em segundo lugar, o privilégio que
atribuem à vida parlamentar nacional ou europeia – essencial para a coleta dos apoios
estatais que alimentam as suas chefias e magotes de funcionários - torna-os
dependentes do sistema cleptocrático que os bancos cavalgam e conduzem; e a
perenidade desses privilégios exige-lhes o combate ou desarme político de grupos e
elementos anticapitalistas, autogestionários ou, mais amplamente, de gente que não
acredita minimamente nas virtualidades da democracia de mercado. Finalmente, quer
por inerência dos respetivos genes leninistas, quer por questões de segurança,
desconfiam das “massas” que procuram simultaneamente conter, controlar e seduzir;
sobretudo coartando-lhes quaisquer veleidades de mudança de paradigma económico
e político.
A preocupação corporativa e com o acesso à conveniente fatia do pote torna-os
sedentos de pontes com membros dos “arcos da governação”, de um desnudar de
qualquer radicalidade, de cumprimento escrupuloso dos rituais parlamentares; da
esperança na captação em suas órbitas de elementos dos partidos ditos “socialistas” o
que só acontece marginalmente (Oskar Lafontaine) pois todos sabem ser mais fácil
ascender ao pote através dos partidos tradicionais da direita do que nas hostes da
esquerda de plástico.
Admitamos que algum desses partidos assume o poder, mormente na Grécia ou em
Espanha. Na Grécia, a prática política do Syriza vem sendo gradualmente amaciada8,
rendendo-se à uma renegociação da dívida9 , numa pretensa e edulcorada resolução
do problema que na realidade não desagrada ao capital, porque não atinge o cerne da
eterna cobrança de juros. Por outro lado, suspender o pagamento da dívida até a
recuperação da economia o permitir, levantaria tantas dificuldades no exterior, só
compagináveis com uma forte mobilização popular que subvertesse a ordem
capitalista, reinventasse a democracia direta e a autogestão, algo que nenhuma classe
política admitirá, porque suicida10.
Na procura de defeções entre os apoiantes do governo grego, o Syriza não tem
apoiado ou dinamizado as movimentações sociais, para se mostrar credível, cordato,
responsável e dialogante para com a troika e o patronato grego; mesmo que ganhe as
próximas eleições não será o Syriza de 2012 que as ganhará.
Quanto ao Podemos, que nasceu de um genuíno, amplo e diversificado movimento
popular, vem sendo adulterado por práticas que o procuram transformar num partido
comum – com um caudilho, piramidal e no qual se pretende firmar a distância entre a
direção e os militantes comuns11. A decidida aposta na cartada eleitoral, no mediatismo
de Iglésias nada tem a ver com a prática democrática, o consenso em decisões abertas,
o ativismo local ou em lutas sociais concretas. A forte votação em maio (Parlamento
8 https://www.diagonalperiodico.net/movimientos/24644-mitralias-advierte-la-situacion-emergencia-europa-por-auge-la-extrema-
derecha.html
9 Realizar una auditoría sobre la deuda pública. Renegociar su devolución y suspender los pagos hasta que se haya
recuperado la economía y vuelva el crecimiento y el empleo
(http://www.izquierda-unida.es/sites/default/files/doc/programa_syriza.pdf)
10 https://www.diagonalperiodico.net/movimientos/24644-mitralias-advierte-la-situacion-emergencia-europa-por-auge-la-extrema-
derecha.html
11 Aplica-se ao jovem partido a chamada lei de ferro das oligarquias, segundo a qual uma cúpula estrita e fechada, controla a
informação, a colocação de quadros aos quais exige uma fidelidade canina (Robert Michels, Les partis politiques; essai sur les
tendances oligarchiques des démocraties)
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 7
8. Europeu) e as sondagens recentes acentuam a aposta na arena eleitoral e o populismo
dos seus dirigentes estará a mudar o perfil dos entusiastas pelo Podemos atraindo e
até a secando o PSOE e a IU mas, a perder a base militante que colocou a Espanha no
mapa do ativismo a partir de 15 de maio de 201112.
3 – Evolução de receitas e despesas públicas
Convém que observemos, em grandes linhas as causas dos deficits e da sua evolução, a
partir dos elementos mais globais que os definem - as receitas e as despesas públicas,
e tendo em conta que as segundas incluem os juros da dívida.
A comparação entre as receitas e despesas totais revela para as grandes regiões da UE
mostram um crescimento generalizado das primeiras, muito superior ao das segundas,
sendo evidentes as diferenças entre as várias regiões.
Assim, a subida das receitas no Sul é muito fraca e é acompanhada por uma redução
da despesa, realidade que deixa transparecer a vigência das políticas de austeridade;
no Leste a subida das receitas é elevada e tem como contrapartida um pequeno
12 Iglésias foi eleito como caudilho com 95.311 de 107488 votantes, sabendo-se que o partido tem mais de 250000 inscritos
http://www.tvi24.iol.pt/internacional/espanha/pablo-iglesias-eleito-secretario-geral-do-podemos
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 8
9. crescimento das despesas; finalmente, nos países do Centro, o crescimento das receitas
é o mais elevado entre as três áreas geopolíticas, tal como acontece com as despesas.
Curiosamente, a amplitude das diferenças entre as variações de receitas e despesas é
da ordem dos 7%, excepto no Leste, onde é superior a 9%.
A desproporção entre o crescimento das receitas face ao das despesas revela políticas
de contínuo aumento da punção fiscal associado a uma geral procura de contenção e
reorientação dos gastos públicos. Essa política sendo global, revela-se na proximidade
existente entre as reduções percentuais dos deficits das várias regiões - 46.6% para o
total da UE, 50.1% no Centro, 52% no Leste e um pouco inferiores no Sul (39.3%), para
o período 2010/13.
A desproporção entre os aumentos das receitas e das despesas denota que não é o
bem-estar das populações que fomenta o aumento da cobrança de impostos, como
grande fonte de financiamento dos aparelhos de estado. Esse aumento das receitas
oscila entre 3.3 e mais de 4% anuais para todos os agregados regionais, excepto no
Sul, onde não ultrapassa os 1.1% anuais. Os resultados da política comunitária são
comuns para todos os países; porém, onde a intervenção da troika se evidenciou
formalmente (Chipre, Grécia, Irlanda e Portugal), ou sem formalidade (Espanha e Itália)
os resultados mostram a maior violência da sua aplicação, visando a redução da
intervenção estatal nas áreas sociais de que a população em menor ou maior grau
beneficia, a passagem de bens e serviços da esfera pública para a gestão e propriedade
privada, com aumentos nos custos de acesso e ainda privatizações impostas que só
beneficiam os empórios compradores. Para além de acarretarem com custos de
financiamento mais elevados e as responsabilidades de suportarem a sustentabilidade
dos sistemas financeiros nacionais.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 9
10. O detalhe aplicado aos países do Centro revela o padrão da diferenciação entre os
ritmos de crescimento entre receitas e despesas, sendo de realçar a Alemanha e a Grã-
Bretanha; por outro lado, na Holanda há mesmo uma redução absoluta das despesas
enquanto a Suécia se mostra como o único caso em que as despesas públicas
ultrapassam o aumento observado para as receitas.
O padrão observado no Centro é ampliado no Leste com elevadas taxas de
crescimento da punção fiscal muito acima do crescimento das despesas, sobressaindo
a Letónia, vítima dos rigores decretados pelo FMI; a Rep. Checa apresenta mesmo uma
redução efetiva das despesas enquanto a Estónia acresce as despesas mais do que as
receitas (ambas com elevado crescimento) num género de aplicação do observado do
outro lado do Báltico, na Suécia e na Finlândia.
Na Periferia Sul a situação apresenta vários perfis. Malta mostra elevados crescimentos
de receitas e despesas enquanto a Eslovénia faz elevar bastante o nível da despesa em
paralelo com escasso acréscimo das receitas. A Irlanda apresenta um caso extremo de
aumento da punção fiscal em paralelo com uma enorme quebra da despesa; mas, as
reduções da despesa são comuns a vários países – Chipre, Croácia, Espanha, Grécia e
Portugal pior do que a Itália, que se permitiu um aumento minúsculo. Espanha, Irlanda
e Portugal são os únicos casos em que as receitas, crescentes, acompanham claras
reduções das despesas públicas. A periferia Sul apresenta-se pois, como uma área de
experimentação social, na sequência do rebentamento de bolhas imobiliárias, ou de
incapacidade da continuidade do refinanciamento no exterior por parte dos bancos
indígenas.
4 - Composição do deficit: o saldo primário
O saldo primário define-se como a resultante da diferença entre receitas e despesas
públicas, quando a estas últimas se subtraem os juros da dívida; isto é, o saldo das
contas públicas excluído o produto do endividamento e da vassalagem ao sistema
financeiro.
O seu significado político é enorme numa época em que os Estados recorrem
frequentemente aos “mercados” financeiros para efeitos diversos, como resolver
problemas de tesouraria, realizar investimentos, para apoiar bancos em apuros ou,
mais genericamente, para financiar deficits públicos crónicos. E, de facto, estes últimos
tendem a ser crónicos porque inseridos na lógica do capital financeiro interessado em
garantir uma aplicação permanente de fundos e assegurar desse modo o pagamento
tendencialmente perpétuo de juros.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 10
11. Reproduzimos aqui o que expendemos, meses atrás, sobre o saldo primário13.
Mais interessante é a evolução do saldo primário que mais não é que a diferença
entre receitas e despesas públicas, excluídos os juros da dívida. O saldo primário é
um parâmetro fundamental para se observar o grau de subalternidade de um país
face ao capital global, como explicitaremos adiante.
O saldo primário é o elemento central a partir do qual o capital financeiro, através
das suas instituições globais (FMI, BCE) baliza o volume do endividamento que,
magnanimamente é concedido a um país; e, a partir daí, dar indicações para a
especulação, para os “mercados” definirem o interesse e as taxas de juro da dívida
pública ou privada de um país.
Por outro lado, esse saldo constitui o elo de ligação entre uma economia nacional
endividada, subalterna, dependente e o capital financeiro global. O Estado, tendo
em conta a fragilidade de um capitalismo nacional que representa, com empresas
descapitalizadas, endividadas e de fraco desempenho, constitui o intermediário
entre esses capitalistas de segunda escolha e o todo poderoso capital financeiro
global, nada interessado em dialogar diretamente com empresários de vão de
escada, ignorantes e com fraca capacidade de gerar rendimento. O Estado é, pois,
nomeado pelo capital financeiro para organizar e maximizar os rendimentos
subtraídos à população, através da punção fiscal e do abate em despesas sociais. O
Estado ocupado pelo gang governamental assume a gestão da coleta, emitindo
decretos e despachos e, se necessário, aplicando a repressão policial ou tribunalícia.
Tudo isto é aplicado a Portugal ou à esmagadora maioria dos povos incluídos em
nações dependentes e com grandes lacunas de soberania.
Perante isso, o capital financeiro observa o volume do saldo primário, medido em
percentagem do PIB, para aferir as capacidades de endividamento de um país, do
mesmo modo que um banco avalia a taxa de esforço de uma família que pretende
um empréstimo para a compra de habitação. As regras técnicas são as mesmas; se
existe um valor positivo do saldo primário de um país esse é o valor que o capital
financeiro vai considerar para o pagamento de juros. Sublinhe-se que o pagamento
do capital emprestado não é relevante uma vez que o sistema financeiro pretende o
endividamento eterno para gerar rendimentos permanentes. Pretende-se apenas, a
todo o momento, sinais de solvência e capacidade de pagar os juros.
Neste contexto se a gestão normal do Estado conseguir gerar um saldo primário
compatível com a fatura dos juros da dívida, menos mal se esse saldo não resultar de
uma sobrecarga fiscal e/ou de uma redução quantitativa ou qualitativa daquilo que se
diz constituir o objetivo dos Estados – fornecer bem-estar à população.
Se um saldo primário positivo não conseguir fazer face aos juros da dívida ocorrerá
uma necessidade de financiamento por parte do Estado; situação bem mais
complicada quando o saldo primário é ele próprio negativo. Em qualquer caso, as
classes políticas farão surgir no éter a ladainha do “vivemos acima das nossas
possibilidades” seguida de cortes, aumentos de impostos e privatizações, sacrifícios.
13 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/05/a-obra-suja-do-passos.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 11
12. Um deficit corresponde à soma dos juros com o saldo primário e o exemplo seguinte
ilustra as duas situações;
A B
1 Receitas 210 300
2 Despesas s/juros 200 350
3=1-2 Saldo primário 10 -50
4 Juros -15 -40
3+4 Deficit -5 -90
Na lógica keynesiana o deficit será virtuoso porque incentivador do crescimento da
economia; na cartilha neoliberal, o Estado deve ser um mero regulador da concorrência
e neutro em termos económicos, com saldo nulo nas contas públicas, para não retirar
recursos do “mercado”. A economia não se confunde com a econometria nem com
modelos macroeconómicos, tem gente que protagoniza relações económicas e sociais
e por isso o que conta é a economia política; e por isso a satisfação das necessidades
coletivas não pode passar pelo Estado, entidade colocada acima e fora da vida das
pessoas, mas por estas mesmas, dispensando o aparelho tentacular e repressivo do
Estado.
O saldo primário (receita menos a despesa total expurgada dos juros) revela que, se
não fossem os juros, as contas públicas no seio da UE apresentariam deficits reduzidos
em 2013, como resultado da sua substancial redução, no período considerado e para
todos os agregados regionais. Excluídos os juros, os deficits seriam, em 2013 da ordem
de 1.2% para toda a UE e 1.9% para a periferia Sul, com 0.9% para o Centro e 1.4% para
o Leste.
Esta evolução altera completamente a composição do deficit entre juros e saldo
primário - todos negativos para as grandes regiões da UE - revela como a gestão
global das contas públicas se subordinou ao pagamento dos juros e como o capital
financeiro foi isento dos sacrifícios e das perdas que atingiram os europeus na sua
generalidade, com realce para as vítimas da troika. Nos gráficos que se seguem,
chama-se a atenção para a diferença de escalas patente entre as várias figuras.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 12
13. Em todos os agregados geopolíticos a situação é semelhante: relativa estagnação dos
encargos com a dívida e redução substancial do saldo primário, como contribuinte
para o deficit.
Numa época de recessão com os laivos de deflação que tanto preocupam Draghi, o
BCE e os bancos, a manutenção de uma receita desta dimensão – deficit de 3.3% do
PIB da UE em 2013 (6.6% em 2010) é um bálsamo, uma renda bancária que tenderá a
eternizar-se, tendo em conta o domínio que o sistema financeiro detém sobre as
classes políticas europeias; e sem contar com outras rendas, no âmbito de
financiamentos de curto prazo ou de empresas públicas, financiamento de
adjudicatárias de empreitadas públicas, etc. As diferenças na aplicação da austeridade,
das alterações nos parâmetros fundamentais da política social – idade da reforma,
apoios no desemprego, desenvolvimento de grandes bolsas de pobreza e precariedade
– evidenciam as cautelas que o capital financeiro tem para garantir os juros, cujos
indicadores são transmitidos pelas agências de rating.
A deflação dificulta o oleamento da máquina financeira, de colocação acrescida de
crédito. As empresas não se endividam, porque mais ou menos insolventes ou porque
as oportunidades de negócio são escassas; os particulares não têm qualquer segurança
quanto ao futuro e a sua procura de crédito é também escassa. Por outro lado, a banca
apresenta elevados ratios de créditos malparados e de ativos tóxicos, correspondentes
a cerca de 9% do PIB da Zona Euro, conforme revelado nos recentes testes de stress
efetuados pela Autoridade Bancária Europeia (EBA), mostrando-se também por isso,
muito cautelosa. Acrescente-se que as dificuldades das empresas comprometem a
distribuição de lucros que, não valorizando as suas ações, afetam os lucros dos
“mercados financeiros”; por outro lado, a especulação com matérias-primas
alimentares ou energéticas tem pela frente conjunturas regionais muito voláteis. Neste
panorama pouco animador, os empréstimos aos Estados – que nunca vão à falência,
sublinhe-se – constituem uma aplicação muito segura e de rendimento assegurado
como assegurada está a existência de um tomador de imediato garantido, o BCE, no
capítulo da zona euro.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 13
14. O modelo é simples. O BCE fornece liquidez aos bancos a taxas ridículas (0.05% desde
setembro) e aqueles utilizam o dinheiro na compra de títulos soberanos; e, querendo,
podem revendê-los ao BCE que assim, recoloca capital à disposição dos bancos
financiando, simultaneamente os Estados e mantendo formalmente incólume a sua
ortodoxia de não os financiar. Este intermediarismo dos bancos é bastante lucrativo.
O funcionamento das economias, com a maior quantidade e celeridade de
apuramentos estatísticos, com o escrutínio de instituições supranacionais - o Eurostat,
o BCE, o Eurogrupo e a Comissão Europeia, para além da OCDE e o FMI - todas são
objeto de lobbying ou dirigidas por elementos provenientes e ao serviço do capital
financeiro; todo esse conjunto, dizia-se, garantem que os governos serão complacentes
com a satisfação dos seus interesses.
Os gráficos que se seguem contemplam a evolução dos montantes contabilizados
como juros de dívida e dos saldos primários, para todos os países da UE.
Pesem embora as diferenças, sobretudo relativas à disparidade das dimensões dos
países e das suas economias, o volume dos juros respetivos não oferece grandes
alterações entre os dois anos em cotejo. No Centro, as maiores diferenças e em sentido
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 14
15. contrário registam-se na Holanda (-12.3%), na Alemanha (-11%), crescendo na Grã-
Bretanha (11%); na periferia Leste, o volume dos juros aumenta em todos os países,
com relevo particular para a Eslováquia (58.5%), a Roménia (32.5%) e a Estónia; por fim,
na periferia Sul, sublinham-se as grandes subidas na Espanha (68.9%), Portugal (61.9%),
Eslovénia (56.3%) e Irlanda (55.6%), em quase todos se observando a atuação da troika
enquanto que a Grécia conseguiu reduzir a carga de juros (-45.1%) embora com custos
sociais enormes, como se sabe.
No capítulo dos saldos primários apresentados pelos países do Centro há cinco países
que passaram a situações de saldo negativo para positivo – Bélgica, Dinamarca,
Alemanha, Luxemburgo e Áustria - como resultado de mesclas de aumentos de
receitas e reduções ou baixo crescimento das despesas, libertando assim fundos para
compensar parcialmente (totalmente no caso da Alemanha) os encargos com juros.
Dos restantes, três reduziram substancialmente os seus saldos negativos – França.
Holanda e Grã-Bretanha. A Suécia apresenta o único caso em que o saldo primário
passa a negativo em 2013, comparativamente a 2010.
Na periferia Leste, há três países que passaram de saldos negativos para positivos, com
realce para a Hungria, reduzindo quase todos os outros os seus saldos negativos, no
período 2010/13 e de modo significativo. Quanto à periferia Sul somente a Itália
apresenta um saldo positivo nos dois anos comparados, muito aumentado em 2013.
Há somente dois casos de passagem de saldo primário negativo para positivo
(Portugal e Malta) e quatro países com expressivas reduções de situações negativas,
destacando-se a Irlanda (- 95%) e a Espanha (-54.3%).
Em suma, os montantes dos juros são, na sua maioria, crescentes, tornando-se a
principal parcela do deficit; por seu turno, são as reduções em saldos primários
negativos que permitem a redução dos deficits.
Em Portugal. o volume dos juros pagos oscila, grosso modo, no intervalo € 4000/5000
M até 2007 e o saldo primário tem um período com valores expressivamente negativos
que coincidem com os governos de Durão e Santana (gráfico abaixo). Os saldos
primários voltam a ser muito negativos no início da crise, em 2009/2010 anunciando a
futura intervenção externa; reduzem-se depois e, substancialmente, em 2012,
assumindo mesmo um valor positivo no ano transato, sob o efeito do plano de resgate
monitorado pela troika. É a partir de 2011 que a fatura dos juros sai largamente do seu
limite habitual, dos € 5000 M, correspondendo ao crescimento acelerado da dívida
pública (escala da direita).
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 15
16. 5 – As taxas de juro implícitas
Consideramos como taxa de juros implícita a percentagem que os juros da dívida
pública representam no montante total da dívida, em cada um dos anos, para o
conjunto da UE e para as regiões geopolíticas.
São evidentes e consolidadas as diferenças entre as várias regiões, quanto às taxas de
juro da dívida pública. Na periferia Leste comparativamente ao Centro as diferenças
eram de 1.23% em 2010 contra 1.62% três anos depois; no caso da periferia Sul a
distância face ao Centro também se alargou passando essa diferença de 0.34% em
2010, para 0.85% em 2013.
Estes agravamentos relacionam-se com vários factores. Os deficits nas economias mais
frágeis são tomados como elementos de maior risco para os bancos do que outros de
igual dimensão gerados em países mais ricos e isso é expresso pelas consagradas
empresas de rating;. O sistema bancário no Centro, ainda que em dificuldades, tem
instituições mais capitalizadas, abastecidas pelos superavits externos dos seus países,
ao contrário do que acontece nas periferias. As desigualdades decorrentes da divisão
de trabalho no seio da UE beneficiam os países do Centro face aos periféricos e isso
conduz a leituras diferentes por parte dos bancos e é expressamente afirmado pelas
instituições da UE no âmbito das suas ortodoxias neoliberais.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 16
17. Note-se que as taxas baixam regularmente a partir de 2011 no Centro enquanto que
em 2012 se observam subidas, particularmente na periferia Leste.
Entre os países do Centro há uma redução geral das taxas de juro implícitas, entre 2010
e 2013; o mesmo acontece na periferia Leste excepto para a Hungria, a Letónia e a
Eslováquia; finalmente, na periferia Sul, dentro de uma maioria de descidas, há quatro
países onde a taxa implícita de juro aumenta (Irlanda, Espanha, Itália e Portugal). As
situações extremas em cada uma das regiões geopolíticas é a seguinte:
Centro Leste Sul
Taxa mais alta em 2013 Dinamarca (3.86 %) Hungria (6.09 %) Croácia (4.49 %)
Taxa mais baixa em 2013 Luxemburgo (1.79 %) Estónia (1.37 %) Grécia (2.28 %)
Maior variação 2010/13 Holanda (-0.86 pp)
Hungria (0.89 pp) Portugal (0.85 pp)
Estónia (-0.65 pp) Grécia (-1.80 pp)
Menor variação 2010/13 Luxemburgo (-0.24 pp)
Letónia (0.12 pp) Itália (0.07 pp)
Polónia (-0.20 pp) Croácia (-0.06 pp)
6 - A mobilização de receitas para pagamento de juros
A parcela das receitas públicas dirigida para o pagamento de juros14 atinge um máximo
para a UE em 2011 decaindo desde então, cifrando-se em 5.9% do total em 2013. Essa
evolução reflete o que se passou no Centro só que aqui o peso dos juros nas receitas é
significativamente mais baixo – 4.7% em 2013. Por seu turno, na periferia Leste há um
ligeiro acréscimo nos dois últimos anos, situando-se o indicadores correspondentes
um pouco abaixo da média comunitária, ainda que não com idêntica tendência.
Os indicadores da periferia Sul são francamente dissonantes, pela evolução e apesar da
ligeira quebra em 2013 quando o ratio se fixou em 9.7%, valor que é mais do dobro
daquele observado para o conjunto dos países do Centro. Expressa bem que a punção
financeira imposta através do juros, explica o corte de despesas e a austeridade, tal
como a aplicação de medidas para o aumento dos impostos; espelha, de facto as
desigualdades que se vêm acentuando no contexto da UE.
14 Não se inclui aqui, naturalmente o pagamento de amortizações dos empréstimos, até porque essas, na maioria dos
casos são compensadas com a emissão de nova dívida em maior volume
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 17
18. Mesmo dentro de cada uma das regiões geopolíticas há casos muito distintos. No
Centro, enquanto a Grã-Bretanha apresenta um indicador de 7.3%, no Luxemburgo ele
não passa de 1% e na Suécia 1.6%; e no Leste, os casos extremos são a Hungria, com
9.7% e a Estónia com 0.4%. A situação na periferia Sul merece maior detalhe.
No Sul, excepto a Grécia - que detinha um nível elevadíssimo em 2010 e Malta, todos
os outros países aumentam o peso dos juros. A Irlanda e Portugal destacam-se pelo
maior peso dos juros na receita em 2013 como ainda por serem aqueles onde o
aumento foi maior.
A evolução deste indicador para o caso português não justifica o optimismo com que a
governação Passos. A parcela das receitas das administrações públicas dedicada ao
pagamento de juros passou de 7.2% em 2010 para 11% em 2013 e quando se compara
a situação para o primeiro semestre do ano em curso com o período homólogo de
2013, não se observa grande diferença – 11.9% no ano presente contra 12.1% no ano
passado, apesar do cuidado que tem sido colocado na efetivação da punção fiscal
junto de trabalhadores e pensionistas, enquanto se reduz a taxa de IRC e o imposto de
selo cobrado nas operações financeiras… que, no entanto, se não inibe de o repercutir
para juzante.
Haverá quem reze pelos bons resultados da cobrança de dívida fiscal junto de
empresários relapsos ou falidos para que a sobretaxa de IRS encolha ou desapareça em
2016. Os portugueses são um povo de fé; por isso apostam valentemente no
euromilhões e menos na contestação ou na desobediência. Como transcrito de início,
diz o Ti Alves, “mas pró ano já são mai muntas”
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/11/2014 18